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Filosofias abertas e filosofias fechadas


Podemos classificar as filosofias de abertas ou fechadas. As primeiras são aquelas dispostas a
aceitar que as coisas possam ser descritas nos termos contrários aos delas. Por exemplo,
Aristóteles dizia que todos os homens têm por natureza o desejo de conhecer, contudo, também
admitia a existência de privação, que é a amputação de uma capacidade que temos por
natureza. Não há nenhum ser de nenhuma espécie que consiga exprimir a sua natureza sem
privação de espécie alguma, só a espécie pode manifestar todo o conjunto. Então, concluímos
que nenhuma homem pode realizar perfeitamente o desejo de conhecer e é fácil de admitir que
em muitos predomine o desejo de ignorar. Em geral, toda a obra de Aristóteles é permeada por
este “jogo”, em que coisas que parecem ser afirmações taxativas aparecem depois atenuadas ou
até invertidas, porque ele era um homem da experiência real e são assim que as coisas aparecem
de facto. A maior parte da obra de Aristóteles é constituída de observações e só uma reduzida
destina-se à teorização filosófica. As filosofias abertas são aquelas que atendem à limitação do
seu próprio discurso, entendendo que a realidade deve permanecer em aberto e que todas as
afirmações podem ser atenuadas ou contraditas, não com o intuito de as impugnar mas para as
completar e enriquecer.
As filosofias fechadas são as que não deixam escapatória, obrigando-nos ou a concordar com
elas ou a jogá-las fora. Por exemplo, Kant diz que não podemos conhecer nada que vá além dos
sentidos, o que é logo desmentido pelas experiências de morte clínica. Então, ou aceitamos esta
filosofia e ignoramos os factos ou negamos a validade da filosofia a partir da constatação dos
factos. Claro que também podemos considerar a filosofia de Kant apenas como parcialmente
verdadeira, como um símbolo hiperbólico de certas experiências, mas isto já é um arranjo
posterior para o qual Kant não deu elementos. As doutrinas religiosas também podem ser
abertas e fechadas, sendo o gnosticismo um exemplo claro de uma doutrina fechada, que
exprime apenas uma experiência de desespero humano transmutada em linguagem doutrinal.
Cada ente particular contém em si elementos simbólicos que nos abrem para o conhecimento da
sua dimensão universal assim como para o conhecimento da nossa própria 329
universalidade. Então, a nossa disciplina filosófica interior deve consistir em avançarmos na
percepção do sentido universal de cada coisa que acontece. Devemos absorver esta disciplina
até ela se transformar num traço da nossa personalidade.
Os momentos de maior angústia e desespero são aqueles em que perdemos toda a dimensão de
universalidade e a situação empírica parece encerrar toda a realidade. Isto pode acontecer numa
situação de dor física intensa ou numa depressão profunda. A principal ocupação do demónio é
construir situações sem saída, que no fundo não passam de impressões que prendem as pessoas.
Mas o nosso pensamento também cria o mesmo tipo de labirintos através da acumulação de
convicções e crenças, que funcionam como limitações e obstáculos. O que devemos sempre
lembrar é que, por pior que seja a nossa situação, existe sempre algo para além dela.
A mentalidade fechada é também estimulada pela ciência moderna. Diz-se que o reducionismo é
uma perversão da ciência, mas na realidade o próprio espírito da investigação científica baseia-
se numa série de simplificações, até reduzir o objecto a um mecanismo facilmente expressável
em termos matemáticos. α91

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