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SISTEMA DE CASAMENTO

Autor: Jomo Kenyatta


Tradução: Anin Urasse

O presente texto é uma tradução do oitavo capítulo do livro “Facing Mt.


Kenya” de Jomo Kenyatta, Vinntage Books Edition, 1965.

Na comunidade Gikuyu o casamento e suas obrigações ocupam uma posição de


grande importância. Um das excepcionais características no sistema de casamento
Gikuyu é o desejo de cada membro do povo de fortalecer seu próprio grupo familiar, e
isso significa estender e prolongar o mbari (clã) de seu pai. Isso resulta em fortalecimento
do povo como um todo.
Podemos mencionar aqui que o sistema Gikuyu de namoro é baseado em amor
mútuo e gratificação dos instintos sexuais entre dois indivíduos. E, além disso, a família é
constituída pela união permanente entre um homem e uma mulher ou muitas mulheres.
Através da cerimônia de casamento um homem adquire o direito exclusivo de ter relações
sexuais com a mulher ou mulheres com quem casou. Ao selar o contrato matrimonial o
casamento deixa de ser meramente um assunto pessoal, pois o contrato vincula não
apenas o noivo e a noiva, mas também seus parentes. Torna-se dever produzir filhos e as
relações sexuais entre um homem e sua esposa ou esposas são encaradas como um ato
de produção e não meramente como a gratificação de um desejo corporal. O costume
Gikuyu exige que um casal deve ter pelo menos quatro filhos, dois meninos e duas
meninas. O primeiro homem é considerado como perpetuando a existência do pai do
homem, o segundo como perpetuando o pai da mulher. As primeiras e as segundas
crianças do sexo feminino cumprem o mesmo dever ritual para com os espíritos de seus
avós de ambos os lados. Os filhos recebem nomes das pessoas cujos espíritos
representam.
O desejo de ter crianças é profundamente enraizado nos corações de ambos,
homem e mulher, e ao entrar numa união matrimonial eles consideram a procriação como
o maior e mais sagrado dever. Um casamento sem filhos numa comunidade Gikuyu é
praticamente um fracasso, crianças trazem alegria não somente para seus pais, mas
também para o mbari (clã) como um todo. Na sociedade Gikuyu a constituição de uma
família traz com ela a ascensão de status social. A posição social de um homem e mulher
casados que têm filhos é de maior importância e dignidade do que de um solteirão ou
solteirona. Após o nascimento da primeira criança o casal se torna objeto da mais alta
consideração da parte de seus colegas do que antes.
O casamento é um dos mais poderosos meios de manutenção da coesão da
sociedade Gikuyu e de reforçar essa conformidade ao sistema de parentesco e à
organização tribal sem a qual a vida social é impossível.
A característica mais interessante no sistema de casamento Gikuyu é a maneira
pela qual os casamentos são solenizados para a validade do casamento, e a posição
social das mulheres na comunidade é determinada pelo cumprimento dos deveres
comunais regulados pelo costume do casamento. Vamos dar aqui uma descrição
completa das cerimônias de casamento Gikuyu como eles são realizados hoje.
Há muita confusão nas mentes de muitos escritores que têm tentado explicar o
sistema de casamento e a posição da mulher na comunidade africana. Alguns,
especialmente missionários, tem ido tão longe como dizer que mulheres africanas são
consideradas como meros bens móveis dos homens. Antropólogos bem informados
concordam que isso é errôneo e uma má concepção do costume social africano. A partir
da explicação que segue acerca da instituição do casamento entre os Gikuyu, o leitor
pode julgar se a compra é ou não uma característica do sistema de casamento Gikuyu.

ESCOLHA DOS COMPANHEIROS

Na comunidade Gikuyu garotos e garotas são deixados livres para escolher seus
companheiros, sem nenhuma interferência da parte dos pais de ambos os lados. Desde a
mais tenra infância há intercursos sociais próximos entre ambos os sexos, o que propicia
a estes uma oportunidade de tornar-se familiarizados uns aos outros por um tempo
considerável antes que o namoro comece. Assim, um julgamento apressado ao escolher
um esposo ou esposa está praticamente fora de questão.

PRIMEIRO ESTÁGIO

Quando um garoto se apaixona por uma garota, ele não pode dizer a ela
diretamente que ele a ama ou exibir sua devoção publicamente, uma vez que isso poderia
ser considerado pelos Gikuyu como mal educado e inculto. Portanto, ele discute a
questão com um dos seus melhores amigos do grupo etário ao qual ele pertence. Então,
eles fazem uma visita à casa da garota. Na sua chegada à herdade da garota eles entram
na casa da mãe dela. A garota e sua mãe trocam saudações com eles. A mãe, então,
oferece algum refresco a eles e imediatamente se retira. Nesse momento os rapazes e a
moça são deixados sozinhos. Nesse estágio, a conversa deve começar da seguinte
maneira: Um dos garotos se dirige à garota: "Mware wa Njuguna?" (Filha de Njuguna),
“Você não gostaria de nos perguntar por que nós viemos aqui essa noite?"
A garota responde: "Não, não é necessário te perguntar isso. O costume Gikuyu
prevê que qualquer um que esteja passando pode entrar e ter uma refeição conosco."
O garoto: "Correto, Mware wa Njuguna, mas nós estamos procurando por uma
herdade onde nós possamos ser adotados e alimentados e abrigados não somente
quando estivermos passando, mas enquanto filhos desta herdade."
Com essa afirmação, a garota então sabe o objetivo deles, e ela pede que
definitivamente declarem qual deles está procurando a adoção. O garoto então aponta
para o seu amigo que está apaixonado pela garota. Se ela aceitá-lo enquanto futuro
marido ela diz a eles que se vão e voltem outra hora. Algumas vezes duas ou três visitas
desse tipo são feitas. Quando ela dá sua resposta final, ela diz a eles: "Eu estou disposta
que o filho de fulana e ciclano seja adotado à nossa herdade, mas a parte cerimonial é
uma responsabilidade dos meus pais. É melhor você falar com eles sobre isso".
Se ela não aceitá-lo, ela diz: "Nossa casa não é grande o suficiente para adotar
alguém no momento", e eles se vão.

SEGUNDO ESTÁGIO

Se aceito, o amor dela vai pra casa e reporta a questão a seus pais. Então eles
preparam mel e cerveja de cana de açúcar, os quais são levados para os pais da garota.
São carregados em duas cabaças, uma grande e outra menor. Essa cerveja é conhecida
como njohi ya njoorio, isto é "a cerveja de pedir a mão da garota". Quando os pais das
duas partes se conhecem, a primeira coisa que os pais da garota fazem é prover os
visitantes com comida antes que eles toquem na questão do matrimônio. Depois disso
eles explicam o objetivo da visita, mas a maior parte da conversa acerca do futuro dos
seus genros e noras é feita através de provérbios. A garota é chamada e, após ser
apresentada, a ela é perguntado se ela concorda em noivar. Como ela não pode
responder diretamente sim ou não, uma pequena cerimônia é necessária. Então, ela é
solicitada a, gentilmente, buscar um chifre particular usado para beber cerveja; então,
enchê-lo de cerveja e repassar para seu pai que, após sorver um pouco e cuspir fora,
salpica um pouco no peito. Ele então entrega-o a sua esposa que faz o mesmo. O chifre é
preenchido uma segunda vez e entregue as pais do garoto que repetem o mesmo
procedimento. Em cada caso a garota toma um gole primeiro em sinal de consentimento.
Se o amor foi recusado ela se reporta a seus pais que, se quiserem que seu filho
se case com a garota, deve visitar os pais dela. A mesma cerimônia ocorre, mas se a
garota desaprova, ela não irá despejar a cerveja ou tomar o primeiro gole. Os pais
visitantes então vão embora.
Quando a cerimônia inicial dos pais é finalizada e a garota está disposta a noivar,
amigos próximos são convidados e a cerveja é dividida entre eles. Ao final dessa reunião
amigável todos eles fazem uma oração, korathimithia, pronunciando bênçãos para a união
futura e progresso das duas famílias.

TERCEIRO ESTÁGIO

Quando os pais do garoto voltam pra casa eles começam a recolher ovelhas e
cabras, ou gado se forem ricos, para a primeira prestação do dote, roracio; Estes
[animais] devem ser levados pelo noivo para a herdade da garota e conduzidos até a casa
da mãe da garota. Essa visita é seguida de outra na qual um pouco de cerveja é trazido, e
a garota é consultada como na primeira visita. Essa cerveja é chamada de njohi ya
gothugumitheria mbori, isto é, a cerveja para abençoar o roracio das ovelhas e cabras.
Essa prestação é seguida de outra poucos dias depois e assim continua até que o
número de animais atinja cerca de trinta ou quarenta. A cerveja não é necessariamente
trazida toda vez. Mesmo que um homem seja rico, é considerado mau agouro trazer todo
o roracio de uma vez. Quando, de acordo com o costume do clã, a quantidade necessária
para selar o noivado foi atingida, um dia é fixado para a cerimônia de noivado, chamada
ngurario, isto é, “derramando o sangue da unidade”. Nesta, todos os parentes são
chamados para a herdade da garota, onde um banquete suntuoso é oferecido, o qual
inclui o abate de uma ovelha gorda (ngoima ya ngurario) que tenha sido enviada da
herdade do rapaz especialmente para esse propósito.
O significado desta cerimônia é em primeiro lugar anunciar publicamente que a
garota está noiva. Em segundo lugar, oferecer aos parentes de ambos os lados uma
oportunidade de encontro e conhecimento de ambos os lados; e, em terceiro lugar, decidir
sobre quanto deverá custar o roracio. A quantidade varia de um clã para outro e de um
distrito para outro, apesar de que a quantidade solicitada pela lei Gikuyu é de trinta
ovelhas e cabras. Às vezes, entretanto, ocorre de ser entre trinta e oitenta ovelhas e
cabras, além de numerosos presentes trocados entre ambos os lados. Quando uma vaca
é incluída no roracio, equivale a dez ovelhas e cabras, enquanto um boi equivale a cinco
ovelhas e cabras.
A principal característica dessa cerimônia consiste no abate de uma ovelha gorda
guardada para esse propósito. A ovelha tem que ser de uma determinada cor - preta,
branca ou marrom - de acordo com o simbolismo adotado para fins rituais pelo clã em
questão. O sangue é borrifado ao longo do portão e em direção ao Monte Quênia (Kere-
Nyaga); os conteúdos do estômago são também borrifados da mesma forma, e também
nas ovelhas e cabras que foram trazidos para o roracio. Isso significa que eles agora
estão purificados e protegidos de qualquer mal, e que os pais do rapaz apresentaram [os
bichos] aos pais da garota enquanto sinal de boa sorte. A partir desse momento e além,
os interesses dos dois clãs estão estreitamente conectados.

QUARTO ESTÁGIO

Depois que todos os arranjos são feitos em relação ao roracio, a maturidade da


garota é discutida. Os pais do garoto dizem aos pais da moça: "Está sua filha crescida?" -
significando "Ela já menstruou?". Ao final da discussão uma data final é fixada para
assinar o contrato matrimonial. No dia em questão todos os representantes de ambos os
clãs e amigos são convidados. Eles trazem com eles muita comida e bebida para o
banquete. A cerimônia, que é chamada de gothenja ngoima, consiste no abate de seis
ovelhas gordas e, no caso de um homem rico, um boi e cinco ovelhas. Feito isso, o
consentimento da moça deve ser obtido. É-lhe solicitado a fornecer a faca do abate da
ovelha e tem papel principal no abate do primeiro animal. Os rins da primeira ovelha são
assados e servidos à futura noiva que os come, indicando dessa forma que o
compromisso continua e que as famílias podem prosseguir com a formalidade de
assinatura do contrato matrimonial.
Feito isso, as pessoas se juntam e tomam parte da festa. Seguem-se uma grande
dança e cantos. O garoto, com seu grupo etário, vem em procissão, carregando presentes
especiais para a mãe da garota e membros do clã. Qualquer propriedade, mesmo um
machado, uma cesta, ou uma grande tira de couro que a garota possa ter perdido quando
criança, será devolvida aos pais dela por meio desses presentes. Em torno do pôr do sol,
após as visitas casuais terem ido embora, as representantes das mulheres do clã são
chamadas até o jardim onde estão guardadas as cestas que contém seus presentes.
Esses presentes são distribuídos por um dos idosos, enquanto as mulheres animam cada
destinatário com grande excitação. Isso é seguido de dança e música chamada getiro,
somente para mulheres, o que marca o fim da cerimônia de ngoima.
Se a herdade do rapaz estiver na vizinhança, uma pequena visita é feita por um
grupo de mulheres, que levam com elas presentes para os parentes do rapaz, mas se a
herdade estiver longe, a visita é deixada para uma data posterior. A partir desse momento,
a garota é considerada abençoada e está entregue ao clã do rapaz por seus pais com a
concordância de todo o clã. Agora ela pode ir e regar jardins com a mãe do rapaz e outros
parentes em companhia de suas amigas mulheres. A função da cerimônia de ngoima é
fornecer uma celebração de noivado pública na qual todos os preparativos do casamento
são concluídos e na qual a garota é prometida ao noivo, não somente por seus pais, mas
por todos os representantes do corpo do clã coletivamente. Agora ela pode ser levada à
casa do rapaz enquanto sua esposa a qualquer momento, sem mais nenhuma cerimônia
realizada na herdade dos pais dela.

DIA DO CASAMENTO

Quando o rapaz tiver se provido de uma casa e tenha feito a preparação


necessária para a manutenção do lar, ele se aproxima de seus pais, especialmente sua
mãe, e pede-lhes que organizem um dia especial adequado para trazer sua esposa para
casa. O arranjo é feito de acordo com certos dias propícios da lua, de acordo com a
história e as tradições do clã. Por exemplo, muitos clãs podem não realizar nenhum
casamento entre a lua minguante e nova, já que este período é considerado como um
"período sombrio" (mweri we nduma). O período preferível para embarcar em qualquer
projeto importante é o intervalo entre a lua nova e a lua cheia.
Um casamento Gikuyu é algo que confunde muitos forasteiros e aterroriza muitos
europeus que têm a oportunidade de testemunhar os eventos. Esse drama de casamento
engana espectadores estrangeiros, que não entendem o costume Gikuyu, que pensam
que as garotas são forçadas a casar, e até que elas são tratadas como bens móveis.
Em resposta ao pedido do rapaz, a família se reúne em um conselho; o dia é fixado
para o casamento e mantido em segredo para a garota - adicionando, assim, um toque
dramático aos procedimentos. No dia do casamento as parentes mulheres do rapaz
partem para assistir os movimentos da garota. Ela pode estar no jardim, capinando ou na
floresta colhendo lenha, etc. Quando elas tiverem obtido a informação necessária de onde
ela está trabalhando elas procuram por ela. Encontrando-a, elas retornam com a garota
carregando-a nos ombros. Esse é um momento de real atuação teatral. A garota luta e
recusa a ir com elas, protestando alto e até simulando chorar, enquanto as mulheres riem
alegremente e anima a noiva com sons e danças. Os choros e risos podem ser ouvidos
por milhas ao redor, e o povo Gikuyu vai saber que o filho de fulano de tal tomou a filha de
fulano de tal em casamento – enquanto estrangeiros podem imaginar que a garota está
sendo levada à força. É provável que qualquer pessoa que não está familiarizada com os
costumes Gikuyu possa facilmente confundir o drama com a realidade.
Em alguns casos, quando as famílias são extensas, uma falsa luta é encenada
entre as mulheres de ambos os lados. Isso provê muito entretenimento para as mulheres
e á seguido por uma festa liberal na herdade do noivo. O choro da garota, emitido
teatralmente de uma maneira cantante, inclui frases como: “Eu não quero me casar! Eu
vou me matar se você me tomar dos meus pais! Oh! Quão boba eu fui em deixar minha
casa sozinha e colocar-me nas mãos de pessoas desumanas! Onde estão meus
parentes? Eles não podem vir e me resgatar e evitar que eu seja levada por um homem
que eu não amo?”, e assim sucessivamente. Isso continua até que a moça chegue à
herdade do rapaz, onde ela é guiada até chegar em sua nova casa, enquanto as crianças
a saúdam, cantam preces para a nova esposa. No seu caminho para casa a noiva é
animada por transeuntes, que proferem bênçãos para a noiva e o noivo e para sua futura
herdade.
Depois que a noiva está confortavelmente acomodada em sua nova casa, todo o
grupo de mulheres de ambos os cãs que há pouco tempo atrás estavam envolvidas numa
briga simulada, se juntam e começam a dançar, cantando e aplaudindo hilariantemente. A
noite a noiva é visitada por seu grupo etário de ambos os sexos, que trazem presentes na
forma de comida e ornamentos. A noiva os entretém com canções chamadas kerero, isto
é, “pranto”, nas quais as moças só as moças participam enquanto os garotos escutam. As
canções kerero são na maioria das vezes relacionadas às atividades coletivas do grupo
etário da garota, e são parte executadas pela garota. É como se o grupo etário
lamentasse a perda de seus serviços e companhia de uma de seus membros que, devido
ao casamento, passou para outro grupo etário.
As canções de lamento continuam por oito dias, durante os quais a noiva é
frequentemente visitada por seus amigos e grupo etário de ambos os sexos.
Durante esse período a noiva não sai publicamente nem faz nenhum trabalho. Tem
um caminho especial pelo qual ela pode passar quando ela deixa a casa durante o dia
para sentar sob uma árvore e tomar ar fresco. Suas amigas mulheres ficam em sua
companhia, junto com as crianças da família. O kerero continua durante todo o dia e parte
da noite, exceto por poucos intervalos entre a chegada e a partida de visitantes. Às dez
horas da noite a noiva e o noivo são deixados sozinhos nas proximidades até às nove
horas da manhã seguinte, quando os visitantes começam a partir.
A questão da virgindade física (como relatada no capítulo sobre a circuncisão
feminina) é muito importante, e os pais esperam que suas filhas vão até os seus maridos
fisicamente virgens. Isso deve ser reportado para os pais de ambos os lados. O garoto
tem que mostrar, através de certos sinais, que a garota era virgem; a garota, igualmente,
tem que fazer o mesmo para mostrar que o garoto fisicamente se ajusta para ser um
marido. Em caso de impotência em qualquer um dos lados, o problema é colocado antes
do concelho de família e o casamento é anulado imediatamente.
No oitavo dia, quando o kerero cessa, uma ovelha é abatida, a gordura dela é frita
e o óleo é usado para ungir a noiva numa cerimônia de adoção ao novo clã. Após ela ter
sido admitida como uma membro integral da família do marido, ele está livre para se
associar a seus membros e ter uma participação ativa no trabalho geral da herdade.
Quando a cerimônia de adoção é concluída, um dia é imediatamente ficado para que ela
pague uma visita a seus próprios pais. O cuidado de apontar o dia é tomado, uma vez que
ela não deve viajar ou cozinhar durante o período menstrual. Nessa visita em particular
ela carrega uma pequena cabaça com cerveja dentro para o uso de seus pais para
abençoá-la. No caminho é guiada por uma garota pequena que vai antes dela segurando
a ponta de um pau, a outra ponta é segurada pela noiva, que segue como se fosse cega.
Ela é supostamente incapaz de ver e não deve falar com nenhum estranho que possa
encontrar durante sua jornada. Ela vai todo o caminho com a cabeça curvada,
escondendo o rosto timidamente, especialmente quando alguém passa por ela. Ela volta
à noite (se os pais estiverem nas proximidades) com presentes de seus pais. Às vezes
quando os pais são ricos lhe são dadas dois ou três ovelhas ou cabras. O sogro dela
também lhe dá presentes; isso varia em alguns casos de cinco a dez ovelhas e cabras ou
uma vaca e um pedaço de terra fértil. Esses presentes são considerados como uma forma
de “aquecer” a casa da noiva, e eles finalizam a cerimônia de casamento.

O SISTEMA GIKUYU DE POLIGAMIA

A lei de casamento costumeira do povo Gykuyu prevê que um homem pode ter
quantas mulheres ele possa suportar, e que quanto maior a família de alguém, melhor é
para ele e para o seu povo. O amor às crianças é também um fator encorajador do desejo
de ter mais de uma esposa. O costume prevê ainda que todas as mulheres devem estar
sob a proteção dos homens; e que a fim de evitar a prostituição (não existem palavras
para "prostituição" na língua Gikuyu) todas as mulheres devem se casar na juventude, isto
é, entre 15 e 20 anos. Assim, não há termos na língua Gikuyu para "solteiras" ou
"solteironas".
Antes do aparecimento do homem branco, a instituição da servidão e trabalhadores
assalariados eram desconhecidos entre o povo Gikuyu. A lei costumeira do povo
reconhecia a liberdade e a independência de cada um de seus membros. Ao mesmo
tempo, todos eram mantidos unidos socialmente, politicamente, economicamente e
espiritualmente por um sistema de atividades coletivas e ajuda mútua, que se estendia do
grupo familiar ao povo. O weltanschauung [conjunto de valores] do povo Gikuyu é "kanya
gatuune ne mwamokanero" ("Dar e receber").
Por razões econômicas e políticas, esperava-se que todas as famílias fossem
capazes de proteger seus próprios interesses e ao mesmo tempo ajudar a proteger os
interesses comuns do povo de ataques externos. Para fazer isso efetivamente e
comandar o respeito pelo povo era necessário que cada família tivesse um número de
filhos homens que pudessem ser chamados para serviços militares em caso de crises e
agressão estrangeira. Era também necessário ter um certo número de filhas mulheres que
poderiam, igualmente, render assistência cultivando a terra e cuidando dos aspectos
gerais da comunidade enquanto os homens estavam lutando para defender suas
herdades. Além disso, a sociedade não podia continuar sem elas [as filhas mulheres]
porque elas são o sal da terra; elas têm o mais secreto dom de criar e cuidar das
gerações futuras. Filhas mulheres são, ademais, consideradas como a ligação entre uma
geração e outra, e entre um clã e outro através do casamento, o que conecta os
interesses de clãs próximos e os fazem compartilhar as responsabilidades da vida
familiar. Por essa razão, dizem os Gikuyu: "Keimba kea mothoni na mothoni igoaga
hamwe" (literalmente "os corpos dos parentes caem juntos"), significando "Juntos deixem-
nos viver e, se necessitarmos, juntos deixem-nos morrer.
Há uma ideia fundamental entre o povo Gikuyu que é que quanto maior for uma
família mais feliz ela será. Pros Gikuyu, o status qualificatório para atingir um alto posto na
organização da comunidade é baseado na família e não na propriedade como é no caso
da sociedade europeia. É estabelecido que, se um homem pode controlar e manejar
efetivamente os recursos de uma família grande, esse é um excelente testemunho de sua
capacidade de zelar pelos interesses do povo, o qual ele também irá tratar com amor
paternal e afeição uma vez que este [o povo] é parte de sua família. Assim, diz-se:
"Weega uumaga na mocie" ("Um bom líder começa na sua própria herdade").
Após um homem ter contraído sua primeira esposa, nyakiambi, um ano ou mais
passa, e então sua esposa começa a questiona-lo sobre encontrar uma segunda esposa,
especialmente se estiver esperando um bebê ou imediatamente após ter um. "Meu
marido, você não acha que é prudente que você encontre uma companhia (moiru) para
mim? Olhe para a nossa posição agora. Tenho certeza que você irá perceber o quanto
Deus tem sido bom conosco ao nos dar um bebê bom e saudável. Nesses primeiros dias
eu devo devotar toda a minha atenção pra a nutrição do nosso bebê. Eu estou fraca...
Não posso ir ao rio buscar água ou ao campo pra trazer comida, ou tirar as ervas
daninhas do jardim.
Você não tem ninguém pra cozinhar pra você. Quando estrangeiros vierem, você
não terá ninguém para entretê-los. Eu não tenho dúvida de que você reconhece a
seriedade da questão. O que você acha da filha de fulano e ciclano? Ela é bonita e
trabalhadeira, e as pessoas falam muito sobre ela e sua família. Não falhe comigo, meu
marido. Tente e conquiste seu amor. Eu tenho falado com ela e achei ela muito
interessante para essa herdade. Em qualquer coisa que eu puder ajudar, eu o ajudarei,
meu marido.
Mesmo que nós não tenhamos ovelhas e cabras para o dote, nossos parentes e
amigos vão nos ajudar e então você pode inseri-la na nossa família. Você é jovem e
saudável e é a melhor hora para nós para ter crianças saudáveis e então aumentar nosso
grupo familiar, e então perpetuar o nome da nossa família após você e além. “Meu
marido, por favor, aja rapidamente, pois você conhece o ditado Gikuyu: 'Mae megotherera
mondo notoriety' ('a água corrente do rio não espera o homem com sede')."
O marido, seguindo o conselho de sua esposa, começa a agir. Ele aborda seus
pais e, após consultá-los, são feitos arranjos para visitar a garota e os pais dela. Se
aceito, ele faz o pagamento do dote e outros presentes relacionado à cerimônia de
casamento. Quando todos os arranjos estão completos, ele constrói uma casa próxima à
da primeira esposa e então traz a segunda esposa para casa. Se a família em questão for
próspera, após algum tempo o companheiro é procurado, e então o número de esposas
cresce de 1 a 50, e algumas vezes mais. Não há limite. Obvio que isso não significa que
todo homem Gikuyu tem muitas esposas. Há um largo número de homens Gikuyu que
tem só uma esposa, simplesmente porque sua posição econômica não os permite ter
muitas esposas como a sociedade gostaria. Tomando a população Gikuyu como um todo,
podemos dizer que há uma média de 2 esposas para cada, devido ao número de
mulheres com idade para casar. Mulheres geralmente se casam entre as idades de 15 e
20 anos, enquanto a maioria dos homens estão se casando a partir dos 25. Ademais, em
cada geração, há mais mulheres em idade de casar que homens, o que ajuda a balancear
o sistema da poligamia.

O DEVER DAS ESPOSAS


As mulheres são essencialmente donas da casa, uma vez que sem elas não há
casa no senso social da vida Gikuyu. Cada esposa tem um dever especial atribuído a ela
nos afazeres gerais da herdade. Ela é responsável por zelar pela sua casa e utensílios
domésticos, seu celeiro e jardim. Mas o dever de cuidar do marido, como limpar sua casa,
ajudá-lo com a lenha, água, comida, etc... é divido por todas. Em turnos. Por exemplo,
cada manhã uma delas limpa a casa do marido (thingira) e acende o fogo, enquanto
outras limpam o quintal e fazem o trabalho relacionado à limpeza da herdade. Ao mesmo
tempo, ovelhas e cabras são tosadas, vacas (se eles tiverem alguma) são ordenhadas.
Bezerros e crianças são cuidados. O marido é servido com a comida de acordo com o
que elas tenham preparado. Cada esposa provê a comida de suas crianças. Quando o
trabalho matinal da herdade é finalizado, de cada esposa é esperado que prepare um
plano de atividades para o dia. Algumas vão à floresta buscar lenha, outras vão cultivar
seus jardins em companhia de amigos, parentes ou individualmente. Durante o dia todo
mundo está engajado em determinado tipo de atividade ou outro. Ninguém fica em casa,
exceto as crianças pequenas que são incapazes de acompanhar os membros adultos da
família até os campos, ou aqueles adultos que estão engajados em alguma atividade
doméstica, especialmente aqueles que estão esmerilhando ou batendo grãos em
morteiros.
À noite, as esposas retornam a sua casa carregado várias coisas: lenha, água,
bananas, batatas doces, inhames e outros suprimentos alimentares. Imediatamente elas
se põem a preparar a comida para a refeição da noite. A esposa da vez providencia a
lenha e acende o fogo na casa de seu marido; nenhuma comida é feita nesta casa,
somente quando a carne é cozida. Caso contrário, cada esposa cozinha em sua própria
casa. Quando a comida está pronta, cada esposa leva a parte do marido para sua casa,
onde ele está dando atenção a seus amigos e visitas casuais. Quando a refeição é
finalizada e os utensílios estão limpos, as esposas podem ir e passar o restante da noite
na companhia de seus maridos ou permanecer em suas casas. Mas, sempre que há
visitantes especiais, particularmente membros do grupo etário do marido, é esperado que
as mulheres curtam as companhias na casa do marido. A razão disso é mostrar
solidariedade ao grupo etário. Se os visitantes tiverem vindo de longe e forem passar a
noite na herdade, os arranjos para a sua acomodação são feitos de acordo com as regras
e costumes que governam as questões sociais no grupo etário.
Nessas ocasiões, as esposas exercem sua liberdade, significando algo parecido
com a poliandria. Cada esposa é livre para escolher qualquer um entre o grupo etário e
lhes dar acomodação para a noite. Isso é encarado puramente como um intercurso social,
e nenhum sentimento de ciúmes ou raiva ocorre por parte do marido ou da esposa. E,
tendo todos sido criados e educados acerca da ideia de dividir, especialmente no
momento quando eles estão saciados de ngweko (fazer amor), seus corações ficam
plenos de ideias de prazer coletivo, sem isso não poderia haver uma unidade forte entre
os membros do grupo etário. Quando essa escolha é livremente exercida, é uma ofensa
para a esposa convidar um homem secretamente para a sua casa, mesmo um membro
do grupo etário. Fazer isso seria considerado cometer adultério. A fim de guardar a si
mesma de injúrias matrimonias esse costume [de escolher um homem abertamente] é
estritamente aderido. Qualquer homem que for pego quebrando essa regra é
severamente punido pelo kiama, e algumas vezes o marido toma a lei em suas próprias
mãos, e antes que o kiama puna o ofensor, lhe é dado uma boa surra pelo homem
ultrajado. Há um ditado em Gikuyu que diz "Antes que um homem embarque em tal
aventura de visitar a esposa de outro homem, é advertido a este que se arme, pois não há
desculpa para aquele que seduz a esposa de outro homem ou rouba sua vaca". (Ng'ombe
na aka itire ndogo.) A esposa também é punida. Ela é levada de volta a seus pais, que a
fim de estabelecer boas relações, tem que pagar uma multa de um ou dois bodes ao
marido. A multa é seguida de uma festa de beber cerveja entre as duas famílias. Às
vezes, se a ofensa é repetida, a esposa é divorciada, e ao marido é dado o direito de
pegar de volta seu roracio com os lucros e a custódia de sua descendência. É preferido o
divórcio especialmente no caso em que não há crianças, mas em caso de casais que têm
crianças, a conciliação é considerada o melhor proceder, pois neste caso a matéria já
deixou de estar entre os indivíduos e se moveu para o clã através dos filhos, pois as
crianças são consideradas como as promessas de amor e unidade. É somente quando a
situação fica realmente ruim que a ação do divórcio é tomada. Nós vamos lidar com a
questão do divórcio mais tarde, após o subtítulo.
Devido aos muitos tabus (megiro) associados à coabitação com uma mulher
casada, e ao estigma social que se segue a uma ofensa, a quebra desta lei é muito rara.
Isso se deve ao fato de que tanto a esposa quanto o marido têm ampla oportunidade de
conhecer seus amigos de uma forma mais aberta e legalizada, aprovada pelo código
moral da comunidade.
Vale a pena mencionar alguns desses tabus, os megiro, que controlam a relação
entre uma mulher casada e um estranho e até o marido. Por exemplo, é megiro para uma
esposa ter relações sexuais fora da herdade; isso é considerado como trazer mal e má
sorte para a herdade; nenhuma esposa pode ter relações sexuais enquanto seu marido
está ausente em uma viagem, na guerra ou em outras atividades, pois fazer isso é causar
desgraça ao marido. Nenhuma relação sexual enquanto a comida é cozida, pois isto
tornará a comida impura e o resultado para aqueles que comerem tal alimento seria a
impureza. As crianças devem ser colocadas na cama antes disto; a relação sexual não é
considerada correta se as crianças estiverem fora, nos campos, pois é considerado como
um ritual para impedimento da entrada das crianças (kohingereria ciana). A relação sexual
é praticada ritualmente e estes e muitos outros megiro são considerados importantes, e
para manter a harmonia e prosperidade de uma herdade e para se proteger contra feridas
matrimoniais na comunidade, esses megiro devem ser rigidamente observados.

DIVÓRCIO

Entre os Gikuyu o divórcio é muito raro, devido ao fato da esposa ser a pedra
fundacional sobre a qual a herdade é construída. Sem ela a herdade está quebrada,
assim sendo, somente quando todos os esforços de manter o marido e a esposa juntos
tenham falhado que a decisão do divórcio pode ser tomada.
De acordo com a lei costumeira Gikuyu, um marido pode se divorciar da esposa
devido a: (1) esterilidade; (2) recusa de cumprir os deveres conjugais sem razão; (3)
prática de bruxaria; (4) ser uma ladra habitual; (5) deserção intencional; (6) má conduta
contínua. A esposa tem o mesmo direito de se divorciar do seu marido pelos mesmos
motivos, exceto (6) devido talvez ao sistema de poligamia. Além dos motivos acima
mencionados, ela pode se divorciar do marido devido a crueldade, maus tratos,
alcoolismo e impotência.
Em caso de esterilidade ou impotência, ambos, marido e esposa, são submetidos a
um teste prático pra ver quem é culpado. O marido tem que permitir que sua esposa
tenha relação sexual com um ou mais [homens] do seu grupo etário. Se isso falhar em
trazer resultados frutíferos, um médico de reputação (mondo mogo) é consultado com a
esperança de encontrar uma solução bem sucedida. Ao mesmo tempo, uma cerimônia
para abençoar proveniente dos pais de ambos os lados é considerada essencial para
fertilizar o útero. Algumas vezes a esposa obtém sucesso em ter uma criança dessa vez,
e é salva da situação embaraçosa de lhe ser dada a alcunha de thaata (estéril). Mas
quando os esforços falham, o caso é considerado acima do poder humano e é atribuído à
vontade de Ngai, o Grande Deus. Se não houver nenhum outro desagravo entre o marido
e a esposa, os dois podem viver juntos e quem sabe ter um filho ou filha adotivo, desde
que o homem não esteja prestes a se casar com outra esposa.
Em caso de impotência, ao homem é dado o mesmo julgamento dado à mulher. Se
ele puder, é necessário que ele case com outra esposa, e em caso de sucesso em ter
crianças com ela, então é dito que o fracasso em ter filhos por parte da sua primeira
esposa é devido ao fato do sangue de ambos não combinar. Mas se um homem sabe que
ele é naturalmente impotente e deseja manter sua herdade em harmonia, ele permite que
sua esposa ou esposas tenham companheiros sexuais ou amigos cumpram o dever da
procriação. As crianças provenientes dessa união são consideradas exatamente da
mesma forma como se o marido real tivesse sido fisicamente apto sexualmente.
Quando uma esposa é maltratada pelo seu esposo ela tem o direito de retornar a
seu pai para proteção. Se o mau trato for provado, o pai pode manter sua filha em sua
herdade até o momento que o marido pague uma multa e prometa não maltratar sua
esposa novamente. Se a esposa tiver dado à luz a uma criança, o marido não pode
reclamar a propriedade que ele tinha dado como roracio, mas em caso de divórcio a
criança é sempre deixada com o pai. Se a mulher se casar de novo, o antigo marido tem o
direito de reclamar ao menos a metade de seus ovinos e caprinos ou bovinos. Mas se ela
permanece na herdade de seu pai ou talvez na de seus amigos, nenhuma propriedade
pode ser reclamada. Por outro lado, se acontece dela ter uma criança durante esse
período, o antigo marido pode reclamar essa criança enquanto sua, enquanto o roracio
não retorna a união não é completamente dissolvida.
Quando não há crianças na união matrimonial a separação ou divórcio é muito
mais simples do que o contrário. No sistema de casamento Gikuyu a presença de
crianças é um sinal óbvio para a manutenção do casal juntos em harmonia.

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