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Laboratório de Composição e
Improvisação a partir da rítmica
de José Eduardo Gramani:
um relato dos processos
metodológicos
Compositional and Improvisational Laboratory based on the José Eduardo Gramani’s rhythmic approach: a report
of the methodological processes
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104 REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, ano II, n. IV, p. 104-121,dezembro, 2011.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
RESUMO ABSTRACT
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
José Eduardo Gramani, rítmica, composição, José Eduardo Gramani, rhythm, composition,
improvisação. improvisation.
1 LABORATÓRIO
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RELATO DE EXPERIÊNCIA
e apreciação do ritmo, que, quando aplicadas, de forma empírica e ou planejada, aos vários
processos de criação musical, contribuem para a criação de diferentes situações musicais.
Desta forma, foram realizadas, desde o início da pesquisa, uma série de atividades práticas
visando a disseminação irrestrita das propostas metodológicas aplicadas em laboratório,
com o intuito de incentivar o maior número de experimentações musicais abrangendo os
pressupostos metodológicos, e conseqüentemente, a ampliação dos resultados.
De acordo com o plano de trabalho, o laboratório deveria contar com a participação dos
integrantes da Orquestra Errante, grupo de pesquisa sobre improvisação e as suas relações
interdisciplinares constituído por alunos da graduação e pós-graduação do Departamento de
Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, coordenado pelo Prof.
Dr. Rogério Costa, supervisor do projeto.
A Orquestra Errante consolidou uma prática que tem como objetivo estudar a improvisação
em suas especificidades e em suas relações com outras atividades musicais: improvisação
e a composição; improvisação idiomática1 e improvisação livre; improvisação e educação;
improvisação e história da música; improvisação e criatividade; improvisação e processos
cognitivos e outros. Devido a pluralidade investigativa da orquestra, ficou evidente que a
proposta metodológica para o laboratório, muito orientada e calcada em atividades específicas
para a absorção do conteúdo, não alcançaria o resultado desejado.
Devido à formação em música popular do autor e à familiaridade com a improvisação dita
idiomática, foi decidido que os sujeitos da pesquisa deveriam pertencer a uma instituição
onde a orientação educacional fosse voltada ao aprendizado da música popular - mais
especificamente, ao jazz e à música brasileira. De acordo com esse perfil, a instituição escolhida
para a pesquisa foi a Faculdade de Música Souza Lima - que disponibilizou para esta atividade
um estúdio de ensaio equipado com piano, bateria, contrabaixo, guitarras, amplificadores,
computador e sistema de projeção. Foi acordado junto à direção da faculdade que não
haveria custos para os sujeitos da pesquisa, enquanto eles se comprometeriam a participar do
laboratório até o fim de sua vigência. O laboratório teve carga horária de duas horas semanais
e foi realizado de agosto de 2009 a dezembro de 2010. Os sujeitos da pesquisa foram dez
discentes: dois bateristas, um percussionista, dois baixistas, três guitarristas, um pianista e um
saxofonista.
De acordo com o cronograma, foi sugerido que o laboratório seria dividido em dois módulos,
Laboratório I e II, compreendendo dois semestres - havendo a possibilidade de estendê-lo em
1
‘Improvisação idiomática é aquela
que se dá dentro do contexto de um mais dois módulos, Laboratório III e IV, dependendo da demanda e dos resultados da pesquisa.
idioma musical, social e culturalmen-
te delimitado histórica e geografica- O Laboratório I compreenderia o período de análise, classificação, interpretação e
mente, como por exemplo o jazz, ou a aplicabilidade das estruturas denominadas Séries, subdividas em três categorias - que, por sua
improvisação na música hindu’ (COS-
TA, 2003, p. 36). vez, também estão subdivididas em diferentes subcategorias. São elas:
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Série básica
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2 METODOLOGIA
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Na segunda frase, adiciona-se um valor [2] às células rítmicas da primeira frase: 2a frase: [2.
2.1]+[2.2.1.1]+[2.2.1.1.1]+[2.2.1.1.1.1]
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Na terceira frase, adiciona-se um valor [2] às células rítmicas da segunda frase: 3ª frase: [2.2
.2.1]+[2.2.2.1.1]+[2.2.2.1.1.1]+[2.2.2.1.1.1.1]
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2.3.2 Melodia
Figura 14 – Arranjo do jazz standard All the things you are sobre a 1a. frase da série básica [2.1]
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2.3.3 Forma
Quando posicionamos as três frases rítmicas, uma para cada parte da forma, cria-se um
deslocamento das frases dentro da forma. Para que todo o ciclo do deslocamento das frases
possa retornar à posição inicial, são necessárias três repetições de toda a progressão. Logo, a
forma da composição é executada diferentemente até que se complete todo o ciclo, iniciando
o processo de novo.
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Também é possível alterar a ordem das frases e a ordem das células de cada frase rítmica.
Este procedimento altera diretamente o ritmo harmônico e a melodia, possibilitando um vasto
número de alterações na forma. Utilizando a parte A da progressão de Garota de Ipanema,
iremos demonstrar as seguintes alterações:
Fmaj7
G7 Gm7 Gb7(#11)
Fmaj7 Gb7(#11)
Figura 15 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1]
– completa.
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As frases rítmicas das séries são compostas por quatro células geradas a partir da célula
rítmica geradora. Esta experimentação compreendeu a fragmentação da frase de duas em duas
células e de uma em uma célula, alternando as células da frase original por outras originárias
de outras frases.
Fragmentando as frases – duas em duas células
Parte A – Garota de Ipanema
Série básica [2.1] – 1ª. frase (célula 1 e 2) e 2ª. frase (célula 3 e 4)
Série básica [2.1] – 3ª. frase (célula 1 e 2) e 1ª. frase (célula 3 e 4)
Figura 16 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1]
– completa, fragmentada de duas em duas células.
Figura 17 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1]
– completa, fragmentada de uma em uma célula.
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Não há um procedimento específico para a alternância das células de uma mesma frase.
Contudo, sugere-se que as células alternem-se durante todo o desenvolvimento da progressão
ou de forma combinada ao procedimento ”substituição de frases” descrito acima. Para o
exemplo a seguir, iremos apresentar o segundo procedimento.
Alternando as células da mesma frase – de forma combinada ao procedimento ”substituição
de frases”
Figura 18 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1]
– completa com as células dispostas de forma alternada.
3 OBSERVAÇÕES
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distingue da pesquisa científica tradicional. Apesar da aparente tensão entre ambas as ações,
o fio condutor para definição dos procedimentos de investigação sempre esteve atrelado
aos objetivos primários da pesquisa: 1 - compreensão do conceito de dissociação rítmica,
defendido por Gramani, através da aplicação musical das suas estruturas rítmicas (entenda-
se “fazer música”); e 2 – contribuição para o surgimento de diferentes resultados sonoros em
função da adequação das suas estruturas rítmicas aos demais elementos musicais, como as
relações de altura, forma, ritmo harmônico e outros.
Através da observação participante e da técnica de investigação em que o observador não
é apenas espectador do evento, mas também atuante direto dentro do grupo que está sendo
observado, foi possível coletar informações referentes ao processo de assimilação do conteúdo
e aos procedimentos de aplicação musical das estruturas rítmicas pelos participantes.
As observações anotadas em um diário de campo mencionam a dificuldade dos sujeitos
da pesquisa em abandonar a idéia da métrica definida pelo compasso. Todos os participantes,
inicialmente, procuraram referências métricas em fórmulas de compasso para resolver as
questões estruturais dos estudos rítmicos de Gramani. O pesquisador interveio para que
o confronto entre associação (condicionamento centrado na decodificação, associação
e sincronicidade das combinações rítmicas como forma de resolução) x dissociação
(independência da métrica e da subdivisão) fosse resolvido. Gramani entende ser preciso
desarticular a frase rítmica de sua subordinação ao tempo, uma vez que ela ‘acontece sobre
ele’ (GRAMANI, 1992, P.11). O contrário levaria ao comprometimento da expressividade rítmica
pela má compreensão do discurso musical atida à verticalidade dos tempos do compasso.
Após a compreensão do conceito de dissociação e independência da métrica, os sujeitos
da pesquisa cumpriram a etapa 2 naturalmente, ou seja, superando as dificuldades naturais
devido à complexidade dos exercícios. Porém, foi possível observar que a compreensão
intelectual quanto a construção dos exercícios apresentados na etapa 1 facilitaram a execução
e a prática das etapas 2 e 3. O confronto desta informação deve-se a uma experiência realizada
com um grupo de alunos que participaram do laboratório como ouvintes somente a partir
da etapa 2. Quando incentivados a realizar os exercícios sem a prévia explicação sobre o
processo de construção, os participantes ouvintes se apoiaram em fórmulas de compassos e
associações para a resolução dos problemas, o que os levou a ter muita dificuldade em praticar
os exercícios. A seguir, foram feitas alterações estruturais nos exercícios sem o conhecimento
dos participantes. Observou-se que os sujeitos ativos da pesquisa resolveram os exercícios
propostos de forma imediata, pois foram capazes de perceber as alterações estruturais
realizadas. Os participantes ouvintes, por sua vez, tiveram que criar outras fórmulas de
compassos e associações para resolver o exercício proposto, não tendo feito nenhuma relação
com a estrutura original alterada.
A etapa 3 inicia-se com uma sugestão de arranjo por parte do pesquisador, demonstrando
o seu próprio processo. No primeiro momento os sujeitos seguiram o procedimento adotado
pelo pesquisador, porém, após a verificação de que estavam livres para criarem os seus
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próprios arranjos, surgiram novas relações para o ritmo harmônico e para a forma, que ainda
não haviam sido exploradas. Todos os arranjos foram analisados, discutidos e executados para
que todo o conteúdo pudesse ser compartilhado entre o grupo, contribuindo para expandir o
material produzido em laboratório. Ficou evidente que os procedimentos de criação adotados
pelos sujeitos da pesquisa respeitaram o conceito de dissociação rítmica. Esta informação se
confirmou ao se observarem as formas de resolução de alguns problemas musicais surgidos
na adequação dos arranjos ao gênero musical escolhido (jazz, música brasileira, latin, fusion).
4 CONCLUSÃO
Penso que os dois trabalhos (os volumes Rítmica e Rítmica Viva) se complementam, porém sinto que
pode haver um trabalho em nível intermediário, que conduza o aluno da idéia métrica da apostila
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REFERÊNCIAS
COELHO, Marcelo Pereira. Suíte I Juca Pirama: criação de um sistema composicional a partir da
adequação da polirritmia de José Eduardo Gramani ao jazz modal de Ron Miller, 2008. 343f. Tese
(Doutorado em Música) – Departamento de Música, Instituto de Artes da Universidade Estadual de
Campinas.
COSTA, Rogério Luiz Moraes. O músico enquanto meio e os territórios da livre improvisação.
2003. 233f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontífica Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo.
CUNHA, Glória Pereira da. Rítmica. São Caetano do Sul: FASCS, 1977.
PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX: Metodologias e Tendências. Brasília;
Musimed, 2000.
TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31,
n.3, Dec. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
97022005000300009&lng=en&nrm=iso>. Acessado em: 23/10/2011.
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