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DICIONARIO
GRAMSCIANO 1926-1937

ORGANIZAÇÃO
GUIDO LIGUORI E PASQUALE VOZA
TRADUÇÃO
ANA MARIA CHIARINI, DIEGO SILVEIRA COELHO FERREIRA,
LEANDRO DE OLIVEIRA GALASTRI E SILVIA DE BERNARDINIS
REVISÃO TÉCNICA
MARCO AURÉLIO NOGUEIRA
© Boitempo, 2017
© Carocci editore S.p.A., Roma, 2009

Tículo original: Dizionario gramsciano, 1926-1937


Os direitos de tradução desta obra foram cedidos à Boitempo
pela International Grarnsci Society - !talia (IGS-Iralia).

Direção editorial Ivana Jinkings


Edição Isabella Marcarei
ksistência editorial Thaisa Burani
Tradução Ana Maria Chiarini (verbetes de Ma S, originalmente), Diego
Silveira Coelho Ferreira (verbetes de M a S, originalmente),
Leandro de Oliveira Galasrri (textos inicias+ verberes de A
a D, originalmente) e Silvia De Bernardinis (verbetes de E a
L e de T a X, originalmente + Bibliografia das obras citadas)
Revisão técnica Marco Aurélio Nogueira
Preparação Paula Souza Dias Nogueira
Revisão Clara Alrenfelder e Tatiana Pavanelli Valsi
Checagem de padrão Luca Jinkings
Coordenação de produção Livia Campos
Diagramação Antonio Kehl
Capa Ronaldo Alves

Equipe de apoio: Allan Jones, Ana Yumi Kajiki, Artur Renw, Bibiana Leme, Eduardo Marques, Elaine Ramos,
Ivam Oliveira, Kim Doria, Marlene Baprista, Maurício Barbosa, Renato Soares, Thaís Barros, Tulio Candiotto

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

0542
Dicionário Gramsciano (1926-1937) I Organização Guido Liguori
e Pasquale Voza ; Tradução Ana Maria Chiarini, Diego Silveira Coelho
Ferreira, Leandro de Oliveira Galastri e Sílvia De Bernardinis ; Revisão
técnica Marco Aurélio Nogueira . - 1. ed. - São Paulo : Boitempo, 201 7.
Tradução de: Dizionario Gramsciano, 1926-1937
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-7559-533-6 (brochura)
ISBN: 978-85-7559-537-4 (capa dura)
1. Gramsci, Antonio, 1891-1937 - Linguagem - Vocabulários,
glossários, etc. 2. Socialismo - Dicionários. l. Liguori, Guido. II. Voza,
Pasquale.
16-38283 COO: 335.4303
CDU: 330.85(038)

É vedada a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora.

l' edição: janeiro de 2017

BOITEMPO EDITORIAL
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44 1 anti-Croce

As Cartas do cárcere [Lq testemunham uma relação antinacional: v. nacional-popular.


rica e intensa de G. não apenas com os animais, com as
plantas e a terra, mas com sua própria "existência animal antiprotecionismo: v. liberismo.
e vegetativà' (LC, 607, a lulca, 15 de agosto de 1932
[Cartas, 2, 231]). A quase impossível- e, no entanto, ex- antissemitismo: v. judeus.
traordinária, "sublime" em muitos aspectos - empreitada
comunicativa educativa de G. com os próprios filhos dis- antropologia: v. filosofia da práxis.
tantes é atravessada pela dialética natureza-civilização (ou
história), portanto por "animalidade e industrialismo", aparelho hegemônico
simbolizada pelas figuras opostas e complementares do Desde as primeiras notas em que fala de hegemonia, G.
amigo dos animais e da natureza, e do "construtor". introduz também referências ao "aparelho hegemônico"
Com um movimento que lembra o Freud de O mal- como expressão não muito presente, mas que aparece em
-estar na civilização, G. observa no Q 1, 158, 138: "O vários cadernos (Q l, 6, 7, 1Oe 13) de épocas diferentes,
industrialismo é uma contínua vitória sobre a anima- incluindo dois textos de segunda redação (Q 10 II, 12
lidade do homem, um processo ininterrupto e doloro- [CC, 1, 320] e Ql3, 37 [CC, 3, 92]). No caso da notado
so de subjugação dos instintos a novos e rígidos hábitos Q 1O, a frase que contém a referência ao aparelho hege-
de ordem, de exatidão, de precisão". Na transcrição em mônico não aparece no relativo Texto A (Q 4, 38, 464).
Q 22, 10, 2.160-1 [CC, 4, 262] a passagem adquire no- G. começa a elaborar seu conceito de hegemonia,
vos elementos: ''A história do industrialismo foi sempre (e novo em relação àquele usado no período pré-carcerário,
se torna hoje de modo ainda mais acentuado e rigoroso) desde o Q 1 (1929-1930): no Q 1, 44 o termo aparece
uma luta contínua contra o elemento 'animalidade' do pela primeira vez; no Q 1, 47, 56 [CC, 3, 119; "Hegel e
homem, um processo ininterrupto, frequentemente dolo- o associacionismo"] começa a se delinear um novo con-
roso e sangrento, de sujeição dos instintos (naturais, isto ceito de Estado ("o Estado tem e pede consenso, mas
é, animalescos e primitivos) a normas e hábitos de ordem, também 'educà este consenso através das associações
de exatidão, de precisão sempre novos, mais complexos políticas e sindicais, que, porém, são organismos priva-
e rígidos, que tornam possíveis as formas cada vez mais dos"); no Q l, 48 G. se detém sobre a história política
complexas de vida coletiva, que são a consequência neces- francesa e "põe para trabalhar" o conceito de hegemonia,
sária do desenvolvimento do industrialismo". A questão conferindo-lhe, durante esse processo, uma de suas "ver-
crucial da transição a um industrialismo socialista, ou seja, sões" fundamentais: "O exercício 'normal' da hegemonia
a uma "nova ordem [... ] não de marca americanà' ( Q 22, no. terreno tornado clássico do regime parlamentar é ca-
15, 2.179 [CC, 4, 280]), é substancialmente a hipótese da racterizado por uma combinação da força e do consenso,
passagem de uma história feita de coerções de "inaudita que se equilibram, sem que a força supere em muito o
brutalidade", ocorrida "pela imposição de uma classe sobre consenso, mas antes, que pareça apoiada pelo consen-
outra [... ] jogando no inferno das subclasses os débeis, os so da maioria expresso pelos assim chamados órgãos
refratários" (Q 1, 158, 138), a formas mais racionais, pro- de opinião públicà' (ibidem, 59) . Em seguida, poucas
gressistas, comunitárias ou comunistas de "autocoerção" linhas depois, aparece a expressão "aparelho hegemô-
das massas trabalhadoras (Q22, 10, 2.163 [CC, 4, 265]). nico": "No período do pós-guerra - prossegue G. -, o
GIORGIO BARATTA aparelho hegemônico se quebra e o exercício da hegemo-
Ver: americanismo; libertinismo; taylorismo. nia se torna sempre mais difícil" (idem). É um Texto A.
A última frase, aquela que interessa aqui, encontramos
anti-Croce: v. Croce, Benedetto. quase igual no Texto C (datado de 1932-1934): "No pe-
ríodo do pós-guerra, o aparelho hegemônico se estilhaça
anti-história: v. história. e o exercício da hegemonia torna-se permanentemen-
te difícil e aleatório" (Q 13, 37, 1.638 [CC, 3, 95]). O
antimaquiavelismo: v. maquiavelismo e antimaquiave- aparelho hegemônico surge, portanto, como imediata-
lismo. mente fundamental para o exercício da hegemonia: sua
aparelho hegemônico 1 45

desagregação é simultânea à crise desta. Tal conceito posterior é realizado por G. no Q 7, em que a problemá-
parece também ser o trait d'union entre o conceito de tica do Estado está mais explícita: "A discussão sobre a
hegemonia e aquele, em via de formação, de "Estado in- força e o consenso demonstrou como está relativamente
tegral" e oferece uma base material à concepção grams- avançada na Itália a ciência política [... ] Esta discussão
ciana de hegemonia, não assimilável a uma concepção é a discussão da "filosofia da época", do motivo central
idealista, culturalista ou liberal. da vida dos Estados no período do pós-guerra. Como
Mas o que é o "aparelho hegemônico"? Como ftm- reconstruir o aparelho hegemônico do grupo dominante,
ciona? G. não responde diretamente a essa pergunta, aparelho que se desagregou em razão das consequências
mas dá uma série de "pistas" em alguns Textos B. No da guerra em todos os Estados do mundo?" ( Q 7, 80,
Q 6, 31, 752 [CC, 3, 235-6], escreve: "Unidade do 912 [CC, 3, 264]). O "aparelho" se desagregou sobretudo
Estado na distinção dos poderes: o Parlamento, mais li- "porque grandes massas, anteriormente passivas, entra-
gado à sociedade civil; o Poder Judiciário, entre Governo ram em movimento", embora "num movimento caótico
e Parlamento, representa a continuidade da lei escrita (in- e desordenado, sem direção, ou seja, sem uma precisa
clusive contra o Governo). Naturalmente, os três poderes vontade política coletiva'' (idem). A reconstrução é con-
são também órgãos da hegemonia política, mas em medi- fiada a uma combinação de força e consenso. Também o
da diversa: 1) Parlamento; 2) Magistratura; 3) Governo. fascismo com sua "ilegalidade" foi funcional à restaura-
Deve-se notar como causam no público impressão par- ção de um novo "aparelho hegemônico": "O problema
ticularmente desastrosa as incorreções da administração era reconstruir o aparelho hegemônico destes elementos
da justiça: o aparelho hegemônico é mais sensível neste antes passivos e apolíticos, e isso não podia acontecer sem
setor, ao qual também podem ser remetidos os arbítrios o emprego da força: mas essa força não podia ser a 'legal'
da polícia e da administração política". O aparelho he- etc." (ibidem, 913 [CC, 3, 265]).
gemônico está ligado à articulação estatal propriamente Enfim, no Q 10 II, 12 lemos - logo após a conheci-
dita. Mas o conceito de Estado integral ainda não parece da afirmação segundo a qual "Ilitch teria feito progredir
plenamente operante. Ainda uma vez, "aparelho hege- [efetivamente] a filosofia [como filosofia] na medida em
mônico", como no Q 1, 48, surge num contexto voltado que fez progredir a doutrina e a prática política'' - o ace-
à formação da opinião pública, certamente não deixada a no mais maduro ao conceito de "aparelho hegemônico",
uma volátil "batalha de ideias", mas organizada por uma agora em segunda redação: "A realização de um aparelho
precisa "estrutura'' (em outro lugar G. fala de "estrutura hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico,
ideológica'' para indicar tudo aquilo que forma a "opi- determina uma reforma das consciências e dos métodos
nião pública''). No mesmo Q 6, de fato, lemos: "Numa de conhecimento, é um fato de conhecimento, um fato
determinada sociedade, ninguém é desorganizado e sem filosófico. Em linguagem crociana: quando se consegue
partido, desde que se entendam organização e partido introduzir uma nova moral conforme a uma nova con-
num sentido amplo, e não formal. Nesta multiplicidade cepção de mundo, termina-se por introduzir também
de sociedades particulares, de caráter duplo - natural e essa concepção, ou seja, determina-se uma completa
contratual ou voluntário-, uma ou mais prevalecem re- reforma filosófica'' (ibidem, 1.250 [CC, l, 320]). Aqui,
lativamente ou absolutamente, constituindo o aparelho aparelho hegemônico e ideologia estão explicitamente li-
hegemônico de um grupo social sobre o resto da popu- gados. Um "aparelho" serve para criar um "novo terreno
lação (ou sociedade civil), base do Estado compreendido ideológico", para afirmar uma "reforma filosófica'', uma
estritamente como aparelho governamental-coercivo" "nova concepção de mundo". A luta entre diferentes he-
(Q 6, 136, 800 [CC, 3, 253]). O "aparelho hegemônico" gemonias é aberta, mas o papel que nela assume o Estado
é uma "sociedade particular" (formalmente "privada''), na passagem das primeiras décadas do século XX é deli-
que se torna o equivalente do "aparelho governamental- neado em toda sua centralidade.
-coercivo" do "Estado integral": "força'' e "consenso" pos- Gumo L1Guoru
suem ambos os respectivos aparelhos, e já está delineado Ver: concepção de mundo; divisão dos poderes; Estado; estrutura
o "Estado integral" como unidade-distinção de socieda- ideológica; hegemonia; ideologia; opinião pública; pós-guerra.
de civil e Estado tradicionalmente entendido. Um passo
300 1 filosofia da práxis

noção de "religião" estivesse ali já presente: "Esta inter- a medula do materialismo histórico". O uso da fórmula na
pretação das Teses sobre Feuerbach como reivindicação cabe então no quadro geral da recuperação da "cultura ori
da unidade entre teoria e prática e, consequentemente, superior" do marxismo de Labriola que G. propõe no cud
como identificação da filosofia com o que Croce chama fim de 1930, quando, após o "período romântico da luta, taS
agora de religião [... ] pode ainda ser justificada com a fa- do Sturm und Drang popular", o marxismo permane- não
mosa proposição segundo a qual 'o movimento operário cia ainda desgastado por uma busca populista de "armas das
alemão é o herdeiro da filosofia clássica alemâ, que [... ] mais imediatas" de luta política ( Q 3, 31, 309) - armas
significaria precisamente que o 'herdeiro' continua o pre- imediatas que o marxismo encontrava no senso comum po
decessor, porém o continua praticamente, já que deduziu popular ou nas filosofias dominantes do positivismo, do soe
uma vontade ativa, transformadora do mundo, da mera materialismo e do idealismo, ficando assim subalterno aos for
contemplação, e nessa atividade prática está também valores imperantes. Interpretar o marxismo por meio de me
contido o 'conhecimento', que, aliás, somente na ativi- Labriola como filosofia da práxis, em outros termos, sig- na"
dade prática é 'conhecimento real' e não 'escolasticismo'" nifica restituir a ele uma sua própria dignidade filosófica,
(ibidem, 1.270-1 [CC, l, 340-1)). Evidentemente, a uni- preservando sua "substância medular" (Q li, 22, 1.425
dade de "atividade práticà' e de "conhecimento" pode ser [CC, 1, 140])dequalquertipodedegradação. Umaexata
realizada somente por uma filosofia, de tipo necessaria- imagem da corrupção do marxismo é dada pela publica-
mente novo: "Deduz-se daí, também, que o caráter da ção em 1921 da Teoria do materialismo histórico. Manual me
filosofia da práxis é sobretudo o de ser uma concepção popular de sociologia marxista, de Nikolai Bukharin, "que lev
de massa e de massa que opera unitariamente, isto é, se ressente de todas as deficiências da oratória coloquial" aq
que tem normas de conduta não só universais em ideia, (Q 1, 153, 136). O sucesso editorial desse livro, mas sobre- cas
mas também 'generalizadas' na realidade social" (ibidem, ~do sua crescente influência na Terceira Internacional, nã
1.271 [CC, 1, 341)). alertam G. do perigo de uma redução do marxismo a e i
BIBLIOGRAFIA: FROSINI, 2003A; KANoussr, 2000; RACINARO, mera sociologia da história e da política modelada sobre fia
1999. as ciências naturais e sobre o marxismo vulgar. Como ex
FABIO FROSINI programaticamente anunciado pelo título, o Manual nã
Ver: Alemanha; Engels; filosofia; filosofia especulativa; Hegel; queria ser "popular"; mas exatamente por isso sua vulga- o
idealismo; Lenin; Marx; Reforma; Renascimento; revolução pas- rização acabava por oferecer uma teoria em nada "supe- 've
siva; tradutibilidade. rior", isto é, incapaz de elevar as massas populares de um tic
estado de subalternidade ideológica. M
filosofia da práxis Bukharin reduz o marxismo a duas filosofias (positi- in
Ainda entre aspas, como expressão tomada de emprés- vismo e materialismo) não só criticamente débeis, mas tó
timo, a definição "filosofia da práxis" aparece pela pri- sobretudo estranhas ao próprio marxismo: "Uma teoria pr
meira vez em Q 5, 127 [CC, 3, 216], dentro de uma da história e da política entendida como sociologia, isto de
longa nota sobre Maquiavel: "Em sua elaboração, em é, a ser construída segundo o método das ciências natu- vu
sua crítica do presente, expressou conceitos gerais, que rais (experimental no sentido vulgarmente positivista), e id
se apresentam sob forma aforística e assistemática, e ex- uma filosofia propriamente dita, que seria o materialis-
pressou uma concepção do mundo original, que também mo filosófico ou metafísico ou mecânico (vulgar)" ( Q 11,
poderia ser chamada de "filosofia da práxis" ou "neo- 22, 1.425 [CC, 1, 143)). Para G., ao contrário, "o posi-
-humanismo", na medida em que não reconhece elemen- tivismo e as teorias mecanicistas [são uma - ndr] dete-
tos transcendentais ou imanentistas (em sentido meta- rioração da filosofia da práxis" ( Q 8, 235, 1.088) e esta
físico), mas baseia-se inteiramente na ação concreta do última não pode ser confundida "com o materialismo
homem que, por suas necessidades históricas, opera e vulgar, com a metafisica da 'matérià" ( Q li, 62, 1.489
transforma a realidade" (ibidem, 657 [CC, 3, 218)). A [CC, l, 203)). Por isso, então se deve "reavaliar a posi-
origem da expressão remonta a Discorrendo di socialismo ção de Antonio Labriolà', que se distingue "com a sua
e di filosofia [Discorrendo sobre socialismo e filosofia] afirmação de que o próprio marxismo é uma filosofia
(1897), de Antonio Labriola: ''A filosofia da práxis [... ] é independente e original" (Q 4, 3, 421-2). Identificando
5'0? ,
F _. .;J'.;"

filosofia da práxis 1 301

rrmula na filosofia da práxis a "medulà' de uma nova filosofia, isto é, para tornar-se uma civilização integral, total" ( Q
f~tura original e independente das outras, G. pretendia antes de 4, 14, 435 [CC, 6, 360)).
poe no tudo desincrustar o marxismo das vulgarizações positivis- Estabelecido assim o materialismo histórico como
da luta, tas e materialistas: "Para a filosofia da práxis, a 'matérià filosofia original e independente, G. trabalha para de-
rmane- não deve ser entendida nem no significado que resulta senvolver uma "total filosofià', distinta das tendências
"armas das ciências naturais [... ] nem nos significados que resul- estranhas ao marxismo. Antes de tudo, o que distingue o
i armas tam das diversas metafisicas materialistas [... J. A matéria, marxismo concebido como filosofia da práxis do materia-
:omum portanto, não deve ser considerada como tal, mas como lismo filosófico e vulgar? Uma primeira diferença consis-
1
o,do social e historicamente organizada pela produção e, desta te, como se viu, na própria definição de "matérià'. Se para
no aos forma, a ciência natural deve ser considerada essencial- o materialismo filosófico a matéria é dado ontológico e
eio de mente como uma categoria histórica, uma relação huma- totalidade do existente, para a filosofia da práxis a maté-
t>s, sig- na'' (QJJ, 30, 1.442 [CC, l, 160)). ria é "social e historicamente organizada para a produção,
1
so'fi ca, Embora o discurso que começa a aparecer na nota como relação humana" (Q 4, 25, 443). É nesse sentido
1.425 sobre Maquiavel possa ser também uma tentativa car- que, como já preanunciado pela nota sobre Maquiavel, a
exata cerária de quem contorna a censura traduzindo termos filosofia da práxis seria um "neo-humanismo": contrária
suspeitos como "materialismo histórico" com o aparente- a determinismos positivistas e fatalismos materialistas,
mente menos opinável "filosofia da práxis", é adequado ela torna-se ciência da "relação entre a vontade humana
, "que levar em consideração o fato de que a tradução não é (superestrutura) e a estrutura econômicà' (Q 7, 18, 868
quial" aqui desprovida de implicações e consequências teóri- [CC, l, 236)) e põe "na base da filosofia a 'vontade' (em
1

obre- cas. Mediante a menção de Labriola, "filosofia da práxis" última instância, a atividade prática ou política)" ( Q 11,
tional, não é tanto um sinônimo, mas uma verdadeira revisão 59, 1.485 [CC, 1, 202)). Referindo-se ao Manifesto do
mo a e interpretação do materialismo histórico como filoso- Partido Comunista, G. vê nessa filosofia, mais que uma
sobre fia independente e original. Com certeza G. não quer ciência, uma coincidência de "ciência-ação" ( Q 7, 33,
excluir o fato de que uma revisão do marxismo seja, se 882 [CC, l, 242)), teorização de uma relação humana
não necessária, pelo menos possível: "Como filosofia, que, no teorizar, exprime e organiza uma vontade de
o materialismo histórico afirma teoricamente que toda transformação, torna-se práxis ela mesma. Contrária, en-
'verdade' tida como eterna e absoluta tem origens prá- tão, ao materialismo filosófico, a filosofia da práxis não
ticas e representou ou representa um valor provisório. concebe a matéria como dado, e sim - e nisso reside a or-
Mas o difícil é tornar compreensível 'praticamente' esta todoxia gramsciana - como produção histórica da relação
ositi- interpretação no que toca ao próprio materialismo his- homem-matéria: "Em tal expressão, 'materialismo histó-
mas tórico" (Q4, 40, 465 [CC, 6, 362)). Mas se a filosofia da rico', deu-se maior peso ao primeiro membro, quando
eoria práxis quer ser uma revisão, quer também diferenciar-se deveria ter sido dado ao segundo: Marx é essencialmente
, isto de operações similares, realizadas tanto por materialistas um 'historicistà" (Q 4, 11, 433 [CC, 6, 359)).
vulgares de esquerda (Q7, 29 [CC, 6, 372)), como pelo Diferenciada assim do materialismo vulgar, é neces-
idealismo de direita que, com Croce e Gentile, anuncia sário ainda distinguir a filosofia da práxis do seu mais
já a "superação" do marxismo. Em tal sentido, mais do refinado adversário. Croce na margem liberal, e Gentile
que uma revisão~ a filosofia da práxis quer ser a busca de na fascista, foram se apropriando da mesma terminologia
lp osi- uma ortodoxia própria do marxismo: "O conceito de labriolana. Uma nota sobre Alcuni problemi per lo studio
1d ete- 'ortodoxia' deve ser renovado e relacionado a suas autên- dello svolgimento della filosofia della praxis [Alguns pro-
esta ticas origens. A ortodoxia não deve ser buscada neste ou blemas para o estudo do desenvolvimento da filosofia da
~smo naquele discípulo de Marx, nesta ou naquela tendência práxis], escrita entre 1933 e 1934, mas que usa novamen-
.489 ligada a correntes estranhas ao marxismo, mas no con- te o material já apontado em 1930 no Q 3, 31, registra
ceito de que o marxismo basta a si mesmo, contém em si o "fato, muito importante e significativo [.. .] de que a
todos os elementos fundamentais não só para construir combinação filosófica mais relevante aconteceu entre a
uma concepção total do mundo, uma filosofia total, mas filosofia da práxis e diversas tendências idealistas" ( Q 16,
para fazer viva uma total organização prática da sociedade, 9, 1.854 [CC, 4, 31)). Isso ocorreu porque o marxismo,
302 1 filosofia da práxis

ao contrano, --se encontrava em luta com a ideologia estruturais. Estrutura e superestrutura constituem, jus-
mais difundida nas massas populares, o transcendenta- tamente, uma relação. Assim, nas notas sobre a filosofia
lismo religioso, e acreditava poder superá-lo só com o de Croce de Q 1O I o "mais importante problema a ser
materialismo mais cru e banal, que era também uma es- discutido [... ] é o seguinte: se a filosofia da práxis exclua
tratificação não indiferente do senso comum" (ibidem, a história ético-política, isto é, [... ] não dê importância à
1.855 [CC, 4, 32]). Voltamos à antinomia vulgarização- direção cultural e moral e se julgue realmente os fatos da
-alta cultura. O marxismo fica prisioneiro da "'terrível' superestrutura como 'aparências'. Pode-se dizer que não
questão da 'realidade objetiva do mundo exterior' [... ].O só a filosofia da práxis não exclui a história ético-política,
público popular não acredita sequer que se possa colocar como, ao contrário, sua mais recente fase de desenvolvi-
um tal problema, ou seja, se o mundo exterior existe ob- mento consiste precisamente na reivindicação do momen-
jetivamente [... ]. O público 'crê' que o mundo exterior to de hegemonia como essencial à sua concepção estatal
seja objetivamente real [... ]. Esta crença tornou-se um e à 'valorização' do fato cultural, da atividade cultural, de
dado férreo do 'senso comum"' (Q 11, '17, 1.411-2 [CC, uma frente cultural como necessária, ao lado das frentes
1, 130]). Por isso, "uma filosofia da práxis não pode dei- meramente econômicas e políticas" (ibidem, 1.224 [CC,
xar de se apresentar, inicialmente, em atitude polêmica, l, 295]). Numa filosofia da práxis, "na qual tudo é prática"
como superação do modo de pensar preexistente" e "en- (Q 8, 61, 977), o ato eminentemente prático - a política
tão como crítica do 'senso comum"' ( Q 8, 220, 1.080). E - não pode ser "autônomo", mas filosofia ele mesmo - vi-
por isso são os "intelectuais 'puros"', como os neoidealis- são do mundo, criação de "relações humanas" ( Q 1O II,
tas Croce e Gentile, que se apropriam da filosofia da prá- 6, 1.245 [CC, 1, 314]) entre homens e homens, entre ho-
xis - reproduzindo assim, mesmo dentro dessa filosofia, a mens e coisas, relação humana ela mesma. Não somente a
distância entre intelectuais e massas. política, mas até mesmo o trabalho cultural e as ideologias,
Mas embora seja "muito fácil deixar-se levar pelas inclusive a própria "filosofia da práxis [... ] é uma filosofia
semelhanças exteriores", a filosofia da práxis não é neoi- que é também uma política e uma política que é também
dealismo: "Um exemplo clássico é o representado pela re- uma filosofià' (Q 16, 9, 1.860 [CC, 4, 37)), tornam-se
dução crociana da filosofia da práxis a cânone empírico então "o primeiro momento" em que os homens tomam
de investigação histórica'' (Q 16, 9, 1.856 [CC, 4, 33]). consciência dos conflitos de estrutura e, "com afirmação
Croce também, essencialmente, parte do mesmo erro de voluntárià', atuam para transformá-los. ( Q 8, 61, 977).
Bukharin: de que um materialismo histórico seja um ma- Ao passo em que acusa Croce de uma forma de "ra-
terialismo empírico e vulgar (Q 7, 1, 851). Mas a partir cionalismo anti-historicistà' (Q 10 I, 6, 1.221 [CC, !,
desse erro Croce acaba imputando uma contradição final 291); cf. também Q 10 II, l, 1.240 [CC, 1, 310)) e uma
ao marxismo: se matéria, estrutura e base são as únicas "mecanicidade" antidialética, G. percebe na "filosofia
determinantes do processo histórico, a política - ideolo- ultraespeculativà' de Gentile uma mera "composição
gia e, sobretudo, estrutura - torna-se "afirmação de um formal e verbal" das "contradições" de Croce (Q 1OI, 7,
momento da prática, de um espírito prático, autônomo e 1.223 [CC, l, 293]). Gentile também supõe que o mar-
independente, embora ligado circularmente à inteira rea- xismo seja um monismo (materialista) que contradiz a
lidade por meio da mediação da dialética dos distintos" si mesmo ao colocar um pensamento, produzido por
(Q 8, 61, 977). Assim fazendo, Croce liquida a política causas materiais, numa posição sempre externa a elas.
como momento superestrutura! e, portanto, marginal ao G. responde novamente que o materialismo histórico,
materialismo histórico, no qual as causas estruturais per- enquanto filosofia da práxis, não é o monismo materia-
manecem materiais e econômicas. É aqui que a expressão lista de Feuerbach; mas o voluntarismo à base dessa filo-
"filosofia da práxis" se torna novamente, mais que mera sofia tampouco é uma forma - "ultraespeculativà' - de
tradução, uma interpretação do materialismo histórico. espiritualismo ou idealismo, em que o ato permanece
Desde que a relação humana historicamente concebida como pensamento abstrato que coloca a si mesmo como
tomou o lugar da matéria, a questão das ideologias, das autoconsciência, mas ao contrário, vontade de homens
superestruturas e da política não pode mais ser simplifi- concretos e historicamente determinados: "Nem o mo-
cada como um simples efeito determinado por elementos nismo materialista nem o idealista, nem 'Matérià nem
filósofo e filósofo democrático 1 303

'Espírito' evidentemente, mas 'materialismo histórico', filosofia especulativa


isto é, atividade do homem (história) [espírito - ndr] A reflexão sobre o tema da especulação intensifica-se du-
em concreto, isto é, aplicada a certa 'matérià organizada rante a primavera de 1932 (cf Q 8, 224, 1.081-2) e sobre-
(forças materiais de produção), à 'natureza' transformada tudo no Q 8, 238, 1.090, no qual G. define a especulação
pelo homem. Filosofia do ato (práxis), não do 'ato puro', em termos históricos e políticos, como o correspondente,
mas exatamente do ato 'impuro', isto é, real no senti- no plano dos conceitos, da bem-sucedida realização de
do profano da palavrà' (Q 4, 37, 455). Mais uma vez, uma hegemonia. Para G. "o elemento 'especulação'" não
"matérià' e "real" nada mais são do que relação - nesse caracteriza a filosofia como tal, mas bem mais "a fase de
sentido, impuros "no sentido profano da palavrà'. Não um pensamento filosófico em desenvolvimento segundo
seres dados para si, mas trabalho - "a célula 'histórica' o processo geral de um determinado período histórico
elementar" (Q 4, 47, 473 [CC, 6, 365]) -, que não é [... ] que coincide com o período de completa hegemonia
e relação entre substâncias (homem e realidade; pensa- do grupo social que exprime, e talvez coincida exatamen-
s mento e matéria) , mas relação que coloca os seus pró- te com o momento em que a hegemonia real se desagre-
prios termos de relação. Em tal contexto, é o atualismo ga, mas o sistema de pensamento se aperfeiçoa e se refina
"puro" de Gentile, ao contrário, que se resolve em um como acontece nas épocas de decadêncià' (idem). Tal
monismo imperfeito: o pensamento que coloca a si mes- processo não se limita às formas de hegemonia burguesa:
mo, de modo solipsista, como realidade. A filosofia da "a própria crítica terá uma sua fase especulativà' (idem;
práxis, enquanto filosofia do ato "impuro'', permanece, cf. também Q 11, 53, 1.481-2 [CC, 1, 198]).
ao invés, uma ciência do homem ("antropologià', Q 17, G. retorna repetidamente ao tema da especulação
12, 1.917 [CC, 1, 266] e "neo-humanismo'', Q 17, 18, em sua crítica a Croce e Bukharin ( Q 1O 1, p. 1.207-9 e
1.922 [CC, l, 267]) e do seu ambiente real não como Q 11, 14, 1.401 [CC, l, 120]). A crítica historicista da
dados, abstratamente entendidos, mas como relação de filosofia especulativa se torna central para a elaboração
recíproca produção na história. Parece, então, que "so- de três conceitos estreitamente ligados. Antes de tudo, a
mente a filosofia da práxis realizou um passo à frente afirmação de que "a crítica resolve a especulação em seus
no pensamento [... ] evitando qualquer tendência para termos reais de ideologià' ( Q 8, 238, 1.090) contribui
o solipsismo, historicizando o pensamento na medida para o desenvolvimento de uma teoria da tradutibilidade
em que o assume como concepção do mundo [... ] que entre diversas linguagens (Q 101, 7, 1.222 [CC, 1, 293]).
ensina como não existe uma 'realidade' em si mesma, em Em segundo lugar, a insistência de G. sobre a oposição
si e para si, mas em relação histórica com os homens que entre especulação e historicismo o leva a especificar o
a modificam" (Q 11, 59, 1.486 [CC, 1, 202-3]). marxiano "novc,:i conceito de imanência, que de sua for-
Se a filosofia da práxis deu um passo à frente, o mais ma especulativa [... ] foi traduzido em forma historicista"
importante, porém, resta por ser feito: essa filosofia "ainda (Q 1O II, 9, 1.247 [CC, 1, 317]). Finalmente, G. iden-
atravessa sua fase popular [... ] é a concepção de um grupo tifica na filologia uma alternativa à especulação ( Q 1O 1,
social subalterno [... ] sempre aquém da posse do Estado, 8, 1.226 [CC, l, 296]). "A filosofia da práxis, reduzindo
do exercício real da hegemonià'. O problema de uma a 'especulatividade' aos seus justos limites [... ] revela-se
sua afirmação tanto teórica como prática coincide com a a metodologia histórica mais adequada à realidade e à
questão da superação da antinomia vulgarização-alta cul- verdade" (Q 11, 45, 1.467 [CC, l, 184]).
PETER THOMAS
cura: isto é, a passagem da subalternidade à hegemonia
(Q 16, 9, 1.860-1 [CC, 4, 37]). Ver: Bukharin; Croce; filosofia; ideologia; tradutibilidade.

BIBLIOGRAFIA: BARATTA, 2000; CORRADI, 2005; FERGNANI, 1976;


fRosrNr, 2004; HAuc, 2000; TRONTI, 1959. filósofo e filósofo democrático
ROBERTO DAINOTTO A análise da figura do "filósofo 'profissional ou tradicio-
Ver: Croce; espírito/espiritualismo; Gentile; historicismo; Labriola; nal"' (Q 10 II, 6, 1.245 [CC, l, 314]) está estreitamente
marxismo; matéria; materialismo e materialismo vulgar; materialis- ligada nos Q seja à redefinição gramsciana do concei-
mo histórico; ortodoxia. to de filosofia em termos historicistas e realistas, seja à
sua análise dos intelectuais "tradicionais" e "orgânicos".
.....
<"

hegemonia / 365

em relação à tese. De resto, enquanto as referências histó- ção. Na realidade, "Spaventa, que se punha do ponto de
ricas de Hegel foram a Revolução Francesa e as guerras de vista da burguesia liberal contra os 'sofismas' historicistas
Napoleão, isto é, os eventos que "sacudiram todo o mundo das classes reacionárias, expressava sarcasticamente uma
civilizado de então e obrigaram a pensar 'mundialmente"' concepção bem mais progressista e dialética do que a de
(idem), o nexo entre Hegel e Croce-Gentile é representado Labriola e Gentile" (Q 11, l, 1.368 [CC, 1, 87]).
pelo eixo Vico-Spaventa, no qual, apesar da genialidade de G. menciona também muitas vezes De Sanctis (defi-
Vico no pensar o mundo pelo filtro do cosmopolitismo nido por G. como "hegeliano" em LC, 398, a Tatiana, 23
católico, o horizonte prospectivo permanece de qualquer de fevereiro de 1931 [Cartas, II, 23]) e nesse caso também
maneira atrasado e limitado em relação ao contexto mo- o hegelianismo é revelado na teorização da crítica literária
derno e mundial de Hegel. "Vico-B. Spaventa como elo, como síntese unitária de teoria e prática ( Q 7, 31, 880
respectivamente, para Croce e Gentile com o hegelianis- [CC, 6, 208]) e, portanto, relido segundo a teoria da práxis
mo: mas isso não seria fazer a filosofia de Hegel retroceder e a lente hermenêutica do Hegel de Marx. Nessa direção,
a uma fase anterior?" (idem). G. lê também a discussão De Sanctis-Croce sobre o pro-
ROBERTO FINELLI blema estético da relação forma-conteúdo (Q 4, 5, 426)
Ver: Croce; dialética; Estado; Estado ético; filosofia da práxis; GrnsEPPE D'ANNA

Gentile; hegelianismo napolitano; historicismo; idealismo; ima- Ver: Croce; De Saneeis; Gentile; Hegel; idealismo; Labriola; tradição.
nência; intelectuais; Labriola; marxismo; materialismo; sociedade
civil; Spaventa; Vico. hegemonia
A primeira recorrência do termo "hegemonia'' está no
hegelianismo napolitano Q 1, 44, 41, no qual encontramos a expressão "hegemo-
G. menciona os irmãos Spaventa, Sílvio e Bertrando, por- nia política'', expressão introduzida por G. entre aspas,
que em ambos ele identifica a declinação da filosofia he- para indicar a sua particular valência em relação à genérica
geliana como filosofia da práxis mediante a ação política e acepção de "preeminência'', "supremacia'', que se encontra
a teorização do papel fundamental da subjetividade como em sequência no mesmo apontamento, constituindo um
centro de vontade e decisão política. No que diz respeito espectro extremamente amplo de significados em um âm-
a Silvio Spaventa, G. mostra ter compreendido o êxito bito de contextos que vai da economia até a literatura, da
prático-teórico do seu hegelianismo: a reivindicação do religião até a antropologia, da psicologia até a linguística.
Estado nacional e a luta contra o regime dos Burbons. Trata-se, além do mais, de distinções - usando a termino-
Citando uma carta de Sílvio ao pai, de 17 de julho de logia gramsciana - "metódicas" e não "orgânicas" como
1853, G. conclui: "Ele foi um dos poucos (uns sessenta) aparece claro até à última recorrência do termo ( Q 29, 3,
que, entre os mais de seiscentos condenados em 1848, 2.346 [CC, 6, 146]): "Sempre que aflora[ ... ] a questão da
nunca quis fazer um pedido de graça ao rei de Nápoles; e língua, isso significa que uma série de outros problemas
não se entregou à devoção religiosa, mas, ao contrário, se está se impondo: a formação e a ampliação da classe diri
convenceu cada vez mais de que a filosofia de Hegel era gente, a necessidade de estabelecer relações mais íntimas
o único sistema e a única concepção do mundo racionais e seguras entre os grupos dirigentes e a massa popular-
e dignos do pensamento de então" (LC, 304, a Tania, 13 -nacional, isto é, de reorganizar a hegemonia cultural".
de janeiro de 1930 [Cartas, I, 390]). G. recupera em se- Hegemonia cultural que, por sua vez, não se deve contra-
guida, contra Labriola e Gentile, a concepção pedagógica por à política, como testemunha o uso de expressões como
de Spaventa: Labriola de fato, aplicando herbartismo e "hegemonia político-cultural", "político-intelectual", "in-
método genético evolutivo, cai pedagogicamente em um telectual, moral e política'' e similares, além da tese pela
"pseudo-historicismo", pondo entre parênteses todo ele- qual "a filosofia da práxis concebe a realidade das relações
mento dialético e progressista. Segundo G., Labriola - ao humanas de conhecimento como elemento de 'hegemo-
identificar escravidão e coerção no processo educativo dos nia' política'' (Q10II, 6, 1.245 [CC, 1, 315]).
povos - acaba por elidir o elemento dialético de fundo, No que diz respeito ao significado que deve ser atri-
imanente à própria ideia de coerção, o conflito, através do buído a "hegemonia'', desde o início (Q 1, 44, 41), G.
qual um povo menos civilizado é conduzido à autoeduca- oscila entre um sentido mais restrito de "direção" em
366 1 hegemonia

oposição a "domínio", e um mais amplo e compreensivo diversas fases, que culminam naquela "mais abertamen-
de ambos (direção mais domínio). Com efeito, ele escre- te 'políticà [...] na qual as ideologias precedentemente
ve que "uma classe é dominante em dois modos, isto é, é germinadas vêm a contato e entram em embate, até que
'dirigente' e 'dominante'. É dirigente das classes aliadas, somente uma delas, ou pelo menos uma só combinação
é dominante das classes adversárias. Portanto, uma classe delas, tende a prevalecer, a se impor, a se difundir sobre
desde antes de chegar ao poder pode ser 'dirigente' (e deve toda a área, determinando, além da unidade econômica
sê-lo): quando está no poder torna-se dominante, mas e política, também a unidade intelectual e moral, em um
continua sendo também 'dirigente"'. A oscilação pros- nível não corporativo, mas universal, de hegemonia". A
segue nos apontamentos sucessivos, criando não poucas essa altura, o grupo até então subalterno pode sair "da
dificuldades interpretativas, que podem ser explanadas fase econômico-corporativa para elevar-se à fase de he-
pelo menos em parte fazendo referência ao contexto. No gemonia político-intelectual na sociedade civil e tornar
Q l, 48, 59, por exemplo, entre "exercício 'normal' da dominante na sociedade políticà'. O tema é desenvol-
hegemonia no terreno que se tornou clássico do regime vido particularmente no Q 6: no Q 6, 24, 703 [CC, 3,
parlamentar [... ] caracterizado por uma combinação da 225], G. preocupa-se em especificar o "sentido em que é
força e do consenso que se equilibram" (hegemonia como muitas vezes [grifo meu - n.d.r] usada nessas notas (isto
direção mais domínio), e situações nas quais "o aparelho é, no sentido de hegemonia política e cultural de um
hegemônico racha e o exercício da hegemonia torna-se grupo social sobre a inteira sociedade)"; no Q 6, 81, 751
sempre mais difícil" (hegemonia versus domínio). Tais [ CC, 3, 235] já desde o título é enunciado o nexo entre
situações, definidas como "crise do princípio de autori- "Hegemonia (sociedade civil) e divisão dos poderes". No
dade" -"dissolução do regime parlamentar" e em seguida Q 7, 83, 914 [CC, 3, 265], falando daquilo "que se cha-
"crise orgânicà' ou explicitamente "crise de hegemonià' ma 'opinião públicà", G. dirá que ela "está estreitamente
(Q 13, 23, 1.603 [CC, 3, 60]), podem ser assimiladas ligada à hegemonia política, ou seja, é o ponto de conta-
àquelas nas quais o Estado não se desenvolveu ainda ple- to entre a 'sociedade civil' e a 'sociedade política', entre o
namente: é o caso dos Estados Unidos, onde (Q 1, 61, consenso e a forçà' (idem). A aparente contradição com
72) "a hegemonia nasce da fábrica e não precisa de tantos a precedente identificação entre hegemoJ?:ia e sociedade
intermediários políticos e ideológicos", porque "não se civil resolve-se levando em consideração a polissemia dos
verificou ainda (senão esporadicamente, talvez) algum dois conceitos e do conceito de Estado: em uma série de
florescimento 'superestrutura!', por isso ainda não se pôs notas, de fato, G. entende "Estado= sociedade política+
a questão fundamental da hegemonià'. No Q 6, 10, 692 sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção"
[ CC, 1, 433] G. dirá que "a América ainda não superou a (Q 6, 88, 763-4 [CC, 3, 244]). Em outro grupo de pa-
fase econômico-corporativa, atravessada pelos Europeus rágrafos dedicados à crítica da história ético-política de
na Idade Médià'; no Q 8, 185, 1.053 [CC, 3, 286] o Croce, entendida como tentativa de "tradução", parcial
juízo será estendido a cada nova forma estatual: "Se é e unilateral, do conceito de hegemonia, ao contrário, G.,
verdade que nenhum tipo de Estado pode deixar de atra- ao opor-se à excessiva contraposição entre "o aspecto da
vessar uma fase de primitivismo econômico-corporativa, história correlativo à 'sociedade civil', à hegemonia'', e
disso se deduz que o conteúdo da hegemonia política [... ] "o aspecto da história correspondente com a iniciativa
deve ser predominantemente de ordem econômica". estatual-governativà' (Q 7, 9, 858), insiste na hegemo-
O terreno no qual se desenvolve a "luta pela hege- nia como elemento de conexão entre a sociedade civil e a
monià' é o da sociedade civil (Q 4, 46, 473). A relação sociedade política. A rejeição da contraposição crociana
entre hegemonia e sociedade civil já havia sido rema- entre os dois aspectos não implica, além do mais, a acei-
tizada em Q 4, 38, 457-60, dedicado a "Rapporti tra tação de sua identificação bruta proposta por Gentile,
struttura e superstrutture" [Relações entre estrutura e para o qual, afirma G. "hegemonia e ditadura são indis-
superestruturas]. G. distingue três momentos: o primei- tinguíveis, a força é pura e simplesmente consenso: não
ro é "estreitamente ligado à estrutura"; o segundo "é a se pode distinguir a sociedade política da sociedade civil:
'relação de forças' políticas"; o terceiro "é o da "relação existe só o Estado e, naturalmente, o Estado-governo"
das forças militares". O segundo momento passa por (Q 6, 10, 691 [CC, l, 436-7]).
hegemonia \ 367

ertamen- Contudo, no momento em que desmascara a posição produção. Em seguida G. atenuará tais rigorismos, es,
ltemente de Gentile como mera hipostatização do regime totalitá- crevendo já no Q 6, 200, 839-40 [CC, 2, 149-50] que
, até que rio imposta pelo partido fascista, G . distingue entre situa- "no desenvolvimento de uma classe nacional, ao lado do
ibinação ções nas quais "o partido é portador de uma nova cultura processo de sua formação no terreno econômico, deve-se
iir sobre e se verifica uma fase progressista'' e outras nas quais "o levar em conta o desenvolvimento paralelo nos terrenos
mômica partido quer impedir que outra força, portadora de uma ideológico, jurídico, religioso, intelectual, filosófico etc.
,em um nova cultura, torne-se 'totalitária'; verifica-se então uma [... ].Mas cada movimento da 'tese' leva a movimentos da
onia". A fase objetivamente regressiva e reacionária'' (Q 6, 136, 800 'antítese' e, portanto, a 'sínteses' parciais e provisórias".
sair "da [CC, 3, 254]). A diferença entre totalitarismo fascista e No entanto, G. desenvolveu um ulterior agente da
: de he- comunista consiste, portanto, no fato de que o primeiro influência hegemônica, representado pelo intelectual:
~tornar tende a reabsorver a sociedade civil dentro do Estado, re- tangível já desde a nota Q 1, 44, 41 - na qual os ex-
:senvol- duzindo a hegemonia à força, ao passo que no segundo poentes do partido moderado eram definidos "intelec-
[CC, 3, "o elemento Estado-coerção [está] em processo de esgota- tuais orgânicos" ou "condensados", "vanguarda'' de sua
n que é mento à medida que se afirmam elementos cada vez mais própria classe -, o peso dos intelectuais conhece um no-
as (isto conspícuos de sociedade regulada (ou Estado ético, ou tável incremento a partir do Q 4, 49, com a ampliação
de um sociedade civil) [... ]. Na doutrina do Estado x sociedade do próprio conceito, que se estende até compreender,
11, 751 regulada, de uma fase em que Estado será igual a Governo, além dos intelectuais profissionais, industriais, cientistas,
D entre e Estado se identificará com sociedade civil, dever-se-á pas- eclesiásticos, empregados e assim por diante, e chegan-
:s". No sar a uma fase de Estado-guarda-noturno, isto é, de uma do a concluir, na segunda redação do Q 12, 1, 1.516
se cha- organização coercitiva que protegerá o desenvolvimento [CC, 2, 15], que "todos os homens são intelectuais",
mente dos elementos d~ sociedade regulada em contínuo incre- embora "nem todos os homens tenham na sociedade a
conta- mento e que, portanto, reduzirá gradualmente suas inter- função de intelectuais". Desde o Texto A (Q 4, 49, 476)
:ntre o venções autoritárias e coativas", até "uma era de liberdade é atribuída aos intelectuais "uma função na 'hegemonia'
o com orgânicà' (Q 6, 88, 763-4 [CC, 3, 245]). A partir do Q que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e no
edade 6, 138, 802 [CC, 3, 255] G . descreve a longa luta pela domínio sobre ela que se encarna no Estado, função essa
ia dos instauração desse novo modelo de organização social com que é exatamente 'organizativa' ou de conexão". O es-
:rie de o conceito de guerra de posição, que demanda "uma con- tudo do papel dos intelectuais como "funcionários" ou,
'tica + centração inaudita da hegemonia''. No Q 8, 52, 973 essa como G. afirmará no Texto C (Q 12, 1, 1.519 [CC, 2,
:rção" estratégia é contraposta à trotskista da revolução perma- 21]), '"prepostos' do grupo dominante para o exercício
le pa- nente: "O conceito de 1848 da guerra de movimento em das funções subalternas da hegemonia social e do gover-
ca de política é justamente o da revolução permanente: a guerra no político", implica o aprofundamento de outro tema
arcial de posição, em política, é o conceito de hegemonia''. esboçado no Q 1, o dos sistemas ou aparelhos hegemôni-
» G., Quanto aos protagonistas de tal guerra, na fase inicial cos: antes de tudo as instituições educacionais no sentido
to da da reflexão no cárcere, a atenção aparece centrada sobre a mais amplo do termo, já que ( Q 1O II, 44, 1.331 [ CC,
la", e classe: em Q 1, 44, 40-1 lemos que "todo o problema das 1, 398]) "toda relação de 'hegemonia' é necessariamente
ativa várias correntes políticas do Risorgimento [... ] se reduz a uma relação pedagógica''. Assim, as empresas jornalísti-
:mo- esse fundamental: que os moderados representavam uma cas, as organizações repressivas legais e ilegais, mas tam-
il e a classe relativamente homogênea, de modo que a direção bém, como se diz no Q 8, 179, 1.049 [ CC, 3, 284], "uma
:iana sofreu oscilações relativamente limitadas, ao passo que o multiplicidade de outras iniciativas e atividades ditas pri-
icei- Partido de Ação não se apoiava especificamente em ne- vadas", incluindo "as obras pias e as doações beneficen-
1tile, nhuma classe histórica e as oscilações sofridas por seus tes" (Q 14, 56, 1.715 [CC, 2, 188]). A progressiva perda
1dis- órgãos dirigentes, em última análise, compunham-se de importância da classe em relação aos intelectuais no
não segundo os interesses dos moderados". Uma visão que, exercício da hegemonia, que deve ser correlacionada à
ivil: ao pressupor um nexo bastante mecânico entre estrutura sua frequente substituição por "grupo" ou "agrupamento
e superestrutura, reduziria a luta pela hegemonia a epi- social" (por exemplo, na nova redação de Q 1, 44 em
fenômeno da luta de classe no terreno das relações de Q 19, 24 [CC, 5, 62]), torna possível um nexo menos
368 1 hegemonia

mecânico entre o plano econômico e o hegemônico; efe- hegemonia é aquele em que se reúnem as exigências de
tivamente é verdade, como se lê em Q 4, 49, 474-6, que caráter nacional".
"cada grupo social, nascendo sobre a base originária de A centralidade do papel do partido na luta pela he-
uma função essencial no mundo da produção econômi- gemonia torna menos mecânica a relação entre o plano
ca, cria junto, organicamente, uma ou mais camadas de estrutural e os superestruturais; além do mais, desde Q7,
intelectuais"; todavia, "a relação entre os intelectuais e a 24, 871 [CC, 1, 238) G. havia recorrido exatamente ao
produção não é imediata, como acontece para os grupos conceito de hegemonia para combater "a pretensão (apre-
sociais fundamentais, mas é mediara [... ] por dois tipos sentada como postulado essencial do materialismo histó-
de organização social: a) pela sociedade civil [... ] b) pelo rico) de apresentar e expor cada flutuação da política e da
Estado" e além disso, pela existência de "categorias inte- ideologia como uma expressão imediata da infraestrutu-
lectuais preexistentes" que representam "uma continui- rà'. Deriva disso a crítica de toda interpretação economi-
dade histórica ininterrupta nem pelas mais complicadas cista do materialismo histórico, que se torna cada vez mais
mutações das formas sociais e políticas". serrada à medida que G. percebe quanto ela é difundida e
Além do mais, é necessário considerar a progressiva de como representa um obstáculo para o alcance da hege-
emergência, a partir de Q 5, 127, 662 [CC, 3, 222), do monia ideológica por parte da mesma filosofia da práxis.
papel do partido concebido como "moderno Príncipe", já Diversamente daquilo que se afirma, por exemplo, no Q4,
que "na realidade de qualquer Estado, o 'chefe de Estado' 14, 436 [CC, 6, 360), onde se lê que "o materialismo his-
[... ] é exatamente o 'partido político'", que tem "o po- tórico não sofre hegemonias, começa ele mesmo a exer-
der de fato", exerce a função hegemônica (e, portanto, cer uma hegemonia sobre o velho mundo intelectual",
equilibradora de interesses diversos) na "sociedade civil". no Q 16, 9, 1.860-1 [CC, 4, 37-8), inovando em relação
O partido se apresenta como portador de um modelo ao Texto A de Q 4, 3, G. reconhece, ao contrário, que
distinto de democracia substancial, mesmo não sendo esse "é a concepção de um grupo social subalterno, sem
completamente antitético, em relação à democracia par- iniciativa histórica, que se amplia continúamente, mas de
lamentar formal, como demonstra uma série de notas tar- modo inorgânico, e sem poder ultrapassar um certo grau
dias em que esta última é reavaliada em contraposição ao qualitativo que está sempre aquém da posse do Estado, do
"parlamentarismo negro", tácito ou implícito, represen- exercício real da hegemonia sobre toda a sociedade". De
tado pelo corporativismo fascista, mas imputável tam- modo que não se trata, para G., de superar o horizonte do
bém ao regime stalinista ("a autocrítica da autocríticà', a marxismo, mas, ao contrário, de voltar às suas fontes ori-
"liquidação" de Trotski e assim por diante: Q 14, 74 [CC, ginárias: deriva daqui a atribuição a Lenin, a partir de Q4,
3, 319) e Q 14, 76 [CC, 3, 321)), em que é claro que se 38, 465, da paternidade do próprio conceito de hege-
deve "excluir cuidadosamente cada aparência de apoio às monia que, aliás, representa "a contribuição máxima
tendências 'absolutistas"' (Q14, 76, 1.744 [CC, 3, 321)). de Ilitch à filosofia marxista, ao materialismo histórico,
Isto permite a G. instituir, em Q 8, 191, 1.056 [CC, 3, contribuição original, criadorà'. E é justamente por meio
287), um nexo entre "Hegemonia e democracia. Entre os de Lenin que G. retorna a Marx: em Q 10 II, 41.X, 1.315
muitos significados de democracia, parece-me que o mais [CC, l, 384), inovando em relação à primeira redação, es-
realista e concreto se possa deduzir em conexão com o creve que efetivamente já em Marx "está contido também
conceito de hegemonia. No sistema hegemônico, exis- in nuce o aspecto ético-político da política ou a teoria da
te democracia entre o grupo dirigente e os grupos di- hegemonia e do consenso, além do aspecto da força e da
rigidos" (idem): essa é a particular acepção gramsciana . ,,
economia.
do centralismo democrático, que "consiste na pesquisa BrnuoGRAFIA: Cosr1ro, 2004; DE GmovANNI, GERRATANA,
crítica [... ] para distinguir o elemento 'internacional' e PAGGI, 1977; D'ORSI, 2008; FRANCIONI, 1984.
'unitário' na realidade nacional e local" (Q9, 68, 1.140). GrusEPPE Cosr110
Sobre o nexo entre elemento nacional e internacional G. Ver: aparelho hegemônico; democracia; direção; domínio; Estado;
voltará até o Q14, 68, 1.729 [CC, 3, 314-5): "Por certo, filosofia da práxis; guerra de posição; intelectuais; Lenin; Marx;
o desenvolvimento é no sentido do internacionalismo, moderno Príncipe; opinião pública; revolução permanente; so-
mas o ponto de partida é nacional [... ]. O conceito de ciedade civil.
732 1 sociedade civil

mencionada em uma imagem originária já empalidecida. classes adversárias. Por isso, uma classe, já antes da ida ao
O Partido Socialista não é exceção a essa tendência, que, poder, pode ser 'dirigente' (e deve sê-lo); quando está no
nos Q sob a rubrica "Maquiavel", expressa a relevância poder, torna-se dominante, mas continua a ser também
da temática do "centro" (Q 14, 3, 1.656-7 [CC, 3, 297]). dirigente[ ... ]. Pode e deve haver uma 'hegemonia políti-
S1LVIO SuPPA ca' também antes de ir ao governo, e não precisa contar
Ver: De Man; intelectuais; Michels; reformismo; revisionismo; apenas com o poder e com a força material que este lhe
socialismo; transformismo. dá para exercer a direção ou hegemonia política'' (ibi-
dem, 41). Este texto é retomado em segunda versão no
sociedade civil Q 19, com uma série de variações interessantes também
Escreve G ., na seção intitulada Noções enciclopédicas. A do ponto de vista lexical: ''A supremacia de um grupo so-
sociedade civil: "É preciso distinguir a sociedade civil cial se manifesta de dois modos, como 'domínio' e como
tal como é entendida por Hegel e no sentido em que 'direção intelectual e moral'. Um grupo social domina os
é muitas vezes usada nestas notas (isto é, no se~tido de grupos adversários, que visa a 'liquidar' ou a submeter
hegemonia política e cultural de um grupo social sobre inclusive com a força armada, e dirige os grupos afins e
toda a sociedade, como conteúdo ético do Estado) do aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente
sentido que lhe dão os católicos, para os quais a socieda- já antes de conquistar o poder governamental[ ... ] depois,
de civil, ao contrário, é a sociedade política ou o Estado, quando exerce o poder e mesmo se o mantém fortemente
em oposição à sociedade familiar e à Igreja'' ( Q 6, nas mãos, torna-se dominante mas deve continuar a ser
24, 703 [CC, 3, 225]). Temos aqui a definição de uma também 'dirigente' [... ] pode e deve haver uma ativida-
acepção particular da expressão, bem como a afirmação de hegemônica mesmo ames da ida ao poder" (Q 19,
do sentido em que tal expressão é usada normalmente 24, 2.010-1 [CC, 5, 62-3]). Sempre no nível do Q 1,
nos Q. Portanto, referindo-se à sociedade civil, G. nor- podem-se identificar os elementos decisivos da concep-
malmente entende a expressão no sentido de Hegel, ou ção gramsciana de Estado, no ponto em que são con-
seja, como "hegemonia política e cultural de um grupo frontadas as relações entre Estado e mundo econômico:
social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do "Para as classes produtivas (burguesia capitalista e prole-
Estado". Trataremos, pois, do sentido especificamente tariado moderno), o Estado só é concebível como forma
gramsciano de "sociedade civil", sabendo que o signi- concreta de um determinado mundo econômico, de um
ficado é oposto em relação àquele dos católicos, para os determinado sistema de produção [... ] quando o impulso
quais tal expressão designa o Estado em sentido estri- para o progresso não é estreitamente ligado a um desen-
to, que G., por sua vez, denomina "sociedade política''. volvimento econômico local [... ] então a classe portadora
Resta a advertência constituída pelo advérbio "normal- das novas ideias é a classe dos intelectuais e a concepção
mente", que claramente indica que G. utiliza a expressão do Estado muda de aspecto. O Estado é concebido como
"sociedade civil" também com outros sentidos. uma coisa em si, como um absoluto racional" (Q I, 150,
Passado um ano do início da redação dos Q percebe- 132-3 [CC, 6, 350]). A partir dessa definição do Estado
-se neles a irrupção da política graças a duas longas notas na sua relação com o mundo econômico, é possível intro-
sobre a questão dos intelectuais: Q l, 43 e Q 1, 44. Em duzir a segunda acepção do conceito de sociedade civil,
outras palavras, nos primeiros meses de 1930, o concei- em que aparece o conceito de "homo oeconomicus", isto é,
to de hegemonia faz sua estreia: a noção de sociedade os diferentes aspectos da vida econômica.
civil é a resultante da investigação sobre a hegemonia Lê-se no Q 1011, 15 [CC, 1, 323], intitulado "Notas
e está fortemente vinculada à questão dos intelectuais. de economia'': "O homo oeconomicus é a abstração da ati-
Estamos no interior do que G. define como "o Estado vidade econômica de uma determinada forma de socie-
integral", o complexo constituído pela sociedade civil e dade, isto é, de uma determinada estrutura econômica.
pela sociedade política, do qual justamente no Q 1, 44 Toda forma social tem seu homo oeconomicus, isto é, uma
são explicitadas duas funções características: "Uma classe atividade econômica própria[ ... ]. Entre a estrutura eco-
é dominante de duas maneiras, sendo 'dirigente' e 'domi- nômica e o Estado com sua legislação e sua coerção, está
nante'. É dirigente das classes aliadas, é dominante das a sociedade civil, e esta deve ser radical e concretamente
sociedade civil 1 733

transformada não apenas na letra da lei e nos livros dos define como "superestruturà', o poder de determinar a
cientistas; o Estado é o instrumento para adequar a so- sociedade humana. Considere-se o Q 13, 17 [CC, 3, 36],
ciedade civil à estrutura econômica [... ]. Esperar que, em que G. escreve: "A fase mais estritamente política, que
através da propaganda e da persuasão, a sociedade civil assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das
se adapte à nova estrutura, que o velho homo oeconomicus superestruturas complexas; é a fase em que as ideologias
desapareça sem ser sepultado com todas as honras que [... ]se transformam em 'partido' [... ]determinando, além
merece, é uma nova forma de retórica econômica, uma da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a
nova forma de moralismo econômico vazio e inconse- unidade intelectual e moral, pondo todas as questões [... ]
quente" (ibidem, 1.253-4 [CC, l, 323-4]). Estamos aqui num plano 'universal', criando assim a hegemonia de um
na presença de uma nova definição de sociedade civil, grupo social fundamental sobre uma série de grupos su-
que chamaremos de "sociedade civil-homo oeconomi- bordinados" (ibidem, 1.584 [CC, 3, 41]). É o ponto mais
cus". Já no Q 1, 158, 138, G. desenvolve a ideia de que alto que pode alcançar a luta pela conquista da hegemo-
o homem deve ser transformado - ele diz "mecanizado" nia, isto é, umas das esferas de que devem ser pensadas
- a fim de que possa ser adaptado às novas condições de as relações com a outra esfera, aquela da ditadura sobre a
trabalho e de produção do industrialismo. Se a segunda sociedade civil-homo oeconomicus. Nessa mesma nota, há
acepção do conceito está ausente do Q 1, o esquema de uma rápida alusão ao liberalismo e ao sindicalismo teó-
pensamento que será utilizado para produzi-la já aparece rico, mas é na nota seguinte, ''.Alguns aspectos teóricos e
em forma embrionária. Com esse segundo significado do práticos do economismo", que se encontram os elemen-
conceito de sociedade civil, cujo conteúdo é a vida eco- tos necessários à interpretação do economicismo: "É no
nômica, à primeira vista, encontramo-nos bem distantes mínimo estranha a atitude do economicismo em relação
do conceito precedentemente considerado. Trata-se cer- às expressões de vontade, de ação e de iniciativa política
tamente, como na atividade de conquista da hegemonia, e intelectual, como se estas não fossem uma emanação
de transformar o homem, de adaptá-lo, mas, neste caso, orgânica de necessidades econômicas, ou melhor, a única
o nível da realidade social que permite obter o consen- expressão eficiente da economià' (Q 13, 18, 1.591 [CC,
so das classes aliadas não é mais político e cultural, mas 3, 48]). Note-se: não existem outras emanações eficientes
econômico, em que a função hegemônica aparentemente da economia. G. insiste reiteradamente sobre esse ponto.
não exerce um papel fundamental, uma vez que o instru- Eis agora a passagem que coloca não poucos pro-
mento determinante da transformação é a coerção esta- blemas interpretativos. Citarei inicialmente a versão do
tal da legislação e do direito, ainda que entrem em ação Texto C e logo depois fornecerei as variantes que se en-
outros instrumentos mais "positivos'', como a escola ou contram na primeira redação: "A formulação do movi-
outras instituições culturais. mento do livre-câmbio baseia-se num erro teórico cuja
Aqui atravessamos o tema do "economismo", como origem prática não é difícil identificar, ou seja, baseia-se
problema das relações entre a sociedade civil em senti- na distinção entre sociedade política e sociedade civil, que
do gramsciano e a sociedade civil-homo oeconomicus. A de distinção metodológica é transformada e apresentada
sociedade civil, no sentido gramsciano, é a esfera da ati- como distinção orgânica. Assim, afirma-se que a ativida-
vidade política por excelência, enquanto lugar em que de econômica é própria da sociedade civil e que o Estado
aparecem em cena as organizações assim denominadas não deve intervir em sua regulamentação. Mas, dado que
privadas (sindicatos, partidos, organizações de todo sociedade civil e Estado se identificam na realidade dos
tipo), que têm como objetivo a transformação do modo fatos, deve-se estabelecer que também o !iberismo é uma
de pensar dos homens. Quanto à sociedade civil em sen- regulamentação de caráter estatal, introduzida e manti-
tido estrito, que predispõe as intervenções coercitivas da da por via legislativa e coercitiva: é um fato de vontade
lei e do direito, é também ela uma instância da transfor- consciente dos próprios fins, e não expressão espontânea,
mação social. O economismo não leva em consideração automática, do fato econômico. Portanto, o !iberismo é
essa dupla forma da atividade humana e concede à eco- um programa político, destinado a modificar, quando
nomia enquanto tal, e sem intervenção da consciência, triunfa [... ] a distribuição da renda nacional. Diverso é o
da organização e, portanto, de tudo o que o marxismo caso do sindicalismo teórico, na medida em que se refere
734 1 sociedade civil

a um grupo subalterno, o qual, por meio desta teoria, é cessidade da múltipla intervenção estatal. Ao mesmo
impedido de se tornar dominante, de se desenvolver para tempo, põe em evidência a falsidade radical da tese !i-
além da fase econômico-corporativa a fim de alcançar a berista: "O !iberismo também deve ser introduzido pela
fase de hegemonia ético-política na sociedade civil e de lei, isto é, pela intervenção do poder político". Mas a
tornar-se dominante no Estado" (ibidem, 1.589-90 [CC, crítica gramsciana não termina aqui, pois ainda deve ser
3, 47]). Dizia, por sua vez, o Texto A (no qual a expressão desnudado um outro sustentáculo da teoria !iberista: a
inicial "no primeiro caso" refere-se ao "livre-cambismo"): ideia da existência autônoma da economia. Na verdade,
"No primeiro caso, especula-se inconscientemente (de- é impossível separar a vida econômica e suas estruturas da
vido a um erro teórico do qual não é difícil identificar coerção jurídica do Estado e das relações de força que ca-
o sofisma) sobre a distinção entre sociedade política e racterizam um "mercado determinado". "Na vida históri-
sociedade civil, e se afirma que a atividade econômica é ca concreta, sociedade política e sociedade civil são uma
própria da sociedade civil e que a sociedade política não mesma coisà', ou "se identificam", como diz a segunda
deve intervir na sua regulamentação. Mas, na realidade, versão do texto. Quando, enfim, se passa a considerar
essa distinção é puramente metódica, não orgânica, e, na o sindicalismo teórico, encontra-se uma perfeita clareza
vida histórica concreta, sociedade política e sociedade ci- intelectual, pois não há dificuldades na identificação da
vil são uma mesma coisa. Ademais, o !iberismo também origem prática do erro: o intento é fazer com que a classe
deve ser introduzido pela lei, isto é, pela intervenção do subalterna permaneça subalterna; por outro lado, as di-
poder político [... ]. Diferente é o caso do sindicalismo ficuldades filológicas desaparecem: é evidente que a refe-
teórico, porque este se refere a um agrupamento subal- rência é à sociedade civil em sentido gramsciano, quando
terno ao qual, com essa teoria, se impede de se tornar o nosso autor aponta em que consiste o obstáculo que se
dominante, de sair da fase econômico-corporativa para ergue à frente do grupo subalterno para impedi-lo "de
se erguer à fase de hegemonia político-intelectual na so- sair da fase econômico-corporativa para se erguer à fase
ciedade civil e se tornar dominante na sociedade políticà' de hegemonia político-intelectual na sociedade civil".
(Q 4, 38, 460). Qual é o erro teórico aqui denunciado? O Para concluir, deve ser mencionada uma outra acep-
texto é claro a esse propósito: a distinção "entre sociedade ção da expressão sociedade civil em G. Ele escreve:
política e sociedade civil [... ], de distinção metodológica, "'Todo indivíduo é funcionário' [... ] na medida em que,
é transformada e apresentada como distinção orgânicà' 'agindo espontaneamente', sua ação se identifica com os
(Q 13, 18, 1.590 [CC, 3, 47]). Mas a questão filológi- fins do Estado (ou seja, do grupo social determinado ou
ca que se coloca é a seguinte: que sentido assume a ex- sociedade civil)" ( Q 8, 142, 1.028 [CC, 3, 282]). Logo
pressão "sociedade civil" nessa primeira proposição? Um depois, G. faz referência a uma ação "interessada no sen-
sentido propriamente gramsciano, a "hegemonia políti- tido mais elevado, do interesse estatal ou do grupo que
ca e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, constitui a sociedade civil" (ibidem, 1.029 [CC, 3, 283]).
como conteúdo ético do Estado" (Q 6, 24, 703 [CC, 3, Esse uso, em que o "grupo social fundamental" é defini-
225]). G. não se demora sobre a maneira de estabelecer do "sociedade civil", merece certa atenção. Se tivéssemos
uma distinção metodológica sem confundi-la com uma que identificar a própria essência da doutrina em que G.
distinção orgânica; satisfaz-se em definir as teses que de- se inspira, poderíamos remeter a um famoso parágrafo
rivam da confusão que acabou de denunciar: ''Afirma-se consagrado aos "elementos constitutivos do marxismo",
que a atividade econômica é própria da sociedade civil e do qual se esforça em captar a "unidade" profunda: Q7,
que o Estado não deve intervir na sua regulamentação" 18, 868 [CC, l, 236]. Se tivéssemos que indicar dois con-
(Q 13, 18, 1.590 [CC, 3, 46]). Se a segunda parte do ceitos fundamentais dessa doutrina, começaríamos pelo
período não coloca problemas, já que expõe uma tese de- conceito de "práxis", com sua função essencial que con-
màsiado conhecida do !iberismo, o mesmo não pode ser siste em pensar a transformação da estrutura por meio
dito da primeira parte, que remete à segunda acepção de das superestruturas ("inversão da práxis"), e pelo concei-
sociedade civil. to de "bloco histórico", que é o quadro teórico geral no
Em oposição ao !iberismo e ao seu economicismo âmbito do qual agem todos os conceitos. Daqui deriva
radical, G. se alinha com aqueles que sublinham a ne- a primazia da política, portanto a fundação de novos
sociedade política 1 735

Estados, a revolução. Em que pese o lugar que ocupam dade civil' (isto é, o conjunto de organismos designados
nos Q diga-se, porém, correndo o risco do paradoxo, vulgarmente como 'privados') e o da 'sociedade políti-
que os conceitos de "hegemonia'', "guerra de posição" e ca ou Estado"' (Q 12, 1, 1.518 [CC, 2, 20-1]). A nota
"revolução passiva'' são conceitos subordinados. Ressaltar Q 7, 28, 876 [CC, 3, 262] intitula-se "Sociedade civil
que o fim do Estado político é uma proposição essencial e sociedade política'' e afirma: "Separação da sociedade
do marxismo leva a pensar no papel exercido pela hege- civil em relação à sociedade política: pôs-se um novo pro-
monia e pela guerra de posição no percurso que conduz à blema de hegemonia, isto é, a base histórica do Estado
conclusão última: o Estado "guarda-noturno", que asse- se deslocou. Tem-se uma forma extrema de sociedade
gura a transição à "sociedade regulada''. política: ou para lutar contra o novo e conservar o que
BrnuoGRAFIA: AucIELLO, 1974; Bossm, 1990b; Buc1-GLUCKS- oscila, fortalecendo-o coercivamente, ou como expressão
MANN, 1976; BuTTIGIEG, 1995; FRANCIONI, 1984; L1GuORI, do novo para esmagar as resistências que encontra ao de-
2006; TEXIER, 1968 e 1989. senvolver-se etc.". A crise de hegemonia como separação
JACQUES TEXIER da sociedade civil em relação à sua expressão estatal, que,
Ver: bloco histórico; dialética; eco no mismo; Estado; Estado guarda- portanto, não tem mais sua base histórica. Ainda, a te-
-noturno; hegemonia; intelectuais; sociedade política; sociedade mática marxista da extinção do Estado (com a afirmação
regulada; superestrutura/superestruturas. daquela que G. chama de "sociedade regulada'') é vista
nos termos do "desaparecimento da sociedade política'' e
sociedade comunista: v. sociedade regulada. do "advento da sociedade regulada'' (Q 7, 33, 882 [CC,
l, 242]): os elementos coercitivos diminuem e se expan-
sociedade política dem o consenso e o autogoverno.
Por "sociedade política" G. entende o Estado tal como Como normalmente ocorre nos Q não faltam al-
era tradicionalmente compreendido: "Sociedade política gumas indecisões semânticas. Por exemplo, no Q 12, 1,
[... ], na linguagem comum, é a forma de vida estatal a 1.522 [CC, 2, 24], lê-se que "o partido político, para to-
que se dá o nome de Estado e que vulgarmente é entendi- dos os grupos, é precisamente o mecanismo que realiza
da como todo o Estado" ( Q 8, 130, 1.020 [ CC, 3, 279]). na sociedade civil a mesma função desempenhada pelo
Uma vez que ele reage à tal visão restrita e não adequada Estado, de modo mais vasto e mais sintético, na sociedade
à realidade social e política que se estabelece, sobretudo política''. Aqui, é a "sociedade política'' que parece com-
depois de 1870, caracterizada de modo crescente pelo preender, no seu interior, o Estado, e parece ser, portanto,
Estado "integral", G. tende a considerar a sociedade po- realidade mais vasta, como se o Estado não exaurisse todo
lítica como uma parte do Estado ampliado: o Estado se o espaço do político, ou melhor, da sociedade política.
apresenta de duas formas, diz ele, "como sociedade civil O termo também é utilizado para designar as realida-
e como sociedade política, como 'autogoverno' e como des estatais (ou políticas) pré-modernas, da Antiguidade
'governo dos funcionários'" (idem). Esse "governo dos ("com o aparecimento do cristianismo e com seu orde-
funcionários'', o Estado estritamente entendido, com- namento, durante séculos ora de perseguições, ora de
preende o aparato governamental e o aparato coercitivo, tolerâncias, como sociedade em si, diversa da sociedade
como é evidente na célebre definição: "Estado = socie- política, surgiu um novo jus sacrum": Q 3, 87, 368 [ CC,
dade política + sociedade civil, isto é, hegemonia coura- 2, 86]) e da Idade Média ("com o direito canônico, ao
çada de coerção" ( Q 6, 88, 763-4 [ CC, 3, 244]). Outras contrário, não ocorre a redução a direito pessoal, sendo
afirmações dos Q confirmam essa leitura: há "identida- ele o direito de uma sociedade diversa e distinta da so-
de-distinção entre sociedade civil e sociedade política'' ciedade política, na qual a inclusão não era baseada na
(Q8, 142, 1.028 [CC, 3, 282]); "Se trata da ausência de nacionalidade": ibidem, 370 [CC, 2, 88]). Outras vezes,
uma clara enunciação do conceito de Estado e da distin- "sociedade política'' parece se identificar com o Estado
ção neste entre sociedade civil e sociedade política, entre tout court: "No primeiro caso, se especula inconsciente-
ditadura e hegemonia etc." (Q 10 II, 7, 1.245 [CC, l, mente [... ] sobre a distinção entre sociedade política e
316]). "Por enquanto, podem-se fixar dois grandes 'pla- sociedade civil, e se afirma que a atividade econômica é
nos' superestruturais: o que pode ser chamado de 'socie- própria da sociedade civil e que a sociedade política não
736 1 sociedade regulada

deve intervir na sua regulamentação. Mas, na realidade, o conceito [... ] de que não pode existir igualdade política
essa distinção é puramente metódica, não orgânica, e, na completa e perfeita sem igualdade econômica'' (idem). G.
vida histórica concreta, sociedade política e sociedade ci- novamente volta a polemizar com Spirito e Volpicelli no
vil são uma mesma coisa" (Q 4, 38, 460). Q 6, 82, 756 [CC, 3, 236], ainda a propósito da confusão
Gurno L1Guoru entre Estado e sociedade regulada.
Ver: Estado; sociedade civil; sociedade regulada. O tema da sociedade regulada como superação do
Estado retorna no Q 6, 65, 734 [CC, 2, 230], novamen-
sociedade regulada te numa reflexão que se refere, sobretudo, à "sociedade
Nos Qy "sociedade regulada'' equivale a "sociedade co- de transição": "Nesta sociedade, o partido dominante
munista'', assim como em boa parte da tradição marxista: não se confunde organicamente com o governo, mas é
trata-se da formação social que deveria suceder a "socie- instrumento para a passagem da sociedade civil à 'socie-
dade socialista" (a "sociedade de transição") e que seria dade regulada', na medida em que absorve ambas em
marcada pela extinção do Estado. A expressão "sociedade si, para superá-las (e não para perpetuar sua contradi-
regulada'' aparece quase que somente no Q 6, em poucos ção) etc.". Também no Q 6, 88, 764 [CC, 3, 244-5], a
Textos B. O tema da extinção do Estado está presente em concepção marxista do Estado se torna a "doutrina do
outras poucas notas em que o termo não aparece, como, Estado que conceba este como tendencialmente capaz de
por exemplo, no Q5, 127, 662 [CC, 3, 222-3], em que esgotamento e de dissolução na sociedade regulada". G.
G., refletindo provavelmente sobre a sociedade soviéti- acrescenta: "O elemento Estado-coerção em processo de
ca, a única sociedade socialista existente à época, escreve: esgotamento à medida que se afirmam elementos cada
"Sobre esta realidade, que está em contínuo movimento, vez mais conspícuos de sociedade regulada (ou Estado
não se pode criar um direito constitucional do tipo tra- ético, ou sociedade civil). As expressões Estado ético ou
dicional, mas apenas um sistema de princípios que afir- sociedade civil significariam que esta 'imagem' de Estado
mam como fim do Estado seu próprio fim, seu próprio sem Estado estava presente nos maiores cientistas da po-
desaparecimento, isto é, a reabsorção da sociedade políti- lítica e do direito, ao se porem no terreno da pura ciência
ca na sociedade civil" (idem). (= pura utopia, já que baseada no pressuposto de que
A nota Q 6, 12, 693 [ CC, 3, 223], intitulada "Estado todos os homens são realmente iguais e, portanto, igual-
e sociedade regulada'', é a primeira em que G. utiliza a ex- mente razoáveis e morais)" (idem).
pressão "sociedade regulada'', a partir da crítica da corrente A sociedade regulada é, pois, Estado sem Estado: se
dos "gentilianos de esquerda'' Spirito e Volpicelli, corrente - como diz a mesma nota - o Estado é "sociedade po-
em cujo pensamento "deve-se notar, como momento crí- lítica + sociedade civil" (Estado "integral"), a sociedade
tico inicial, a confusão entre o conceito de Estado-classe e regulada é aquela "sociedade civil-política'' em que pere-
o conceito de sociedade regulada''. Precisa G.: "Enquanto ce o Estado tradicionalmente entendido, o Estado como
existir o Estado-classe não pode existir a sociedade regu- aparelho repressivo (concepção contra a qual G. tantas
lada, a não ser por metáfora, isto é, apenas no sentido de vezes polemiza). O próprio G. escreve mais adiante: "Na
que também o Estado-classe é uma sociedade regulada. doutrina do Estado ~ sociedade regulada, de uma fase
Os utopistas, na medida em que exprimiam uma críti- em que Estado será igual a Governo, e Estado se iden-
ca da sociedade existente em seu tempo, compreendiam tificará com sociedade civil, dever-se-á passar a uma fase
muito bem que o Estado-classe não podia ser a socieda- de Estado-guarda-noturno, isto é, de uma organização
de regulada, tanto é verdade que nos tipos de sociedade coercitiva que protegerá o desenvolvimento dos elemen-
pensados pelas diversas utopias introduz-se a igualdade tos de sociedade regulada em contínuo incremento e que, p
econômica como base necessária da reforma projetada: portanto, reduzirá gradualmente suas intervenções auto- e
nisto os utopistas não eram utopistas, mas cientistas con- ritárias e coativas" (idem). A expansão dos elementos de p
cretos da política e críticos coerentes. O caráter utópico autogoverno, no âmbito da sociedade socialista, levará,
de alguns deles era dado pelo fato de que consideravam segundo G., a uma redução gradual dos elementos de es- d
possível introduzir a igualdade econômica com leis arbi- tatismo propriamente dito, diminuindo a necessidade de e
trárias, com um ato de vontade etc. Mas permanece exato momentos repressivos e coercitivos. Uma radicalização fi!i

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