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A política identitária não é uma continuação dos

movimentos por direitos civis


xibolete.uk/politica-identitaria

Eli Vieira 29 de setembro de 2018

É quase indisputável que o Movimento dos Direitos Civis,(1) o feminismo liberal de


segunda onda e o Orgulho Gay foram projetos liberais, tanto no amplo sentido
filosófico quanto no sentido mais estrito da política contemporânea. No entanto, é
comum para aqueles entre nós que se consideram liberais em um desses sentidos,
ou ambos, ouvir que devemos desaprovar esses grandes sucessos liberais. Isso
acontece quando criticamos a política identitária.

Essa crítica pecular segue uma insistência de que esses movimentos de direitos
civis devem ser uma forma de política identitária por fazerem uma defesa muito
explícita de determinado grupo de identidade. [Mas] não — não é isso o que os
críticos liberais da “política identitária” querem dizer com o termo. Defender direitos
humanos, liberdades e oportunidades com foco em grupos de identidade que não os
têm é algo completamente coerente com o liberalismo universal — de fato, é algo
integral a ele. Essa defesa, no entanto, não é política identitária.

Essa não é uma mera picuinha semântica. É vital distinguir entre o liberalismo
universal e a política identitária, e reconhecer o que ambos compartilham e como
diferem. Ambos se opõem à desigualdade e buscam remediá-la, mas o fazem com
concepções muito diferentes de sociedade e usam diferentes abordagens. Essas
diferenças são importantes. O liberalismo universal tem como foco a individualidade
e a humanidade compartilhada, e busca chegar a uma sociedade em que todo
indivíduo tem igual acesso a todo direito, liberdade e oportunidade que nossas
sociedades partilhadas oferecem. A política identitária tem como foco explícito a
identidade de grupo e busca dar poder político a esse grupo tratando-o como uma
entidade monolítica e marginalizada, diferente de — e polarizada contra — outro
grupo descrito como uma entidade monolítica privilegiada.

Liberalismo Universal

É essencial entender que o termo “liberal” não indica um posicionamento à esquerda


do espectro político, como muitas vezes é usado nos Estados Unidos. Também não
indica um posicionamento à direita do espectro político, como muitas vezes é usado
na Austrália. Em vez disso, é uma posição filosófica e ética com uma longa
história que se foca na individualidade, liberdade e oportunidade igual. na verdade,
encontra-se em posições políticas decididamente de esquerda, decididamente de
direita, posições libertárias, e entre os sem afiliação mas em geral centristas.

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Portanto, o liberalismo universal é um princípio de muitos, e é um princípio que
nasceu do pensamento Iluminista e da fundação de democracias seculares e liberais.
Como tal, fez nascer os movimentos de direitos civis.

O Movimento de Direitos Civis, o feminismo liberal de segunda onda, e o Orgulho


Gay trabalharam explicitamente com esses valores de direitos humanos universais e
o fizeram para valorizar o indivíduo independentemente de seu status de raça,
gênero, sexo, sexualidade ou outras marcas de identidade. Eles avançaram ao
apelar diretamente para direitos humanos que se aplicassem universalmente.
Exigiram que as pessoas não-brancas, as mulheres e as minoriais sexuais não
fossem mais discriminadas injustamente e tratadas como cidadãs de segunda
classe. Insistiram que, numa sociedade que cumpre sua promessas as seus
cidadãos, todos devem ter o completo conjunto de direitos, liberdades e
oportunidades.

Martin Luther King Jr. articulou essa atitude de individualidade e humanidade


compartilhada de forma explícita quando disse que “Tenho um sonho que meus
quatro filhos um dia viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua
pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”. Feministas liberais fizeram o mesmo
quando buscaram obter acesso às mesmas carreiras que os homens, o mesmo
salário para o mesmo trabalho, o mesmo direito a contrair hipotecas e empréstimos
em seus próprios nomes, e a mesma liberdade de serem responsáveis por suas
próprias dívidas, da mesma forma que homens adultos. O Orgulho Gay exigiu que os
homens gays tivessem o mesmo direito a uma vida sexual adulta que os
heterossexuais e defendeu que seu relacionamento e o das lésbicas e bissexuais
deveriam ser reconhecidos como igualmente válidos e importantes em relação ao de
casais heterossexuais. Como indica o nome, o Orgulho Gay foi e ainda é preocupado
não apenas com a igualdade legal, mas também com o reconhecimento das
minorias sexuais como seres humanos que não são transtornados ou depravados,
mas completamente normais, saudáveis e morais, de igual valor aos outros e que
merecem a mesma dignidade que todo ser humano — como determinada por seu
caráter. Esse elemento social do Movimento de Direitos Civis é consistente com
ativistas antirracismo e dos direitos das mulheres que também exigem
reconhecimento como seres humanos completos e indivíduos que têm tanto a
oferecer à sociedade quanto os homens brancos.

Esses movimentos tiveram sucesso, mas não por causa de uma pequena minoria de
ativistas, mesmo os mais inspiradores como Martin Luther King. Tiveram sucesso
porque recorreram a um espírito liberal universal através do qual as democracias
liberais se definiam com orgulho, mas que não havia sido estendido a todos os
cidadãos. Os movimentos de direitos civis chamaram as nações (e suas instituições)
abertamente a defender precisamente essa atitude; uma atitude que havia crescido
constantemente (apesar das dificuldades) desde o humanismo renascentista, fora
desenvolvida mais ainda durante o Esclarecimento (Iluminismo), encontrara uma voz
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explícita em filósofos como Mary Wollstonecraft e John Stuart Mill, fora apresentada
como central e fulcral na Constituição dos EUA, e fora perfeitamente eleita para dar
um grande passo após o fim das Guerras Mundiais, o colapso do Império Britânico e
o fim das leis Jim Crow.

Isso não é política identitária.

Política Identitária

A política identitária é uma abordagem bem diferente do liberalismo universal e, na


sua forma de Justiça Social, deriva de uma virada intelectual na academia
esquerdista. Desde o fim dos anos 1960 até meados dos anos 1980, alguns
intelectuais de esquerda de várias disciplinas tiveram uma desilusão com o
marxismo e teorizaram um modo radicalmente diferente de ver a sociedade. Durante
esse tempo as sociedades ocidentais estavam atingindo grandes avanços em
combater desigualdades legais ao descriminalizar a homossexualidade masculina e
criminalizar a discriminação baseada em raça ou sexo, tanto no acesso ao emprego
quanto ao salário. Também foi um tempo de grandes avanços na ciência, incluindo
avanços que deram às mulheres o controle sobre a reprodução. Ironicamente, ao
mesmo tempo, esse grupo de intelectuais de esquerda desiludidos decidiu que era
hora de desistir do mito do progresso e da validade da ciência. Assim nasceu o pós-
modernismo, que se aproveitou do bom nome dos movimentos de direitos civis para
defender sua própria abordagem de quebra de forças hegemônicas na sociedade e
dessa forma desfazer os problemas que essas hegemonias causam. (Se você não
sabe da relevância do pós-modernismo aqui, convém ler isto e isto antes de
continuar.)

Esse novo modo de pensar se enraizava no construtivismo social, a ideia de que o


conhecimento não é descoberto, mas fabricado pelas pessoas na forma de discursos
— formas de se falar sobre coisas. O conhecimento é construído, diz a tal teoria, a
serviço do poder e, portanto, perpetua a desigualdade. Sob essa abordagem, todas
as metanarrativas dominantes — grandes explicações abrangentes de como
entendemos o mundo — devem ser desmanteladas, incluindo a ciência e a razão.
Dessa forma, o conceito de conhecimento objetivo, acessível a todos, é negado
porque é impossível separá-lo da subjetividade e da perspectiva pessoal. Em
consequência, o conhecimento que a sociedade tinha foi entendido como
pertencente a homens brancos heterossexuais e excludente ao conhecimento que
possa ser obtido apenas por investigadores que não sejam homens brancos
heterossexuais.

Enquanto os pós-modernos originais eram mais ou menos destituídos de objetivos, e


suas ideias não eram muito compreensíveis, no fim dos anos 1980 e nos anos 1990
uma segunda onda de “teóricos” adaptaram significativamente essas ideias pós-
modernas e as fizeram politicamente acionáveis — e continuaram se aproveitando do

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bom nome dos movimentos de direitos civis para fazê-lo. Teóricos pós-coloniais,
teóricas feministas interseccionais, teóricos críticos raciais e teóricos queer se
apropriaram em grande medida do conceito de construtivismo social mas rejeitaram
o seu antirrealismo radical. Defenderam que coisa alguma pode ser tratada ao
menos que fosse aceito que os grupos identitários existiam, eram socialmente
construídos, e que o poder era acumulado em alguns deles e negado a outros. Isto
é, para esses pós-modernistas aplicados, a objetividade permanecerá impossível,
mas a identidade e a opressão nela baseada são objetivamente reais.

Eles identificaram que essas dinâmicas de poder emergiram em grande medida no


nível do discurso. Consequentemente, para que a real igualdade exista, os
conhecimentos das mulheres e das minorias raciais e sexuais, que são vistos como
diferentes e como resultados da vivência pessoal, devem estar em primeiro plano.
Nasceu a política identitária, e esses teóricos alegaram ser os herdeiros legítimos do
projeto liberal de direitos civis mesmo após abandonarem tanto a epistemologia
quanto a ética que definem o liberalismo na teoria e na prática.

Para tomar um exemplo muito claro dessa virada conceitual, considere o ensaio
fundador da interseccionalidade, “um conceito provisório ligando a política
contemporânea à teoria pós-moderna”, escrito por Kimberlé Crenshaw, que também
foi uma figura importante na teoria crítica da raça. Em “Mapeando as Margens:
Interseccionalidade, Política Identitária e Violência contra as Mulheres de Cor”,(2)
Crenshaw problematiza a abordagem do que ela chamou de “liberalismo
mainstream” (o que estamos chamando de “liberalismo universal”), que tentou
remover a significância social de categorias de identidade para superar as barreiras
que dificultavam que mulheres, pessoas não-brancas e minorias sexuais tivessem
acesso a tudo o que a sociedade tinha a oferecer. [Podemos entender “remover a
significância social” num sentido social como a posição de que não deveria haver
expectativas ou limitações sobre alguém por causa de sua identidade. Com o
objetivo de superar expectativas como “meu médico será um homem e minha
enfermeira será uma mulher. Meu advogado será branco, meu jardineiro será
mexicano”. O objetivo disso não é remover a identidade, mas as expectativas
associadas a ela (mesmo se as pessoas continuarem a escolher de forma diversa
por causa de diferenças em interesses entre os sexos ou fatores culturais que não
são impostos por expectativas brancas e patriarcais, tais como a sobre-
representação de pessoas de origem indiana na medicina ocidental).] Crenshaw
descreve corretamente o liberalismo mainstream como uma tentativa de continuar a
quebrar as barreiras que fortalecem expectativas acerca de papeis raciais e de
gênero. Ela também observou que isso era um anátema para a política identitária
que ela favorecia:

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[Para] afro-americanos, outras pessoas de cor, e gays e lésbicas, entre outros… a política
baseada em identidade tem sido uma fonte de força, comunidade e desenvolvimento
intelectual. A adoção da política identitária, entretanto, tem conflitado com concepções
dominantes de justiça social. Raça, gênero e outras categorias de identidade são com
frequência tratadas no discurso liberal mainstream como vestígios de viés ou dominação
— isto é, como arcabouços intrinsecamente negativos nos quais o poder social trabalha
para excluir ou marginalizar aqueles que são diferentes. De acordo com esse
entendimento, nosso objetivo libertador deve ser esvaziar tais categorias de qualquer
significância social. No entanto, implícita em certas vertentes de movimentos feministas
e de libertação racial, por exemplo, está a opinião de que o poder social em delinear a
diferença não precisa ser o poder da dominação; pode em vez disso ser a fonte do
empoderamento e reconstrução sociais.

Crenshaw rejeitou a universalidade explicitamente, ao menos no contexto político em


que ela escreveu, e o mesmo tem sido feito por feministas interseccionais e teóricos
críticos raciais. Ela escreveu:

Podemos todos reconhecer a distinção entre as asserção “sou negra” e a asserção “sou
uma pessoa que por acaso é negra”. “Sou negra” toma a identidade socialmente imposta
e a empodera como uma âncora da subjetividade. “Sou negra” se torna não apenas uma
afirmação de resistência mas também um discurso positivo de auto-identificação,
intimamente ligado a afirmações de celebração como a nacionalista negra “Black is
beautiful“. “Sou uma pessoa que por acaso é negra”, por outro lado, chega à auto-
identificação pelo empenho voltado a uma certa universalidade (com efeito, “sou em
primeiro lugar uma pessoa”) e a uma rejeição concomitante à categoria imposta
(“negra”) como uma coisa contingente, circunstancial e não-determinante.

Dentro desse esquema, longe de se tornarem socialmente irrelevantes, o gênero e a


raça são as bases do ativismo político.

O Problema com a Política Identitária

Os problemas com a abordagem política identitária são:

Epistemológicos: Ela depende da altamente duvidosa teoria construtivista


social e por isso produz leituras fortemente enviesadas de situações.
Psicológicos: Seu foco único na identidade é divisivo, reduz a empatia entre os
grupos e vai contra intuições morais fundamentais de justiça e reciprocidade.
Sociais: Ao falhar em defender princípios de não-discriminação com coerência,
ela ameaça enfraquecer ou destruir tabus sociais contra julgar as pessoas por
sua raça, gênero ou sexualidade.

As leituras enviesadas de interações por pessoas que vêem a sociedade dessa


forma geralmente têm uma aparência distinta de falta de caridade. Se um homem
explica qualquer coisa para uma mulher ou oferece informações factuais, ele pode
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ser acusado de “mansplaining“, que é quando se presume que um homem se pôs a
explicar porque crê que as mulheres são geralmente ignorantes. Entretanto, há
muitas evidências de que os homens falam por meio de trocas de informação com
muito mais frequência do que as mulheres, e para ambos os sexos, e essa acusação
é feita com frequência em situações em que seria bem razoável que ele desse as
informações que tem. Da mesma forma, alguém que cumprimente um palestrante
negro por sua eloquência pode ser acusado de estar surpreso que pessoas negras
possam ser eloquentes, mesmo se a intenção for claramente de admiração ou até de
inveja. É assim porque a importância da intenção é muito inferior ao impacto do ponto
de vista da política identitária, e a vivência da pessoa marginalizada é considerada
uma autoridade. Claro, a maioria das mulheres não reclamam de homens sendo
informativos, e a maioria das pessoas negras não têm problema com o elogio de
pessoas brancas. Ainda assim, essa atitude é generalizada dentro da política
identitária e tem uma influência considerável.

O contrário disso é o muito comum argumento segundo o qual “racismo/sexismo


reverso não existe”, que significa que pessoas não-brancas não podem ser racistas
contra brancos ou que mulheres não podem ser sexistas contra homens mesmo se
estiverem falando de forma explicitamente depreciativa sobre a sua raça ou o seu
sexo. Dentro da lógica cultural da política identitária, essa conclusão é aceita porque
o racismo ou o sexismo só podem fluir escada abaixo entre os gradientes de poder
sistêmico. Para que uma pessoa não-branca pudesse ser racista contra brancos ou
uma mulher pudesse ser sexista contra homens, seria necessário haver um
desequilíbrio de poder que favorecesse pessoas não-brancas e mulheres. O
problema com esse tipo de raciocínio é que não apenas põe grupos de identidades
diferentes uns contra os outros, dificulta a comunicação, e cria uma economia moral
que aloca o poder social (imunidade a acusações legítimas de intolerância) em
percepções de vitimização ou opressão. Também reduz a capacidade de empatia
genuína entre identidades se somos considerados como diferindo completamente
em experiências, conhecimentos e regras.

É geralmente uma ideia péssima ter diferentes regras de comportamento


dependendo da identidade, pois isso vai contra o senso mais comum de equidade e
reciprocidade que parece estar em boa parte codificado nos genes. Também é um
anátema para o liberalismo universal, e o exato oposto do que os movimentos de
direitos civis lutaram para obter. A política identitária que alega que o preconceito
contra pessoas brancas e os homens é aceitável enquanto o preconceito contra
pessoas não-brancas e mulheres é inaceitável ainda de fato trabalha com um senso
de justiça, igualdade e reciprocidade, mas é reparativo. Ela tenta restaurar um
equilíbrio pela via da busca de um “empate”, especialmente pensando de forma
histórica.

Não há uma verdadeira justiça, no entanto, quando as pessoas que são alvos disso
não são as mesmas pessoas que historicamente oprimiram pessoas não-brancas e
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mulheres. Esse instinto é quase certamente também algo natural para nós, pois
pagar “pelos pecados dos pais” é algo com uma história muito profunda. É um
instinto que é melhor abandonar, e certamente não tem lugar numa democracia
liberal. Se a maioria das pessoas trabalham hoje com um entendimento de justiça,
igualdade e reciprocidade como coisas individuais, essa mentalidade pode ser
incompreensível e alienante.

É dessa forma que a política identitária se faz mais contraproducente e perigosa. Nós
humanos somos criaturas tribais e territoriais, e a política identitária vem muito mais
naturalmente para nós do que a universalidade e a individualidade. A nossa história
presta testemunho de humanos favorecendo de forma flagrante sua própria tribo, sua
própria vila, sua própria religião, sua própria nação e a própria raça acima das outras
e criando narrativas na tentativa impulsiva de justificá-lo.

Os direitos e princípios humanos universais de não julgar as pessoas por sua raça,
gênero ou sexualidade — que se desenvolveram ao longo do período moderno e
resultaram nos movimentos de direitos civis, na igualdade perante a lei, e em muito
progresso social — são muito mais estranhos para nós e precisam ser
consistentemente reforçados e mantidos. Se permitirmos que a política identitária na
força da Justiça Social corroa essa trégua frágil e precária, poderíamos desfazer
décadas de progressos social e prover motivos para o ressurgimento do racismo, do
sexismo e da homofobia. Dada a novidade de uma sociedade igualitária, não está
nem um pouco claro que as mulheres e as minorias raciais e sexuais poderiam
facilmente recuperar essas perdas.

O Que Devemos Fazer?

É necessário que os liberais de todos os tipos resistam contra a política identitária.


Se realmente valorizamos os princípios de não julgar as pessoas por sua raça,
gênero ou sexualidade, devemos valorizá-los com consistência. Se desejamos
continuar o trabalho dos movimentos por direitos civis, devemos reconhecer que a
política identitária não faz esse trabalho, não está funcionando e pode até estar
ferindo o bem que os movimentos já alcançaram. E devemos reconhecer que o
problema se tem origem e aval na academia associada à Justiça Social, que tem raiz
no pós-modernismo e se diversificou em muitas formas de estudos denuncistas.

Devemos clamar por uma abordagem mais rigorosa dos problemas de justiça social.
Deve ser uma abordagem que não se fia em uma crença em uma sociedade
dominada por sistemas de poder e privilégio perpetuados no discurso, nem em
utilizar viés da confirmação altamente motivado de forma ideológica como uma
técnica interpretativa, ou em considerar a vivência pessoal assim interpretada como
uma autoridade.

Aqueles de nós que pensam que está claro que a sociedade funciona melhor quando
reconhecemos a humanidade e individualidade compartilhadas de pessoas de todas
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as identidades, e buscam assegurar que nenhuma identidade seja empecilho ao
acesso de alguém a todo direito, liberdade e oportunidade — isto é, os liberais —
devem defender esses valores e reconhecer que são eles, e não os políticos
identitários, que estão continuando o bom trabalho dos movimentos de direitos civis.

A sociedade simplesmente funciona muito melhor quando diferentes segmentos dela


podem empatizar uns com os outros, reconhecer quantas coisas têm em comum, e
formar seus relacionamentos pessoais e intelectuais com os outros com base em
suas características, interesses e metas em comum. Há muito poucas razões para
presumir que as pessoas que te entenderão melhor e compartilharão os teus
interesses e objetivos terão a mesma cor da pele que a tua, a mesma genitália ou
identidade de gênero, ou a mesma sexualidade. Pessoas de todas as raças, gêneros
e sexualidades são diversas intelectual e ideologicamente. Aqueles que falam com
autoridade sobre “vivências das mulheres” ou pedem que se ouça “às pessoas não-
brancas e trans” estão tentando constranger os indivíduos desses grupos a uma
ideologia e a uma concepção de sociedade específicas. Isso é inaceitável, e
certamente não é liberal.

A universalidade não pede pela presunção de que o racismo, o sexismo ou a


homofobia não existem. Nem presume que não há um trabalho a ser feito em
oposição a esses problemas, em defesa a minorias raciais ou religiosas, em
proteção à liberdade reprodutiva das mulheres e para assegurar os direitos LGBT.
Quando a necessidade de fazer todas essas coisas é apresentada em termos de
direitos humanos universais e justiça, encontrará muito mais apoio do que quando é
apresentada em termos de teoria incompreensível, irracionalismo, interpretações
enviesadas de interações, ironia cruel, exigências por justiça reparativa e abandono
do princípio da não-discriminação contra pessoas por suas marcas de identidade.

Foi assim que o Movimento de Direitos Civis, o feminismo liberal de segunda onda e
o Orgulho Gay funcionaram e inspiraram sociedades a valorizarem os direitos
humanos universais e a igualdade de oportunidade para apoiar o avanço célere do
progresso social. Esses movimentos não foram uma forma de política identitária e a
política identitária não é uma continuação de seu trabalho. Não se deixe convencer
do contrário.

***

Por Helen Pluckrose e James A. Lindsay, originalmente na Areo, 25 de setembro de


2018. Helen Pluckrose é pesquisadora de textos medievais tardios e pré-modernos
escritos por e sobre mulheres; atualmente está escrevendo um livro sobre o pós-
modernismo e a teoria crítica e seu impacto na epistemologia e na ética acadêmicas;
é editora-chefe da Areo. James A. Lindsay é um pensador, não um filósofo, por
admissão própria; com um doutorado em matemática e formação em física; é autor

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de quatro livros, mais recentemente Life in Light of Death; seus ensaios apareceram
em publicações como TIME, Scientific American e The Philosopher’s Magazine;
pensa que todos estão enganados a respeito de Deus.

Tradução: Eli Vieira

Notas

1. ↑ N. do T.: “Movimento de Direitos Civis” se refere aqui, quando em iniciais maiúsculas,


ao movimento pela justiça racial nos Estados Unidos, com representantes como Martin
Luther King Jr.

2. ↑ N. do T.: Tradução livre.

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