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Fundamentos em Voz
Camila Nayara Zaponi Rodrigues
Maringá
2016
AVM Faculdade Integrada
Fundamentos em Voz
Camila Nayara Zaponi Rodrigues
Maringá-PR
2016
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo discutir sobre a abordagem dos registros vocais na pedagogia
vocal. As terminologias dos registros vocais são elementos complexos e há confusão acerca
deste tema, que acontece devido os termos usados para designar os registros não condizerem
com o que fisiologicamente está ocorrendo. Para entender essa diferença, discutiu-se as
dificuldades de integração do conhecimento empírico e científico na pedagogia vocal,
analisando-se historicamente o conceito de Registro Vocal e investigando como são definidos
os registros vocais de acordo com a fisiologia e musculatura intrínseca da laringe. Pode-se
observar que a divisão de registro em três é a mais comum: basal, modal e elevado. Pesquisas
na área da fisiologia citadas neste trabalho enfatizam as mudanças da atividade muscular
durante o canto como principal diferenciação dos registros, confirmando o fato de registro vocal
ser um evento totalmente laríngeo e não definido pela ressonância, como muito é difundido em
aulas de canto.
This study aimed to discuss the approach to vocal records in vocal pedagogy. The terminology
of vocal registers are complex elements and there is confusion about this, happened because the
terms used to describe the records do not match with what is really happening physiologically.
To understand this difference, was deliberated the difficulties of integrating empirical and
scientific knowledge in vocal pedagogy, analyzed the history of the registration vocal concept
and investigated how vocal registers are defined according to the larynx physiology and
intrinsic musculature. The most common register division is in 3 parts: basal, modal and high.
Researchs in physiology mentioned in this study emphasize the changes in muscle activity
during the singing is the main differentiation of registers, confirming the fact of vocal register
be a fully laryngeal event and not defined by the resonance, as is very widespread in singing
lessons.
O canto exige alta demanda vocal, sendo que ajustes neuromusculares pelo trato vocal
são efetuados para se conquistar grande diversidade de efeitos sonoros. Por este motivo, praticar
o canto, mesmo amadoramente, necessita de cuidados e conhecimento dos mecanismos de
produção vocal envolvidos. Muitos alunos de canto participam de masterclasses, workshops,
festivais de música, além de sua própria aula individual de canto, tendo contato com diversos
profissionais e professores de canto (SANTOS,2010). É comum que estes alunos recebam
orientações de pedagogias diversas, causando contradições em seu aprendizado.
Mariz (2013) afirma que ao longo da história da voz cantada, muitos dos termos
utilizados na comunicação entre professores e alunos terminaram tornando-se parte de um
jargão conhecido, e ganharam significados mais ou menos precisos no meio da pedagogia vocal.
Muitos desses termos tem particularidades de cada época, cada estilo e mesmo cada escola ou
docente.
Quando se trata da qualidade da voz no canto, não raro um dos aspectos mais
abordados e questionados, e por vezes polemizados, constitui justamente o que diz respeito aos
registros da voz, ou seja, à variação da qualidade da voz que acontece em função da variação
da altura tonal. Os registros vocais constituem fenômeno bastante conhecido tanto na prática da
voz cantada e em situações específicas da fala, como na prática clínica voltada para a
reabilitação dos distúrbios da voz. Na prática da voz cantada, cantores, professores de canto e
regentes de corais fazem referências as expressões com conotações metafóricas ou sensitivas a
fim de facilitar o ensino-aprendizagem (MARIZ, 2014).
A linguagem utilizada pelos professores de canto no ensino de técnica vocal é
tradicionalmente uma questão polêmica na área de performance e pedagogia do canto. Muitas
vezes, até mesmo por causa de sua formação empírica ou na área da música, se utiliza de
terminologias associadas as sensações por não conhecer fisiologicamente detalhes dos
mecanismos de produção da voz. A coerência da escolha por uma ou outra terminologia parece
estar condicionada ao aprofundamento do professor de canto nos dois principais referenciais de
sua área – o conhecimento empírico musical e os conceitos das ciências da voz (MARIZ, 2014).
O fenômeno e a terminologia dos registros vocais ainda hoje são elementos complexos
e há muita confusão acerca deste tema. Essa é uma questão histórica e que atinge a pedagogia
vocal mundial. Alessandroni (2013), pesquisador argentino, também cita em suas pesquisas
sobre a pedagogia vocal contemporânea que conceitos como ressonância, registros e colocação
vocal desenvolvido na história é confuso e pouco claro. Miguel (2014) da mesma maneira, diz
que o tema parece bastante controverso, sobretudo no que se refere a origem dos registros: se é
um evento totalmente laríngeo ou se há interferências dos ressonadores em sua produção e
controle e, qual seria a nomenclatura adequada para registro vocal, ainda mais se tratando da
pedagogia vocal. Complementando, Araújo (2013) afirma que conhecer a musculatura da
laringe leva a um entendimento melhor dos registros e que essa parte da fisiologia vocal é tão
importante para o conhecimento do instrumento do cantor, que todos que se dispusessem a
aprender qualquer forma de canto deveriam começar compreendendo esta.
O estudo dos registros com relação à ressonância vocal está relacionado à compreensão
do mecanismo de ajustes do sistema fonador e ressonador (PINHO et al, 2014). E ainda que
haja confusão entre os dois temas, aos professores de canto, conhecer os mecanismos
musculares envolvidos na produção dos registros vocais, não é só de suma importância para
sua própria voz, como essencial para evitar danos ao aparelho fonador de seus alunos.
O objetivo deste trabalho é discutir sobre a abordagem dos registros vocais na
pedagogia vocal. Este trabalho caracteriza-se como um estudo qualitativo de revisão
bibliográfica. Para esta pesquisa também foram utilizadas buscas em base de dados. Estas
foram: “SciELO”, “LILACS” e “Google Acadêmico”. Inicialmente foram usadas palavras-
chaves que diz respeito ao tema: “registros vocais” e “pedagogia vocal”. Foi feito a busca por
publicações no período compreendido entre 2006 a 2016, com artigos de idioma português.
1. CONHECIMENTO EMPÍRICO VERSUS CIENTÍFICO NA
PEDAGOGIA VOCAL
(...) como uma tentativa de conferir concretude ao canto, pelo fato de a maior
parte das estruturas físicas envolvidas no funcionamento do instrumento vocal
não serem visíveis, pela individualidade de sensações e sentimentos que
causados pela emissão vocal, e até mesmo pelo som ser, por definição, um
fenômeno impalpável. (MARIZ, 2013, pg. 3)
A arte do canto tem estado à frente da ciência, mas aos poucos, a acústica vem
explicando fenômenos que professores de canto conhecem há séculos. Com o
avanço da tecnologia, o uso não só de registros acústicos, mas de sinais
aerodinâmicos (fluxo aéreo e pressão sonora) e eletroglotográficos, tende a
tornar-se um forte aliado à compreensão e evolução das técnicas de canto,
como tem ocorrido na fonoaudiologia e na otorrinolaringologia (VIEIRA,
2004 apud SANTOS, 2010, p. 2).
A partir do final do século XVI, deu-se o início ao movimento chamado de bel canto,
ou belo canto, escola italiana caracterizada basicamente pelo virtuosismo vocal no canto solo.
Este movimento fez gerar inúmeros escritos e tratados relativos à técnica vocal considerada
apropriada para esse tipo de canto, o qual atingiu seu auge no início do século XIX (TOSI,1723;
MANCINI, 1774; GARCIA, 1847; 1872).
Neste período surgiram as primeiras descrições mais detalhadas sobre os registros
vocais. Na medida em que os mecanismos da produção vocal ainda eram desconhecidos,
usavam-se termos baseados nas partes do corpo em que o cantor sentia as vibrações do som
para se determinar os registros, como citam Tosi e Mancini. Apesar dos tratados de canto de
Tosi (1723) e Mancini (1774) citarem os registros vocais, eles não trazem uma definição
específica.
Estes tratadistas (Tosi, 1723; Mancini, 1774) de canto do começo do século XVIII não
entram em detalhes fisiológicos da produção vocal. Tosi (1723), por exemplo, não diz
praticamente nada que seja específico da fisiologia vocal propriamente dita. O mais próximo
disso é recomendar que o professor tenha cuidado em não forçar vocalmente o aluno, a fim de
que este não tenha a voz e saúde prejudicadas. No final do século Mancini (1774), por sua vez,
fala somente sobre elementos básicos de fisiologia vocal, identificando os órgãos responsáveis
pela fonação.
Pacheco (2006) faz uma análise comparativa dos tratados de canto de Pier Tosi,
Giambattista Mancini e Manuel P. R. Garcia, sendo este ultimo, fundamental para
aprofundamento na história do canto e conceituação dos registros vocais. Garcia (1972), que
baseava seu tratado de canto em seus estudos de fisiologia, define:
A definição proposta por Garcia (1985) é fruto da observação das pregas vocais pela
utilização de um laringoscópio simples e, embora, saiba-se que a busca pela compreensão dos
vários aspectos envolvidos na produção e percepção dos registros vocais seja relativamente
antiga, é no século XIX, com ele, que se tem um alargamento no conhecimento científico
relativo aos registros vocais uma vez que, durante os séculos XVII e XVIII, as referências ao
registro tratavam das características de qualidade de som ao invés dos princípios mecânicos
envolvidos no fenômeno (FERRANTI, 2004 apud MIGUEL, 2014)
Associou-se inicialmente os registros aos termos “peito” e “cabeça”, onde ocorrem as
sensações vibratórias, ou melhor dizendo, adaptações ressonantais ou fenômenos de
ressonância. Salomão (2008) conta que nas traduções dos escritos de Tosi para o inglês e para
o alemão, por exemplo, o compositor e oboísta alemão J. E. Galliard acrescentou notas de
rodapé de sua própria autoria, na qual fez referência à voce di petto como uma “voz cheia, que
vem do peito com força”, a “mais sonora e expressiva”; à voce di testa, que “vem mais da
garganta do que do peito” e é capaz de “maior volubilidade”; e ao falsetto, uma “voz fingida”,
inteiramente “formada na garganta” e “sem substância” (SALOMÃO, 2008, p. 21).
De fato, o peito e a cabeça, não são os geradores dos diferentes registros e isso gerou
discordância e variadas terminologias. Há autores que consideram apenas dois registros, peito
e cabeça, como Tosi (1723) e Mancini (1774). Garcia (1847; 1872) também considerava dois
registros, porém os chamavam de peito e falsete-cabeça. Há os autores que identificam três
registros, sendo peito, médio e cabeça. Outros que dividem os registros em basal, modal,
subdividido em peito, médio (ou misto) e cabeça, e elevado, diferenciando-os pela frequência
e considerando a teoria mioelástica-aerodinâmica.
A disseminação de conhecimento científico relacionado à produção do som vocal, se
firmou a partir do século XIX. Até então, e com informações limitadas relativas à anatomia,
fisiologia e acústica da voz, cantores e professores de canto tiveram que basear seus conceitos,
terminologias e práticas nas percepções pessoais das vozes ouvidas e nas sensações
proprioceptivas decorrentes da produção da voz (SALOMAO, 2008).
Provavelmente, ao ouvirem suas próprias vozes e outras, cantores ou professores de
canto rapidamente estabeleciam conexões entre a sensação do som ouvido e o modo como
possivelmente os órgãos da voz e da fala estariam posicionados para a produção da referida
voz. Ainda que baseadas em grande medida em aspectos de natureza impressionística, tais
conexões no geral acabaram por prevalecer como referência na adoção dos nomes utilizados
para designar os diferentes registros da voz.
Salomão (2008) discorre sobre os diferentes nomes atribuídos aos registros vocais ao
longo do tempo:
Não seria de se estranhar, portanto, que os diferentes nomes atribuídos às
“diferentes vozes” normalmente expressassem alguma espécie de relação de
semelhança entre as sensações decorrentes dos diferentes modos de produção
de voz e a qualidade vocal resultante. Sendo assim, sensações de vibração, por
exemplo, nas regiões da frente, lados e/ou topo da cabeça, comumente
associadas à emissão de sons cantados na região mais alta de pitch, eram
interpretadas como decorrentes do “posicionamento”, propriamente dito, da
voz nessas regiões, como se a voz “estivesse vindo” da cabeça, vindo a
constituir, portanto, a voz chamada “voz de cabeça”. Assim também,
sensações de vibração no peito, associadas, por exemplo, à emissão de sons
produzidos na região mais baixa de pitch, eram interpretadas como sendo
presumivelmente oriundas desta região do corpo, como se “estivessem vindo”
do peito, vindo a constituir, por sua vez, a “voz de peito”. (SALOMÃO, 2008,
p. 24, grifo do autor)
Salomão (2008) ainda afirma que é provável que certo apelo intuitivo inerente a esse
tipo de linguagem, mais metafórica em sua natureza, tenha contribuído para que todo um
conjunto de nomes prevalecesse, no decorrer do tempo, no contexto do ensino e da
aprendizagem da música vocal. (SALOMÃO, 2008)
Do ponto de vista fisiológico, literaturas recentes entram em consenso de que na
produção dos registros há uma grande atividade dos músculos tensores da laringe, os
Tireoaritenóideos (TA) e Cricotireóideos (CT), confirmando o que Pinho et al (2014) afirma:
“o registro vocal é um evento totalmente laríngeo” (PINHO et al., 2014, p. 59), não definido
pela ressonância.
3. REGISTROS VOCAIS E O PAPEL DA ATIVIDADE
MUSCULAR INTRÍNSECA PREDOMINANTE
Figura 1: Representação esquemática adaptada dos tipos de registros com relação à atividade muscular intrínseca
predominante (HIRANO, 1988 apud PINHO et al., 2014, p. 60).
No que se refere ao falsete, Baê e Pacheco (2006) dizem que “em relação aos homens
é unânime a presença do registro de falsete. O mesmo não acontece com as mulheres, pois há
controvérsia entre diferentes autores sobre a existência do registro de falsete no sexo feminino”
(BAÊ; PACHECO, 2006, p. 65).
A origem da palavra falsete vem do italiano falsetto, que significa falso tom, usado
geralmente por cantores do sexo masculino para cantar notas mais agudas. Por esse motivo,
alguns professores de canto não acreditam no falsete no sexo feminino e sim acreditam que a
“voz de cabeça” é registro elevado pois o som emitido na região aguda se assemelha em
características timbrísticas do falsete masculino. Sobre esse assunto, Araújo (2013) discorre
sobre o fato que fonoaudiólogos considerarem o registro de cabeça modal por haver
participação de TA na produção do som e não elevado, pois este a atividade de CT é quase
absoluta. O autor também diz que estas diferenças podem não ser audíveis e seriam necessárias
medições na musculatura intrínseca.
Para que a voz esteja no registro elevado deve-se ter certeza que a participação
do CT na emissão é quase absoluta. Professores de canto normalmente
definem dois registros na mulher, cabeça e peito (...) não se importando com
a participação muscular mas tão somente com a sensação física e sonoridade.
Este tipo de definição gera um verdadeiro abismo entre estes registros que
normalmente são trabalhados de maneira específica e separada. São
definitivamente abordagens diferentes que podem confundir o aluno iniciante.
(ARAÚJO, 2013, p. 17, nota de rodapé)
Por ser um ajuste predominantemente glótico, Pinho et al. (2014) sugere a mudança
de nomenclatura dos subregistros de peito e cabeça do registro modal, para evitar confusões
com os ajustes ressonantais. Os autores optaram por substituir o nome “registro de peito” por
“registro denso”, “por associação à forma arredondada que a borda livre das pregas vocais
assume nessa situação” (PINHO et al., 2014, p. 60). Ao subregistro de cabeça, optaram pela
utilização do termo “registro tênue”, “por associação à forma pouco espessa que a borda livre
das pregas vocais assume nessa situação” (PINHO et al., 2014, p. 60).
Figura 2: Esboço simplificado dos padrões contrastantes da vibração das pregas
vocais nos diferentes registros (MILLER et al., 2001).
Neste trabalho buscou-se discutir a abordagem dos registros vocais na pedagogia vocal.
Apesar de tanta controvérsia envolvendo o assunto dos registros, pode-se observar que a divisão
de registro em três é a mais comum. Pesquisas na área da fisiologia citadas neste trabalho
enfatizam as mudanças da atividade muscular durante o canto como principal diferenciação dos
registros, confirmando o fato de registro vocal ser um evento totalmente laríngeo e não definido
pela ressonância, como muito é difundido em aulas de canto.
Conclui-se que, o profissional envolvido com o canto seja conhecedor dos conceitos que
abrangem sua área. Cabe aos envolvidos com a pedagogia vocal, fonoaudiólogos ou professores
de canto, saberem se utilizar de termos e expressões objetivas em suas práticas e não somente
metáforas ou terminologias associadas a sensações, pois tal objetividade vem muito a somar
para a compreensão da voz cantada.
Percebe-se que os músculos tensores da laringe, os tireoaritenóideos e cricotireóideos,
são os mais envolvidos na produção dos registros, porém são necessários mais estudos para
entender a participação dos outros músculos intrínsecos e extrínsecos. Do ponto de vista da
pedagogia vocal, também seria importante pesquisar como os alunos/cantores tem
compreendido e assimilado esses aspectos fisiológicos com sua prática vocal.
REFERÊNCIAS
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