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AVM Faculdade Integrada

Fundamentos em Voz
Camila Nayara Zaponi Rodrigues

A ABORDAGEM DOS REGISTROS VOCAIS NA PEDAGOGIA VOCAL

Maringá
2016
AVM Faculdade Integrada
Fundamentos em Voz
Camila Nayara Zaponi Rodrigues

A ABORDAGEM DOS REGISTROS VOCAIS NA PEDAGOGIA VOCAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


AVM Faculdade Integrada como requisito parcial
para obtenção do título de Especialista em Voz, sob
a orientação da professora Ms. Renata da Silva
Cardoso Rocha Tavares.

Maringá-PR
2016
RESUMO

Este trabalho teve como objetivo discutir sobre a abordagem dos registros vocais na pedagogia
vocal. As terminologias dos registros vocais são elementos complexos e há confusão acerca
deste tema, que acontece devido os termos usados para designar os registros não condizerem
com o que fisiologicamente está ocorrendo. Para entender essa diferença, discutiu-se as
dificuldades de integração do conhecimento empírico e científico na pedagogia vocal,
analisando-se historicamente o conceito de Registro Vocal e investigando como são definidos
os registros vocais de acordo com a fisiologia e musculatura intrínseca da laringe. Pode-se
observar que a divisão de registro em três é a mais comum: basal, modal e elevado. Pesquisas
na área da fisiologia citadas neste trabalho enfatizam as mudanças da atividade muscular
durante o canto como principal diferenciação dos registros, confirmando o fato de registro vocal
ser um evento totalmente laríngeo e não definido pela ressonância, como muito é difundido em
aulas de canto.

Palavras-chaves: registros vocais; pedagogia vocal; canto.


ABSTRACT

This study aimed to discuss the approach to vocal records in vocal pedagogy. The terminology
of vocal registers are complex elements and there is confusion about this, happened because the
terms used to describe the records do not match with what is really happening physiologically.
To understand this difference, was deliberated the difficulties of integrating empirical and
scientific knowledge in vocal pedagogy, analyzed the history of the registration vocal concept
and investigated how vocal registers are defined according to the larynx physiology and
intrinsic musculature. The most common register division is in 3 parts: basal, modal and high.
Researchs in physiology mentioned in this study emphasize the changes in muscle activity
during the singing is the main differentiation of registers, confirming the fact of vocal register
be a fully laryngeal event and not defined by the resonance, as is very widespread in singing
lessons.

Keywords: vocal registers; vocal pedagogy; sing


INTRODUÇÃO

O canto exige alta demanda vocal, sendo que ajustes neuromusculares pelo trato vocal
são efetuados para se conquistar grande diversidade de efeitos sonoros. Por este motivo, praticar
o canto, mesmo amadoramente, necessita de cuidados e conhecimento dos mecanismos de
produção vocal envolvidos. Muitos alunos de canto participam de masterclasses, workshops,
festivais de música, além de sua própria aula individual de canto, tendo contato com diversos
profissionais e professores de canto (SANTOS,2010). É comum que estes alunos recebam
orientações de pedagogias diversas, causando contradições em seu aprendizado.
Mariz (2013) afirma que ao longo da história da voz cantada, muitos dos termos
utilizados na comunicação entre professores e alunos terminaram tornando-se parte de um
jargão conhecido, e ganharam significados mais ou menos precisos no meio da pedagogia vocal.
Muitos desses termos tem particularidades de cada época, cada estilo e mesmo cada escola ou
docente.
Quando se trata da qualidade da voz no canto, não raro um dos aspectos mais
abordados e questionados, e por vezes polemizados, constitui justamente o que diz respeito aos
registros da voz, ou seja, à variação da qualidade da voz que acontece em função da variação
da altura tonal. Os registros vocais constituem fenômeno bastante conhecido tanto na prática da
voz cantada e em situações específicas da fala, como na prática clínica voltada para a
reabilitação dos distúrbios da voz. Na prática da voz cantada, cantores, professores de canto e
regentes de corais fazem referências as expressões com conotações metafóricas ou sensitivas a
fim de facilitar o ensino-aprendizagem (MARIZ, 2014).
A linguagem utilizada pelos professores de canto no ensino de técnica vocal é
tradicionalmente uma questão polêmica na área de performance e pedagogia do canto. Muitas
vezes, até mesmo por causa de sua formação empírica ou na área da música, se utiliza de
terminologias associadas as sensações por não conhecer fisiologicamente detalhes dos
mecanismos de produção da voz. A coerência da escolha por uma ou outra terminologia parece
estar condicionada ao aprofundamento do professor de canto nos dois principais referenciais de
sua área – o conhecimento empírico musical e os conceitos das ciências da voz (MARIZ, 2014).
O fenômeno e a terminologia dos registros vocais ainda hoje são elementos complexos
e há muita confusão acerca deste tema. Essa é uma questão histórica e que atinge a pedagogia
vocal mundial. Alessandroni (2013), pesquisador argentino, também cita em suas pesquisas
sobre a pedagogia vocal contemporânea que conceitos como ressonância, registros e colocação
vocal desenvolvido na história é confuso e pouco claro. Miguel (2014) da mesma maneira, diz
que o tema parece bastante controverso, sobretudo no que se refere a origem dos registros: se é
um evento totalmente laríngeo ou se há interferências dos ressonadores em sua produção e
controle e, qual seria a nomenclatura adequada para registro vocal, ainda mais se tratando da
pedagogia vocal. Complementando, Araújo (2013) afirma que conhecer a musculatura da
laringe leva a um entendimento melhor dos registros e que essa parte da fisiologia vocal é tão
importante para o conhecimento do instrumento do cantor, que todos que se dispusessem a
aprender qualquer forma de canto deveriam começar compreendendo esta.
O estudo dos registros com relação à ressonância vocal está relacionado à compreensão
do mecanismo de ajustes do sistema fonador e ressonador (PINHO et al, 2014). E ainda que
haja confusão entre os dois temas, aos professores de canto, conhecer os mecanismos
musculares envolvidos na produção dos registros vocais, não é só de suma importância para
sua própria voz, como essencial para evitar danos ao aparelho fonador de seus alunos.
O objetivo deste trabalho é discutir sobre a abordagem dos registros vocais na
pedagogia vocal. Este trabalho caracteriza-se como um estudo qualitativo de revisão
bibliográfica. Para esta pesquisa também foram utilizadas buscas em base de dados. Estas
foram: “SciELO”, “LILACS” e “Google Acadêmico”. Inicialmente foram usadas palavras-
chaves que diz respeito ao tema: “registros vocais” e “pedagogia vocal”. Foi feito a busca por
publicações no período compreendido entre 2006 a 2016, com artigos de idioma português.
1. CONHECIMENTO EMPÍRICO VERSUS CIENTÍFICO NA
PEDAGOGIA VOCAL

Se tratando de voz cantada, três áreas estão envolvidas em proporcionar a melhor


qualidade vocal possível a um cantor, a medicina, fonoaudiologia e música. O tripé, médico
otorrinolaringologista, fonoaudiólogo e professor de canto, são os profissionais envolvidos
nesta demanda, e juntos, precisam usar a mesma linguagem para facilitar o aprendizado do
aluno/paciente. Porém, há um impasse quanto a nomenclaturas usadas por estes profissionais,
principalmente entre terminologias usadas por professores de canto e médicos e
fonoaudiólogos, ou seja, há desacordo entre a linguagem artística e as ciências da voz.
Dentre todos os aspectos presentes em uma aula de canto típica, talvez o mais
intrigante seja a maneira como professor e aluno verbalizam suas impressões sobre a voz. A
linguagem utilizada pelos professores de canto no ensino de técnica vocal é tradicionalmente
uma questão polêmica na área de performance e pedagogia do canto. Muitas vezes, até mesmo
por causa de sua formação empírica ou na área da música, se utiliza de terminologias associadas
as sensações por não conhecer fisiologicamente detalhes dos mecanismos de produção da voz.
A coerência da escolha por uma ou outra terminologia parece estar condicionada ao
aprofundamento do professor de canto nos dois principais referenciais de sua área – o
conhecimento empírico musical e os conceitos das ciências da voz (MARIZ, 2014).
De acordo com Gehardt e Silveira (2009), conhecimento empírico é aquele “que
adquirimos no cotidiano, por meio de nossas experiências. É construído por meio de tentativas
e erros num agrupamento de ideias” (GEHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 18). Ou seja, é um
conhecimento baseado na experiência e na observação, metódicas ou não, relacionado a
conhecimentos práticos, confirmando também o que Tartuce (2006) aponta: “O principal mérito
do método empírico é o de assinalar com vigor a importância da experiência na origem dos
nossos conhecimentos” (TARTUCE apud GEHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 19).
Porém, o conhecimento científico é aquele gerado pela sistematização do
conhecimento, baseada no rigor científico, normatizado e obtido através de métodos. Tartuce
(2006) alega:
Vemos que o conhecimento científico se dá à medida que se investiga o que
se pode fazer sobre a formulação de problemas, que exigem estudos
minuciosos para seu equacionamento. Utiliza-se o conhecimento científico
para se conseguir, por intermédio da pesquisa, constatar variáveis.
(TARTUCE apud GEHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 24).
Nas últimas décadas, em relação aos registros vocais, termo que é um dos mais
controversos entre as duas linguagens, houve um aumento de literatura científica buscando
explicar tais fenômenos vocais. Alguns autores comprometidos com a arte do canto buscam
explicar os registros vocais baseado em sensações produzidas no corpo e cientistas da área da
medicina e fonoaudiologia buscam explicações baseadas em fisiologia.
Mariz (2014) diz que essas explicações baseadas em sensações por parte dos
professores de canto ocorrem:

(...) como uma tentativa de conferir concretude ao canto, pelo fato de a maior
parte das estruturas físicas envolvidas no funcionamento do instrumento vocal
não serem visíveis, pela individualidade de sensações e sentimentos que
causados pela emissão vocal, e até mesmo pelo som ser, por definição, um
fenômeno impalpável. (MARIZ, 2013, pg. 3)

A situação da pedagogia vocal atual conta com esforços empreendidos para a


compreensão dos fenômenos mecânicos e acústicos do canto. Isso gerou distintos
posicionamentos sobre quais seriam os termos mais eficientes a serem utilizados no universo
pedagógico da voz cantada. Mariz (2013) conta que muitos autores questionaram o jargão
tradicional por seu cunho metafórico, e propuseram sua substituição por termos objetivos e
fisiológicos (MILLER, 1996; LAVER, 1980; SUNDBERG, 1987 apud MARIZ, 2013). Outros
propuseram a continuidade da tradição, mas com reflexões sobre o significado fisiológico
preciso de cada termo e um uso parcimonioso das metáforas (VENNARD, 1967; STARK, 2003
apud MARIZ, 2013).
Busca-se compreender a terminologia usada na pedagogia vocal como um todo,
independente do estilo de canto. Piccolo (2006) observa que a imitação como prática de
aprendizagem do cantor popular, assim como a experimentação informal de maneiras de se
cantar, constituiu quase que a totalidade do estudo de canto de diversos ícones do canto popular
brasileiro e da maioria dos cantores populares no Brasil até os anos de 1980. Por ter a imitação
como prática de aprendizagem do canto popular, pouca importância se dá aos termos.
Partindo para o outro estilo, Santos (2010) conta que existe uma lacuna no ensino-
aprendizagem do canto lírico, e uma questão a ser colocada sobre esse assunto é que a maioria
dos grandes cantores líricos optou pelo foco em suas carreiras e não se preocupam em
compartilhar seus processos de ensino e aprendizagem.
Segundo Reid (1972), no qual relata que, em sua época, vários anos após o surgimento
da ópera e do canto virtuoso, há a necessidade de se voltarem aos princípios da técnica vocal
responsáveis pela grandeza da chamada “era de ouro das grandes vozes”. O autor ainda afirma
que métodos de canto considerados modernos marcou também uma grande tendência de se dar
uma prioridade ao papel do método em si, em detrimento do resultado do método, prática que
inevitavelmente levou ao canto de má qualidade (REID, 1972 apud SANTOS, 2010, pg. 38).
Reid (1972) argumenta que só é possível ao estudante de canto obter algum progresso
com uma técnica durável e eficiente se ele dominar os princípios básicos de canto. E afirma que
a busca de orientação segura é complicada, face à diversidade de métodos, contraditórios ao
extremo, provocando pensamentos equivocados que se transformam em conclusões ilusórias.
Outro perigo contra o qual o autor adverte é o da deterioração vocal, ou seja, uma aprendizagem
errada levaria a uma prática nociva à saúde vocal, exemplificada por abusos vocais e danos por
vezes irreversíveis ao aparato do cantor (REID, 1972 apud SANTOS, 2010, pg. 38). Hoje em
dia, profissionais da área da otorrinolaringologia e da fonoaudiologia têm pesquisado e tratado
essas distorções.
Com as pesquisas (Sundberg, 1987; Titze, 1994; Miller, 1996; Kent e Read, 1992;
Vieira, 2004) na área de acústica vocal, vários conceitos que eram "achismos" puderam ser
comprovados cientificamente, e só então as discussões vagas e não embasadas foram
esclarecidas, como conclui Vieira (2004):

A arte do canto tem estado à frente da ciência, mas aos poucos, a acústica vem
explicando fenômenos que professores de canto conhecem há séculos. Com o
avanço da tecnologia, o uso não só de registros acústicos, mas de sinais
aerodinâmicos (fluxo aéreo e pressão sonora) e eletroglotográficos, tende a
tornar-se um forte aliado à compreensão e evolução das técnicas de canto,
como tem ocorrido na fonoaudiologia e na otorrinolaringologia (VIEIRA,
2004 apud SANTOS, 2010, p. 2).

Os cantores de modo geral estão mais preocupados com o impacto da performance


final (o produto estético) e pensam pouco nos fatores físicos e acústicos da produção do som;
uma informação mal formulada na pedagogia vocal pode causar danos à voz ou à relação do
indivíduo com a música e com a prática do canto (SANTOS, 2010).
O fenômeno e a terminologia dos registros vocais ainda hoje são elementos complexos
e há muita confusão acerca deste tema. Embora tenhamos um avanço nas pesquisas científicas,
professores de canto continuam usando explicações baseadas em sensações corporais e
auditivas no que se refere aos registros vocais (PACHECO; MARÇAL; PINHO, 2000 apud
MIGUEL, 2014). Em pesquisa realizada pelo os autores Pacheco, Marçal e Pinho, foram
entrevistados 12 professores de canto, sendo oito especializados em canto lírico e quatro em
popular. Sete entrevistados utilizaram o termo ressonância na descrição de registro; 2
mencionaram timbre e qualidade vocal; 3 fizeram referência à musculatura vocal (PACHECO;
MARÇAL; PINHO, 2000 apud MIGUEL, 2014).
Essa confusão entre ressonância e registro, como foi apontada pela maioria dos
entrevistados, não é novidade. Muitas expressões utilizadas no ensino tradicional de canto,
podem ter surgido como metáforas referentes a impressões que determinados ajustes
musculares e sons causavam. Para entendermos alguns termos usados por muitos professores
de canto até hoje ao se referirem aos registros vocais, é preciso voltar alguns anos na história e
compreender o termo com seu contexto histórico.
2. REGISTROS VOCAIS E SEU CONCEITO HISTÓRICO

A partir do final do século XVI, deu-se o início ao movimento chamado de bel canto,
ou belo canto, escola italiana caracterizada basicamente pelo virtuosismo vocal no canto solo.
Este movimento fez gerar inúmeros escritos e tratados relativos à técnica vocal considerada
apropriada para esse tipo de canto, o qual atingiu seu auge no início do século XIX (TOSI,1723;
MANCINI, 1774; GARCIA, 1847; 1872).
Neste período surgiram as primeiras descrições mais detalhadas sobre os registros
vocais. Na medida em que os mecanismos da produção vocal ainda eram desconhecidos,
usavam-se termos baseados nas partes do corpo em que o cantor sentia as vibrações do som
para se determinar os registros, como citam Tosi e Mancini. Apesar dos tratados de canto de
Tosi (1723) e Mancini (1774) citarem os registros vocais, eles não trazem uma definição
específica.
Estes tratadistas (Tosi, 1723; Mancini, 1774) de canto do começo do século XVIII não
entram em detalhes fisiológicos da produção vocal. Tosi (1723), por exemplo, não diz
praticamente nada que seja específico da fisiologia vocal propriamente dita. O mais próximo
disso é recomendar que o professor tenha cuidado em não forçar vocalmente o aluno, a fim de
que este não tenha a voz e saúde prejudicadas. No final do século Mancini (1774), por sua vez,
fala somente sobre elementos básicos de fisiologia vocal, identificando os órgãos responsáveis
pela fonação.
Pacheco (2006) faz uma análise comparativa dos tratados de canto de Pier Tosi,
Giambattista Mancini e Manuel P. R. Garcia, sendo este ultimo, fundamental para
aprofundamento na história do canto e conceituação dos registros vocais. Garcia (1972), que
baseava seu tratado de canto em seus estudos de fisiologia, define:

Pela palavra registro, nós entendemos uma série de sons consecutivos e


homogêneos indo do grave ao agudo, produzidos pelo desenvolvimento de um
mesmo princípio mecânico, e dos quais a natureza difere essencialmente de
uma outra série de sons igualmente consecutivos e homogêneos produzido por
um outro princípio mecânico. Todos os sons pertencentes ao mesmo registro
são, por consequência, da mesma natureza; quaisquer que sejam, aliás, o
timbre ou a força a que são sujeitos (GARCIA, 1985 apud PACHECO, 2006,
pg. 106).

A definição proposta por Garcia (1985) é fruto da observação das pregas vocais pela
utilização de um laringoscópio simples e, embora, saiba-se que a busca pela compreensão dos
vários aspectos envolvidos na produção e percepção dos registros vocais seja relativamente
antiga, é no século XIX, com ele, que se tem um alargamento no conhecimento científico
relativo aos registros vocais uma vez que, durante os séculos XVII e XVIII, as referências ao
registro tratavam das características de qualidade de som ao invés dos princípios mecânicos
envolvidos no fenômeno (FERRANTI, 2004 apud MIGUEL, 2014)
Associou-se inicialmente os registros aos termos “peito” e “cabeça”, onde ocorrem as
sensações vibratórias, ou melhor dizendo, adaptações ressonantais ou fenômenos de
ressonância. Salomão (2008) conta que nas traduções dos escritos de Tosi para o inglês e para
o alemão, por exemplo, o compositor e oboísta alemão J. E. Galliard acrescentou notas de
rodapé de sua própria autoria, na qual fez referência à voce di petto como uma “voz cheia, que
vem do peito com força”, a “mais sonora e expressiva”; à voce di testa, que “vem mais da
garganta do que do peito” e é capaz de “maior volubilidade”; e ao falsetto, uma “voz fingida”,
inteiramente “formada na garganta” e “sem substância” (SALOMÃO, 2008, p. 21).
De fato, o peito e a cabeça, não são os geradores dos diferentes registros e isso gerou
discordância e variadas terminologias. Há autores que consideram apenas dois registros, peito
e cabeça, como Tosi (1723) e Mancini (1774). Garcia (1847; 1872) também considerava dois
registros, porém os chamavam de peito e falsete-cabeça. Há os autores que identificam três
registros, sendo peito, médio e cabeça. Outros que dividem os registros em basal, modal,
subdividido em peito, médio (ou misto) e cabeça, e elevado, diferenciando-os pela frequência
e considerando a teoria mioelástica-aerodinâmica.
A disseminação de conhecimento científico relacionado à produção do som vocal, se
firmou a partir do século XIX. Até então, e com informações limitadas relativas à anatomia,
fisiologia e acústica da voz, cantores e professores de canto tiveram que basear seus conceitos,
terminologias e práticas nas percepções pessoais das vozes ouvidas e nas sensações
proprioceptivas decorrentes da produção da voz (SALOMAO, 2008).
Provavelmente, ao ouvirem suas próprias vozes e outras, cantores ou professores de
canto rapidamente estabeleciam conexões entre a sensação do som ouvido e o modo como
possivelmente os órgãos da voz e da fala estariam posicionados para a produção da referida
voz. Ainda que baseadas em grande medida em aspectos de natureza impressionística, tais
conexões no geral acabaram por prevalecer como referência na adoção dos nomes utilizados
para designar os diferentes registros da voz.
Salomão (2008) discorre sobre os diferentes nomes atribuídos aos registros vocais ao
longo do tempo:
Não seria de se estranhar, portanto, que os diferentes nomes atribuídos às
“diferentes vozes” normalmente expressassem alguma espécie de relação de
semelhança entre as sensações decorrentes dos diferentes modos de produção
de voz e a qualidade vocal resultante. Sendo assim, sensações de vibração, por
exemplo, nas regiões da frente, lados e/ou topo da cabeça, comumente
associadas à emissão de sons cantados na região mais alta de pitch, eram
interpretadas como decorrentes do “posicionamento”, propriamente dito, da
voz nessas regiões, como se a voz “estivesse vindo” da cabeça, vindo a
constituir, portanto, a voz chamada “voz de cabeça”. Assim também,
sensações de vibração no peito, associadas, por exemplo, à emissão de sons
produzidos na região mais baixa de pitch, eram interpretadas como sendo
presumivelmente oriundas desta região do corpo, como se “estivessem vindo”
do peito, vindo a constituir, por sua vez, a “voz de peito”. (SALOMÃO, 2008,
p. 24, grifo do autor)

Salomão (2008) ainda afirma que é provável que certo apelo intuitivo inerente a esse
tipo de linguagem, mais metafórica em sua natureza, tenha contribuído para que todo um
conjunto de nomes prevalecesse, no decorrer do tempo, no contexto do ensino e da
aprendizagem da música vocal. (SALOMÃO, 2008)
Do ponto de vista fisiológico, literaturas recentes entram em consenso de que na
produção dos registros há uma grande atividade dos músculos tensores da laringe, os
Tireoaritenóideos (TA) e Cricotireóideos (CT), confirmando o que Pinho et al (2014) afirma:
“o registro vocal é um evento totalmente laríngeo” (PINHO et al., 2014, p. 59), não definido
pela ressonância.
3. REGISTROS VOCAIS E O PAPEL DA ATIVIDADE
MUSCULAR INTRÍNSECA PREDOMINANTE

Compreender os registros está relacionado a entender o mecanismo de ajustes do


sistema fonador e ressonador. Ainda que haja confusão entre registros e ressonância, se faz
necessário conhecer os mecanismos musculares envolvidos na produção dos registros vocais.
Aos professores de canto, isso não é só de suma importância para sua própria voz, como
essencial para evitar danos ao aparelho fonador de seus alunos.
Garcia (1847; 1872) foi o primeiro a associar os registros vocais às pregas vocais, de
acordo com sua tensão e espessura. Salomão (2008) conta que segundo Garcia (1847; 1872),

No registro de peito as pregas vocais vibrariam em todo o seu comprimento e


em toda a sua profundidade; e no registro de falsete [na época tratado como
sinônimo do registro de cabeça] as pregas vocais vibrariam apenas em suas
margens, de modo a resultar numa massa vibratória menor, de menor
espessura e com maior tensão entre pregas (SALOMÃO, 2008, p. 27).

Em sinergia, os músculos laríngeos internos, regulam a tensão longitudinal das pregas


vocais, estabilizando a extensão das mesmas em ajustes musculares diversos, possibilitando a
produção de grande faixa de frequências de fonação. Salomão (2008) continua citando Garcia
(1847; 1872) no que se refere à equalização entre registros, afirmando que a mesma tendeu a
ser entendida como uma “transferência gradual e contínua de tensões musculares entre os
músculos laríngeos intrínsecos identificados como responsáveis pelos registros de peito e de
falsete [ou cabeça], respectivamente” (SALOMÃO, 2008, p. 28
Na literatura recente, autores como Behlau (2001) e Pinho et al. (2014) identificam
três registros: basal (ou vocal fry), modal (subdividido em peito, médio [ou misto] e cabeça), e
elevado (falsete, flauta e assobio), diferenciando-os pela frequência e considerando a teoria
mioelástica-aerodinâmica. Tal teoria afirma que a fonação é decorrente da interação entre
componentes de duas naturezas: um componente aerodinâmico, gerado a partir da passagem do
fluxo do ar expiratório pelo conduto laríngeo; um componente mioelástico, gerado pela
atividade neuromuscular responsável pelo controle da massa, tensão e elasticidade das pregas
vocais (VAN DEN BERG, 1958 apud SALOMÃO, 2008).
Behlau (2001) afirma que, vocalmente, o registro é relativo aos modos de emissão da
tessitura, ou seja, regiões de frequência (altura) possuem a mesma qualidade vocal ou
uniformidade de emissão e de som (BEHLAU, 2001 apud SANTOS, 2010).
Pinho et al. (2014) correlacionaram os variados aspectos vocais, especialmente os
registros neste caso, com as prováveis atividades da musculatura laríngea. Segundo os autores,
quanto mais grave for a frequência emitida maior será a atividade dos músculos
tireoaritenóideos (TA - pois estes encurtam a prega vocal, aumentando sua massa mucosa), e
quanto mais aguda a frequência, maior participação dos músculos cricotireóideos (CT - que
alongam a prega vocal, reduzindo sua massa mucosa).
O registro basal (ou vocal fry) corresponde a região mais grave da extensão, produzido
com pouco fluxo de ar, sendo que a atividade do músculo TA é predominante (PINHO et al.,
2014).
No registro modal, ocorre grande atividade de ambos os músculos tensores ao longo
da extensão vocal, definindo-se que “no subregistro modal de peito, há um predomínio da
atividade do TA, enquanto no subregistro modal de cabeça ocorre predomínio da atividade do
CT” (PINHO et al, 2014, p. 59).
Em relação ao subregistro modal médio, Marconi Araújo, desenvolvedor do método
Belting Contemporâneo, técnica que faz uso do registro médio, diz que neste registro “podemos
notar algumas características do registro de peito e também do de cabeça” (ARAÚJO, 2013,
p.15) e que este subregistro apresenta “maior equilíbrio na participação de TA e de CT”
(ARAÚJO, 2013, p. 17).
O registro elevado (falsete) se define com predomínio de atividade dos músculos CT,
sendo a região mais aguda da tessitura. A diminuição da atividade do TA resulta em uma menor
adução das pregas vocais e dá origem de uma fenda paralela entre elas.

Figura 1: Representação esquemática adaptada dos tipos de registros com relação à atividade muscular intrínseca
predominante (HIRANO, 1988 apud PINHO et al., 2014, p. 60).
No que se refere ao falsete, Baê e Pacheco (2006) dizem que “em relação aos homens
é unânime a presença do registro de falsete. O mesmo não acontece com as mulheres, pois há
controvérsia entre diferentes autores sobre a existência do registro de falsete no sexo feminino”
(BAÊ; PACHECO, 2006, p. 65).
A origem da palavra falsete vem do italiano falsetto, que significa falso tom, usado
geralmente por cantores do sexo masculino para cantar notas mais agudas. Por esse motivo,
alguns professores de canto não acreditam no falsete no sexo feminino e sim acreditam que a
“voz de cabeça” é registro elevado pois o som emitido na região aguda se assemelha em
características timbrísticas do falsete masculino. Sobre esse assunto, Araújo (2013) discorre
sobre o fato que fonoaudiólogos considerarem o registro de cabeça modal por haver
participação de TA na produção do som e não elevado, pois este a atividade de CT é quase
absoluta. O autor também diz que estas diferenças podem não ser audíveis e seriam necessárias
medições na musculatura intrínseca.

Para que a voz esteja no registro elevado deve-se ter certeza que a participação
do CT na emissão é quase absoluta. Professores de canto normalmente
definem dois registros na mulher, cabeça e peito (...) não se importando com
a participação muscular mas tão somente com a sensação física e sonoridade.
Este tipo de definição gera um verdadeiro abismo entre estes registros que
normalmente são trabalhados de maneira específica e separada. São
definitivamente abordagens diferentes que podem confundir o aluno iniciante.
(ARAÚJO, 2013, p. 17, nota de rodapé)

Por ser um ajuste predominantemente glótico, Pinho et al. (2014) sugere a mudança
de nomenclatura dos subregistros de peito e cabeça do registro modal, para evitar confusões
com os ajustes ressonantais. Os autores optaram por substituir o nome “registro de peito” por
“registro denso”, “por associação à forma arredondada que a borda livre das pregas vocais
assume nessa situação” (PINHO et al., 2014, p. 60). Ao subregistro de cabeça, optaram pela
utilização do termo “registro tênue”, “por associação à forma pouco espessa que a borda livre
das pregas vocais assume nessa situação” (PINHO et al., 2014, p. 60).
Figura 2: Esboço simplificado dos padrões contrastantes da vibração das pregas
vocais nos diferentes registros (MILLER et al., 2001).

Os outros músculos intrínsecos e extrínsecos da laringe também têm participação


nessas mudanças de registros. Entretanto, os músculos tireoaritenóideos e o cricotireóideos
parecem ser os de maior participação. Araújo (2013) afirma que conhecer a musculatura da
laringe leva a um entendimento melhor dos registros e que essa parte da fisiologia vocal é tão
importante para o conhecimento do instrumento do cantor, que todos que se dispusessem a
aprender qualquer forma de canto deveriam começar compreendendo esta.
CONSIDERAÇÕES

Neste trabalho buscou-se discutir a abordagem dos registros vocais na pedagogia vocal.
Apesar de tanta controvérsia envolvendo o assunto dos registros, pode-se observar que a divisão
de registro em três é a mais comum. Pesquisas na área da fisiologia citadas neste trabalho
enfatizam as mudanças da atividade muscular durante o canto como principal diferenciação dos
registros, confirmando o fato de registro vocal ser um evento totalmente laríngeo e não definido
pela ressonância, como muito é difundido em aulas de canto.
Conclui-se que, o profissional envolvido com o canto seja conhecedor dos conceitos que
abrangem sua área. Cabe aos envolvidos com a pedagogia vocal, fonoaudiólogos ou professores
de canto, saberem se utilizar de termos e expressões objetivas em suas práticas e não somente
metáforas ou terminologias associadas a sensações, pois tal objetividade vem muito a somar
para a compreensão da voz cantada.
Percebe-se que os músculos tensores da laringe, os tireoaritenóideos e cricotireóideos,
são os mais envolvidos na produção dos registros, porém são necessários mais estudos para
entender a participação dos outros músculos intrínsecos e extrínsecos. Do ponto de vista da
pedagogia vocal, também seria importante pesquisar como os alunos/cantores tem
compreendido e assimilado esses aspectos fisiológicos com sua prática vocal.
REFERÊNCIAS

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