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Primeira Parte

História de quando Lorieth, a estrela da manhã, baronesa das terras élficas de Valorar,
ofereceu abrigo a seu irmão Helieth, o Sábio, e ouviu suas novidades acerca da viagem ao sul.

Cena I: Lorieth recepciona seu irmão e se mostra curiosa sobre sua viagem.

Lorieth: — Oh céus, a que devo tão honrada visita? O que te trazes a morada de tão humilde
serva que não pode oferecer mais que orações em troca de tua beata presença.

Helieth: — Me trazem os ventos da boa aventurança à casa de minha irmã, que têm
preenchido o reino de histórias sobre sua nobreza e igualmente preenchido o coração
daqueles que a admiram e se acrescem do seu merecimento. Dai-me agora tua hospitalidade e
as orações serão minhas para que tenha em mãos a felicidade que em alma mereces.

Lorieth: — Adentrei, então, reconfortado que nada maior nessa casa há do que minha
hospitalidade perante tão digno cavaleiro. Adentras e folgue do lastro o cavalo que ele, como
tu, deve estar cansado da dura viagem. Comeremos e beberemos agora, adentrei.

Helieth: — Confortável é tua casa, como uma brisa de outono me enche de calma o ar leve
desta sala. Traz-me a honraria que minha nobreza não permite aceitar. E tenho contigo dívida,
pois estava eu cansado e trépido, de mãos calejadas e olhos escurecidos pela névoa da fadiga.
Quando me lembro do teu nome, honrada irmã, mas és mais honrada do que sou capaz de
conceber: Abrindo o coração da tua casa, árvore dos dons para viajantes, e acolheu-me com a
humildade que diante de tua grandeza é quase irreal. Tenho-te então grande dívida, dizei e
minhas mãos serão servas de teu desejo, se assim desejar.

Lorieth: — Nada te cobro, pois tua presença nestas paredes é felicidade. Pois, pensam os
mouros que felicidade se compra, mas não acredito nisto, felicidade se dá no mundo para
quem merece. Ora pois, não posso pagar pela felicidade que me trazes, mas também não
desonraria tua presença com nenhuma cobrança se não a de que se sintas a vontade. Mas
talvez, longe de ser cobrança de minha parte, pudesse sua voz trazer notícias das terras ao sul,
onde fiquei sabendo que montou morada nos últimos meses.

Helieth: — Dividirei contigo, então, meus contos. Bem sabes, irmã, que nosso pai há muitos
esteve ao sul de nosso mundo, voltando quando em meia idade para desposar minha mãe e
nos criar. Trouxe, porém, escrito à sua mão um conjunto de pergaminhos. Como morrera cedo,
herdei seus livros e a próprio olho examinei cada escrito. Guardei meu peito virgem muitos
anos, amadurecendo a ideia de empreitar tamanha campanha. Somente agora, em meia idade
eu mesmo, rumei para o sul em busca de verificar o que nosso pai me trouxe como mito.

Lorieth: — Bem se vê em vossa graça que nova expressão trazes, mas não se dê por cansado e
termine de me contar sua história. Pois imagina em mim uma atenta leitora que, antes de
fazer cara feia a detalhes pequenos, se delicia de cada mínimo pedaço do grande conto que se
revela. Supor-me sempre interessada e iluminai minha mente com a resposta do segredo
acerca do que encontrastes ao sul.
Helieth: — Não te calo detalhes, então, mas antes tenho que te contar o passo fundamental, a
pedra filosofal, de minha busca. Prestai atenção, com tua inteligência aguda, nobre amigo e
logo te aparecerá a verdade mais facilmente do que a mim apareceu. Eis a história: Juram os
sábios que existe um ponto final no universo de nossa terra plana. Este ponto é o final de
nosso reino e, a partir dele, apenas se precipitam o vazio e o abismo, engolindo aqueles que
por curiosidade em demasia se arriscam contra os limites do próprio Deus. De forma que a
terra é antes uma achatada camada finita e que em todas as direções é cercada pelo nada.
Ora, se estavam certos esses sábios, meu pai mentira ao dizer que ultrapassara o ponto e
chegará ao sul para além de nossas terras. Caminhei, pois, com comitiva, seguindo sempre ao
sul. Queria eu verificar com os próprios olhos o abismo e confirmar a loucura em nosso pai, ou
antes, encontrar para além do abismo mundo continua e provar que antes de louco fora um
sábio precoce: o nosso pai.

Lorieth: — Irmão meu que amo mais que o peito meu próprio, às vezes pergunto-me porque
te coube o dom da curiosidade. Pois este dom, deixado a ti por nosso pai, faz com que seja dos
elfos o mais sábio, mas também faz com que o coração de quem te ama ternamente como eu
se corroa com o medo de tua perda em tamanha inquisição pela verdade.

Helieth: — Menos vale minha vida que a verdade, só me preocupa, porém, o medo de nunca
mais ver teus profundos olhos de manhã. Mas mesmo com essa dor no peito, mantive firme a
viagem. Passei pela floresta azul, se seguem por suas terras e passam pelas terras de Orierth,
dono dos ventos e nosso primo, adentrei depois o braço mais longe do rio Artiqueu, seguindo-
o como coisa viva até a fonte de sua correnteza nas montanhas do Horizonte. Ali acampamos
várias noites, pensando em como transpassar tamanhas montanhas. Depois de muito
empenho, desenvolvemos um sistema de roldanas, este que permitia erguer em grandes
alturas os pesos das viagens e que eu e meus homens podíamos elevar-se contra as
montanhas sem desviar nosso caminho do sul e sem se livrar do necessário de nossa jornada.
Escalamos e vencemos as montanhas, pisando, irmã, em terras que viram poucos elfos e ainda
virgens de vida pensante.

Cena II: Helieth narra sua chegada ao sul, seu encontro com Jeholu, Senhor das Pérolas, e o
conhecimento da erva dos sonhos.

Helieth como narrador: — Das novas terras até o sul ainda andei muitas paragens. Flores
novas se abriam, novas estrelas caiam ao horizonte. Uma grande floresta negra foi difícil de
vencer. Completamente nova, nesta floresta parecia nunca ter havido luz, de forma que nada
se via das coisas senão a penumbra. Perdi um servo entre estas arvores do sem razão. Mas
vencida a peleja contra as árvores, novamente encontramos terra com luz. Não um, mas dois
clarões alumiavam o céu. De forma que quase não havia noite e toda a terra era um único
deserto. Aqueles já fustigados pela escuridão a pouco vivida, agora eram obrigados a suportar
o clarão intenso do deserto do Demais Conhecimento. De forma que de tão clareada a visão,
muitos servos meus viram miragens e acabaram perdidos nos labirintos da Razão. Ainda se
mantivemos eu e seis dos meus servos. Terminado o deserto chegamos a um rio, que
inteiramente novo, corria ao contrário. Este rio ao contrário ia da parte baixa de um monte,
vindo da direção de algum mar desconhecido e ancião, para a parte superior deste mesmo
monte. Estupefato, por esse fato, constatei que as leis que regem o mundo que cá vivemos
funcionam diferentes em partes distantes da totalidade. Depois de tomarmos a água deste rio
da descrença e prestarmos silêncio aos servos que ficaram mortos na peleja do explorar,
montamos mais uma vez caminho em direção ao sul. Depois do rio, entramos em um estado
de caminhada eterna, como se caminhássemos em círculos, mas sempre avançando, não
conseguíamos definir forma nenhuma de nenhuma coisa que ali se via. Esta parte durou um
tempo indefinido, até que chegamos ao extremo sul. Era o inicio de um grande abismo, mas
diferente do caminho até o abismo, o abismo tinha forma. Nesta hora, lembrando os versos de
digno poeta das épocas antigas, compreendi qual era o único abismo que mesmo sendo
infinito tinha forma: a linguagem. Era o inicio do nada e passar dali seria deixar de ser. Meus
servos não tiveram coragem de adentrar profundo abismo, mas eu o fiz. Mas sempre que eu
me arremetia contra o vazio ele se afastava de mim, pois eu mesmo já sou alguma coisa. Já
desanimado por não poder seguir do meu pai os passos, caí por terra e sofri por sete noites. Já
na sétima noite, quando já desenganado da vida estavam meus servos, nos veio visitar um
estranho. Tinha semblante coberto por palha e disse:

Jeholu: — Que imaculada criatura, de feições tão leves, profana meu eremitério? Quem é tu
que tem orelhas pontudas e andar leve? Eu, Jeholu, chamado senhor das pérolas, conheço das
ervas todos os segredos e das curas todas as doenças, mas de tua feição tão embaçado sinto
que digo ter visto apenas uma vez tal criatura.

Helieth como personagem: — Eu fui por meu pai chamado Helieth, nome que mais me orgulho
que qualquer outra coisa. E se não vês comumente o meu rosto, sábia criatura do fim do
mundo, é que venho de terras distantes que trabalham em outro tempo e outra forma. Lá se
chama a todo ser como eu elfo, aqui não sei se temos nome ainda.

Jeholu: — Dizei pôs o nome do teu pai, que apesar de estranhas tuas feições não são únicas e
outro vi que igual traço tinha.

Helieth: — Eu sou Helieth e sou filho de Arian, senhor dos caminhos, pai dos sete reis elfos. E
caminhei trilha que fora escrita por meu pai. Pergaminhos que falavam de uma terra para além
do sul, mas eis que chego ao máximo do sul que consegui discernir e para além daqui nada há.

Jeholu: — Pois no final de uma charada acabo de chegar, acho. Arian, teu pai, há muito esteve
aqui. Em tempos que estão distantes até para minha memória. Conversamos por sete dias e
sete noites. E eu o julguei merecedor. O entreguei o segredo do além-sul. E, comigo como guia,
ele percorreu todo o ponto a partir daqui. Vislumbrou o inicio da verdade. Ao final, o próprio
Arian tomou em mãos o barro e fez ao norte um novo mundo, entregando sete chaves a sete
filhos. Eu testemunhei tua criação, Helieth. Quando tu eras tão pequeno que não tinha nem
nome, novamente eu rumei para o sul e aqui fiz eremitério. Porém, já fazem eternidades que
isso aconteceu, de forma que a névoa da futilidade já obscureceu minha memória disso.
Quando aqui voltei, lancei a mim mesmo uma charada: em forma de profecia, eu disse, que
“um dia o filho tomaria o lugar do homem”. Sem saber o significado destas palavras minhas,
ocupei meu tempo pensando infinitamente nesta profecia. Um exercício para passar o tempo.
Helieth: — Se te bem compreendo afirmas que vim a fim de tomar lugar de meu pai. Poderia
eu usurpar lugar de meus irmãos e, como o pai um dia fez, reinar sozinho o que para sete foi
dividido? Ou mesmo superar meu pai que foi único em tudo que fez? Não me acho capaz de
nenhuma destas duas tarefas. Tua profecia, pois, ainda terá que ser pensada por muitas
eternidades se este é o esdruxulo final dela.

Jeholu

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