You are on page 1of 91

DIRETORIA EXECUTIVA

Diretor: Túlio Barbosa


CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA Vice-diretor: Vitor Koiti Miyazaki
Secretárias: Érika Vanessa Moreira e Fabiana Caldeira
Tesoureiros: Thiago Aparecido Trindade e Júlio César Zandonadi

COMISSÃO DE PUBLICAÇÃO
Eliseu Savério Sposito, Margarete Cristiane da Costa Trindade Amorim,
Wagner Miralha

27
Especial
COMISSÃO DE DIVULGAÇÃO E EVENTOS
Ademilson Damasceno, Caio Augusto Marques dos Santos,
Rodrigo César Criado

COMISSÃO DE EXTENSÃO E ENSINO


Aline Pereira da Silva e Elias Oliveira Noronha
30 anos da AGB Presidente Prudente COMISSÃO DE ASSUNTOS PROFISSIONAIS
Adilson Aparecido Bordo, Arthur Magon Whitacker, Maria Cristina Perusi

Indexação: Os artigos publicados no Caderno Prudentino de Geografia são


ISSN 1413-4551 indexados por:
GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais
www.uem.br/dge

CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA Associação dos


Geógrafos Brasileiros. – vol.1, nº1, 1981 – Presidente Prudente, SP:
AGB. v.26: 22cm, il.

ISSN 1413-4551
1981-2005, 1-27

Associação dos Geógrafos Brasileiros Periodicidade: Anual


Seção Local Presidente Prudente 1. Geografia – 2. Geografia Humana – 3. Geografia Física
CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA é editado pela Associação dos
Geógrafos Brasileiros, Seção Local Presidente Prudente – AGB-SLPP. Rua
Roberto Simonsen, 305 – CEP: 19.060-900, Presidente Prudente, SP, Brasil. Tel.:
(18) 3229-5379. E-mail: agb_prudente@yahoo.com.br.
Presidente Prudente-SP www.prudente.unesp.br/agbpp
Dezembro de 2005
CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA

EDITOR RESPONSÁVEL
Eliseu Savério Sposito

CONSELHO EDITORIAL
Antonio Thomaz Júnior (FCT/UNESP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira
(FFLCH/USP), Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP), Cláudio Zanotelli
(UFES), Diamantino A. C. Pereira (PUC/SP), Giovanni Alves (FCC/UNESP),
Horário Capel (Universidade de Barcelona – Espanha), João Ferrão (Universidade
Técnica de Lisboa – Portugal), João Lima Sant’Ana Neto (FCT/UNESP),
Maria Encarnação Beltrão Sposito (FCT/UNESP), Raul Borges Guimarães
(FCT/UNESP), Ricardo Aguero (Universidade Nacional de Rio Cuarto –
Argentina), Roberto Gonzáles Souza (Universidade de Havana – Cuba),
Rubén Lois Gonzáles (Universidade de Santiago de Compostela – Espanha),
Ruy Moreira (UFF), Sérgio Leite (CPDA/UFRRJ)

CAPA
Caio Beltrão Sposito

DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO
Eliseu Savério Sposito e Vitor Koiti Miyazaki

DIGITAÇÃO DOS ARTIGOS


Ademilson Damasceno, Adilson Aparecido Bordo, Alessandra Silva de Souza,
Caio Augusto Marques dos Santos, Érika Vanessa Moreira, Fabiana Calderia, José
Roberto Nunes de Azevedo, Thiago Aparecido Trindade, Vitor Koiti Miyazaki e
Wagner Miralha

DIGITALIZAÇÃO (FIGURAS E TABELAS)


Vitor Koiti Miyazaki

IMPRESSÃO
Gráfica CopySet

TIRAGEM
500 exemplares

Os textos aqui publicados são de exclusiva responsabilidade dos autores.


Permite-se a reprodução parcial, desde que mencionadas as fontes.

Solicita-se permuta – Se solicita intercambio – We ask for exchange


SOFTWARE E VALOR
SUMÁRIO Armando Corrêa da SILVA 121

GEOGRAFIA ESCOLAR: CONTEÚDOS E/OU


APRESENTAÇÃO 7 OBJETIVOS?
Diamantino PEREIRA 139
ARTIGOS
GLOBALIZAÇÃO E GEOGRAFIA: A
OS POSSEIROS E A LUTA CONTRA O CAPITAL: “...A COMPARTIMENTAÇÃO DO ESPAÇO
TERRA É DE NINGUÉM” Milton SANTOS e María Laura SILVEIRA 153
Ariovaldo Umbelino de OLIVEIRA 9
COMPÊNDIO 165
PROBLEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO
Michel ROCHEFORT 23 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 181

QUARENTA ANOS DE SERVIÇOS PRESTADOS


Orlando VALVERDE 39

CAPITAL E FORÇA DE TRABALHO NO SETOR


SECUNDÁRIO EM PRESIDENTE PRUDENTE
Olga Lúcia Castreghini de FREITAS 59

IDENTIDADE NACIONAL, IMAGEM DO BRASIL E OS


DISCURSOS DA GEOGRAFIA
Micheline LADOUCEUR 77

A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E O TERRITÓRIO:


REALIDADES E PERSPECTIVAS
Milton SANTOS 83

OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA MODERNA


GEOGRAFIA FÍSICA
Alexander A. GRIGORIEV 95

HOMEM E NATUREZA: POR UMA POLÍTICA DE MEIO


AMBIENTE PARA O BRASIL
Manuel Correia de ANDRADE 107
APRESENTAÇÃO Érika Vanessa Moreira, Fabiana Caldeira, José Roberto Nunes de Azevedo,
Thiago Aparecido Trindade e Vitor Koiti Miyazaki.
Enfim, reapresentar artigos que marcaram a trajetória do Caderno
A publicação deste número coroa uma vontade que vem, de longe, Prudentino de Geografia em um número especial demonstra o
sendo pauta das pessoas que se encarregaram, há vários anos, do Caderno compromisso da Seção Local de Presidente Prudente na divulgação de
Prudentino de Geografia, cujo primeiro número foi publicado em 1982. Já diferentes idéias e contribuições para a reflexão do pensamento geográfico.
se passaram 24 anos e o caderno, que foi divulgando artigos de vários
geógrafos, tornou-se elemento importante na construção do pensamento
geográfico. Por essa razão, a edição de um número especial com vários Eliseu Savério Sposito
artigos já divulgados tem, como objetivo, consolidar uma história que já Editor
falou, pelas páginas amarelecidas do periódico, de muitas idéias que fazem
parte do pensamento geográfico.
Além disso, em 17 de maio de 2005, a Associação dos Geógrafos
Brasileiros – Seção Local Presidente Prudente completou 30 anos. Eis,
portanto, uma boa justificativa para esta edição especial que vem para
comemorar um período de muitos esforços e contribuições para a
Geografia proporcionados pela seção local.
Para escolher os artigos que são republicados nesta edição, o critério
foi não ter critério. A Comissão Editorial reuniu-se e, analisando todos os
números até 2000, resolveu escolher autores que não fossem de Presidente
Prudente e que tivessem matérias que, de uma maneira ou de outra, foram
citados por estudantes e professores do Curso de Geografia da
Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente.
Selecionamos, assim, textos de importantes geógrafos brasileiros, como
Milton Santos, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Armando Corrêa da Silva,
Manuel Correia de Andrade e Orlando Valverde, de brasileiros que
escreveram enquanto jovens geógrafos, como Diamantino Pereira, María
Laura Silveira (enquanto colaboradora de Milton Santos) e Olga Lucia
Castreghini de Freitas (hoje Firkowski), e de estrangeiros, como Michel
Rochefort, Alexander. A. Grigoriev e Micheline Ladouceur.
Temos certeza que os textos apresentados neste número
continuarão sendo importantes testemunhos do pensamento geográfico
das duas últimas décadas do século XX.
Como os textos foram editados em papel, para a organização deste
número foi necessário digitar cada um deles, revisar a digitação e fazer a
sua editoração. Para isso, foi necessário contar com o trabalho voluntário
de vários estudantes que, como sócios da AGB, deram sua importante
contribuição. Foram eles: Ademilson Damasceno, Adilson Aparecido
Bordo, Alessandra Silva de Souza, Caio Augusto Marques dos Santos,
Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

capitalista. Formas de propriedade que distinguem fundamentalmente a


OS POSSEIROS E A LUTA CONTRA O CAPITAL: “...A terra de trabalho da terra de exploração; distinguem a terra para trabalhar
TERRA É DE NINGUÉM”1 da terra para explorar o trabalho alheio.
É por isso que o Estado e as classes dominantes se levantam contra
Ariovaldo Umbelino de OLIVEIRA essas formas de propriedade, tentando por todos os meios aniquilá-las.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento Mas se a condição da luta é distinta entre si, com relação aos índios e
de Geografia posseiros esses têm demonstrado ima vitalidade de expansão que constitui
“Segue nessa marcha triste concretamente a prática da traição às leis do capital. Pois o que assistimos
Seu caminho aflito nos últimos decênios não é expropriação e uma conseqüente
Leva só saudade proletariazação da totalidade dos trabalhadores do campo, mas sim, o que
E a injustiça ocorre é uma ocupação por parte dos expropriados, de novas áreas, nos
Que só lhe foi feita mesmos Estados de origem ou na Amazônia Legal.
Desde que nasceu Esse aumento significativo dos posseiros, configurado nos Censos
Pelo mundo inteiro Agropecuários de 1960/1970 e 1975, e a conseqüente luta entre esses
Que nada lhe deu” posseiros e o capital é que dão a característica peculiar da expansão do
(VALLE) capital no campo. È por isso que o eixo principal da questão política no
campo está na expropriação e não na exploração, como tem demonstrado
Introdução com grande felicidade José de Souza Martins.
Esse fato tem provocado a manifestação da Igreja, através do
Os conflitos pela terra no Brasil assumem a cada dia que passa, documento de Itaici de 1980 “Igreja e Problema da Terra”. Essa
características de uma verdadeira luta armada no campo. O trabalho de manifestação do episcopado brasileiro marca no seu eixo principal a
Murilo de Carvalho intitulado “Sangue da Terra” é um exemplo eloqüente condenação do capitalismo e especificamente da propriedade “capitalista”.
da situação que vivemos hoje. Outro exemplo é o trabalho de Vera L. G. Dessa forma,
da Silva Rodrigues e José Gomes da Silva intitulado “Os conflitos de terra
no Brasil”. Esses trabalhos têm mostrado à inteligência brasileira o que está Decorre a formulação concreta de uma sociedade nova
que nasce da contradição da sociedade capitalista, como
ocorrendo no campo, por todo o país: a luta, que na maioria das vezes
resultado da consciência crítica, da mobilização, da
chega a ser mortal, entre os posseiros e índios e os jagunços, pagos por organização e das lutas populares que já estão ocorrendo
fazendeiros e empresários deste país. no campo. O documento de Itaici apresenta a grande
Esses conflitos têm sua raiz na estrutura econômica brasileira, ou novidade de se constituir num manifesto anticapitalista
seja, na própria dinâmica de desenvolvimento do modo capitalista de que não nasce das contradições ideológicas e meramente
produção monopolista em território brasileiro. Mais à frente procuraremos teóricas. É um documento que codifica e sistematiza todos
dar conta desta questão. esses anos de Pastoral da Terra, nascida das lutas sociais
A amplitude desses conflitos pela terra tendo como vítimas no campo, dos conflitos abertos ou aprofundados pelo
geralmente índios e posseiros, tem razão estrutural, pois aí estão presentes grande capital. É um documento que vem de baixo para
duas formas de propriedade da terra não (anti) capitalista, como escreveu cima, em que os bispos assumem a tarefa evangélica de dar
voz a quem não a tem (MARTINS, 1980, p. 39).
José de Souza Martins, a propriedade tribal, a propriedade comunitária e a
posse. Formas de propriedade que instauram a subversão da propriedade
De forma clara, Martins destaca que o documento da Igreja
constitui-se em verdadeiro “documento da terra Prometida”, pois “em
1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº 3, de 1982. Itaici, a Igreja condena o capitalismo campo e prevê sua superação”.

10
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 09-22 Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

Em função do caráter que esse movimento no campo adquire é que ficará apenas às áreas de conflitos, numa clara intenção de refrear os
o Estado Brasileiro, representado pelo governo militar na defesa dos reflexos desses conflitos. Mas mesmo que assim seja, certamente os
interesses das classes dominantes, criou o GETAT – Grupo Executivo de reflexos da necessidade da luta pela terra espalhar-se-á pelos confins dos
Terra do Araguaia - Tocantins, órgão subordinado ao Conselho de sertões de boca a boca entre os posseiros.
Segurança Nacional, para intervir na área que conheceu a guerrilha de Assim é que concebemos a discussão desse tema, e nessa
Xambioá (1972/1974). Essa intervenção de um órgão militar para perspectiva é que procuraremos desenvolvê-lo. Trataremos primeiramente
“resolver” conflitos de terra nessa região do país, faz com essas lutas sejam das questões teóricas que envolvem a terra e os posseiros no modo
entendidas como verdadeira deflagração do que os órgãos de segurança capitalista de produção; discutiremos depois, a situação geral dos posseiros
chamam de “guerra interna”. Na verdade é o recurso extremo para evitar no Brasil de hoje, e finalizaremos tratando da situação política no campo e
que a questão principal venha a debate, ou seja, que o governo assuma a os posseiros.
necessidade de discutir a questão do regime de propriedade. Sobre essa
questão, José de Souza Martins afirma:
A Questão da Terra e o Desenvolvimento do Capitalismo
Na prática; a criação desses grupos de intervenção federal
constituem o reconhecimento público, por parte do As questões que envolvem o campo, são frutos do desenvolvimento
governo, da completa falência do sistema institucional na do modo capitalista de produção em sua fase monopolista. Em nosso país
solução do problema fundiário do país. Concretamente
a questão agrária tem dias fases combinadas: a expropriação e a exploração.
significa que as instituições administrativas e judiciárias
não tem a menor condição para enquadrar e solucionar a Função da violenta concentração da propriedade fundiária, um
grave e crescente questão social da terra. As funções e grande número de pequenos lavradores perde ou deixa o seu principal
compromissos dessas instituições estão baseadas numa meio de trabalho (a terra) para os capitalistas de todos os naipes. Esse
concepção do que efetivamente é. De fato, os grupos processo é realizado diretamente por grandes empresas capitalistas
executivos são órgãos de emergência e de intervenção nacionais ou multinacionais, sob o manto protetor do Estado, que além de
militar, como se estivéssemos numa situação de guerra. É proteção lhes oferece incentivos financeiros. O País inteiro tem sido
um recuso para evitar que a questão efetiva e básica do sacudido inúmeras vezes de forma violenta por esse processo de
regime de propriedade seja colocado em debate, expropriação. Murilo de Carvalho em “Sangue da Terra” muito bem retrata
juntamente com os compromissos do governo, de modo momentos desse processo na Amazônia, em Itaipu e no sertão da Bahia.
que o Legislativo pudesse agora, como fez em 1850, a
Mas apenas alguns conflitos chegam a vir à tona, muitos não são
reformulação do direito de propriedade em nosso país,
ajustando-o à realidade destes tempos e aos interesses dos divulgados, no entanto a grande faceta desse processo de expropriação não
trabalhadores do campo (MARTINS, 1980, p. 90). tem sido percebida pela sua falsa impressão de um processo sem conflito.
Esse processo tem na expropriação a característica principal do
O governo brasileiro atual foi mais além, no claro reconhecimento processo de crescimento do capitalismo. Constitui-se, portanto, num
da situação em que vivem os posseiros, em conflito deflagrado, criou uma componente da lógica da reprodução do capital. “O capital só pode
solução paliativa, a Lei Usucapião Especial (26/11/81) que permite a crescer, só pode se reproduzir, á custa do trabalho, porque só o trabalho é
efetivação e o reconhecimento da posse em terras não tituladas e ocupadas capaz de criar riqueza. Por isso, uma lei básica do capital é a de subjugar o
por no mínimo cinco anos. O problema é saber se o Estado patrocinará a trabalho. Não há capitalismo sem subjugação do trabalho. Assim, na
distribuição dos títulos de propriedade maciçamente; pois os exemplos medida em que o trabalhador vende a sua força de trabalho ao capitalismo,
históricos de governos militares anteriores a este, são cheios de leis e mediante ao salário, os frutos do seu trabalho aparecerão necessariamente
medidas para a promoção da distribuição de titulação, porém a realidade como frutos do capital que o comprou, como propriedades do capitalista.
ficou muito longe do esperado. A questão é saber se essa distribuição não Para que isso ocorra é necessário separar o trabalhador dos seus

11 12
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 09-22 Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

instrumentos de trabalho; para evitar que deixe de trabalhar para o resultados dessa produção. O capital tem que crescer tem que se ampliar,
capitalista. A instauração do divórcio entre o trabalhador e as coisas de que enquanto se reproduz, enquanto é aplicado na produção. Nenhum
necessita para trabalhar – a terra, as ferramentas, as máquinas, as matérias capitalista fará o investimento para não ganhar mais do que investiu. A
primas - é a primeira condição e o primeiro passo para que se instaure, por reprodução ampliada está na própria essência do capital. À medida em que
sua vez, o reino do capital e a expansão do capitalismo. Essa separação, o capitalismo cresce e cria mais problemas do que soluções; à medida em
esse divórcio, é o que lhe é próprio, perde a propriedade dos seus que se pode observar que esse descompasso nem depende dos capitalistas
instrumentos de trabalho. Pra trabalhar terá que vender a sua força de nem do Estado, pois frutifica de contradições que são inerentes ao próprio
trabalho ao capitalista, que é quem agora tem esse s instrumentos”. processo de reprodução do capital; à medida que a reprodução e ampliada
O processo de expropriação no meio rural brasileiro está articulado do capital é necessariamente, ao mesmo tempo, reprodução ampliada das
com as transformações nas relações de trabalho na agricultura e com as contradições das sociais, a tendência será a de que as vítimas procurem
migrações que demandam para as cidades e para outras partes do país. O uma solução”.
número de expropriados eleva-se dia a dia, porém o número de empregos No Brasil, o processo de desenvolvimento do capitalismo nos
não cresce na mesma proporção, isso devido á tendência geral das grandes mostra claramente o processo de expropriação do lavrador pelo capitalista,
empresas capitalistas, quer no campo, quer na cidade, em modernizar seus e não como se poderia imaginar os grandes capitalistas engolindo os
processos de trabalho, tecnologias avançadas que fundamentalmente pequenos. O país vive uma distinta oposição entre os diferentes regimes de
diminuem o uso de mão-de-obra. Essa política de modernização conta propriedade. Entre esses regimes encontramos o da propriedade capitalista
hoje com o beneplácito do Estado que a incentiva através de assistência que se incumbe de levar os conflitos aos trabalhadores rurais e lavradores;
técnica gratuita e financiamentos bancários com juros subsidiados. Como e os regimes de propriedade que têm sido atacados pelo capital, como o da
exemplo basta lembrar os efeitos provocados no campo com o uso de propriedade familiar, da propriedade comunitária e o da posse.
herbicidas. Para aclararmos os conceitos de regimes de propriedades capitalista,
O capital ao realizar a expropriação do trabalhador cria as condições familiar e da posse deveríamos entender que “a propriedade capitalista é
sociais para que ele próprio, o capital, mostre a outra face do seu processo um regime distinto da propriedade. Baseia-se no princípio da exploração
de reprodução: a expropriação do trabalhador que já foi expropriado. O que o capital exerce sobre o trabalhador que já não possui os instrumentos
trabalhador “terá agora que vender a sua força de trabalho ao capitalista, e materiais de trabalho para trabalhar, possuídos adora pelo capitalista.
segundo regras do mercado, e não conforme as suas necessidades reais. Já Nesse caso, a propriedade capitalista é uma das variantes da propriedade
não é ele, o trabalhador, quem diz quanto precisa juntamente com sua privada, que dela se distingue porque é propriedade que tem por função
família para sobreviver; é o capital que lhe dirá quanto quer pagar segundo assegurar o capital o direito de explorar o trabalho; é fundamentalmente
as leis de mercado. Se houver muita gente procurando trabalho, se for instrumento de exploração. Por isso não podemos confundir a propriedade
muito grande o número de expropriação que não conseguiu encontrar capitalista coma propriedade familiar, ainda que propriedade privada. São
emprego, a tendência será a queda dos salários, a sua redução a níveis até coisas completamente diferentes, ainda que a passagem de uma a outra seja
inferiores às necessidades mínimas vitais do trabalhador”. muito sutil e a muitos pareça não existir diferença alguma. A propriedade
Entretanto, ao mesmo tempo em que o capital cresce, e esta é sua familiar não propriedade de quem explora o trabalho de outrem; é
tendência constante, acumula contradições intrínsecas a esse próprio propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte de quem
crescimento. Esse crescimento não pode ocorrer sem o trabalho e, trabalha. Não é propriedade capitalista; é propriedade do trabalhador. Seus
simultaneamente dispensa esse trabalho, pois “...a produção já não é mais resultados sociais são completamente distintos,porque nesse caso a
individual e artesanal - agora ela é uma produção social, baseada na divisão produção e reprodução das condições de vida dos trabalhadores não é
do trabalho e no trabalho combinado de centenas e milhares de regulada pela necessidade de lucro do capital, porque não se trata de capital
trabalhadores. Apesar, porém, do capital ter socializado completamente a no sentido capitalista da palavra. O trabalhador e lavrador não recebe
produção, implantou ao mesmo tempo a apropriação privada dos lucro. Os seus ganhos de capital, exatamente porque esses ganhos não

13 14
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 09-22 Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

provêm da exploração de um capitalista sobre um trabalhador expropriado


dos instrumentos de trabalho. Apenas quando o capital subordina o Por essas razões é que os posseiros de vastas regiões se
pequeno lavrador, controlando os mecanismos de financiamento e concedem o direito de abrirem suas posses nas chamadas
comercialização, processo muito cloro no sul e no sudeste, é que terras livres, desocupadas e não trabalhadas, sem “sinal de
ferro”, de vastas regiões desertas, pois entendem que a
subrepticiamente as condições de existência do lavrador e sua família, suas
terra é um patrimônio comum, é de todos. Só é legítima a
necessidades dadas as possibilidades econômicas e sociais, começam a ser posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade.
reguladas e controladas pelo capital, como se o próprio lavrador não fosse Esse direito está em conflito com os pressupostos da
o proprietário da terra, como se fosse um assalariado do capitalista. propriedade capitalista. (MARTINS, 1980, p. 59/61).
Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de
negócio, em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador Dessa forma, podemos verificar que no Brasil de hoje, o próprio
se apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho. São regimes capital impôs a luta pela terra contra a propriedade capitalista da terra. É a
distintos de propriedade, em aberto conflito um como outro. Quando o terra de trabalho contra a terra de exploração, contra aterra de negócio. É a
capitalista se apropria da terra, ele o faz com o intuito do lucro, direto ou luta dos posseiros contra a expropriação da posse que o capital quer
indireto. Ou a terra serve para explorar o trabalho de quem não tem terra; transformar em equivalentes de capital.
ou a terra serve pra ser vendida por alto preço a quem dela precisa para Esse processo é que define hoje o caráter anti-capitalista dos
trabalhar e não a tem. Por isso, nem sempre a apropriação da terra pelo conflitos pela terra no país, que constituem verdadeiras resistências
capital se deve à vontade do capitalista de se dedicar à agricultura. O obstinadas contra a expansão da apropriação capitalista da terra. E é nesse
monopólio de classe sobre a terra assegura ao capitalista o direito de cobrar processo de luta que os posseiros estão construindo sua própria concepção
da sociedade inteira um tributo pelo uso da terra. É chamada renda de propriedade, o seu próprio regime de propriedade anti-capitalista: a
fundiária ou renda da terra. A renda não existe apenas quando a terra é posse, a terra de trabalho. É assim que os próprios posseiros estão
ligada; ela existe também quando a terra é vendida. Alugar ou vender construindo sua concepção de posse:
significa cobrar uma renda para que a terra seja utilizada. É o que se está
observando agora nos chamados projetos de colonização particular. A terra não deve ter dono, ela é dos verdadeiros
Posseiro não pode ter acesso a terra e dela é expulso porque não pode agricultores, dos quais nela trabalham. No começo a terra
pagar por ela. Embora o Estado ceda essas terras a preços simbólicos a era toda de Deus, que não deu documento, nem vendeu
empresários capitalistas para que as revendam, para que negociem com ela. para ninguém, nem botou cercas. Agora o governo e os
grandes pensam que são donos (LAVRADORES
Fica com a terra quem pode pagar por ela. A terra é completamente
BRASILEIROS apud CAMERMAN, 1980, p. 25).
diferente dos outros meios de produção. A apropriação de uma máquina
pelo capitalista e, através dela, do trabalho do operário, pode parecer Esses mais de um milhão de famílias de posseiros existentes no
legítima na medida em que , tendo os trabalhadores que produziram Brasil travam uma surda batalha pelo reconhecimento de que a terra é um
trabalhando sob tutela do capital; mediante o salário, o resultado, do seu bem coletivo, um bem comum, sujeito ao trabalho privado, mas não à
trabalho aparece como produto do capital. O mesmo não acontece com a propriedade privada (MARTINS, 1980, p. 42).
terra. Já constatavam os economistas clássicos dos séculos XVIII e XIX O caráter anti-capitalista dos conflitos pela terra no Brasil de hoje,
que a propriedade capitalista da terra é uma irracionalidade porque a terra deve ser entendido no seio do próprio processo de desenvolvimento do
não é produto do trabalho e, por isso mesmo, não pode ser produto do modo capitalista de produção que no modelo clássico conheceu um
capital. A terra é um bem natural. Pesquisadores têm observado, entre desenvolvimento do modo capitalista de produção que no modelo clássico
lavradores brasileiros, que eles próprios podem perceber na existência conheceu um desenvolvimento diverso, pois lá, a concentração da terra,
direta, como costumam dizer, que “a terra é uma dádiva de Deus”, por isso das propriedades,
é de todos.

15 16
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 09-22 Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

tendia a proletarizar o lavrador, de modo a obrigá-lo a vinculado ao mercado como produtor simples de
procurar trabalho junto ao proprietário que o expropriara. mercadorias (MARTINS; 1980, p. 74) [grifo nosso].
No nosso caso, de diminuição crescente de emprego no
campo, a concentração opera de modo diferente. Ao invés Nessa perspectiva, José de Souza Martins define o processo de
de produzir a protetarização do lavrador, produz a sua ocupação territorial como
exclusão do regime de propriedade, levando-o a continuar
lavrador autônomo sem propriedade, especialmente na [...] dois momentos distintos e combinados de ocupação
condição de posseiro. Esse é um dos motivos pelos quais a territorial, que ocupam de formas distintas e conflituosas
posse deve se vista como a negação da propriedade, como entre si territórios via de regra já ocupados por sociedades
uma das contradições da propriedade privada, como a tribais. Através do deslocamento de posseiros é que a
manifestação subversiva do direito à terra que nasce sociedade nacional, isto é, branca, se expande sobre
dentro do próprio ventre da propriedade capitalista territórios tribais. Essa frente de ocupação territorial pode
(MARTINS, 1980, p. 79). ser chamada de frente de expansão. Um segundo
movimento é constituído pela forma empresarial e
É assim que se pratica uma verdadeira traição às leis do capital, pois capitalista de ocupação do território – é a grande fazenda,
uma parte dos expropriados, posseiros ou não, reconquistam a autonomia o banco, a casa de comércio, a ferrovia, a estrada, o juiz, o
do trabalho, ocupando novos espaços em terras sem ocupação, às vezes já cartório, o Estado. É nessa frente que surge o que em
tituladas ou griladas, ou em terras do Estado. Num verdadeiro movimento nosso país se chama hoje, indevidamente, de pioneiro. São
dialético de criação, destruição e recriação. na verdade os pioneiros das formas sociais e econômicas
da exploração e dominação vinculadas às classes
dominantes e ao Estado. Essa frente pioneira é
essencialmente expropriatória porque está socialmente
Os Posseiros no Brasil de Hoje organizada com base numa relação fundamental, embora
não exclusiva, que é a de superposição da frente pioneira
No Brasil o posseiro sempre se constituiu em um desbravador do sobre a frente de expansão é que surgem os conflitos pela
território, como “amansador da terra”. Na realidade os posseiros sempre terra (MARTINS, 1980, p. 74/5).
pressionados pelos capitalistas interessados em desalojá-lo de suas terras,
têm se constituído em instrumentos de deslocamento sobre pressão do Assim é que com a expansão do capitalismo no Brasil, nas últimas
capitalismo faz com que o posseiro desalojado por este, desaloje os índios décadas, o número desses conflitos tem aumentado, e da expropriação
de suas terras. num ponto do país surge no outro o posseiro para mais uma tentativa de
Desse modo a ocupação do que resta do território brasileiro ainda reconquista do trabalho.
com a presença de tribos indígenas, as propriedades comunais, vai Os posseiros estão presentes em todo o país, todos os Estados da
conhecendo uma forma peculiar de ocupação territorial. Federação conhecem sua presença. Por isso é que desejamos apresentar
sua realidade a partir dos dados do censo Agropecuário do FIBGE. Para o
Aí o terreno vai sendo definido como se fosse constituído Censo os posseiros são cadastrados como ocupantes, que se constituem
de faixas, cada uma ocupada de forma social distinta e como tal, quando ocorrer “casos em que a exploração se processasse em
cada forma social em conflito com a outra. terras públicas, (devolutas ou de terceiros com ou sem consentimento do
Caracteristicamente, no limite mais interior do território
proprietário), nada pagando o produtor pelo seu uso”.
estão as sociedades tribais. No limite mais exterior está a
sociedade capitalista plenamente constituída. Entre ambas, Nós usaremos o conceito de posseiro como sendo
está o posseiro que concebe a terra de modo
completamente distinto do capitalista, embora esteja [...] um lavrador pobre, que vende no mercado os
excedentes agrícolas do trabalho familiar, depois de ter

17 18
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 09-22 Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

reservado uma parte da sua produção para o sustento da estabelecimentos rurais do país de 5,72% em 1940 para 10,11% em 1950,
sua família. O que ganha coma venda desses excedentes é ou seja, praticamente dobrando sua participação. Outro período
para comprar remédios, sal, querosene,às vezes roupa e significativo é de 1960 a 70, quando a participação dos posseiros passa de
mais uma ou outra coisa necessária á casa ou ao trabalho. 10,68% para 16,10%. Estes dados são a demonstração inequívoca de que a
Como não possui o título de propriedade da terra em que
expansão rápida do capitalismo no país, nas últimas décadas, tem como
trabalha, raramente tem acesso ao crédito bancário, á
assistência agronômica ou qualquer outro tipo de apoio contradição intrínseca o aumento dos posseiros. É a prática da traição às
que lhe permita aumentar a produtividade do seu trabalho. leis do capital. A mesma situação pode ser observada com relação à área
É importante saber que, a rigor, o posseiro não é um ocupada pelos estabelecimentos.
invasor da propriedade de outrem. Invasores são os
grileiros, fazendeiros e empresários que o expulsam da sua
posse (MARTINS, 1981, p. 104). Os posseiros e a questão política no campo

Entendemos pois o posseiro como, O desenvolvimento do modo capitalista de produção como


processo (contraditório) de reprodução ampliada do capital, e esta, como
[...] produto das próprias contradições do capital. A reprodução de formas sociais não capitalistas (embora dominada pela
funcionalidade da sua existência se desenvolve porque está
lógica do capital). É assim que esse modo de produção se nutre de
inserido em relações dominadas pelo capital e não porque
esteja nos cálculos do capitalista. A mesma sociedade que realidades não capitalistas; e essa desigualdade não pode ser entendida
dele se beneficia o quer destruir. A expansão do capital se como incapacidade histórica de superação, mas sim demonstra as
faz preferencialmente sobre terras ocupadas por posseiros, condições recriadas pelo próprio desenvolvimento que redefine antigas
através da expropriação e da expulsão (MARTINS, 1981, relações de produção, cria condições contraditórias para a sua reprodução,
p. 116). engendrando relações não capitalistas de produção igual e
contraditoriamente necessárias a essa mesma reprodução.
Dessa forma, podemos verificar através do Censo Agropecuário do É nesse contexto que devemos entender os posseiros no Brasil de
Brasil, a situação geral dos posseiros no país. Com relação aos dados sobre hoje. É nesse contexto que a luta pela conquista de autonomia de trabalho
o número de estabelecimentos e área ocupada, comparando-se os Censos deve ser entendida. É nessa luta pela independência que o posseiro passa a
de 1940, 1950, 1960, 1970 e 1975, teremos: por em questão o regime de propriedade capitalista da terra, pois as lutas
estão marcadas e determinadas pelo processo de expropriação. Este
POSSEIROS – BRASIL TOTAL processo evidentemente visa despojar o posseiro de todos os meios de
1940 1950 1960 1970 1975 produção e particularmente, da terra, para torná-lo um trabalhador
Nº de Esta- proprietário apenas da sua força de trabalho. Mas a luta dos posseiros é
109.016 208.627 356.502 792.972 917.271
belecimentos contra esse mecanismo. A questão que se coloca é se esses posseiros
% 5,72 10,11 10,68 16,10 18,37 teriam condições de se unirem para fazer avançar suas lutas. A
Área Questão que se coloca é se esses posseiros teriam condições de se
5.278.125 9.947.687 9.087.028 18.955.220 20.259.138
Ocupada (Ha) unirem para fazer avançar suas lutas. A resposta evidentemente requer
% 2,67 4,28 3,64 6,44 6,25 algumas considerações.
Não podemos esquecer de início que a mercadoria do posseiro é o
Como podemos observar, o país tem conhecido nas últimas décadas produto do seu trabalho, enquanto que a mercadoria do operário é a força
um aumento considerável dos estabelecimentos (unidades de exploração) de trabalho. É pois “através do mercado que a mercadoria perde a sua
conduzidos por posseiros, passando de uma participação no conjunto dos individualidade, que ela se socializa. Ela só pode ser trocada quando o seu

19 20
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 09-22 Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Os posseiros e a luta...

conteúdo, o seu trabalho, se torna equivalente do conteúdo de todas as É por isso que escolhemos o poema canção de Marco e Paulo
outras mercadorias, quando a substância da mercadoria, que é o trabalho, Sergio Valle para abrir e fechar este trabalho, pois os versos traduzem
se socializa pela troca. Quando o trabalhador vende diretamente a sua certamente o projeto futuro dos posseiros deste País:
força de trabalho, essa socialização mediada pela troca o atinge
diretamente. A mercadoria aí nasce é produto do trabalho combinado, Mas o dia vai chegar
social, socializado, de muitos trabalhadores. Quando, porém, o trabalhador Que o mundo vai saber
é proprietário dos seus instrumentos de trabalho, suas ferramentas, sua Não se vive sem se dar
terra, esse processo atinge o fruto do seu trabalho, mas não o atinge Quem trabalha é que tem
diretamente. Ele comparece perante a sociedade, perante o mercado, Direito de viver
sozinho, dono das coisas que produziu, quando muito, junto com a família, Pois a TERRA É DE NINGUÉM
isolado e isoladamente. As suas condições individuais e familiares de
trabalho, isoladas, produzem também uma consciência, uma cisão de
mundo, que reflete, que expressa esse isolamento. Só uma força de fora do Bibliografia
mundo lavrador, uma força que atinja por igual a todos os lavradores, é
que pode levá-los a se unirem, a se verem como uma classe, uma força
ASSELIN, Victor. Grilagem: Corrupção e violência em terras do Carajás.
social. O capital é essa força que procura expropriar o lavrador, ou pelo
Petrópolis: Vozes, 1982.
menos submeter o seu trabalho, que procura divorciá-lo dos instrumentos
de trabalho, da terra, para que, ao invés do lavrador trabalhar livremente CARVALHO, Murilo. A luta pela terra: a luta armada no campo. São
para si mesmo, passe a trabalhar para ele, capital, como acontece com os Paulo: Brasil Debates, 1980.
operários. A união e a força dos trabalhadores do campo não vem de
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. A QUESTÃO DA TERRA INDÍGENA.
dentro da sua condição social. O lavrador que trabalha isoladamente com a
Cadernos da Comissão Pró-Índio. São Paulo: Global, n. 2, 1981.
sua família não tem possibilidade de perceber a extensão social e a força
política que todos os lavradores da sua sociedade. Somente quando o CONCEIÇÃO, Manuel da. Essa terra é nossa. Petrópolis: Vozes, 1979.
capital, de fora da sua existência, invade o seu mundo, procura arrancá-lo CNBB. Igreja e problemas da Terra. Documentos da CNBB. São Paulo:
da terra, procura transformá-lo num trabalhador que não seja proprietário Paulina, 1980.
de nada além da força dos braços, somente aí é que as vítimas dessa
invasão, dessa expropriação, podem se descobrir como membros de uma MANUAL SIMPLIFICADO DO TRABALHADOR RURAL. Coleção
classe. Essa descoberta se dá pela dedicação do capital.É o que está Estudos da CNBB. São Paulo, Paulinas, n. 18, 1978.
acontecendo em nosso país” (MARTINS, 1980, p. 14/16). PASTORAL DA TERRA. Coleção Estudos da CNBB. São Paulo:
É assim que devemos entender a disposição dos trabalhadores que Paulinas, n. 11, 1981.
expropriados numa área partem para outra, numa luta insana pela
autonomia. E como procuramos demonstrar pelos dados apresentados, PASTORAL DA TERRA: POSSES E CONFLITOS. Coleção Estudos da
essa luta está avançando sobre as áreas já tituladas (de forma correta ou CNBB. São Paulo: Paulinas, n. 13, 1981
griladas) e o aumento dos conflitos parecem eminentes. É por isso que o
GETAT aí está.
Mas na sua luta diária que os posseiros constrõem o conceito de
terra de trabalho, numa autêntica subversão do regime de propriedade
capitalista da terra. É nesse processo que eles vão se enxergando como
classe, se unindo e colocando em marcha seu projeto futuro.

21 22
Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

PROBLEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO urbana, seja da vida econômica, seja da vida social, vai ser o da articulação
URBANO1 entre estes sub-espaços dentro do conjunto do espaço utilizado pelo
crescimento da grande cidade. E esta articulação vai necessitar de uma
Michel ROCHEFORT mobilidade da população e essa mobilidade gera um problema de
Universidade de Paris I transporte e cansaço de uma parte da população.
Então vamos ver primeiro o problema da economia urbana nas
Naturalmente, quando se trata do problema de organização do grandes cidades dos países em desenvolvimento e o da organização do
espaço urbano, poderíamos falar durante dias, pois esse problema é espaço a serviço do funcionamento dessa economia urbana.
complicado. Então eu gostaria de falar sobretudo de dois aspectos A primeira questão a discutir é a da distinção entre o setor chamado
importantes da organização do espaço urbano e das conseqüências desses moderno e o chamado informal, ou de pequenas atividades tradicionais,
aspectos sobre a mobilidade da população no interior desse espaço urbano. pois tem várias maneiras de ser chamado. A existência desses dois setores e
O primeiro problema que eu gostaria de discutir com vocês é o da a existência de dois circuitos econômicos, é uma coisa óbvia, é só observar
influência da estrutura das atividades da economia urbana sobre a um pouco o funcionamento da economia urbana para verificar a existência
organização do que eu vou chamar de espaço funcional, quer dizer, da deles. Por exemplo, uma cidade da África do Norte, que apresenta de um
parte do espaço urbano que tem como papel ser o suporte das atividades lado as indústrias, supermercados (para tomar um exemplo do secundário
da economia urbana. E aí aparece um problema bastante específico da e outro do terciário), e do outro lado, todo o pequeno artesanato de
economia urbana nos países em desenvolvimento que é o problema da fabricação de cobre, de tecidos, em lugares que têm alguns metros
existência de dois circuitos da economia, e quais são as conseqüências quadrados para cada artesão. Do ponto de vista comercial, em
desses circuitos sobre a organização do espaço urbano. contraposição ao supermercado, uma multidão de pequenas boutiques, o
O segundo, que é específico do ponto de vista de porcentagem e que é o lugar no espaço urbano de localização de todas essas pequenas
não da realidade dentro da organização do espaço urbano dos países em atividades comerciais tradicionais, na civilização do Maghreb, e em geral na
desenvolvimento, é o problema da pobreza, que no Brasil já foi muito bem civilização árabe.
estudado por economistas como Tolosa, por geógrafos como Fani De uma maneira talvez um pouco menos organizada, em todas as
Davidovich e outros, mas que foi estudado do ponto de vista mais da cidades do Terceiro Mundo, quer seja na África Tropical, quer seja na
porcentagem, dos critérios de pobreza dentro da população de uma América Latina, pode se encontrar estas diferenças entre o setor moderno
maneira geral. Nos países do Terceiro Mundo é um problema que vai gerar da produção e o setor dos pequenos artesãos, entre o setor moderno da
formas especiais de produção do espaço urbano, para servir de residência a distribuição e o setor informal (qualquer que seja o perigo de adotar esta
esta parte da população de baixa renda. palavra) do comércio, a feira, o pequeno vendedor de rua, etc.
Estes dois aspectos de organização do espaço urbano – a Então, a existência de dois setores é bem clara. E, naturalmente vai
organização para a localização de atividades econômicas dos dois circuitos ter conseqüência sobre a organização do espaço urbano. Mas antes de ver
e a localização das diferentes categorias sociais e sobretudo a localização estes aspectos e conseqüências no espaço urbano, eu queria abrir um
desta porcentagem importante da população, a de baixa renda, no espaço pouco a reflexão sobre o problema da interpretação, na economia urbana,
urbano – vão fazer com que de uma maneira talvez ainda mais clara, mais desses dois setores, porque a partir do momento que se fala de dois
sistemática do que nos países desenvolvidos, o espaço urbano das grandes setores, imediatamente aparece a famosa teoria dualista. Durante muito
cidades do Terceiro Mundo (naturalmente não das pequenas) vá se dividir tempo, todo mundo começou a utilizar esta teoria, eu mesmo tenho que
em unidades de organização com aspectos específicos, naquilo que eu vou fazer auto-crítica, e o Milton Santos também quando chegou a escrever os
chamar de sub-espaços, e então o problema do funcionamento da vida dois circuitos caiu na teoria do dualismo. Ou seja, imaginar uma teoria em
que a economia urbana desses países funcionassem como dois setores
separados: um setor moderno, que é afinal de contas a reprodução do setor
1 Palestra publicada no Caderno Prudentino nº 4, de 1982.

24
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 23-37 Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

capitalista dos países desenvolvidos, com todo sistema de funcionamento sub-empregos até chegar ao setor moderno que depois vai deixar uma
dum setor capitalista; e por questões de pobreza ou de tradição, um setor parte dessa mão-de-obra que vai continuar nesses empregos; vai ser esta
que seria autônomo, de pequena produção, ligado a um pequeno consumo então uma condição da reprodução da força de trabalho na medida em que
da parte pobre da população das cidades. tem uma força de trabalho que não está empregada no setor moderno. E
Então seriam dois setores separados e assim a teoria se chama teoria quando se estuda o mercado de empregos da parte informal do setor da
dualista de dois setores. distribuição comercial se verifica que esse setor, que tem o pequeno
Só que a meu ver – e é sempre uma coisa a discutir, todas as vendedor de rua, o pequeno comerciante que vende na feira, etc., é
opiniões, todas tentativas de interpretação – eu acho que isso é um erro exatamente um setor de transição que tem gente que é trabalhador
bastante grande, de querer separar os dois circuitos, os dois setores. O permanente assalariado ou de empresas comerciais ou da indústria, que foi
setor que eu vou continuar a chamar de informal não é – mas talvez foi, no demitido por diversas razões e que se torna um pequeno vendedor até
começo – um setor separado, no começo da implantação do setor encontrar um outro emprego permanente. Existem já alguns estudos que
moderno. Mas agora nós podemos verificar que ele não é separado, tem mostram claramente esta inter-relação entre o setor de tradição, de refúgio,
uma articulação entre os dois setores, com um setor, afinal de contas, a com o setor moderno que vai formar o emprego. Esta é uma primeira
serviço do outro. O setor informal está direta ou indiretamente a serviço justificação.
do setor moderno. Eu vou tentar explicar um pouco essa posição. Segunda justificação: de qualquer modo esta mão-de-obra de reserva
Vamos verificar: e mesmo a mão-de-obra permanente tem um nível de vida bastante baixo.
Do ponto de vista da força de trabalho, o setor moderno da O consumo, pode-se verificar, é um pouco desligado da maneira moderna
economia urbana nos países em desenvolvimento funciona à base de de distribuição dos bens, dos serviços. Porque quando não tenho bastante
salários baixos. A maior parte dos salários é baixa, é esse um dos aspectos dinheiro, não posso comprar uma quantidade importante. E se você não
que justifica o desenvolvimento nos países do Terceiro Mundo porque têm pode comprar uma lata de óleo, você vai comprar uma colher de óleo. Se
os salários bem baixos que nos países desenvolvidos. E uma parte dos não pode comprar um quilo de arroz, vai comprar um punhado de arroz,
capitais transferidos, como exemplo, um empresário francês, que tem etc., então esta é uma maneira da distribuição se adaptar a essa baixa renda
fábrica nos arredores de Paris, vai colocar outra fábrica em Abidjan porque da maioria da população.
vai verificar que quaisquer que sejam os custos de instalação e de Então o setor informal tem o primeiro papel que é o de assegurar a
manutenção, a economia sobre a mão-de-obra é de tal importância que ele reprodução da força de trabalho do ponto de vista do emprego e do ponto
finalmente vai chegar a um lucro maior. Então um dos fatores que vão de vista da distribuição dos bens para toda a população de baixa renda, e
atrair capitais estrangeiros, de multinacionais, etc, é a mão-de-obra barata. necessário ao funcionamento da economia urbana.
Mão-de-obra porque no mercado de emprego da cidade existe uma oferta Mas não é somente esta justificação. Teria um outro aspecto, uma
de empregos menor que a demanda; se de repente aparece uma oferta de articulação indireta, entre um setor que é separado do ponto de vista do
emprego da parte dos empresários maior ou igual à demanda, naturalmente circuito que funciona separadamente, mas que é articulado do ponto de
vai ter uma subida de salários por razões da escassez de mão-de-obra. vista da reprodução da força de trabalho necessário ao setor moderno. E
Então o sistema do setor moderno funciona somente com uma tem um outro aspecto que aparece muito nitidamente num trabalho
mão-de-obra em excedente, que é a famosa reserva de mão-de-obra, bastante bem feito, de Dakar, do Bureau Internacional do Trabalho, e
indispensável para o setor moderno da economia urbana dos países em também de Campina Grande, no estudo de Henri Coincq feito no ano
desenvolvimento. Bom, é mais importante nesses países por razões da passado, que mostram que várias indústrias têm uma parte do processo de
necessidade de salários mais baixos na estrutura do funcionamento do produção que é feito nas fábricas com operários permanentes, como uma
setor moderno, seja industrial ou seja terciário. Então essa mão-de-obra de organização moderna de produção e tem uma outra parte que é feita a
reserva tem que sobreviver na cidade. E como pode sobreviver? Pode domicílio, pelas famílias onde existe uma distribuição das coisas a fazer,
sobreviver se ela tem a possibilidade de pequenos empregos, de pequenos para a mulher, os filhos, o homem da família, que trabalham sem entrar no

25 26
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 23-37 Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

sistema permanente de emprego pago pelo trabalho, e isso pode ser urbano, que vai acontecer? Uma incorporadora ou um banco, que vão
importante na fábrica de sapatos, na indústria têxtil, etc. querer construir diretamente um edifício, vão querer comprar o respectivo
Essa é uma articulação mais clara que aquela articulação direta lote, e vão construí-lo. E o vizinho não vai querer vender o lote, mas vai
porque é mais rentável ao setor moderno se é feita pelo setor informal. ficar com a casa. E o vizinho não vai querer vender o lote, mas vai ficar
Isso é, afinal de contas, uma certa maneira de sub-contratação – palavra com a casa. E o outro vizinho vai vender, e uma outra incorporadora vai
errada do ponto de vista econômico – que é uma utilização de um comprar o lote e construir outro edifício. Assim, vai aparecer este aspecto
processo particular por parte do processo de produção industrial, que é o bem característico da Avenida Paulista de São Paulo, que passou – bom,
processo informal. Então se nós vamos querer compreender a economia até a dar uma impressão de desorganização, mas somente impressão,
urbana das grandes cidades médias dos países em desenvolvimento, porque tem um edifício bastante estreito, muito alto, uma casa, um
devemos compreender que existem verdadeiramente dois setores que têm edifício um pouco maior, bem alto, etc. Isso prejudica muito a organização
uma articulação estrutural, que fazem do funcionamento da economia global do espaço do centro, do tamanho das ruas, a interação entre os
urbana um funcionamento global. E que nos dois circuitos separados têm edifícios para os serviços globais e é exatamente o oposto do sistema de
somente dois aspectos da economia urbana interligados cuja finalidade é o reorganização dos preços das grandes cidades, tipo de Paris, que deixou o
núcleo do setor moderno. centro mas organizou um espaço que foi apropriado pelo serviço de
Só que no espaço urbano, para voltar ao assunto do espaço, vamos planejamento, e limpou tudo, reorganizou tudo plano para a localização
ver grandes diferenças entre os espaços do setor moderno e os espaços do dos edifícios, com o famoso Plan de la Défense, àqueles que o conhecem.
setor informal. Isso vai permitir passar a discutir alguns problemas de Então isso é uma especificidade que eu vou chamar de atraso dos
planejamento. serviços de intervenção do poder municipal para o planejamento dessa
Do lado do setor moderno, existem algumas coisas que não são verticalização, que é um fato geral. Então o problema é de intervenção na
muito diferentes qualquer que seja o grau de desenvolvimento do país, que estrutura fundiária, muito sério para o planejamento urbano, porque é
é a evolução do terciário moderno, com a tendência absolutamente geral à muito difícil planejar sem ter o que se chama “la maitrise”, quer dizer, o
verticalização do espaço – que dizer, fazer cada vez mais edifícios de controle, que também não existe na França. É que está faltando implantar
muitos andares (arranha-céus). Essa tendência é geral. Só que o surgimento o controle da estrutura fundiária. Quer dizer, fazer com que quando se
de arranha-céus é um problema de estrutura fundiária. É talvez um aspecto passa de uma fase anterior de organização do espaço urbano para uma fase
um pouco específico, quando você faz esforço para encontrar nova, a estrutura fundiária anterior seja destruída, que ela não seja uma
especificidades, pelo fato que muitas vezes a evolução do centro de condição básica para a reorganização do espaço.
negócios (CBD), das cidades do Terceiro Mundo, vai se dar como uma Mas isso é muito complicado porque o espaço urbano é um espaço
fase ainda mais liberal do ponto de vista da produção do espaço urbano da apropriação individual. Ou então você muda de sociedade e quebra a
que nos países desenvolvidos. propriedade individual ou você aceita a sociedade e a propriedade
Vamos explicar. Geralmente, o centro de uma cidade não é individual que é uma das bases dessa sociedade. Você tem que imaginar
diretamente um centro vertical, ela já começa – porque tem sempre o uma política que vai conciliar o respeito da propriedade individual como a
começo de uma cidade, mesmo se um país é chamado novo – e no começo necessidade de quebrar as conseqüências da apropriação individual do solo.
a utilização foi bastante horizontal. E logo depois aparece a verticalização, Este é um quebra-cabeça de todos os urbanistas. Mas ainda mais nítido
pois para passar de uma estrutura de casas ou de pequenos edifícios à quando se trata da reorganização do espaço urbano do centro para as
estrutura vertical, tem-se que ocupar o terreno. Então vai aparecer a atividades terciárias.
estrutura fundiária na divisão dos terrenos. Muitas vezes, na primeira fase, Quando se trata da localização do espaço industrial, eu vou deixar
o terreno foi muito dividido em pequenas parcelas, pequenos lotes, cada de lado, porque encontrar um espaço para as indústrias, que sempre ocorre
um ocupado por uma casa ou pequeno edifício. Então se a produção do nas periferias das cidades depende da intervenção do poder público: vamos
espaço é ainda uma iniciativa privada, uma urbanização sem planejamento deixar esse problema de lado.

27 28
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 23-37 Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

Quando se trata da localização do setor informal, aparecem coisas fechadas, que tem um teto ou uma cobertura de fazenda (toldo), onde
bastante complicadas que não permitem uma visão global. Ele pode se havia pequenos lugares para cada artesão com 3m², 4m², 2m². Lá ainda tem
localizar na rua. Então é um problema de relação entre o transporte, a um lugar para uma parte do setor informal. Então os problemas são
função fundamental da rua, e a localização do setor informal. Para a feira bastante diferentes. O problema de modernizar o “souc”, é muito difícil
de Campina Grande, algumas ruas do centro da cidade são fechadas, de para o planejamento, enquanto que nos países onde não tem essa tradição
sexta-feira à noite até domingo. Então o setor informal chega lá, se muitas vezes o setor informal não tem um espaço próprio e então há o
organiza: tem gente com bancos de madeira, tem gente só com um pano problema da instabilidade, ao contrário da estabilidade do setor formal do
(saco) no chão, um tabuleiro, etc. De repente, tem um transtorno na espaço urbano. Vamos deixar então o problema da economia urbana e do
organização do espaço urbano, que é a feira. espaço funcional, que é o espaço da localização das atividades da economia
Existem também outras atividades mais modestas que utilizam a urbana, para voltar ao problema da residência da população urbana ou o
calçada. Eu conheço um pouco do setor informal de Campina Grande, que problema da produção do espaço urbano para a residência. Porque na
tem bastante estudos por razão da política de cidades de porte médio de verdade, o problema da organização do espaço urbano do ponto de vista
Brasília, CNPU, e lá tem a reparação de carros, consertos de carros, que é da residência existe porque, de um lado tem uma população que vai crescer
uma função muito importante do setor informal, sendo que alguns têm e vai ter as características ligadas à economia urbana e às condições de
uma oficina, um lugar, outros vão fazer na periferia da cidade, e outros na empregos, e de outro lado vai ter todo um mecanismo que é o próprio
própria calçada. mecanismo econômico de produção do espaço urbano para fornecer a esta
Sem dúvida, esse é um problema de utilização da rua. Um outro população a residência e um jogo de certa demanda de mercado. Então o
aspecto é a reutilização de uma parte degradada da cidade. Reutilização de problema nos países em desenvolvimento é de fazer um confronto entre as
velhas casas, quase casebres, que não têm nenhum conforto, que em vez condições econômicas de produção do espaço urbano e a parte da
de servir – e nós vamos voltar a esse assunto depois – para residência dos população que pode ser um mercado para estas atividades de produção do
pobres de baixa renda, vão servir para o funcionamento de pequenas espaço urbano.
atividades de produção, de comércio. Então vai haver uma reorganização Isto naturalmente vai ser bastante diferente segundo os níveis de
dessa parte da cidade para a localização do setor informal. Isso é um vida da população. O que quer dizer mercado; isto é, alguém que pode
problema para esse setor, porque na dinâmica de uma cidade, o problema comprar o apartamento que o incorporador vai produzir ou que vai poder
das zonas de degradação não é eterno, é uma fase. A degradação vai até alugar um apartamento num edifício onde alguém colocou um
que essa parte do espaço urbano se torne de novo um espaço interessante investimento de capital para obter uma rentabilidade do capital investido.
para o setor moderno, seja de produção, seja de residência, e então vai Então é um problema de renda da população que necessita de uma
haver uma renovação, uma transformação. E que vai acontecer? O setor residência. Nós podemos ver que há uma diferença muito importante entre
informal terá que encontrar uma outra localização. Então é essa, para os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento: são os limites de
ganhar tempo, uma das características essenciais do setor informal em categoria de renda dentro da população em relação ao processo de
várias cidades do Terceiro Mundo e que não tem um lugar próprio, e que produção do espaço urbano. O primeiro processo de produção do espaço
utiliza parte do espaço urbano sem poder pagar o verdadeiro preço por ele. urbano é naturalmente o processo privado, quer dizer o processo de
Porque dentro do funcionamento do setor informal não há possibilidade incorporadores, de imobiliárias, que vão comprar um terreno, produzir
de pagar o preço real da localização, daí a utilização da calçada, da rua, dos sobre o terreno um edifício de apartamentos e encontrar um mercado para
casebres, etc. obter um lucro do capital investido na construção do edifício ou que vão
Já estava o setor adicional que não era formal ou informal, que era o construir casas, etc. Isso vai dar um primeiro nível. Quer dizer que nós
global da economia urbana, onde estavam estas pequenas atividades poderíamos mas neste ponto de vista está faltando muitos estudos
comerciais e artesanais. Lá tinha um lugar bem perto onde estava o famoso quantitativos que são muito difíceis, imaginar um estudo que vai conseguir
“souc” que é muitas vezes o centro da cidade com pequenas ruas, em geral ver o nível de renda indispensável, o nível de renda da população, para ver

29 30
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 23-37 Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

quem pode ser um mercado para os incorporadores. Só que naturalmente geral não é diretamente do poder público, é uma sociedade mista
isso vai variar, porque um incorporador vai saber que aqui vai fazer para a controlada pelo poder público e com todas estas facilidades. Nos países em
classe alta, aqui vai fazer para a classe média e vai diminuir o conforto e desenvolvimento o nível de renda da população a alojar, que não entra no
chegar a um preço menor guardando o benefício, guardando a taxa de sistema privado da produção do espaço urbano dos incorporadores, é
lucro do capital investido. Mas mesmo assim ele não pode descer muito. bastante baixa então muitos resolveram fazer este tipo que vocês chamam
Isto é que é o problema: de saber até que ponto do nível de renda da de habitações a aluguel moderado, “achelai” em francês, que vai diminuir
população o incorporador privado pode descer, guardando a mesma taxa um pouco o limite de renda, vai baixar o limite de renda. Vai faltar – ainda
de lucro do capital, porque se não tem a mesma taxa de lucro, ele não vai muita gente sob esse segundo limite de renda e então tem que se fazer
aplicar o capital, para atender a população que não tem esse nível de renda. outra coisa. Podem-se fazer os conjuntos habitacionais que vocês
Esse é um processo absolutamente geral nos países desenvolvidos. Nos conhecem melhor do que eu, que é uma maneira de aceitar que vão se
países subdesenvolvidos, o processo de produção capitalista do espaço elaborar condições bastante diferentes de habitação porque são bastante
urbano tem o problema que ele vai atender só uma parte da população, a diferentes das habitações do setor moderno, como estas pequenas casas
parte que pode pagar, só que esta parte pode ser 70% da população de uma uma perto da outra, mas que vai ter um custo bastante menor. Então
cidade da França e que talvez aqui seja 30% ou 25% da população, não se vamos de repente baixar de uma maneira muito forte o nível de renda
tem dados precisos. E o resto? necessário para entrar nesse processo de produção do espaço residencial só
Aparece então o segundo processo de produção do espaço de que vamos produzir um espaço residencial bastante diferente. Então
residência que é o processo de intervenção do poder público, intervenção vamos aceitar a segregação social dentro do espaço urbano, pois que as
do Estado, para tentar produzir uma condição, produzir um espaço pessoas vão viver em condições de paisagem, de estrutura do espaço
moderno, com boas condições de residência mas a um preço mais baixo. bastante diferente dos ricos ou da classe média. Mas aceitando isso nós
Então aí vai aparecer uma diferença muito grande entre países vamos baixar bastante o limite de renda.
desenvolvidos e países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, o Outra possibilidade que também é específica dos países em
Estado vai produzir mais ou menos o mesmo tipo de edifício que o desenvolvimento é a famosa auto-construção, que existe na América
incorporador privado, só com uma taxa de conforto um pouco mais baixa, Latina, que existe em quase todas as cidades do Brasil e existe talvez ainda
mais ou menos do mesmo tipo de edifício que um incorporador produz como processo oficial dos poderes do planejamento nos países da África
para a classe média. Só que ele vai conseguir diminuir o custo do terreno Tropical, que nesses países se chama o habitat sub-integrado, “l’habitat
porque tem um processo de intervenção sobre a estrutura fundiária, que sous-integré”. É de se pensar, que afinal de contas, a primeira necessidade
vai fazer com que o poder público possa utilizar terreno de baixo custo. para o espaço urbano é o saneamento básico, a eletricidade e a água se
Ao contrário, nos países em desenvolvimento as reservas públicas de terra possível, sobretudo saneamento básico, porque do contrário é muito
em geral são muito escassas ou não existem. Então ele vai conseguir baixar perigoso se deixar construir muitos espaços urbanos sem o saneamento
o preço do apartamento, baixando já o preço do terreno para construir o básico, pois podem ameaçar a saúde pública. Então vamos fazer o
edifício e vai utilizar um crédito do governo, dinheiro do banco do saneamento básico, vamos dividir o espaço em lotes. Isso pode ser um
governo com juros muito baixos, vai conseguir baixar também o preço do processo público, ou pode ser um processo privado; quem possui um
dinheiro e vai tentar fazer concorrência nas indústrias de construção, que terreno, que é o particular, vai poder recuperar uma boa parte do valor da
vão baixar o preço. Ele vai produzir o espaço que não é exatamente o terra, não vai ser prejudicado dentro de um sistema que tem de planejar
espaço do incorporador privado mas quase o mesmo, a um preço mais aceitando a propriedade privada da terra e esses lotes, quem vai comprá-los
baixo e assim ele vai atender quase todo o resto da população que vai ser a é gente de baixa renda, que vai construir ela própria a sua casa. Então
população de “logement” social. sábado, domingo ele vai comprar um pouco de madeira, alguns tijolos e vai
Parte da população que vai ter a possibilidade de utilizar estes começar a construir um quarto, depois outro quarto, etc... Este processo
alojamentos construídos pelos serviços ligados ao poder público, que em de auto construção é um processo que também vai baixar bastante o nível

31 32
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 23-37 Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

de renda necessário para poder entrar nesse processo de produção do urbano, que é um problema absolutamente geral nos países em
espaço urbano, que é então um processo intermediário entre o processo do desenvolvimento. Na fase atual de organização da economia urbana dos
famoso habitat espontâneo e o habitat produzido. Ao final das contas a países em desenvolvimento com todo esse fenômeno das migrações, das
produção comercializada do espaço é só o saneamento básico, porque reservas da mão-de-obra, é um processo absolutamente normal; em todas
muitas vezes é o poder público que vai fazê-lo, e o loteamento. Desde que as grandes cidades dos países em desenvolvimento existem favelas, com
o lote é comprado, o segundo processo de produção que é a construção da outros nomes, mas são favelas, e elas representam a parte mais baixa da
casa é um processo doméstico, não é mais um processo comercializado. É renda geral da estrutura da economia urbana destes países.
o famoso “quase-modo” de produção doméstica com diz “Adimpiès”. É Não adianta falar dos problemas de favelas, naturalmente são
uma maneira de utilizar esta força de trabalho de sábado e de domingo, problemas muito graves para a população e para a estrutura geral do
que é de gente que trabalha durante a semana, dentro de um processo que espaço urbano. Só que nesta visão da relação do processo de produção do
foge do sistema capitalista de produção do espaço urbano. espaço urbano e estrutura social da população em alguns países
Esta auto-construção é um negócio interessante a estudar porque subdesenvolvidos, e estes eu chamo de subdesenvolvidos, ainda existe um
muitas vezes a divisão que se vem a fazer é uma divisão um pouco outro tipo de relação entre espaço urbano e residência que felizmente é só
artificial, porque mesmo neste processo doméstico de produção da casa, de em alguns países que aparece. Que eu conheça é só na Índia. Se vocês vão
construção, vai aparecer indiretamente o sistema capitalista representado a Bombaim ou Calcutá vêem um outro processo, que é a residência de
pela venda do material para construir a casa. Assim vai aparecer toda uma calçada. Como vou explicar isso? Para ter um lugar nas favelas de
atividade de pequenos, de médios comerciantes de tijolos, de tubos, de Bombaim, poder entrar nas favelas de Bombaim, já se necessita de um
madeira, de pias, que vão se instalar na beira de duas calçadas, nesta zona pouco de renda para poder ter algumas condições de construir o habitat
de loteamento de habitat de auto-construção, para vender (o proprietário espontâneo e precisa-se de um lugar, porque tem tanta gente, há uma
do lote, vai ele mesmo construir a casa) esse material. Ele vai vender em densidade demográfica tão grande, que não há lugar para todo mundo nas
pequenas quantidades, vai haver um setor informal, vamos dizer, da venda, favelas. Então, a quem não tem meios, que verdadeiramente não tem
mas com um lucro bastante bom para quem vai vender. Esta é uma nenhuma condição de obter uma renda qualquer, a única maneira de
maneira indireta de recuperação desta população de baixa renda para a encontrar um lugar na calçada é, em geral, colocar um pouco de tecido, de
produção do espaço urbano. O nível de renda não permite a existência de juta, de velhos sacos, para não receber ao fim da noite a pequena umidade.
um mercado para uma verdadeira produção capitalista do espaço urbano. E só isso. Só que isso não existia em 1968, quando fui pela primeira vez a
Então a maneira indireta é utilizar o poder de consumo desta população, Bombaim; em 1978 fiz a experiência de chegar a Bombaim, no aeroporto,
que compra alguns tijolos, madeiras, para construir a casa. às cinco da manhã. Do aeroporto ao centro da cidade, existem grandes
E ao final das contas, nos países em desenvolvimento, mesmo com avenidas com calçadas bastante largas, de 2 ou 3 m de largura. Então lá se
a auto-construção, mesmo com a política de conjuntos habitacionais de vê gente que está levantando ao nascer do sol. Essa gente acorda e se pode
casas bastante pequenas, de 23m² no Brasil, existe uma parte da população verificar que há uma verdadeira vida, tem um que está fazendo a barba,
que está ainda mais aquém do nível necessário para entrar nesses processos outro está levando a roupa, outro está fazendo café, tudo na calçada. E
de produção do espaço urbano. Assim aparece o famoso “habitat quando eu cheguei a discutir com vocês sobre o urbanismo de Bombaim,
espontâneo”, à maneira dos franceses, e que chamam de favelas. O que cheguei a saber que tem mais ou menos 300 mil pessoas vivendo assim.
isso quer dizer é que ninguém quer construir alguma coisa para esta Em Calcutá isso ainda é pior e mais antigo, porque eu já observei em 1968.
população, porque ela tem renda tão baixa que não interessa a todos Então é o último nível é o pior da relação pois nem se tem lugar para um
aqueles que participam do processo de produção do espaço urbano. Como habitat espontâneo, daí ter que viver na calçada.
ninguém vai produzir um espaço urbano para eles e como eles têm que ter Com isso, mostramos esses problemas de relação de produção do
um teto para poder sobreviver, então vão fazer um teto espontâneo. Vai espaço urbano, condição de produção do espaço urbano e nível de renda
aparecer o problema da favelização, pode-se dizer, dentro do espaço da população. Mas o segundo problema é de saber onde se localizam esses

33 34
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 23-37 Michel Rochefort – Problemas de organização do espaço...

tipos de produção do espaço urbano, ou seja, onde se localizam os bairros- quarto, cada quarto para uma família e quando não há família, dentro de
ricos, onde se localizam os conjuntos habitacionais, onde se localizam as um quarto várias camas, onde o que se aluga é a cama. No momento
favelas, etc. (verifiquei isto no mês passado), isso existe no bairro da Bela Vista, em São
E isso vai nos mostrar um processo que não é total mas que é um Paulo, e que é quase central, entre a praça da República e a Avenida
processo, uma tendência. A tendência é que as formas de produção do Paulista. Poderia ser um espaço de alta valorização mas por razão de um
espaço urbano para a gente mais pobre, vamos dizer, o espaço da pobreza, processo de degradação não chegou ainda a uma revalorização completa.
seja cada vez mais distante do centro da cidade. Essa é uma tendência que Está começando, porque agora a Rua Augusta já tem o Cad’oro e outros
não se verifica em todos os lugares, mas é uma certa tendência. Por quê? hotéis, mas que ainda é pouco. Então, até o processo de renovação não
Porque na verdade, a localização dos conjuntos habitacionais e das auto- seja completo, a população pobre pode utilizar estas zonas de degradação,
construções necessita de um preço de terreno bastante baixo. Então onde estes casebres. Tudo isso não vai interferir completamente na tendência
se vão encontrar os terrenos baratos? Nos lugares onde não tenha uma geral de periferização da classe pobre. Aparece a conseqüência de tudo isso
grande competição para os preços dos terrenos, o uso do terreno, onde sobre o funcionamento da vida urbana e sobre o funcionamento do
não vai ter alguém para pagar mais. É só na periferia da cidade, sobretudo sistema sócio-econômico da cidade.
nas grandes cidades é que vai se encontrar em geral, estas condições de O problema é que o espaço urbano vai ser dividido em sub-espaços:
preço de terreno. Quando se trata de favelas tem que se encontrar um o sub-espaço do terciário superior do centro da cidade, os sub-espaços
terreno que ainda não seja utilizado por outros processos de produção do industriais, o sub-espaço de residência rica, o sub-espaço de residência da
espaço urbano. Muitas vezes, o mais distante e a favela tem uma existência classe média, o sub-espaço dos conjuntos habitacionais, o sub-espaço das
precária. No caso de Abdijan que nós estávamos falando, as favelas favelas, etc. Esta divisão do espaço em sub-espaços vai depender de um
começaram na periferia da cidade, só que na cidade – cresce muito processo, dos mecanismos da produção do espaço urbano, que são
rapidamente e tem que encontrar espaço. Então há uma maneira um mecanismos com todas as leis da economia capitalista que eu tentei
pouco autoritária do urbanista de acabar com as favelas. Ele manda o explicar mas que vão obedecer a fatores que não têm nada a ver com os
trator para limpar a terra e os favelados têm que ir embora em algumas problemas de articulação com os sub-setores. Os sub-setores, como um
horas e assim as favelas são destruídas. E vai haver uma reconstrução, a todo, vão lá por razões de processo de produção do espaço urbano, o setor
favela vai mais longe e mais longe. Só que esse processo de periferização industrial vai lá por processo de produção do espaço urbano, só que o
da classe mais pobre sofre bastante exceções. bairro de pobre tem que fornecer a mão-de-obra do setor industrial.
Uma exceção, é claro, é quando do meio do espaço urbano tem uma Então nós vamos ver que tem uma contradição muitas vezes entre
parte que não interessa aos outros processos de produção do espaço as condições que vão dividir o espaço urbano em sub-espaço e as
urbano, porque é mangue e ninguém quer construir nessas zonas ou então necessidades do funcionamento da vida urbana, que dizer, da mobilidade
é um morro que é tão difícil de subir que não dá. Então vão se localizar as do homem dentro do espaço urbano, quer seja a mobilidade ligada ao
favelas de Recife no mangue, as favelas do Rio no morro, etc. Isso então problema de ir da zona de residência até a zona de emprego, quer seja o
vai dar algumas localizações que podem ficar bem centrais, até que esse problema da mobilidade ligada à necessidade de ir da zona de residência
espaço se torne válido para um processo qualquer de produção do espaço até a zona de serviço e de distribuição comercial, etc... O espaço urbano vai
urbano comercializado. Então a favela vai embora. ser dominado por estes problemas de mobilidade, de deslocamento da
Outra exceção que vai dar à população de baixa renda a população entre os sub-espaços. Os sub-espaços não são autônomos, o
possibilidade de ficar um certo tempo perto do centro da cidade é o funcionamento da cidade é um funcionamento global e a cidade dividida
processo de degradação que falei para a localização do setor informal vai em sub-espaços tem de se articular, e infelizmente os fatores de localização
também localizar uma parte da população pobre, que são os casebres, as do sub-espaço não tem a ver com as necessidades de articulação. Então
casas antigas perto do centro da cidade, que em função do envelhecimento, esta é a maior contradição, maior ainda infelizmente nas grandes cidades
vão se tornar cada vez mais sem conforto e vai-se passar da casa para o dos países em desenvolvimento por razões de precaridade da intervenção

35 36
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 23-37

do urbanismo para tentar diminuir esta contradição entre a localização do


sub-espaço e as necessidades de articulação.
Aparece então o problema do transporte urbano: é o da organização
de produção do serviço de transporte e de qualquer modo é um problema
de tempo. Quando alguém necessita de duas a três horas para ir da zona de
residência até o emprego e gasta o mesmo tempo para voltar e sobretudo
se as condições de transporte são cansativas, não são confortáveis, torna-se
um fator muito grave para as condições de vida da população.
Naturalmente seria uma outra consideração falar qual é a resposta à
organização do transporte urbano. Eu só queria deixar como conclusão
desta palestra que todos esses processos de organização do espaço urbano
estão ligados a todos os processos de produção capitalista ou doméstica do
espaço urbano e por isso tem de um lado, as condições de organização do
espaço urbano e de outro lado as necessidades de articulação dentro do
espaço urbano. Esta contradição é talvez o maior desafio para o planejador
urbano e infelizmente um desafio talvez acima da capacidade do
planejador.

37
Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

PALESTRA: QUARENTA ANOS DE SERVIÇOS1 alguns marcam essa passagem com as Grandes Navegações; outros, com a
PRESTADOS tomada de Constantinopla pelos turcos; outros, ainda, com a descoberta da
América. Voltando à nossa Geografia, a extensão daquele período pode-se
Orlando VALVERDE colocar realmente entre os anos de 1934 3 1946/48.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE Em 1934 foi criado o primeiro curso em Geografia, em nível
superior, na USP, coincidindo justamente com a criação do Instituto
Como cumpri quarenta anos de serviço, creio que preciso sentar- Brasileiro de Estatística, no Rio de Janeiro. Logo após, em 1938, criou-se o
me. Confesso-lhes que nada preparei porque não sabia qual seria minha Conselho Nacional de Geografia, e o conjunto dos dois órgãos paralelos
participação neste conclave. Aqui, somente, compreendi que os colegas tornou-se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
desejam ouvir a “avant premiere”das declarações que farei lá no Rio, no Nesse tempo, eu era estudante. O criador daquela estrutura não era
próximo dia 26 (de outubro de 1978). Vou falar-lhes, por isso, um pouco um geógrafo, mas um engenheiro: Cristóvão Leite de Castro. Ele era,
livremente, sem plano; apenas com umas ou outras idéias amarradas. então, chefe da Seção de Estatística Territorial, do Ministério da
A idade nunca é uma coisa agradável; preferiria muito mais ser Agricultura, onde se faziam mapas estatísticos. Animado pelo professor
jovem. Essa é uma das razões porque procuro aproximar-me dos jovens; Pierre Deffontaines, foi tirar o curso de Geografia, ocasião em que se
para sentir-me um pouco como eles. Pela vivência, pude testemunhar, tornou meu colega de turma.
como poucos, o nascimento da Geografia Científica no Brasil, no plano da Um belo dia, num café, igual ao que todos os estudantes
pesquisa, do IBGE particularmente, isto é, fora do âmbito universitário. freqüentam, próximo à escola e ao Palácio do Catete, Leite de Castro
A reunião da AGB em fortaleza, em julho do ano passado, foi um perguntou-me se gostaria de trabalhar com ele! Ante minha indagação de
ponto singular na história do pensamento geográfico brasileiro. O trabalhar em quê, ele me disse: “Fazer Geografia para o Governo”. Como
professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, fez lá uma brilhante estudante é um pouco irreverente, respondi: “Ó rapaz, você fica de porre,
exposição sobre a evolução da Geografia brasileira, de 1934 até hoje. Ele depois de um cafezinho? Nunca vi ninguém assim!”. Ele então me falou
reproduziu e sintetizou, de maneira muito feliz, as idéias. Tomo aqui a que a proposta era séria, e que inclusive estavam sendo tratados
liberdade de acrescentar algumas informações porque, felizmente, ele não entendimentos a respeito. Explicou-me também da existência de um
completou 40 anos de serviços, tendo ainda muito serviço a prestar, pela Instituto de Estatística, que seria o responsável pelo futuro censo de 1940.
frente. Como esse órgão não tinha lastro geográfico algum, queria que
Ele dividiu a evolução da Geografia brasileira em várias fases, das trabalhássemos juntos. Como naquele tempo eu era um renegado da
quais darei testemunho; e como todo testemunho pessoal, será rico em sociedade, - havia pouco tempo saído da Marinha -, e com a consciência
pormenores. política entre os estudantes ainda era pouco expressiva, minha primeira
A primeira fase da geografia científica no Brasil, entre os anos de resposta foi duvidar, para em seguida concordar, dizendo: “Eu estou aqui,
1934 e 1948, foi por ele denominada de “Implantação da Geografia somente estudo, e no resto do tempo não tenho o que fazer. Se você se der
Científica”. Na verdade, foi isso mesmo; entretanto, essas fases assim mal, irei junto com você”.Terminamos, assim, fazendo um pacto de honra.
delimitadas constituem marcos que não devem ser tomados rigorosamente. Qual não foi minha surpresa quando, seis meses depois, ele me
Pode-se comparar ao fim da Idade Média e começo da Idade Moderna: chamou, pedindo que fosse ao seu gabinete, no Ministério da Agricultura,
num prédio que estão demolindo!
Agora, no Rio, as coisas do meu passado estão ficando só na
1Palestra proferida dia 21 de outubro de 1978, no Instituo de Planejamento e recordação; os testemunho concretos estão desaparecendo: a casa onde me
Estudos Ambientais – UNESP – Campus de Presidente Prudente, por ocasião do criei foi posta abaixo, o lugar onde comecei a trabalhar está em
XVIII Congresso da UPEGE (União Paulista dos Estudantes de Geografia) e demolição...
publicada no Caderno Prudentino de Geografia nº 7, de 1984.

40
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

Inicialmente, trabalhei durante três meses de graça; depois, passei a A Cartografia brasileira era feita da seguinte forma, nas áreas
ganhar um conto de réis. O salário era tão alto que muita gente deixou da remotas, não levantadas: dispunha-se de um mapa onde estavam
falar comigo, achando que era empistolado, talvez um privilegiado da astronomicamente localizadas as sedes dos municípios. As informações
ditadura de Vargas. Na realidae, fui o primeiro a ser contratado restantes deveriam caber naqueles limites; se a sede de um município
diretamente pelo CNG. Tenho até hoje comigo, como um título de glória, estava aqui e outra acolá, a divisa deveria passar entre ambas, em algum
num papel amarelado pelo tempo, datada de 1º de outubro de 1938, minha lugar.
portaria de nomeação, para trabalhar com Secretário Assistente do Desta maneira, foram feitos aqueles mapas toscos, ao mesmo tempo
Conselho Nacional de Geografia, do IBGE, assinada por José Carlos de que se ia estruturando a Cartografia. Por causa disto, mas sobretudo por
Macedo Soares. falta de viaturas e por causa das estradas ruins, naquela época não se
O fato é que Cristóvão Leite de Castro criou uma estrutura; essa trabalhava em pesquisa geográfica de campo, no IBGE. Houve apenas
glória ninguém lhe tira, embora ele tenha pago muito caro por isso. Ele é uma ida a Goiânia, em 1943, com o Professor Ruellan.
dessas personalidades que sabem planejar para o futuro, que vêem mais O Professor Francis Ruellan “caiu”no Rio, inesperadamente, como
longe! Numa escala mais modesta, eu comparo sua visão à do presidente um bólido, em 1940. Por ocasião da queda da França, ele estava no Japão.
Juscelino Kubistchek, com seu ideal de construir Brasília - tomou-se de Foi para a América Central e, um belo dia, apareceu no Conselho de
entusiasmo e a fez construir! Em 1947, como integrante da equipe do Geografia, no velho prédio do Silogeu, hoje já demolido. Como eu era o
professor Wailbel, fui fazer pesquisas no Planalto Central. Unanimemente, secretário-assistente, recebi aquele francês que nem sabia quem era, mas...
achávamos uma loucura mudar a capital do país para lá; tratava-se para um aluno de De Martonne. Em breve começou a treinar a gente, com
nós, apenas, de mais uma oportunidade de fazer pesquisa em Geografia. aquela sua grande capacidade de trabalho. No campo profissional,
Qual não foi nossa surpresa, anos mais tarde, após mil politicagens, mostrava uma geografia que não se conhecia aqui. Capturou, assim, grande
quando verificamos que, de fato, a criança realmente nascera! número de alunos do curso de História, congregando.
Comparativamente, o IBGE também nasceu assim. Leite de Castro Embora ainda com a França em guerra, De Martonne veio ao Rio
logo conseguiu o decreto-lei nº 311, apelidado de “Lei Geográfica do de Janeiro, e através do IBGE realizou uma excursão a Minas, “olhou” a
Estado Novo”- reparem bem a expressão -, que obrigava os município a Serra do Mar e a Mantiqueira e, com aquela capacidade extraordinária,
elaborarem os respectivos mapas municipais e as plantas das sedes de produziu um artigo clássico que se chamou “Problemas Morfológicos do
municípios e de distritos, sob pena de perderem a autonomia, devendo ser Brasil Tropical Atlântico”, simultaneamente aparecido nos “Analles de
incorporados aos municípios vizinhos, caso não cumprissem as Geographie” e na “Revista Brasileira de Geografia” recém-fundada. Esse
determinações legais. Era uma lei drástica, típica de uma fase ditatorial. No artigo foi dos primeiros aparecidos no mundo sobre Morfologia Climática.
entanto, graças a ela reuniram-se, pela primeira vez, numa exposição, Martonne teve mais que seu do que seu discípulo Ruellan, a facilidade de
mapas de todos os municípios brasileiros; alguns bons, outros verdadeiros observação, a capacidade de discernir as diferenças entre os processos
croquis. morfogenéticos nos trópicos úmidos e semiúmidos, em relação ao que
Aquele resultado foi algo de extraordinário: começou logo em chamavam de erosão normal, que nada mais era senão um processo
seguida a ser organizado todo o material, ainda que tosco, possibilitando morfogenético das zonas temperadas úmidas. Isto o levou à elaboração de
obter a base cartográfica para o Recenseamento de 40. Enriqueceu-se a uma das teses fundamentais de geomorfologia climática tropical.
nossa toponímia. Paralelamente, iniciou-se a Cartografia no IBGE. Foi Data igualmente daquela época a criação da Revista Brasileira e
então convidado o professor de Geodésia e Astronomia de Campo, da Geografia. Havia um grupo que trabalhava nessa revista, não constituído
antiga Escola Politécnica do Rio, o Professor Allyrio Hugueney de Matos por geógrafos – já que não havia geógrafos, pura e simplesmente -, mas
para chefiar a Cartografia. Nessa ocasião foram convidados engenheiros por pessoas de ciências afins, que tinham sensibilidade para a Geografia.
dos Estados para treinarem determinação de coordenadas. Entre os participantes figurava o Professor Sílvio Fróes Abreu, que era
químico de formação, mas tivera curso de Geologia e havia feito alguns

41 42
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

trabalhos de Geografia. Era professor de Geografia no Instituto de faríamos juntos – ele o principal autor – uma “Geografia Agrária do
Educação e, além de ter feito tese sobre o Nordeste do Brasil, dava uma Brasil”, na qual ele faria a parte da agricultura, e eu a de pecuária. Acontece
contribuição muito boa. O engenheiro José Carlos Junqueira Schimidt, era porém que ele voltou aos EUA e em seguida à Alemanha, onde conseguiu
funcionário de Meteorologia e foi atraído para a Geografia por readquirir todos os seus direitos de cidadão alemão, além de receber os
Deffontaines; o coronel José de Lima Figueiredo trabalhava na Comissão “atrasados”, garantindo assim a situação da esposa e da cunhada que
de Fronteiras e mais tarde foi governador do território do Guaporé, hoje morava com eles.
Rondônia. Além destes, havia pessoas que chegavam lá perto, de vez em Lá na Alemanha, no dia em que, indo de Bonn a Colônia, viu a
quando, para prestar alguma colaboração, como foi o caso de destruição desta cidade, Waibel sofreu um infarte. Em seguida, chegou a
Deffontaines, e posteriormente Ruellan. Havia realmente um entusiasmo Heidelberg, onde veio a falecer, justamente no dia em que havia
pela própria formação da Geografia. convocado os ex-alunos – já então quase todos diretores de institutos de
Em 1945, já no apagar das luzes da Segunda Guerra, um grupo de geografia – para transmitir-lhes suas experiências sobre o Brasil e apelar
geógrafos do Brasil recebeu um convite para ir aos EUA com bolsa de para uma colaboração mais estreita entre a Geografia alemã e a brasileira.
estudos. Cinco geógrafos foram, com o apoio do chamado Witbeck, Se seus planos tivessem prosseguido, acho que teríamos lucrado muito
Fellowship, inicialmente para a Universidade de Wisconsin, do Midle West, também, porque seria superada a barreira da língua, uma vez que o alemão,
e depois se dispersaram. Dois, eu e Fábio de Macedo Soares Guimarães até hoje, é para os brasileiros uma língua “fechada”.
ficamos em Wisconsin; dois outros, Lúcio de Castro Soares e Lindalvo Esta fase de Ruellan e de Waibel, iniciada por Deffontaines, foi
Bezerra dos Santos, foram para a Universidade de Chicago, e um terceiro, extremamente rica em experiências.
José Veríssimo da Costa Peneira, grande estusiasta da AGB, foi para Devo dizer que eu era o secretário da AGB do Rio. Quando em
Northwestern University, em Illinois. Todos ficaram nas vizinhanças dos 1946 houve a fusão das AGB em Lorena, eu estava numa correria de
Grandes Lagos. trabalho e não pude ir. Mandei então o livro de atas e os três mil réis das
Somente quando regressamos foi criada a carreira de Geógrafo no contribuições, que eram feitas em dinheiro (naquela época, não havia
IBGE; com esse título: Geógrafo. Surgiu assim a palavra. Iríamos fazer pagamentos em cheque, não). Meti, então, num envelope um macinho de
Geografia, mas somente dentro do IBGE éramos alguma coisa, porque notas de 5 mil réis, juntamente com todas as atas das reuniões – reuniões
afinal de contas, uma carreira que não é regulamentada quase nada que diziam respeito, por exemplo, a um estudo sobre a “Colonização do
significa. Temos porém, hoje, uma consciência profissional, e isso é Sul do Brasil”de Preston James (que, por sinal, perguntou-me, na noite de
extremamente importante. sua palestra, depois de um tremendo temporal, se na reunião que havia seis
Em 1946, antes mesmo que regressássemos, obtivemos de pessoas deveria ir de smoking ou traja de passeio). Lá compareceram seis
Cristóvão Leite de Castro a contratação de um geógrafo, já cidadão pessoas. Havia uma contribuição de Josué de Castro sobre “Os Mocambos
americano, mas egresso da Alemanha, ex-diretor do maior departamento de Recife”; uma de Othon Leonardos, sobre as pesquisas que havia
de geografia da Alemanha, em Bonn. Era Leo Waibel, que havia sido nosso realizado nos vales do Araguaia e Tocantins; outra, de um médico, sobre a
professor de Geografia Tropical,em Madison. Região de Petrópolis... A partir de então, as assembléias da AGB passaram
Leo Waibel foi contratado para fazer pesquisa e treinar gente, assim a se realizar em julho, ocasião em que interrompia minhas aulas para fazer
como quem treina para pós-graduação. pesquisas de campo. Como agebeano fui falho; reconheço, porém, que, ou
Naquela época, minha família já era grande; eu dava minhas aulinhas vinha às reuniões da AGB ou fazia excursões maiores, a princípio até
para complementar meus magros vencimentos. Quando chegava a ocasião acompanhando Waibel (isso era para mim de extremo valor!).
de excursão, eu deixava as aulas e acompanhava meu mestre como um Foi uma época muito rica: as reuniões da seção carioca eram
cachorrinho. Assim percorri o Sul, o Planalto Paulista, o Planalto Central, animadas por Deffontaines e, posteriormente, por Silvio Fróes Abreu.
até que ele foi embora em 1950. Foi uma lástima! Ele realmente devia ir, Com a saída de Deffontaies houve um esmorecimento. As reuniões eram à
mas pretendia continuar o trabalho, tendo inclusive acertado comigo que noite, após o jantar. Nem sempre era fácil chegar até a Avenida Venezuela,

43 44
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

embora não houvesse grande perigo, já que não havia tanto banditismo no professores de cartografia, como Ari de Almeida, estudaram com o Major
Rio; de qualquer maneira, era um esforço que se fazia. Langer, treinando aquelas letrinhas para, no fim, desenhar mapas bem.
Porque se estruturou tão bem e rapidamente a nossa Geografia? Cristóvão Leite de Castro implantou no Conselho Nacional de
Como aconteceu isso no Brasil? Geografia, serviços de geodésia, topografia e cartografia e, por volta de
Talvez lhes surpreenda que o Brasil foi o primeiro país do mundo a 1948 apareceram as primeiras folhas, curiosamente na escala de 1:250.0000,
ter pesquisa de Geografia para fina de planejamento para o governo, fora de uma região que o IBGE havia levantado no Oeste da Bahia, na região
do âmbito universitário. Isso, pouca gente sabe e é um paradoxo, num país do chapadão divisor de águas entre o Tocantins e o São Francisco. A
periférico! Ainda mais: o Brasil foi o primeiro país do hemisfério ocidental equipe de levantamento era chefiada pelo engenheiro baiano Gilvando
a fazer levantamento aerofotogramétrico, antes mesmo dos EUA. Pouca Simas Pereira, falecido há alguns anos.
gente sabe disso também, e lhes vou contar como isso aconteceu. Assim nasceu a Cartografia no IBGE, fato que provocou uma
Quando terminou a primeira Guerra Mundial, o império Austro- enorme ciumeira no Serviço Geográfico do Exército, que tivera até então o
Húngaro ficou arruinado e fracionado em diversos países. Aquela riqueza monopólio dos levantamentos terrestres. Essa foi a causa primeira das
formidável baseada na exploração de vários povos da Europa Central perseguições que sofreu Leite de Castro, até que conseguiram afastá-lo,
estava acabada! O governo da Áustria não podia sustentar o serviço de acusado de corrupção, com grande escândalo na imprensa. O nome dele
cartografia que possuía. Um grupo de oficiais técnicos emigrou, sem que foi arrastando na lama, até que acabou largando a Geografia. Tornou-se
conheçamos as razões. Aqui, os referidos oficiais receberam cidadania empresário, como sócio da companhia de funiculares do Pão-de-Açúcar,
brasileira e patentes oficiais honorárias, trabalhando no serviço geográfico da qual é hoje dono absoluto. Largando a Geografia, tornou-se “homem
do exército. Sob orientação deles, começaram os levantamentos de bem”. É bem recebido em toda a parte, tornando-se limpa sua
aerofotogramétricos, na década de 1920. Ainda não havia aviões reputação.
apropriados para tais levantamentos; utilizavam-se aparelhos biplanos e, A segunda fase que se estende de 1948 até 1956, foi bastante
para se fotografar, era preciso por a cabeça para fora. A foto ficava melhor conturbada. Por volta de 1950, com os inquéritos administrativos, o IBGE
quando o piloto inclinava um pouco o avião para a fotografia sair vertical. entrou em crise; esse período até 53/54 foi terrível; a muito custo consegui
Com a utilização daquele tipo de fotografia, foi feita a primeira afastar-me.
carta, na escala 1:50.0000, do Rio de Janeiro, Distrito Federal àquele Sempre que o IBGE estava em crise e vinha uma nova
tempo, usando-se também a fotogrametria terrestre, apoiada em fotos administração para moralizar, eu era um dos primeiros a ser afastado de
tomadas de pico – como o Pão de Açúcar, Tijuca, Corcovado, etc. qualquer cargo.
Vocês vêem, então, que um país subdesenvolvido pode ter a Aproveitando a saída do general-presidente (era o tempo da
capacidade de criar, embora não tenha capacidade de prosseguir a pesquisa, administração militar no IBGE), consegui uma requisição para a
que os países ricos, do 1º Mundo, são capazes de sustentar (os primos ricos “Campanha Nacional de Educação Rural”. Esta era chefiada por um
da divisão internacional do trabalho). sociólogo – Arthur Rios – rapaz inteligente e compreensivo das atividades
E isso aconteceu: fomos ficando para trás; não fabricávamos aviões; geográficas.
além disso a cartografia pertencia ao serviço geográfico do exército. Fiz então uma série de pesquisas para aplicação prática; mas a meu
Um dos oficiais austríacos, major honorário do exército brasileiro, ver, esta foi mal sucedida. A CNER pretendia melhorar as condições do
ainda foi professor dos primeiros cartógrafos formados dentro do IBGE. meio rural, partindo de cima para baixo. Tentavam provocar uma
Chamava-se Major Langer. Ele costumava dizer que se conhece o bom motivação da população, tendo por objetivo a organização da comunidade.
cartógrafo pela letra. Seus alunos ficavam fazendo aquelas letras bem Ora, é uma verdade sediça que, se a estrutura fundiária for ruim, a
torneadas, organizadas em linha ordenatrizes, como que fazia caligrafia nos estrutura agrária obsoleta, não adianta organizar comunidade alguma.
velhos cursos. Assim, colegas meus, hoje em dia, cartógrafos e até Onde foram instaladas as chamadas “Missões Rurais” em terras de
latifúndios, os “missionários” foram corridos, às vezes, a bala. Era uma

45 46
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

verdadeira ousadia tentar organizar comunidades rurais em ilhas de Não concordo; a meu ver, foi o único caminho da afirmação da
pequenas propriedades nesse oceano de latifúndios que é o Brasil. Mal geografia brasileira, porque na realidade fez-se uma geografia científica,
conseguiram salvar alguma coisa; Cruz das Almas, na Bahia, foi uma das pragmática, moderna para aquela época, feita com o que havia de melhor;
regiões em que os trabalhos colheram os resultados mais honrosos. eu diria melhor que aquela se fez posteriormente.
Foi também nessa fase de crise do IBGE que Ruellan foi embora, A partir da fase juscelinista de euforia econômica, da filosofia
acentuando-se assim a depressão no Rio de Janeiro. desenvolvimentista tomou impulso o planejamento, aparecendo então os
Em 1956, com a subida de Juscelino ao poder, foi colocado na economistas como figuras da administração com poder de decisão.
presidência do IBGE, um amigo dele. Mais uma vez fui perseguido e tive Celso Furtado era o chamado vice-rei do Nordeste, e tinha poder
de arranjar uma requisição para o Serviço Social Rural, ancestral do atual mesmo. Aos trancos e barrancos, ele foi aprendendo que havia uma coisa
INCRA. chamada Geografia, e que era importante. A princípio, o primeiro plano,
Aí, tive novamente boas oportunidades; dava aulas de Geografia da chamada CODENO, ignorava totalmente a Geografia; entretanto após
agrária para Agrônomos, Médicos, Técnicos Agrícolas, Enfermeiras, as críticas feitas em Penedo, a superintendência da SUDENE foi se
Assistentes Sociais, tendo eles em vista a tal organização da comunidade. convencendo, e reconhecendo que a figura do geógrafo era indispensável
Havia porém a chance de ir ao campo e ver muita coisa, de modo que para nas equipes de planejamento.
mim foi uma época bastante proveitosa. Criou-se, então, uma filosofia de trabalho, que era haurida nas
Em 1956, o Congresso Internacional de Geografia marcou uma melhores escolas de Geografia da Europa. Havia uma influência americana,
nova fase, trazendo grande afluxo de influências múltiplas de vários países. porém secundária, de Preston James, Clarence Jones... Estes, a bem dizer,
Uma grande quantidade de geógrafos veio ao Brasil antes do Congresso, não deixaram discípulos aqui no Brasil, nem chegaram a formar uma
aqui permanecendo durante a após o congresso, participando de discussões escola, apesar de terem feito pesquisas e recebido apoio de forma irrestrita
e mesmo dando cursos. Desta forma, nossos geógrafos se renovaram com do Conselho Nacional de Geografia, do IBGE.
esses novos conceitos. Depois de 1968 a Geografia sofreu uma nova revolução.
Lembro-me bem das preocupações dos geomorfólogos cm as Relendo o trabalho de Carlos Augusto (pois o li duas vezes, a
diáclases curvas dos trópicos úmidos, até que encontraram explicação na segunda a poucos dias. As coisas importantes eu gosto de ler duas vezes, e
própria litogênese das rochas cristalinas, independente da estratificação da quando elas são realmente boas, da segunda vez gosto mias que da
rocha, direção e mergulho das camadas. Lembro também das questões de primeira, porque já tenho tranqüilidade de analisar mais profundamente as
Geografia Humana, Agrária e Econômica. palavras), reparei que o autor salientou uma coisa extremamente
Foi naquela ocasião que Tricart se lançou na Bahia e preparou importante, que não foi absolutamente casual: 1968 foi o ano em que veio
aquilo que eu chamo de Escola Baiana. Lá estavam Milton Santos, Teresa o AI-5 e que igualmente apareceu a Geografia Quantitativa.
Cardoso e todo aquele pessoal trabalhando entusiasticamente. Criou-se lá, A Geografia Quantitativa foi divulgada no Brasil a partir de 1968,
então, um núcleo da AGB. Aquela época foi realmente um período de consagrada por um artigo chamado “A Revolução Quantitativa na
expansão da AGB. Surgiram diversos núcleos, como por exemplo, o Geografia”, assinado por Esperidião Faissol e Marília Veloso Galvão.
tímido grupo de Pernambuco (até hoje um grupo pequeno mais de grande Acho que este artigo deveria chamar-se “A Reação Quantitativa na
valor) se estruturou e trouxe contribuições muito válidas através de Manoel Geografia”, porque é realmente reacionário, de alheiamento completo. Eu
Correia, Mário Lacerda, Gilberto Osório, Raquel Caldas Lins. Em seguida não sou contra a quantificação; compreendo que é importante quantificar,
criou-se um núcleo em Santa Catarina, por iniciativa de Victor Peluso mas desde que se conheça quantitativamente o fenômeno, senão
Junior e Wilmar Dias. Essa época da ampliação das atividades foi quantificar o que? Para isso é preciso um conhecimento filosófico, do
denominada, por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, “1ª Fase do problema para então se fazer uma mensuração matemática.
Caminho da Afirmação da Geografia Brasileira”.

47 48
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

Sofrendo diretamente a influência da “Revolução Quantitativa”, a serem estudados, em virtude das diferentes faixas de comprimento de onda
Revista Brasileira de Geografia tornou-se uma revista de fórmulas dos canais existentes.
matemáticas que eu não entendia. Para tanto, pode-se usar um canal para destacar a vegetação, um
No passado, ganhei dinheiro, quando estudante, dando aulas de para a drenagem, outro para o relevo, e assim por diante. Hoje em dia, com
matemática, com o acervo que tinha trazido dos meus velhos tempos da o uso do satélite, pode-se delimitar numa imagem (nas escalas de
Marinha. Mas aquilo eu na entendia. Levei alguns daqueles artigos a 1:1.000.000, 1:500.000 ou mesmo 1:25.000), por exemplo, o que é mata de
analistas de sistemas, e também eles não entendiam. Senti, então que estava várzea, mata de terra firme, hiléia, mata tropical, cerradão, cerrado, campo
tudo perdido. limpo, com seus limites seguros.
Na realidade, aquilo representava uma deturpação da realidade. Nós Com essas conquistas, precisamos conhecer essas técnicas, naquilo
geógrafos, estamos numa nova fase, estamos diante de uma revolução que elas podem oferecer, uma vez que nos dão novas armas para conhecer
tecnológica. A partir da década de 50, processo de desencadeou; em 1957, a realidade objetiva. Como se sabe, a realidade pode ser conhecida de duas
lançaram um satélite no espaço. Daqui a pouco vai ser preciso até colocar maneiras: primeiro, em regra, pelo conhecimento qualitativo e, segundo,
um DETRAN lá em cima. através da mensuração do fenômeno. Convém notar que dependendo da
Mas, para isso é preciso uma série de avanços tecnológicos: escala, muda o enfoque dos problemas.
conhecimentos de astronomia, de astrofísica, de matemática e eletrônica. A Nós sabemos disso: educar, treinar um grupo de 3 ou 10 alunos é
época da revolução tecnológica ainda na acabou; a cada dia vem novidade, uma coisa; treinar um grupo de 600, é outra. Precisamos escolher
e todos precisamos nos adaptar a elas. Nesse sentido nós geógrafos qualitativamente os meios adequados, pois modificando-se a quantidade
ficamos um pouco atrasados. modifica-se a qualidade, modificam-se as técnicas. Devemos medir
Nós vivemos numa época de constantes revoluções tecnológicas: a também os fenômenos, sempre que necessário, para termos dele um
guerra inventou o radar, que permitiu elaborar os levantamentos conhecimento completo.
radarométricos. Não gosto de me perder em filosofanças, porque não sou professor;
Em 1956, na Comissão de Geomorfologia da UGI, um dos assuntos sou professor apenas como atividade secundária; primeiro, para ganhar a
mais complicados e que não chegou a uma solução final era esse: como vida fui professor de Matemática; depois, de Geografia. Passei muitos anos
fazer levantamentos aerofotogramétricos corretos na selva amazônica? Era fora do ensino e, quando eu entrava numa Universidade para fazer uma
um problema bem objetivo. A mata reveste tudo; em alguns lugares, é mais palestra, geralmente era feita na sala do Diretório, porque o salão não me
baixa e, noutros, mais alta. Como marcar a superfície do terreno, se ela era concedido.
mascara tudo? Com isso, fiquei sempre à margem; não ensinei na federal, não
O radar resolveu o problema; fez um strip-tease da vegetação. Ele a ensinei na Católica, em fim em lugar algum. Treinava gente no IBGE,
atravessa, tornando-a translúcida. Sua utilização é ótima para a geologia e trabalhando com eles em pesquisa. Sigo até hoje a rotina de trabalho que
geomorfologia; regular para levantamento de solos, entretanto fraca para seguia Wailbel (alguns presentes são testemunhas disso): Observação de
vegetação e uso do solo. dia; anotação; volta para casa, e aí, as 4/5 horas da tarde, colocam-se em
Posteriormente, com os satélites veio o sensoriamento remoto para ordem as idéias e observações. Após o jantar, descanso de meia hora,
descobrir o que havia na Rua – habitantes, riquezas, etc. seminário, e depois cada um para o seu canto para escrever o diário até
Na realidade, o sensor remoto existe desde que nós existimos: o meia noite, uma hora. Acorda-se por volta de 6/6.30, para aproveitar ao
olho humano é um sensor remoto, assim como a fotografia, utilizada desde máximo a luz do dia. Esse é o tipo de trabalho que a gente precisa fazer.
o século passado. Porém esses sensores remotos sofisticados, que operam O Brasil ainda é um país para reconhecimento terrestre, apesar da
numa faixa do espectro além da faixa visual, aumentam nossa capacidade existência de meios tão sofisticados como imagens de satélites e cobertura
indutiva; isso é um fato de extrema importância. Conforme o canal de fotografias aéreas. Somos o 1º país do mundo totalmente coberto por
utilizado, podem-se realçar as informações de um objeto ou detalhes a

49 50
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

imagens de radar. Nem os EUA têm isso; nem mesmo, o Panamá que foi a Mas as discussões foram-se tornando freqüentes; e a AGB teve um
primeira cobaia, num de seus departamentos. papel muito importante nisso. Primeiro foi em Presidente Prudente (nessa
Como é que acontecem coisas assim, aqui, num país do Terceiro ocasião eu estava em Rondônia fazendo pesquisa não pude ir), mas quando
Mundo? De repente, leva vantagem em determinado setor, mas dura chegou em Fortaleza, a tingimos um ponto singular, na curva do
pouco; é como o Campeonato de Futebol: ia bem, depois tira o 3º lugar. desenvolvimento da Geografia Brasileira. Foram realizadas as exéquias da
Pois bem, o IBGE ficou naquilo: quem não fazia geografia Geografia Quantitativa. Hoje em dia, os grandes corifeus da Quantitativa
quantitativa – esta era sinônimo de emprego de computador e análise do IBGE tem vergonha de se confessarem como tal.
fatorial – não era geógrafo; era superado. A antiga comissão da revista passou a ser controlada; foi substituída
A verdade porém é a seguinte: anos antes, sofri críticas em Mossoró, pelo diretor da divisão de Geografia, e agora ela é apanágio de uma pessoa
numa reunião da AGB, porque, estudando a região do baixo Açu eu escolher o material que vai ser publicado. Acabou-se o debate, a crítica!
mostrava como, calculando mesmo sem grande refinamento, a renda bruta A que se deve isso?
dos trabalhadores, nos diferentes setores de atividade, chegava-se ao 1968 foi ao no do AI-5; foi o ano da CONFEGE (Conferência de
fundamento da estratificação social do grupo que explorava os carnaubais. Estatística e da Geografia) do IBGE, em que se consagram os métodos
Depois, calculando a rentabilidade de um carnaubal, eu mostrava como, quantitativos. Foi a partir daí que começaram a ser contratados geógrafos
naquela época, ele rendia mais do que uma fazenda de café, em zonas americanos da pior estirpe: Brian Berry, Cole. Este último declarou, em sua
novas do Norte do Paraná. Ora, se aquela população era tão miserável, e a segunda aula que, para se fazer boa Geografia não é necessário ir ao
população do Norte do Paraná tão próspera, isso se devia à distribuição da campo; basta colocar dados corretos no computador. Quando houve
renda. Para isso, fiz uns cálculos, aritméticos, dentro do artigo, que depois pouco depois, um Congresso da UGI, em Vitória (ES), sobre Quantitativa,
reproduzi na “Geografia Agrária”, no capítulo da “Carnaúba”. Sofri críticas foi feita uma crítica pelo Presidente (um geógrafo nigeriano, cujo nome
sérias, naquela época, dizendo que eu estava fazendo uma quantificação não me recordo) dizendo que nós, brasileiros, estávamos usando
absurda – quantificação naquele tempo, não estava na moda. O fato é que computador como quem usa máquina de lavar roupa; bota-se a roupa suja
eu sabia muito bem o que estava calculando, na medida em que se tratava e queremos que saia roupa limpa. Infelizmente, ele tinha razão.
do ganha-pão deles, e esse era o principal horizonte de trabalho, disponível As pessoas que procuram transformar a Geografia numa técnica,
na região, para os camponeses sem terra. parecem evitar toda e qualquer idéia: têm que se limitar a um automatismo,
A Revista Brasileira de Geografia, hoje em dia, está praticamente um processo com rotina fixa de trabalho.
desativada; não tem quase assinantes; os excedentes são distribuídos, aos Isso já existia no Middle West, quando eu lá estive. Nas pesquisas de
maços, para as faculdades. Tive a ocasião de ver na Puc, um monte, uma campo não se podia observar o que estava longe; tinha-se que anotar
casa cheia, até mais ou menos a altura do peito, de números de Revista rigorosamente, a passo, o que estava na beira da estrada, ainda que fosse
Brasileira de Geografia e Boletins Geográfico, encerrando artigos de uma faixa de apenas uns 10 metros de largura. Assim, era o chamado curso
Quantitativa. Passei ao largo, escrupulosamente, porque não queria sujar a de “Field Techniques”, ensinado pelo Prof. Glenn Thomas Trewartha, em
minha roupa com poeira. Mas o fato é que ficou completamente morta a Wisconsin. Apesar de considerá-lo um eminente climatólogo, ele procedia
Geografia no IBGE. tal qual os colegas de lê de Chicago e de Northwestern. Então, vejam que
Discutiu-se muito, na França, uma Geografia aplicada, defendida uma certa razão tinha Carl Sauer, quando ironicamente dizia que, para a
por Tricart e Philiponneau. Estes receberam severas críticas do grupo de evolução do pensamento geográfico americano, nada aconteceria se um
Paris - de George, de Dresch, etc - ,mostrando que, sendo científica ela movimento tectônico reunisse os Apalaches às Rochosas. Na realidade
poderia ser aplicável. A Geografia Quantitativa do IBGE, não aplicável, perderia Richard Hatshorne, o chamado Hettner americano, sempre
não teve freguesia; ficou em edições de luxo. mantido um pouco à margem dessa “nouvelle vague”do Middle West.
Em vista disso, passei a não colecionar as publicações do IBGE; O fato é o seguinte: o objetivo essencial do prestígio oficial, gozado
passei a tirar apenas um ou outro artigo que servia. pela Geografia Quantitativa no IBGE, foi justamente o de alienar os

51 52
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

geógrafos dos problemas econômicos e sócias que afligem nosso país. Em O fato é o seguinte: estamos passando por uma fase de transição e
1968 entrou em vigor a legislação vinda de cima para baixo, do Estatuto do insegurança, de tal forma que alguns geógrafos, por iniciativa própria, estão
Trabalhador Rural. Em conseqüência, os trabalhadores foram despejados pagando professor de filosofia para dar-lhes um curso de Filosofia das
das fazendas; criaram-se os “bóias-frias”. Houve um êxodo em massa para Ciências na PUC, ao qual assistem clandestinamente. Todos sentem
as cidades; mais de um milhão de pessoas no SE brasileiro, desde o Norte desassossego, mas ao mesmo tempo a covardia e o medo de enfrentar a
do Paraná até o Sul de Goiás. Quem de nós, geógrafos, analisou e realidade.
denunciou essa calamidade, resultante das tristes condições de trabalho Esses dez anos de Geografia do IBGE foram uma Idade Média.
dessa gente? Entretanto, um geógrafo que se preza não pode ignorar isso; é Temos que buscar agora uma nova Geografia.
um grave problema social. É muito mais importante do que aplicar a cadeia Encontramo-nos atualmente no limiar de uma época nova. Temos
de Markov. que abrir os olhos para o futuro. Temos que usar a Geografia como uma
A completa alienação dos geógrafos do IBGE, a que eu, ou melhor, Ciência concreta. A paisagem deve ser o nosso ponto de partida, pois ela é
um grupo se recusou a participar, levaram-me, depois de um certo tempo, uma realidade concreta. Pode ser difícil de delimitar, mas é uma realidade
a me afastar do IBGE. Fui então trabalhar na Enciclopédia Britânica; não bem objetiva. Devemos estudar os problemas que as populações
porque eu lá fizesse pesquisa de campo, mas porque tinha um certo enfrentam, resultantes de uma exploração má, de uma estruturação social
número de verbetes para fazer, e aquilo constituía para mim uma espécie injusta. Tudo isto se reflete naquilo que se observa ou nas entrevistas que
de exercício. Toda a parte de Geografia que os outros não queriam tomar colhemos. Não podemos trair essa gente. É um serviço que estamos
por empreitada, era entregue a mim. Assim, eu escrevi verbetes sobre: prestando ao nosso país. E por “nosso país” significo nosso povo.
Geografia, Geografia Agrária, Geografia Econômica, Brasil, China, Compreendo também o dilema de vocês: se o governo for do povo, isto é,
Alemanha – desdobrada em Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental, representar o povo, trabalhando para este último, vocês estarão servindo
Berlim Ocidental, Berlim Oriental, - Laos, Formosa, Itália, França, ao governo. Tudo fica muito simples. Mas desde que haja o divórcio entre
Inglaterra, Irlanda, eyc. Serviu muito para me fazer estudar! A “Britannica” governo e povo, vocês não podem hesitar. Têm que fazer sua opção: se
tinha uma hemeroteca de excelente qualidade; ademais, uma vez produzida quiserem fazer uma Geografia para o governo, a fim de satisfaze-lo, não
aquela quantidade satisfatória de trabalhos por mês, eu podia me ausentar farão uma Geografia Científica; por outro lado, se quiserem fazer uma
para fazer trabalhos de campo. Assim, fui ao Amazonas, ao Acre... Geografia para o povo, sofrerão as conseqüências. Eis as perspectivas da
Trabalhando com Antonio Houaiss, fui um homem livre e, como a ciência, atual geração! ......
a pesquisa é apanágio de homens livres. O meu chefe imediato na Mas não se deixem abater; hoje em dia, a consciência política é
Enciclopédia Britannica, coordenador dos trabalhos de Geografia, não era muito mais avançada do que nos meus tempos de Marinha, quando fomos
um geógrafo, mas autor de um livro muito interessante: “Quatro séculos afastados sem ter sequer o direito de defesa. Quem era contra o
de Latifúndio”. Chama-se Alberto Passos Guimarães; possui uma Integralismo, era contra o Brasil, segundo escreveu o próprio Ministro da
extraordinária visão geográfica dos problemas. Com grande espanto meu, Marinha, em nosso processo.
vários ídolos do IBGE tiveram seus verbetes recusados, assim como o Se vocês quiserem realmente fazer carreira de cientistas, o único
contrato rescindido para a elaboração de outros verbetes. Em compromisso que vocês devem ter é com a verdade, com o povo. Isto se
compensação, alguns bons geógrafos, não reconhecidos com tal, no IBGE, reflete hoje em minha concepção de Pátria, de humanismo, de tudo enfim.
produziram belos verbetes. Devemos fazer uma Geografia que sirva ao povo brasileiro, porque
A partir do Encontro de Fortaleza, os defensores da Quantitativa se somos sustentados com o dinheiro retirado dele. É então com ele que
envergonharam; houve algumas profissões de fé, e eles estão numa devemos ter compromisso, e não com quem está no poder. Se o povo não
situação semelhante à daquela fábula dos ratos que estavam à procura de tivesse problemas, não haveria razão de se pesquisar. Devemos, pois,
um rei. levantar esses problemas com a máxima honestidade.

53 54
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

Para isso é necessária uma certa preparação; não vale apenas o ideal. sistemática; de economia política para dar fundamento a Geografia
E aí, caímos no problema que diz respeito a formação do geógrafo. Há um Econômica e a própria Geografia Política; na parte de matemática, acho
trabalho talvez organizado contra essa formação, o qual não podemos que nos devemos restringir a Estatística, incluindo demografia e técnicas
aceitar. Não há reconhecimento da carreira de geógrafo. Não há boa de amostragem, muito úteis para levantamentos florestais. A sociologia e a
formação em nossos cursos superiores de Geografia; não há sequer uma antropologia serviram de fundamento para a Geografia Humana;
noção correta do que seja Geografia em nível médio; conseqüentemente, cartografia, incluindo leitura de cartas, fotointerpretação e noções de
há uma deturpação de toda a formação profissional de um geógrafo, em sensoriamento remoto; Geografia Agrária, Geografia Urbana, Biologia para
nosso país. servir de base a fitogeografia e a zoogeografia, e por fim a metodologia,
Confesso minha pequena classificação para abordar esse tema, última disciplina a se fazer, na minha opinião, para que permita realizar a
porque fiz carreira basicamente como pesquisador; o magistério foi para grande síntese dos conhecimentos, quando o estudante já estiver mais
mim um complemento. Além disso, acho que devem ser abolidas dos amadurecido.
cursos de nível médio e superior, matérias tais como “Organização Social e Somente a partir das noções teóricas e de umas “tinturas” práticas
Política do Brasil” e “Problemas Brasileiros”. Não tem conteúdo algum; adquiridas na universidade se pode iniciar a carreira de um geógrafo
não são nem História, nem Geografia, nem Sociologia, nem pesquisador. Quando se sai dos bancos escolares, ninguém, em país algum
Administração. Ademais, são ministradas por militares aposentados, do mundo, é geógrafo. Assim também, um jovem que termina a Escola de
geralmente reacionários, que conseguem um adendo a seus vencimentos, Medicina não é um médico completo, enquanto não tiver a tarimba
excluindo civis qualificados. Sou militar aposentado, mas não me inclui profissional.
nesta farsa! Temos que lutar, no nível superior de ensino, pelos currículos Acho também que devemos lutar pela regulamentação da profissão,
mínimos. Darei algumas idéias gerais sobre o que penso qual deva sr a sem a qual não pode haver salários dignos. Essa é uma condição
formação de um Geógrafo Pesquisador também: necessária, embora não suficiente, para se produzir trabalho de qualidade.
A Geografia é uma ciência, como diz Monbeig, que tem o privilégio O geógrafo tem sido sub-aproveitado em escritórios particulares.
de se encontrar na charneira das ciências naturais e das ciências sociais. Isto sem contar os calotes que estou cansado de levar, em pesquisas que fiz
Não devemos abrir mão desta situação privilegiada. No meio dos cientistas para escritórios particulares. A tal empresa privada não tem muito de
naturais, passamos por “especialistas em generalidades”; não somos digna, mas tem muito de privada.
especialistas em nada. Em contrapartida, junto das Ciências Sociais, Aqueles que se dedicam à pesquisa, comumente não têm muito
possuímos um “back ground” do conhecimento do meio ambiente, da senso econômico, e se envergonham de arrochar os que não lhes pagam o
ecologia, que raramente um cientista social – sociólogo, historiador – que lhes é devido.
apresenta. Se fizermos uma Geografia digna do Brasil, do povo brasileiro, nós
Esta é, portanto, uma situação cômoda para o geógrafo. Como a nos tornaremos indispensáveis; mas isso é por pressão, por luta, por
Geografia tem como centro de interesse o Homem, embora não seja uma sofrimento.
ciência puramente social, mas tem como objetivo a sociedade humana, ela Confesso que passei dificuldades muito sérias, tendo uma família de
se situa muito melhor entre as ciências sociais do que junto às chamadas sete filhos. Muitas vezes, deixei de ir às assembléias da AGB, porque não
geociências. Esta opção foi sabiamente feita ao meu ver, pela PUC e pela tinha dinheiro nem gozava dos benefício da Geografia oficial, dos
USP. “homens ilustres” do governo.
Além das matérias específicas da Geografia Geral e Regional, Eu prenuncio a vocês dias difíceis; mas ninguém tem o direito no
devemos ter na nossa formação cursos de geologia, que sirvam de Brasil, a longo prazo, de ser pessimista.
embasamento para a geomorfologia; cursos de meteorologia, para servir de Porque o Brasil teve essas revelações repentinas? Primeiro país a
fundamento a climatologia; de hidrologia envolvendo também a fazer Geografia de pesquisa aplicada, fora dos meios universitários;
oceanografia; pedologia – principalmente à parte de morfologia de solos e primeiro país do Hemisfério Ocidental a fazer levantamento

55 56
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 39-58 Orlando Valverde – Quarenta anos de serviços...

aerofotogramétrico; primeiro no mundo a ter levantamento radarométrico do nosso país. Portanto sofram, mas ganhem esta luta, porque eu tenho
completo? Por que? É porque temos uma potencialidade fora do comum! esperança que ainda viveremos dias mais felizes.
Se gruparmos os grandes países do mundo (não no sentido de
potências militares), no sentido de possuir grande superfície e amplas Muito Obrigado
potencialidades econômicas, reservas potências e riquezas, temos os
Estados Unidos, a União Soviética, o Canadá, a Austrália, que já são países
desenvolvidos; a China, que está se tornando desenvolvida, e o Brasil, que
ainda é isso que se conhece. Entretanto, o Brasil apresenta todas as
condições necessárias para ser um grande país, dos maiores do mundo.
Tirando a União Soviética, que tem grandes reservas despovoadas, a
superfície que temos a ocupar é enorme! A Amazônia é um desafio aos
brasileiros, tão grande como era no fim do século XVII, esse interior do
Brasil ainda está à espera de ser conquistado pelos bandeirantes. Temos
um patrimônio que herdamos do passado – a Amazônia – e não podemos
esquecê-la. Ela sofre atualmente o que está sofrendo o restante do Brasil:
infiltração de multinacionais, desnacionalização completa, destruição
ecológica. Temos que lutar contra isso, e esse é um dos nossos
compromissos profissionais: temos que guardar para o povo brasileiro o
futuro, e esse futuro está na Amazônia.
Já temos, no Brasil, uma população apreciável; embora não
tenhamos os melhores solos do mundo, não há talvez um quilômetro
quadrado do chão brasileiro que não seja agricolamente aproveitado.
Possuímos grandes reservas minerais, que ainda estão sendo descobertas.
Nessa revolução energética pela qual o mundo está passando, o Brasil, para
meu grande espanto, era apelidado, em agosto de 78, “O Gigante da
Biomassa!” Nenhum país do mundo recebe tal quantidade de energia solar
quanto o nosso, devido ao fato de sermos o maior país localizado na faixa
tropical! Esse fato nos dá o privilégio de aproveitar, no futuro, a energia
solar direta, ou transformada através da biomassa, como alternativa
energética. Possuímos ao mesmo tempo água em quantidade suficiente,
assim como desníveis favorecendo sobremaneira a implantação de
hidroelétricas, que apresentam a vantagem de fornecerem energia não
poluente.
Temos, pois, grandes possibilidades para o cultivo de florestas
artificiais, bem como de cana, de mandioca, enfim de uma série de outros
produtos que podem gerar energia.
O futuro está, portanto, conosco; não devemos deixar que o tirem
de nossas mãos. Temos que assegura-lo para este país, para que seu povo
tenha melhores dias. Do contrário não seremos dignos desse povo, nem

57 58
Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

número de operários. A produção visava a abastecer a cidade e a região


CAPITAL E FORÇA DE TRABALHO NO SETOR eventualmente, alguma sobra era encaminhada para fora” (ABREU, 1972,
SECUNDÁRIO EM PRESIDENTE PRUDENTE1 p.140).
A partir desse crescimento do centro urbano, algumas firmas de fora
Olga Lúcia Castreghini de FREITAS 2 se estabeleceram em Presidente Prudente, o que levou ao fechamento de
Universidade Federal do Paraná muitas indústrias pequenas, pois essas levavam desvantagem na qualidade e
no preço de seus produtos. Nos últimos anos da década de 30 instalaram-
Introdução se em Presidente Prudente algumas firmas de expressão como a S/A I.R.F.
Matarazzo e a Anderson Clayton e Co. S.A., motivadas pela presença do
Presidente Prudente localiza-se numa região denominada no final do algodão na região. A instalação de máquinas de beneficiamento e outros
século passado e início do atual de “Sertão do Paranapanema”. Segundo tipos de atividade industrial funcionou como um atrativo para que as
Abreu (1972), o café foi a primeira atividade aqui desenvolvida entre as pessoas da região se fixassem em Presidente Prudente em busca de
décadas de 20 e 30, sua época de maior produção. A crise de 1929, as emprego, aumentando, assim, o movimento comercial e financeiro.
constantes geadas, o cansaço da terra e a baixa qualidade do café para Notamos, então, o grande vínculo indústria/agricultura onde, sem
exportação, foram fatores que muito contribuíram para provocar uma dúvida, a indústria surgiu na região como um complemento às atividades
mudança de cultura, surgindo como novas tendências o plantio do algodão agro-pecuárias.
e amendoim e a criação de gado bovino, que suplantaram o café Através da análise temporal dos dados obtidos no cadastro
efetivamente a partir de 1940; além de mudança de atividades – da agrícola industrial do SENAI, levando em conta o ano de fundação constatamos
às primeiras tentativas de atividade industrial – representada pelas que as primeiras iniciativas ligadas à atividade industrial não sobreviveram
máquinas beneficiadoras e pequenas indústrias, como veremos mais como tal, pois a indústria mais antiga data de 1945.
abaixo. No quadro abaixo, poderemos observar a freqüência de instalações
Os tipos de atividade industrial desenvolvidos na cidade foram um segundo as décadas:
complemento à economia agrícola, predominante até hoje. Surgem, então,
as máquinas beneficiadoras da produção agrícola regional (café, algodão e Décadas
amendoim). Observamos que além do café ter sido um importante 80
produto agrícola, sua presença favoreceu a instalação das primeiras 40 50 60 70 Total
(até 83)
máquinas beneficiadoras da região, sendo as pequenas de iniciativa local e Número de es-
as maiores vindas de fora. 6 18 57 108 33 222
tabelecimentos
Assim, as primeiras indústrias foram as serrarias, as olarias, as Fonte: SENAI – Cadastro Industrial, 1981
máquinas beneficiadoras e os curtumes, todas ligadas à agricultura, ao Prefeitura Municipal de Presidente Prudente
extrativismo e à pecuária.
“Com o crescimento do centro urbano, surgiram fábricas de bebidas A evolução do número de estabelecimentos é clara e convém
e gelo, de massas alimentícias, de sabão e sabonáceo, serralherias, gráficas, lembrar que os dados da década de 80 são parciais. Desse modo fica
fábricas de ladrilhos e engarrafamento de água de fonte natural. São evidente o aumento do número de estabelecimentos industriais na década
pequenas empresas, exigindo pouco capital e empregando pequeno de 70; nessa época o Brasil iniciava seu “milagre econômico” e a
industrialização passava a ser uma das prioridades para o desenvolvimento
1Artigopublicado no Caderno Prudentino de Geografia nº8, de 1986. do país. Nesse contexto encontra-se a cidade de Presidente Prudente
2Quando escreveu o artigo, a autora era aluna do Curso de Graduação da tendo, durante os anos setenta, dobrando o número total de
Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente, então Instituto de estabelecimentos industriais em relação à década anterior (sessenta).
Planejamento e Estudos Ambientais.

60
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75 Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

Nessa perspectiva todos os ramos industriais tiveram um Os japoneses tiveram e têm certa importância no processo de
significativo aumento no número de estabelecimentos, exceção feita industrialização prudentina e exemplificam muito bem a ascensão social do
àqueles ligados ao produto “madeira” que tiveram na década de sessenta imigrante no Brasil.
um certo número de estabelecimentos instalados o qual não foi superado A relação imigrante/industrialização existente em Presidente
na década seguinte. Outros ramos também se destacaram na década de Prudente comprova o estudo feito por Mamigonian (1976), onde o autor
sessenta como o metalúrgico, o alimentício e o de vestuário. relaciona a industrialização de São Paulo à presença do imigrante a partir
do século passado.
Com a execução da entrevistas formulamos algumas conclusões
Origem do capital sobre a origem do capital aplicado nas indústrias prudentinas:
a) capital proveniente diretamente do campo;
Um dos objetivos do trabalho foi o de detectar a origem do capital b) capital proveniente indiretamente do campo, ou seja, a indústria atual
aplicado nas indústrias prudentinas; para tanto efetuamos algumas não foi o primeiro investimento quando da saída do campo, porém ao
entrevistas que nos levaram a algumas considerações que estão a seguir. investir na indústria o capital para o negócio era remanescente do campo;
Primeiramente cabe-nos situar o processo da origem do capital c) capital proveniente do comércio, a atividade comercial forneceu o
industrial de forma global, ou seja, levando em conta o Estado e acúmulo necessário para o investimento na indústria;
principalmente a cidade de São Paulo, que é sem dúvida o universo mais d) capital proveniente de negócios em ramos afins do atual: oficinas,
representativo em se tratando de industrialização no país. Desse modo moinhos, alfaiataria, etc...
retrocedemo-nos à fase cafeeira onde o processo se inicia e temos as e) capital proveniente de pequenos acúmulos, empréstimos ou venda de
primeiras investidas financeiras no setor industrial, uma vez que os grandes bens, feitos por funcionários que posteriormente adquiriram seus próprios
fazendeiros do café detinham o capital, possibilitando-lhes grandes negócios; e
investimentos, porém esses não eram “bons” empresários o que os levou a f) “negócios de ocasião”; o capital é levantado em empréstimos ou venda
vender suas indústrias a terceiros. de bens, a escolha do ramo é aleatória, à vontade do investidor.
Nesse contexto aparecem os imigrantes, até então a maioria Reduzindo em dois grupos teríamos: as indústrias originadas com
trabalhando na lavoura, porém quando obtém recursos financeiros capital vindo do campo e as provenientes de acúmulo do comércio ou
satisfatórios transferem-se para os centros urbanos. Os imigrantes vinham serviços. Entre aquelas de capital proveniente do campo cabe-nos salientar
de países, na maioria europeus, onde o desenvolvimento industrial era bem a não freqüência de investimentos feitos por grandes fazendeiros e
maior e as relações capitalistas mais adiantadas; assim acabavam tendo uma pecuaristas, os quais, ao que parece, preferem investir seu capital em
experiência anterior valiosa e desse modo começaram a investir em aquisições de terras em estados vizinhos.
indústrias, geralmente de tamanho modesto, onde o capital era pequeno e As indústrias cujo capital provém do campo são pertencentes a
proveniente de pequeno acúmulo adquirido no Brasil ou remanescente dos imigrantes ou a seus descendentes diretos, os quais trabalhavam
bens e acúmulos feitos nos países de origem. inicialmente na lavoura e depois adquiriram suas próprias terras que,
Inserida nesse processo aparece-nos Presidente Prudente, em uma quando vendidas, forneceram o capital necessário ao investimento na
região voltada à agricultura, em princípio dedicada ao café, depois ao cidade. Alguns aplicaram diretamente na compra de indústrias, outros
algodão e amendoim; desse modo passou a receber imigrantes que vinham passaram antes pelo comércio; o início era em sociedade com um irmão ou
para o Brasil e mais especificamente para o oeste paulista à procura de parente próximo.
trabalho na lavoura. Os imigrantes que para cá vieram eram originários não Outras iniciaram suas atividades como pequenas oficinas, seja de
só da Europa mas também houve uma grande incidência de orientais, reparo de peças, seja de trabalho em madeira além de outras, e hoje são
principalmente japoneses. consideráveis indústrias metalúrgicas, madeireiras, etc...

61 62
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75 Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

Indústria de bebidas 5
Tipos de estabelecimentos Indústria editorial e gráfica 12
Indústrias diversas 12
Uma das maiores dificuldades encontradas na execução do trabalho Total 231
foi a grande divergência dos dados disponíveis em diferentes órgãos. Fonte: Cadastro Industrial SENAI, 1973
Os quadros abaixo dão a dimensão desse problema: A fonte de dados que nos pareceu mais segura foi aquela obtida na
Prefeitura Municipal, através das fichas “modelo B”, utilizadas para cálculo
Quadro 1 – Número de estabelecimentos por tipo do ICM. Segundo essa fonte temos 172 estabelecimentos industriais e
Nº de 1.786 estabelecimentos comerciais e de serviços, ou seja, aproximadamente
Tipo de estabelecimento
estabelecimentos um estabelecimento industrial para cada dez estabelecimentos comerciais e
Curtumes 4 de serviços (ver tabela 1).
Frigoríficos 12
Fábricas de bebidas 25 Tabela 1 – Classificação dos estabelecimentos quanto à: atividade
Fábricas de calçados 147 industrial, dimensão e participação no movimento financeiro
Indústria alimentícia, cerealista e atacadista 33 Compras
Dimensão Vendas (%)
(%)
Máquina de beneficiamento de cereais e algodão 13

Nº de estabe-
lecimentos

p/ o exterior
p/outros Est.
Olarias 15

Grupo

de outros Est.
Atividade

do Estado
p/Estado
Serralherias e esquadrilhas 30 industrial

pequena

grande
média
micro
Total 279
Fonte: Relatório 1981/82 do Instituto de Economia de Presidente Prudente
Agrícola 4 2 - - 2 6,6 2,6 0,06 1,7 2,1
1
Quadro 2 – Número de estabelecimentos por atividade econômica (cereal.benef)
Nº de 2 Pecuária 1 1 - - - 0,03 0 0 0,004 0
Atividade econômica Pedras e outros 2 - 2 - - 0,2 0,02 0 0,05 0,0007
estabelecimentos
3 materiais p/
Indústria de produtos minerais não metálicos 27 construção
Indústria metalúrgica 11 Prod. minerais 20* 14 4 - - 0,9 0,08 0 0,5 0,3
4
Indústria mecânica 10 não metálicos
Indústria de material elétrico e de comunicações 3 Prod. 23 7 12 4 - 6,2 2 0,02 3,5 0,4
5
metalúrgicos
Indústria de material de transporte 11 6 Prod. mecânicos 5 - 4 1 - 1,1 0,8 0 0,8 0,04
Indústria de madeira 7 Mat. Elétricos e 5* - 2 2 - 1,3 3,2 0 1,8 0,08
7
Indústria de mobiliário 26 de comunicação
Indústria de papel e papelão 1 Mat. de transp. 3 - - 3 - 2,2 1,3 0 3,4 0,4
8
não motorizado
Indústria de borracha 4 9 Madeira 6* 2 1 2 - 0,9 0,6 0 0,2 0,3
Indústria de couros, peles e produtos similares 5 10 Mobiliário 18 8 9 1 - 1,4 0,4 0 0,6 0,3
Indústria química 7 11 Papel e papelão 2 - 2 - - 0,2 0,0007 0 0,04 0,02
Indústria de produtos de matéria plástica 4 12 Borracha 3 2 1 - - 0,1 0,004 0 0,02 0,002
Couros, peles e 5 - 1 2 2 5,5 20,4 0 14 1,1
Indústria têxtil 4 13
prod. similares
Indústria vestuário, calçados e artefatos de tecidos 41 14 Químicos 5 - 1 4 - 2,1 2,6 0 2,3 0,2
Indústria produtos alimentares 41

63 64
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75 Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

15
Prod. farmac., 1 - - 1 - 1,2 0,5 0 1,3 0,02 Observando essa distribuição, fica evidente a participação de cada
médic. e perf. categoria no montante.
Prod. de matéria 5 1 3 1 - 3,7 1,5 0 0,9 0,2
16
plástica
Os estabelecimentos classificados como micro indústrias são os
Vestuário, calç. e 26 5 16 5 - 8,8 6,5 0 5,4 0,9 chamados “familiares”, denominados por Souza (1981), como de “pequena
17
artef. tecidos produção”, onde a característica principal é que o “proprietário dos meios
18
Prod. aliment. 9 - 4 3 2 6,1 18 0 46,5 4,7 de produção não está totalmente desvinculado das tarefas diretamente
origem agrícola produtivas”. É comum vermos nas micro e em algumas pequenas
Prod. aliment. 14 2 8 4 - 4,1 6,2 0 4,1 0,5
19
vários
indústrias, o proprietário ou seus familiares trabalhando diretamente na
Bebidas, liq. alc. e 5 - 2 2 1 5,2 13,9 0,07 6,4 1,7 produção, exercendo atividades que vão desde a compra de matéria-prima,
20
vinagre passando pela auxílio direto na produção, até a venda do produto acabado.
21 Editora e gráfica 4 - 3 1 - 1,2 0,2 0 0,6 0,1 Essas indústrias têm pouca maquinaria, a produção se faz geralmente à
22 Diversos 2 - 2 - - 0,3 0,2 0 0,2 0,02 base do trabalho manual; o capital não é intensivo.
Ind. trans. pedras 3 - 3 - - 0,6 0,01 0 0,3 0,06
Os principais ramos onde a maior incidência é de micro indústrias
23 e outros mat. p/
construção são: produção de minerais não metálicos (olarias); produtos metalúrgicos;
24 Frigoríficos 1 - - - 1 39,6 18 99,8 4,5 86,2 mobiliários e vestuário, calçados e artefatos de tecidos. A participação
Total 172 44 80 36 8 desse grupo com 44 estabelecimentos (25% do total) é diminuta no que
* Há nesse grupo indústrias que não tiveram movimento financeiro e não foram classificadas. concerne às vendas totais do município, pois se restringem a 0,2%.
Fonte: Fichas “modelo B” – Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, 1983. As indústrias classificadas como pequenas apresentam, as menores,
características de “produção familiar”, e dentre os vários ramos, são mais
Tentamos fazer uma classificação das indústrias em micro, média e expressivos: produtos metalúrgicos, mobiliário, vestuário, calçados e
grande, baseado no número de funcionários; porém, não retratou a artefatos de tecidos e produtos alimentícios. Esse grupo, com 80
realidade, pois o que dá realmente a dimensão e importância de uma estabelecimentos (46%), é o maior numericamente, porém participa com
indústria é o giro de capital da mesma e o número de funcionários nem 3,2% das vendas totais.
sempre é o reflexo disso, uma vez considerada a produção artesanal em As indústrias classificadas como médias, são de capital local e
contraste com a moderna (maquinaria). Assim, para efetuar essa algumas apresentam franca tendência ao crescimento e mudança de
classificação, levamos em conta o movimento financeiro e obtivemos categoria, de média para grande. Vários ramos estão nesta classificação e
quatro categorias: micro indústria (menos de Cr$ 5.000.000); pequena não há nenhum que se sobressaia em termos de número de
indústria (de Cr$ 5.000.000 a menos de Cr$ 100.000.000); média indústria estabelecimentos. As médias indústrias são em número de 36 (21%) e sua
(de Cr$ 100.000.000 a menos que Cr$ 1.000.000.000) e grande indústria participação no total das vendas é de 12,5%.
(mais de Cr$ 1.000.000.000). Entre as grandes indústrias temos 50% de capital externo à cidade e
Desse modo, temos a seguinte distribuição: 50% de iniciativa local; são geralmente voltadas para o ramo alimentício
(ver tabela 1). Quanto a essas, é visível sua importância, onde apenas 8
Categoria Nº de estabelecimento % sobre vendas (oito) estabelecimentos concentram 84% do total de vendas.
Micro indústria 44 0,2 Assim, fica patente a força do capital externo à cidade; apesar do
Pequena indústria 80 3,2 pequeno número de estabelecimentos, sua participação é importante na
Média indústria 36 12,5 economia prudentina (como fonte de emprego, entre outras coisas), e a
Grande indústria 8 84,0 baixa participação das indústrias de capital local no montante do
Sem movimento 4 -- movimento financeiro.

65 66
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75 Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

Estado de São Paulo, o norte do Paraná e a porção meridional do Mato


Proveniência da matéria-prima Grosso do Sul. Esse é o principal raio de atuação das indústrias
prudentinas, porém algumas extrapolam essa delimitação e distribuem seus
No que concerne à matéria-prima, com base nos gêneros industriais produtos para todo o Brasil através de filiais comerciais, revendedores e
encontrados em Presidente Prudente, notamos que a mesma é fator de distribuidores, esporadicamente alcançam países vizinhos como o Paraguai
localização industrial somente para as indústrias vindas de fora, unidades e a Bolívia (no caso de bebidas).
de grandes firmas, nacionais ou não, como o Frigorífico Bordon, instalado Figura 1 – Presidente Prudente: Procedência da matéria-prima destinada
na cidade em virtude desta área ser de engorda para o gado (Mamigonian, aos estabelecimentos industriais – 1.983
1976). Além dessa, outras firmas como a CICA, a Lotus, a Sanbra – esta
última entre outras que estão desativadas – foram atraídas pela matéria-
prima existente na região, ou como a CICA, que organizou sua própria
rede de abastecimento de tomate com incentivos ao produtor, como
“certeza” de venda da produção.
O destaque em fornecimento de matéria-prima é dado à cidade de
São Paulo, isto porque a maior utilização se dá não da matéria-prima “in
natura”, o que ocorre é uma “re-transformação”, ou seja, a matéria-prima
já sofreu uma transformação antes de ser utilizada, por exemplo: as
indústrias químicas existentes em Presidente Prudente somente fazem a
mistura dos elementos químicos, pois não possuem laboratórios; no setor
gráfico ocorre o mesmo, segundo um proprietário entrevistado “as gráficas
de Presidente Prudente são prestadoras de serviço, não há gráficas em
nível industrial como é por exemplo a Tilibra, que é fábrica, as daqui
produzem por encomenda”.
Segundo as fichas “modelo B”, o fornecimento de matéria-prima
para as indústrias prudentinas é feito em 39% por cidades do Estado de
São Paulo e em 61% por cidades de outros Estados.
O interior dos Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul,
participam com destaque no fornecimento da matéria-prima utilizada nas
indústrias alimentícias: farinha, gado bovino, tomate, algodão entre outras.
(figura 1).

Destino dos produtos industrializados

A comercialização da produção é feita a nível local, regional, dentro Das vendas de produtos fabricados em Presidente Prudente,
e fora do Estado de São Paulo e algumas indústrias chegam a comercializar segundo as fichas “modelo B”, ficam no Estado de São Paulo 52% e vão
com o exterior, mas em pequenas proporções. Sem dúvida o mercado para outros Estados 48% da produção; essa porcentagem de fornecimento
regional é o mais importante, entendendo-se por regional o espaço para outros Estados tem como principais ramos participantes: produtos
compreendido entre os municípios vizinhos de Presidente Prudente no alimentícios, couro, peles e produtos similares, frigoríficos e bebidas. Já no

67 68
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75 Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

fornecimento para o próprio Estado destacam-se: frigoríficos, produtos destes 613 são qualificados. Assim, constatamos que a maior parte
alimentícios, vestuário, calçados e artefatos de tecidos. concentração de funcionários dá-se no ramo alimentício, que detém 49,8%
Um dos problemas encontrados na venda da produção para do total de mão-de-obra ocupada no setor industrial prudentino, refletindo
mercados distantes é o encarecimento no preço dos produtos em função mais uma vez a grande importância das empresas de capital externo à
do transporte, o que pode deixar em desvantagem as indústrias que tentam cidade para absorção de mão-de-obra; assim três empresas, a saber: CICA,
entrar em um novo mercado; para superar esse problema, do frete, as Frigorífico Bordon e a Lótus, absorvem, juntas, 34% da mão-de-obra
indústrias maiores têm suas próprias transportadoras e fazem o transporte industrial total e 70% do setor alimentício, enquanto que as demais, num
da matéria-prima e do produto acabado, diminuindo ou pelo menos não total de 17 empresas absorvem 30% da mão-de-obra ocupada nesse setor.
aumentando o preço final uma vez que essas transportadoras não visam A atuação dessas empresas é ambígua, pois ao mesmo tempo que se
lucro. apresentam importantes para o processo industrial e absorvem uma grande
quantidade de mão-de-obra, nos períodos de safra, contribuem para o
aumento do desemprego nas épocas de entre safra, visto que nesse período
Força de trabalho há uma sensível diminuição do número de funcionários devido a liberação
de mão-de-obra que no período da safra encontravam-se ocupada.
Após tratarmos alguns fatores inerentes à industrialização, nos O outro ramo mais significativo quanto à absorção de mão-de-obra
deteremos ao estudo da mão-de-obra, um aspecto de grande importância, é o metalúrgico, ocupando 15,2% da mão-de-obra total, é seguido pelo
que será considerado agora. Segundo Mincer (1975), o crescimento químico (10,7%), vestuário (9,1%), construção (5,7%), madeira (5,6%) e
econômico de uma cidade, região de país, está diretamente vinculado à gráfico (3,6%) (ver tabela 2).
força de trabalho aí existente e “a transformação de grandes massas de Quanto à qualificação temos dois enfoques à luz dos quais
mão-de-obra marginalmente produtivas numa força de trabalho moderna, considerá-la: a porcentagem dos funcionários qualificados sobre o total dos
educada e produtiva é tanto a condição mais importante quanto o objetivo funcionários do ramo e a porcentagem dos funcionários qualificados de
mais essencial do desenvolvimento econômico” (p.26). cada ramo sobre o total dos funcionários qualificados.
No processo histórico de desenvolvimento, temos uma Assim, dentro do primeiro enfoque destacam-se os ramos: madeira
transferência de mão-de-obra do setor primário para o secundário (45,5%), metalúrgico (43,1%), gráfico (35%) e vestuário (20,5%).
(ANGELO, 1980). A mobilidade da mão-de-obra e a migração são gerados Considerando o segundo enfoque temos: metalúrgico (43%), madeira
e intensificados pelo desenvolvimento econômico, o qual promove um (16,6%), alimentício (13,5%) e vestuário (12,2%), como os mais
aumento do número de empregados no setor industrial (MINCER, 1975). significativos.
Segundo o Censo 1980, o município de Presidente Prudente tem O ramo alimentício apesar de ser o que concentra o maior número
uma população economicamente ativa de 54.774 pessoas e desse total, de funcionários (1.977), apresenta apenas 4,2% com qualificação (83
13.100 exercem atividades no setor secundário entre as indústrias de funcionários), número este alto para o total geral de funcionários
transformação, construção e outras, distinção feita pelo próprio IBGE e qualificados mas muito reduzido para o total de funcionários do setor.
encontram-se distribuídos entre 11.745 homens (89,5%) e 1.394 mulheres A porcentagem de qualificação é, de um modo geral, da ordem de
(10,5%). Devemos ter cautela ao considerarmos esses dados, pois a 15%.
indústria de construção entra nesse montante com aproximadamente 40% A seguir, as tabelas 2 e 3 conseguidas através dos dados do Cadastro
e nem sempre a mesma é considerada em outras fontes com tamanha Industrial do SENAI para os anos de 1973 e 1981 dar-nos-ão uma idéia do
significância. que ocorreu nesse período no que concerne ao número de
Como há uma grande diversidade de dados optamos por aqueles estabelecimentos e à mão-de-obra ocupada nesse setor. Assim, o setor
obtidos através do Cadastro Industrial do SENAI de 1981, onde temos secundário num período de oito anos ofereceu menos 965 empregos em
108 estabelecimentos industriais com um total de 4.007 funcionários e 1981 se comparado a 1973. Desse modo, além de não haver o crescimento

69 70
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75 Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

“natural” de empregos, em virtude do próprio aumento da população, Tabela 3 – Número de estabelecimentos industriais e de funcionários por
houve uma redução em termos absolutos. ramos de atividade industrial
Em 1973 os ramos mais representativos enquanto porcentagem de Ramo Número de Número de % de func. Nº de func.
absorção da mão-de-obra total eram: alimentício (57,8%), químico (11,5%), estabelecimentos funcionários sobre o total qualificados
metalúrgico (10%) e vestuário (8,2%); em 1981 a participação era a 1973 1981 1973 1981 1973 1981 1981
seguinte: alimentício 49,8%; metalúrgico, 15,2%; químico, 10% e vestuário, Alimentício 47 20 2874 1997 57,8 49,8 83
9,1%, ou seja, os quatro ramos que mais absorvem mão-de-obra Vestuário 45 16 410 365 8,2 9,1 75
continuaram sendo os mesmos, somente houve uma variação no índice Madeira 33 16 257 224 5,1 5,6 102
entre o metalúrgico e o químico. Construção 27 11 159 230 3,2 5,7 17
Químico 20 9 571 430 11,5 10,7 22
Tabela 2 – Distribuição dos funcionários por ramos de atividade industrial Metalúrg. 35 27 510 610 10,2 15,2 263
Ramos Gráfico 13 8 164 145 3,3 3,6 51

Construç

Químico

Metalúr-
Vestuári
Alimen-

Madeira

Gráfico

Outros

Total
Outros 12 1 27 6 0,5 0,1 --
tício

gico
ão
o

Total 232 108 4972 4007 613


Fonte: Cadastro Industrial – SENAI, 1973 e 1981.
Total
23
funcionários 1997 365 224 430 610 145 6 4007
para o ramo 0 Com os dados obtidos em entrevistas diretas nas indústrias, (uma
Porcentagem amostragem de 157 funcionários) pudemos construir algumas tabelas,
do ramo so- gráficos e mapas, enfocando: idade, salário, deslocamento da residência ao
bre o total de 49,8 9,1 5,6 5,7 10,7 15,2 3,6 0,1
local de trabalho, correspondentes a 4% da mão-de-obra total, ocupada
funcionários
Número total nesse setor.
de funcioná- Construímos uma pirâmide das idades dos ocupados na indústria
rios qualifica- 83 75 102 17 22 263 51 -- 613 prudentina (Figura 2), onde constatamos que a maior ocorrência é de
dos funcionários com idade variando entre 15 e 29 anos, com destaque para a
Porcentagem
faixa de 15 a 19 anos; assim, caracterizaríamos o funcionalismo industrial
de qualifica-
dos sobre o 4,2 20,5 45,5 7,4 5,1 43,1 35 -- prudentino principalmente como jovens.
total do ramo A distribuição dos funcionários do sexo masculino dá-se de modo
Porcentagem mais equilibrado, ou seja, praticamente em todas as classes de idade que
dos funcio- aparecem na pirâmide, há a presença de homens, o que já não ocorre com
nários quali-
ficados sobre 13,5 12,2 16,6 2,7 3,6 43 2,3 -- as mulheres, cuja participação diminui sensivelmente após a faixa dos 29
o total de anos e há também uma progressiva diminuição das mesmas nas faixas 15-
qualificados 19, 20-24 e 25-29 anos, evidenciando uma maior instabilidade.
Fonte: Cadastro Industrial – SENAI, 1981. A presença de mulheres dá-se principalmente nas indústrias
alimentícias e de calçados, de modo geral, em indústrias onde o trabalho
manual ainda prevalece e o “artesanato” seja a base da produção.

71 72
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75 Olga Lúcia Castreghini de Freitas – Capital e força de trabalho...

Figura 2 – Presidente Prudente – Pirâmide das idades dos ocupados na bairros populares (COHAB/CECAP e adjacências), ou seja, entre as
indústria – 1984. porções oeste e nordeste da cidade.
O cartograma (figura 3) foi elaborado levando em conta o local de
moradia e o local de trabalho do funcionário, dando-nos o fluxo e o
deslocamento dos mesmos para atingirem seus locais de trabalho.
Notamos que a minoria mora perto do trabalho; a maioria tem um grande
deslocamento diário e muitos atravessam quase que a cidade inteira,
utilizando-se para tanto de ônibus urbano, visto que limitadas indústrias
transportam seu pessoal com ônibus próprio. Os que residem próximo ao
trabalho deslocam-se de bicicleta ou então “a pé”.

Figura 3 – Presidente Prudente – Deslocamento diário dos funcionários


das indústrias na cidade - 1984

Fonte: Entrevistas nas indústrias (amostragem)

Quanto ao salário, 86% dos funcionários recebem de um a dois


salários mínimos, 8,8% de dois a quatro, 3,5% menos que um e 0,8% mais
que quatro; isso evidencia o baixo nível de remuneração da grande maioria
do funcionalismo industrial prudentino. Temos ainda uma redução no
salário das mulheres de aproximadamente um terço em relação ao dos
homens, ou seja, para funções similares as mulheres – bem como os
menores – tem seu salário um terço mais baixo que o dos homens.
Dispondo dos salários e dos endereços dos funcionários, fizemos
uma relação entre ambos e tivemos algumas áreas de destaque em moradia
de funcionários cujos salários variam de um a dois salários mínimos, como
é o caso da zona leste da cidade, dos bairros chamados popularmente
“além linha” devido a sua localização a leste dos trilhos da Estrada de
Ferro Sorocabana que corta parte da cidade. Há ainda outras áreas que
demonstram uma certa concentração de mão-de-obra como é o caso dos

73 74
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 59-75

Considerações finais

Finalizando, temos em Presidente Prudente a predominância das


pequenas indústrias, onde as relações de produção são ainda arcaicas, ou
seja, ainda predominam as indústrias “familiares”, de caráter pessoal e sem
muito capital para a sofisticação de produção através de maquinários.
As indústrias existem, mas não se constituem na mola propulsora da
economia local. Há uma grande predominância do setor primário,
principalmente no que diz respeito aos grandes estabelecimentos agrícolas
ou pecuaristas, sobre o setor secundário.

75
Micheline Ladouceur – Identidade nacional, imagem do...

através das revistas do IBGE, discurso acadêmico através das revistas da


IDENTIDADE NACIONAL, IMAGEM DO BRASIL E OS AGB e discurso da escola através dos livros didáticos de geografia. (por
DISCURSOS DA GEOGRAFIA 1 exemplo, se vê que a partir do milagre econômico no Brasil aparece uma
geografia do desenvolvimento econômico dando uma marcante
Micheline LADOUCEUR importância à industrialização e aos grandes projetos do Estado... aparece
Universidade de Quebec (Canadá)/Universidade de São Paulo pela primeira vez a noção de “regionalização” como estratégia.
O discurso acadêmico se reflete também nos autores e pode ter
Da geografia tradicional até uma chamada geografia moderna, essa relações importantes entre a geografia dos professores, dos pesquisadores e
disciplina teve principalmente o papel de descrever a paisagem sem conselheiros dos poderes como no planejamento, urbanismo, etc... A
explicá-la. Quando a geografia começou a tentar explicar essa paisagem, fez geografia que se ensina é uma interpretação dos outros discursos
uma explicação da “natureza-sociedade”, limitando-se à questão da geográficos. Não se deve esquecer que os livros didáticos vão buscar as
natureza e mostrando uma paisagem que nega os homens e as mulheres fontes na geografia dos pesquisadores, acadêmica ou “oficial” como o
como fazendo parte do meio ambiente (ou seja, da natureza), e ocultando IBGE. Os livros didáticos vão ter o papel de simplificar esse discurso
as relações sociais. O geógrafo canadense, De Konninck, chamou isto de acadêmico. Não há sempre uma grande divisão entre o papel do ensino e
paisagem idealizada. A geografia se tornou uma disciplina reacionária, ou da prática. De Konninck diz que a geografia “colaboradora” (ou
seja, se tornou um saber a-crítico que é recuperado e manipulado pelo colaboracionista) não é esquizofrênica, a geografia ensina o que ela pratica,
Estado moderno e as classes dominantes. (A geografia da paisagem prática no sentido de como arranjar o mundo segundo os interesses de
constrói ordem ocultando a desordem e assinala o “vivido” atrás do uma minoria. Isto demonstra a importância da crítica dos programas
“visto”. curriculares da geografia – programas quase sempre criados pelos
Esse discurso da geografia foi reproduzido nas revistas acadêmicas e tecnocratas do Estado.
os livros didáticos que dão uma imagem idealizada do território Estado- Os autores de geografia, tem a princípio, o poder do saber
nação. O discurso dessa geografia é um discurso sobre um espaço neutro, acadêmico. Então seria importante mostrar como, por exemplo, os planos
sem conteúdo das relações sociais, a produção e a reprodução. Essa são um instrumento que tenta dar um certo equilíbrio às contradições do
literatura recusa discutir uma crítica do capital. Se esquece que antes de capital no espaço – espaço onde se encerram os homens e as mulheres.
arranjar o espaço, se tenta arranjar os homens e as mulheres. Isto é, para Também os livros didáticos veiculam discursos sobre a nação que se
poder dominar os homens e as mulheres. chama brasileira, canadense ou francesa, por exemplo. Se dá uma etiqueta
O discurso dominante dos livros didáticos brasileiros durante o nacional às paisagens, e assim um rio, por exemplo, tem uma nacionalidade
período da ditadura é uma ilustração de um discurso homogêneo que também. Então os brasileiros se tornam “co-proprietários” do rio
reproduz o “saber” geográfico veiculando as noções de identidade nacional amazonas. Se cria uma relação homem-natureza através da identidade
construída pelo Estado moderno. O conceito de território e/ou espaço nacional. O estudo da geografia é muito ligado ao sentimento nacional.
que se descreve nos livros, é o conceito de território construído pelo Reforçar a identidade nacional pela geografia é uma boa razão para que
Estado moderno. seja uma disciplina obrigatória. Nos livros didáticos, parece que o Estado-
Os autores de livros didáticos reproduzem o saber que os ensinaram nação não é um fato resultante de uma construção histórica, mas a
da escola primária até a universidade, com a influência do IBGE., construção de um território, primeiro, pela natureza. O espaço físico se
instrumento do Estado moderno, que teve um papel importante no torna o elemento essencial da identidade nacional, onde nasce uma cultura
discurso “oficial” da geografia. Na minha tese estou tentando ver as única da nação-país, projetando a mistura de três raças – aqui se distingue a
relações e as não relações entre os três discursos: discurso do Estado sociedade pela cor da pele e não pelas classes sociais (ou senão pelos
sexos).
1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº11/12, de 1989.

78
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 77-81 Micheline Ladouceur – Identidade nacional, imagem do...

Através do discurso geográfico escolar, a identidade nacional se outro lado, se divide também a sociedade, não em classes sociais, mas se
define através do desenvolvimento econômico favorecendo a unidade e a faz uma divisão dos sexos, homem-mulher, e de raças, ocultando a questão
integração nacional - assim tendo o papel de ocultar as outras identidades. de territorialização e desterritorialização das várias identidades.
A identidade nacional é uma dialética de diferença/identificação - em Também no Brasil temos os desenvolvidos e os subdesenvolvidos,
relação com o sentimento de pertencimento a uma nação pelo território, a da mesma maneira que se divide o “mundo”. Se constrói uma imagem de
história e a cultura comum – e essa “identidade nacional” quer incluir um mundo segundo as leis geográficas: norte-sul, se identifica o norte com
todos os grupos sociais num mesmo discurso e simula as correlações de os desenvolvidos- o chamado primeiro mundo, termo que quase não se
poderes ou de forças. usa no Quebec – diminuindo o valor do terceiro mundo. E hoje, se tenta
Se mascaram as relações dominates/dominados e se constrói uma substituir essa divisão norte-sul em divisão leste-oeste.
imagem representativa e positiva da nação-país hieriarquizando as culturas: Os mapas são apresentados não para mostrar uma visão do mundo,
por exemplo: o autóctone tem uma cultura subdesenvolvida, o sul do país mas uma divisão do mundo (Christine Risi). Ainda os mapas são bons
tem uma cultura rica por causa de sua origem européia, etc... Não se exemplos de uma caricatura desse mundo dividido.
reconhece a própria identidade dos autóctones ou, senão, se pretende falar Os livros didáticos do Quebec não escapam a esse “ recorte” do
para os autóctones negando o discurso deles – como o conceito de território em regiões administrativas. Também se usa muito a carta
território que é diferente para eles. As mulheres são reduzidas às pirâmides “topográfica”, usando de técnica moderna para fazer como se a criança
de população, o que tem o papel de ocultar como a ação do capital reforça estivesse no terreno. O problema não é de usar ou de não usar da técnica
as desigualdades mulheres-homens. De maneira geral, o saber geográfico como tal, o problema é que os livros didáticos de geografia querem
reproduzido nos livros didáticos nega um projeto de sociedade homens- mostrar o máximo de mapas, imagens, etc., sem se preocupar com uma
mulheres. explicação, que termina numa descrição simplificada do mundo e
Pois, a imagem do Brasil se constrói pelos chamados recursos justificando o recorte (a divisão).
naturais e o desenvolvimento industrial e capitalista. Essa imagem é Quer seja no Canadá ou quer seja no Brasil, o discurso dominante
baseada na super-valorização dos recursos econômicos. Mas isto não é só dos livros didáticos têm o papel de maximizar a projeção do mundo para
o discurso geográfico e escolar do Brasil. A geografia de Quebec e do observar as organizações territoriais, mas esquecendo das práticas
Canadá que se ensina tem como tema central os recursos naturais vistos territoriais (c. Risi), ou seja, das práticas sociais que são uma produção
como uma riqueza coletiva e um fator de desenvolvimento quando é econômica e uma reprodução ideológica, valorizando o capital pelas
explorado, industrializado, criador de empregos, e quando circula no indústrias, por exemplo, em vez de valorizar o trabalho que hoje pertence
mercado. Na realidade se fala de matérias primas e não de recursos ao capital e não aos homens e as mulheres. Se desterritorializam os homens
naturais. O geógrafo Raffestin, que elaborou a questão de territorialidade e e as mulheres.
trabalho, sublinhava que não existem recursos naturais, mas existem Dividindo tudo, a geografia confunde o “espaço vivido” e o “espaço
matérias naturais, vendo os recursos como um produto de uma construído”. E quando se fazem exercícios com os mapas, é para
multiciplidade de relações. No Brasil, como no Quebec, se representam as comentar. Mas para isso, teria que ensinar as crianças a criticar. Porque o
matérias primas como as propriedades de todos os cidadãos num território aluno não poderia aprender a construir um quadro, uma trilha de
grande. Se oculta a energia do trabalho, base da relação do homem e da investigação, etc.?
mulher com o meio ambiente. Como se sabe, o espaço-tempo é controlado Hoje no Brasil, começam a surgir novos discursos da geografia e no
pelo capitalismo, concentrando a economia e dividindo o trabalho. Quebec se mudou o programa curricular de geografia. Mas na realidade
Nos livros didáticos se define uma unidade nacional a partir da não tem nada de novo. Os livros didáticos de “geografia do Quebec e do
própria divisão do território em regiões, mostrando o nordeste como a Canadá” aproveitados pelo ministério da educação, veiculam o mesmo tipo
região subdesenvolvida em que precisa copiar o modelo de São Paulo, de discurso tradicional, mas cheios de imagens bonitas. O ministério da
região desenvolvida, no exemplo perfeito da sociedade capitalista. De educação no Quebec aproveita os livros com critérios de racismo e

79 80
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 77-81

sexismo, mas não tem crítica do discurso geográfico. Na realidade, o


discurso geográfico continua a fazer a propaganda do nacionalismo do
estado Quebequense e do estado canadense.
No Quebec não houve uma tentativa concreta de mudar o discurso,
a não ser um Atlas feito por Jean Carrierè que usa da projeção do mundo
de Peters. Mas houve uma tentativa de mudar o discurso pedagógico como
tal. Na origem, foi um grupo de 36 pessoas, estudantes e professores, que
iniciou um tipo de caderno pedagógico que propõe atividades para várias
disciplinas e níveis diferentes. A primeira experiência era local, tentando
mostrar e explicar as realidades vividas numa cidade mineira. Os objetivos
eram:
1) Partir da realidade quotidiana da criança, do meio dele para que possa
construir sua própria experiência social (defesa dos direitos, mudar
valores da sociedade baseada na competição, o sexismo, a violência,
etc.);
2) Partir da realidade vivida (ex. de Paulo Freire e Celestin Freinet) para
que a criança possa reconhecer-se no conteúdo e dar uma apropriação
ativa do saber das crianças.
Também o sindicato dos professores (C.E.Q.) do Quebec fez outro
caderno pedagógico sobre os direitos humanos no Quebec e no mundo.
Tem 3 etapas: a observação da realidade; a análise da realidade; e a
transformação da realidade. São várias atividades sobre temas diferentes,
como sobre os autóctones (análise geográfica) e a fome no mundo. Foram
feitos vários cadernos que constituem um trabalho de equipe: racismo
(visão do mundo); a paz; etc... Esses cadernos pedagógicos poderiam ser
recuperados pelos geógrafos, que poderiam também melhor desenvolver o
princípio ponto. No Quebec é o único instrumento que permite
ultrapassar ou evitar o discurso “oficial”... mas sempre depende de quem
vai utilizá-lo, porque os professores têm uma boa formação acadêmica mas
muitos não ultrapassam esse discurso acadêmico vulgarizado (sem mudar o
conteúdo do discurso).
Não sei se um tipo de caderno pedagógico como tal, poderia ser
criado aqui – no sentido de adaptar essas idéias às realidades brasileiras. De
outro lado, a geografia quebecna poderia tentar aplicar um novo discurso
escolar dentro da geografia, no exemplo dos novos discursos no Brasil.

81
Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

sociais, assim como o caráter aparentemente irrecorrível da modernidade


A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E O TERRITÓRIO: atual são, por outro lado, dados que devem permitir uma visão prospectiva.
REALIDADES E PERSPECTIVAS1

Milton SANTOS 1 - A revolução científico-técnica e suas conseqüências


Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento
de Geografia 1.1. O período técnico-científico

Nas épocas de grande mudança, um dos graves problemas que se A fase atual da história da Humanidade, marcada pelo que se
impõem aos estudiosos é o encontro do novo. Sem isso, o seu trabalho denomina de revolução científico-técnica, é freqüentemente chamada de
científico e a possibilidade de uso desse trabalho ficam comprometidos. De período técnico-científico (ver, por exemplo, Radovan Richta, La
todo modo, o presente que buscamos jamais conhecemos inteiramente. Civilisation au Carrefour, Paris, Editions Du Seuil, 1074). Em fases
Seja isso uma desculpa para o caráter exploratório do texto que segue e que anteriores, as atividades humanas dependeram da técnica e da ciência.
se apresenta mais como uma hipótese de trabalho e uma base de discussão, Recentemente, porém, trata-se da interdependência da ciência e da técnica
empreendidas, sobretudo, a partir de análise do empírico, ainda que sem em todos os aspectos da vida social, situação que se verifica em todas as
desprezo pelos ensinamentos teóricos. partes do mundo e em todos os países. O próprio espaço geográfico pode
O fato de que o processo de transformação da sociedade industrial ser chamado de meio técnico-científico (Tratamos do assunto em Espaço e
em sociedade informacional não se completou inteiramente em nenhum Método, São Paulo, Editora Nobel, 1985). Essa realidade agora se estende
país, faz com que vivamos, a um só tempo, um período e uma crise, e a todo o Terceiro Mundo, ainda que em diferente proporção, segundo os
assegura, igualmente, a percepção do presente e a presunção do futuro, países. Na América Latina, não há país em que essas transformações não se
desde que o modelo analítico adotado seja tão dinâmico quanto a realidade dêem, entronizando a ciência e a tecnologia como nexos essenciais ao
em movimento e reconheça o comportamento sistêmico das variáveis trabalho e à vida social, ao menos para os respectivos setores hegemônicos,
novas que dão uma significação nova à totalidade. mas com repercussão sobre toda a sociedade.
Nesse exercício, o ponto de vista adotado aqui é, sobretudo, o de Nesta nova fase histórica, o mundo está marcado por novos signos,
nosso campo de estudo, isto é, o do espaço territorial, espaço humano. como: a multinacionalização das firmas e a internacionalização da
Mas a interdependência, ao nível global, dos fatores atuais de construção produção e do produto; a generalização do fenômeno do crédito, que
do mundo deve assegurar às propostas aqui avançadas um certo interesse reforça as características da economização da vida social; os novos papéis
no que tocas às demais ciências sociais. Com a globalização do mundo, as do Estado em uma sociedade e uma economia mundializadas; o frenesi de
possibilidades de um enfoque interdisciplinar tornam-se maiores e mais uma circulação tornada fator essencial da acumulação; a grande revolução
eficazes, na medida em que a análise fragmentadora das disciplinas da informação que liga instantaneamente os lugares, graças aos progressos
particulares pode mais facilmente suceder um processo de reintegração ou da informática.
reconstrução do todo. Nesse processo de conhecimento, o espaço tem um
papel privilegiado, na medida em que ele cristaliza os momentos anteriores
e é o lugar de encontro entre o passado e o futuro, mediante as relações 1.2. A percepção da simultaneidade
sociais do presente que nele se realizam. Desde que um enfoque particular
se proponha com uma visão contextual, deve ser possível, através da soma O fenômeno da simultaneidade ganha, hoje, novo conteúdo. Desde
de estudos setoriais, recuperar a totalidade da globalização das relações sempre, a mesma hora do relógio marcava acontecimentos simultâneos,
ocorridos em lugares os mais diversos, cada qual, porém, sendo não apenas
autônomo como independente dos demais. Hoje, cada momento
1
Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº13, de 1991.

84
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 83-93 Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

compreende, em todos os lugares, eventos que são interdependentes, traços semelhantes não havia contemporaneidade entre eles, e muito
incluídos em um mesmo sistema de relações. Os progressos técnicos que, menos interdependência funcional. Por outro lado, a impulsão que
por intermédio dos satélites, permitem a fotografia do planeta, permitem- recebem esses conjuntos técnicos atuais (ou suas frações) é única, vinda de
nos uma visão empírica da totalidade dos objetos instalados na face da uma só fonte, a mais-valia tornada mundial ou mundializada, por
Terra. Como as fotografias se sucedem em intervalos regulares, obtemos, intermédio das firmas e dos bancos internacionais. O conhecimento
assim, o retrato da própria evolução do processo de ocupação da crosta empírico da simultaneidade dos eventos e o entendimento de sua
terrestre. A simultaneidade retratada é fato verdadeiramente novo e significação interdependente são um fator determinante da realização
revolucionário para o conhecimento do real e o correspondente enfoque histórica, ao menos para os setores hegemônicos da vida econômica, social
das ciências do homem, alterando-lhes, assim, os paradigmas. e política. Mas estes arrastam todos os demais. Daí porque nos referimos a
uma empiricisação da universidade (M. Santos, “Geography in the late
twentieth century: new roles for a threatened discipline”, número especial
1.3. Unicidade técnica e da mais-valia sobre Epistemology of social science, Internacional Social Science Journal,
Unesco, 1984, vol. 36, nº 4).
O espaço geográfico agora mundializado redefine-se pela
combinação desses signos. Seu estudo supõe que se levem em conta esses
novos dados revelados pela modernização e pelo capitalismo agrícola, pela 1.4. Fluxos de informação superpostos aos fluxos de matéria
especialização regional das atividades, por novas formas e localizações da
indústria e da extração mineral, pelas novas modalidades de produção da O papel crescente da informação nas condições atuais da vida
energia, pela importância da circulação no processo produtivo, pelas econômica e social permite pensar que o espaço geográfico e o sistema
grandes migrações, pela terceirização e pela urbanização extremamente urbano considerado como o esqueleto produtivo da Nação, são atualmente
hierárquicas. Os espaços rurais e urbanos são redefinidos, na sua hierarquizados por fluxos de informação superpostos a fluxos de matéria
transformação, pelo uso sistemático das contribuições da ciência e da não propriamente hierarquizantes. Os objetivos são utilizados segundo um
técnica e por decisões de mudança que levam em conta, no campo e na modelo informacional que amplia a esfera do trabalho intelectual; na
cidade, os usos a que cada fração do território vai ser destinada. Trata-se de verdade, os novos objetos já nascem com um conteúdo em informação, de
uma geografia completamente nova. Todo esforço de conceptualização que lhe resultam papéis diferenciados na vida econômica, social e política.
exige que os novos fatores ao nível mundial (cuja lista certamente não A importância da informatização e da creditização do território, o
esgotamos) sejam levados em conta, tanto ao nível local, como regional ou novo papel dos bancos e dos diversos meios de transmissão das
nacional. Os estudos empíricos ganham a partir desse enfoque. mensagens, a crescente necessidade de regulação de qualquer tipo de
Para a compreensão de um sem-número de realidades, e intercâmbio (inclusive as trocas de natureza social e cultural) pelo Estado,
particularmente no que se refere ao espaço, o aparecimento de dois novos mas também por outras instituições e organizações em diversos níveis, o
fenômenos constitui a base de explicação histórica de sua nova realidade. imperativo de estar sempre se adaptando às condições, em permanente
De um lado, o período atual vem marcado por uma verdadeira unicidade mudança da economia internacional, a necessidade de reconversão das
técnica, isto é, pelo fato de que, em todos os lugares (Norte e Sul, Leste e economias regionais e urbanas são alguns dos elementos a levar em conta
Oeste) os conjuntos técnicos presentes são “grosso modo” os mesmos, para a construção de um quadro de reflexão, que leve em conta as
apesar do grau diferente de complexidade; e a fragmentação do processo especificidades novas que, sob formas materiais aparentemente imutáveis,
produtivo à escala internacional se realiza em função dessa mesma respondem rapidamente às modificações sobrevindas às relações
unicidade técnica. internacionais e internas de cada país.
Antes, os sistemas técnicos eram apenas locais, ou regionais, e tão
numerosos quantos eram os lugares ou regiões. Quando apresentavam

85 86
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 83-93 Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

2 - Um período e uma crise


3 - O meio técnico-científico
Parece importante colocar desde logo algumas idéias de base.
A fase atual, chamada também de período científico, do nosso
2.1. Uma crise e um período ponto de vista particular, é, em primeiro lugar, a fase na qual se constitui,
sobre territórios cada vez mais vastos, o que se chamará de meio científico-
A primeira é a questão da crise, da crise não apenas como uma técnico, isto é, um momento histórico no qual a construção ou a
transição entre períodos, mas da crise como período. Durante a história reconstrução do espaço se dará com um conteúdo de ciência e de técnica.
dos países subdesenvolvidos, dentro do sistema capitalista e da América
Latina, em particular, esta é talvez a primeira ocasião na qual estamos 3.1. Nova composição orgânica do espaço
diante de um momento de crise e que também se define como um período,
na medida em que as variáveis que o definem são duráveis, estruturais, O fato de que o espaço seja chamado a ter cada ver mais um
dando um novo caráter às realidades que nos cercam. conteúdo em ciência e técnica traz consigo um grande acervo de
conseqüência, a primeira das quais, certamente, é uma nova concepção
2.2. Solidariedade das mutações no plano mundial orgânica do espaço, pela incorporação mais ampla de capital constante na
instrumentalização do espaço (instrumentos de produção, sementes
Um outro dado a sublinhar agora, é o fato de que, mais que em selecionadas, fertilizantes, pesticidas, etc.) ao mesmo tempo em que se dão
qualquer outro momento da história da humanidade, há uma solidariedade novas exigências quanto ao capital variável indispensável. Como
das mutações em plano mundial; e essa solidariedade é, em grande parte, conseqüência das novas condições trazidas pelo uso da ciência e da técnica
administrada. A administração da solidariedade, seja como colaboração na transformação do território, há menos emprego ligado à produção
entre países e firmas ou como nova forma de dependência, é um dado material e uma maior expressão do assalariado em formas diversas
fundamental no entendimento do que se passa. Em particular, impõe-se (segundo os países e segundo regiões em cada país), uma necessidade
uma mudança epistemológica, às vezes radical, conseqüência das mudanças maior de capital adiantado, o que vai explicar a enorme expansão do
históricas mencionadas. sistema bancário. O mapa respectivo mostra como os territórios se cobrem
cada vez mais da presença de bancos, de tal maneira que, arriscamos dizer
2.3. Conhecimento do planeta e empirização dos universais que se nos anos 50 o nexo que explicava de certa forma a expansão
capitalista, era o consumo, desde os fins dos anos 70 esse nexo é dado pelo
Em terceiro lugar, e pela primeira vez na história, é possível saber crédito. De tal forma que poderíamos falar de uma creditização do
em extensão e em profundidade o que se passa na superfície da Terra. território, que dará uma nova qualidade ao espaço.
Quem conhece, e para que se conhece, é outro assunto. O fato é que
apenas algumas poucas potências, alguns poucos grupos têm o 3.2. Formas de ajustamento
conhecimento do filme do mundo, isto é, aquilo que ocorre na face do
Planeta. Ao mesmo tempo em que, pela primeira vez na história do Cabe, igualmente, lembrar de que nesta fase se corporifica aquela
homem, os universais tornam-se passíveis de empirização, o processo de antevisão de Marx, segundo a qual, ao ser vigente o trabalho universal, isto
totalização pode ser constatado empiricamente. Teríamos, desse modo, é, o trabalho intelectual como forma de universalização da produção,
penetrado na era de ouro da teorização e do discernimento das teríamos uma maior área da produção com uma menor arena da produção.
perspectivas: era de ouro ou na da, se não pudermos utilizar os Isto é, a produção em sentido lato, isto é, em todas as suas instâncias, se
instrumentos que estão diante de nós para construir um novo pensamento. daria em áreas maiores do território, enquanto o processo produtivo direto
se daria em áreas cada vez menores. Essa é uma tendência facilmente

87 88
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 83-93 Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

assinalável em muitos países da América Latina. Ela é tornada possível em a de um lugar funcional à sociedade como um todo. Os lugares seriam,
boa parte pela possibilidade agora aberta à difusão das mensagens e ordens mesmo, lugares funcionais de uma metrópole. E, paralelamente, através
em todo o território, através dos enormes progressos obtidos com as das metrópoles, todas as localizações tornam-se hoje funcionalmente
telecomunicações. A creditização do território, a dispersão de uma centrais. O vaticínio de André Siegfried (Aspects du XXème Siécle) vendo
produção altamente produtiva, não seriam possíveis sem a informatização em cada lugar o centro do mundo, ter-se-ia realizado.
do espaço. O território é hoje possível de ser usado, com o conhecimento Antes, sem dúvida, a metrópole estava presente em partes do país.
simultâneo das ações empreendidas nos diversos lugares, por mais Digamos que o núcleo migrava para o campo e para a periferia, mas a fazia
distantes que eles estejam. Isto permite, também, a implantação de sistemas com defasagens e perdas, com dispersão das mesmas e ordens. Se ao longo
de cooperação bem mais largos, amplos e profundos, agora associados do tempo, o espaço se tornava mais e mais unificado e mais fluido, todavia
mais estreitamente a motores econômicos de ordem não apenas nacional, faltavam as condições de instantaneidade e de simultaneidade que somente
mas também internacional. De fato, os eventos são, hoje, dotados de uma hoje se verificam.
simultaneidade que se distingue das simultaneidades precedentes pelo fato Mas ao contrário do que muitos foram levados a imaginar e a
de que são movidas por um conjunto motor, a mais-valia ao nível mundial escrever, na sociedade informatizada atual nem o espaço se dissolve,
que é em última análise responsável, direta ou indireta, pela forma como os abrindo lugar apenas para o tempo; nem este se apaga. O que há é uma
eventos se dão sobre os diversos territórios. Essa unificação faz-se em verdadeira demultiplicação do tempo, devida a uma hierarquização do
grande parte através do nexo financeiro e conduz a uma reformulação do tempo social, graças a uma seletividade ainda maior no uso das novas
espaço à escala mundial. condições de realização da vida social. Com isso, uma nova hierarquia se
O ajustamento do espaço às novas condições do período tem dados impõe entre lugares, uma hierarquia com nova qualidade, a partir de uma
particulares, que são ao mesmo tempo fatores de implantação e de diferenciação muitas vezes maior do que ontem entre os diversos pontos
aceleração do processo. Um deles é o modelo econômico, do qual um do território.
subtítulo é o modelo exportador que agrava a sua ação em função da A simultaneidade entre os lugares não é mais apenas a do tempo
dívida. físico, tempo do relógio, mas do tempo social, dos momentos da vida
social. Mas o tempo que está em todos os lugares é o tempo das
3.3. Emergência de um novo espaço metrópoles, que transmitem a todo o território o tempo do Estado e o
tempo das multinacionais. Em cada outro tempo, nodal ou não, da rede
Há emergência de um novo espaço e de uma nova rede urbana. Nas urbana ou do espaço, temos tempos subalternos e diferenciados, marcados
fases mais recentes, constata-se, em primeiro lugar, a luta pela formação de por dominâncias específicas.
um mercado único, através da integração territorial. Um novo momento, o Nenhuma cidade, além da metrópole, “chega” a outra cidade com a
atual, conhece um ajustamento à crise desse mercado, que é um mercado mesma celeridade. Nenhuma dispõe da mesma quantidade e qualidade de
único e segmentado; único e diferenciado; um mercado hierarquizado e informações que a metrópole. Informações virtualmente de igual valor em
articulado pelas firmas hegemônicas, nacionais e estrangeiras que toda a rede urbana não são igualmente disponíveis em termos de tempo.
comandam o território com apoio do Estado. Não é demais lembrar que, Sua inserção no sistema mais global de informações de que depende o seu
ainda aqui, mercado e espaço, mercado e território, são sinônimos. Um não próprio significado depende da metrópole, na maior parte das vezes. Está
se entende sem o outro. aí o novo princípio da hierarquia, pela hierarquia das informações... e um
novo obstáculo à uma inter-relação mais flutuosa entre aglomerações do
3.4. A metrópole onipresente e novas categorias explicativas mesmo nível, uma nova realidade do sistema urbano.
Os momentos que, ao mesmo tempo do relógio, são vividos por
Neste momento, a metrópole está presente em toda parte, e no cada lugar, sofrem defasagens e se submetem a hierarquias (em relação ao
mesmo momento. A definição do lugar é, cada vez mais no período atual, emissor e controlador dos fluxos diversos). Porque há defasagens, cada

89 90
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 83-93 Milton Santos – A revolução tecnológica e o território...

qual desses lugares é hierarquicamente subordinado. Porque as defasagens


são diferenciadas para os diversos variáveis ou fatores, é que os lugares são 3.6. Em busca de novas horizontalidades
diversos.
As questões do centro-periferia, como precedentemente colocadas, Haveria, pelos menos, duas formas de se chegar lá: uma através da
e as das regiões polarizadas, ficam, assim, ultrapassadas. Hoje, a metrópole intervenção sobre o cotidiano, seja o cotidiano dos indivíduos nas suas
está presente em toda parte, no mesmo momento, instantaneamente. relações interpessoais, seja o cotidiano da produção. Ma medida em que,
Antes a metrópole não apenas não chegava ao mesmo tempo a todos os nas áreas agrícolas, o território se especializa do ponto de vista produtivo,
lugares, como a descentralização era diacrônica: hoje a instantaneidade é há também uma certa restauração da horizontalidade das relações
socialmente sincrônica. territoriais, mas em benefício dos atores hegemônicos da economia. E há
Trata-se, assim, de verdadeira dissolução da metrópole, condição, outra forma de restaurar a horizontalidade das relações territoriais, isto é,
aliás, do funcionamento da sociedade econômica e da sociedade política. através do poder. No caso do Brasil, nós sabemos, porém, que haverá
Ainda uma vez, para que e para quem é o funcionamento dessa sociedade talvez apenas dois Estados capazes de uma ação regional autêntica: o
assim constituída é outra coisa, um outro problema. O fato é que estamos Estado de São Paulo e o Estado do Rio Grande do Sul. Os outros Estados
diante do fenômeno de uma metrópole onipresente, capaz, ao mesmo por intermédio dos poderes neles constituídos são, praticamente incapazes
tempo, pelos seus vetores hegemônicos, e desorganizar e reorganizar, ao de regionalização. Como pensar, através de uma nova regionalização do
seu talante e em seu proveito, as atividades periféricas e impondo novas poder, uma realização eficaz do poder político no sentido de superar a
questões para o processo de desenvolvimento regional. fragmentação vertical, e através de uma horizontalidade recuperada,
atribuir às porções do território desse modo atingidas um conteúdo não
3.5. Entropia e neg-entropia no espaço apenas econômico, mas também um conteúdo social? Em países como os
da América Latina, o progresso técnico modifica as regiões em benefício
Tomemos, de modo figurativo, o exemplo brasileiro. No passado, de alguns atores hegemônicos, responsáveis por novas relações territoriais
São Paulo sempre esteve presente no país todo: presente no Rio um dia onde os nexos distantes primam sobre os nexos próximos e o interesse
depois, em Salvador três dias depois, em Belém dez dias depois, em econômico sobre o interesse social. Para reverter a tendência, uma política
Manaus trinta dias depois... São Paulo hoje está presente em todos os territorial adequada supõe a regulação social da atividade econômica. Por
pontos do território informatizado brasileiro, ao mesmo tempo e exemplo, o fato de que, no Brasil, uma nova Constituição consagre uma
imediatamente, o que traz como conseqüência, entre outras coisas, uma nova distribuição do ingresso fiscal entre as diversas entidades territoriais
espécie de segmentação vertical do mercado enquanto território e uma (União, Estados e Municípios) deve ser aproveitado, a partir dos
segmentação vertical do território enquanto mercado na medida em que os ensinamentos históricos, para a instalação de uma sociedade mais
diversos agente sociais e econômicos não utilizam o território de forma redistributiva.
igual. Isso representa um desafio às planificações regionais, na medida em
que as grandes firmas que controlam a informação e a redistribuem ao seu
talante, têm um papel entrópico em relação às demais áreas e somente elas 4 - O dilema latino-americano
podem realizar a neg-entropia. O espaço é assim desorganizado e
reorganizado a partir dos mesmos pólos dinâmicos. O fato de que a força A América Latina sempre foi, desde os inícios de sua história
nova das grandes firmas neste período científico-técnico traga como ocidental, um continente aberto aos ventos do mundo, enormemente
conseqüência uma segmentação vertical do território, supõe que se permeável ao novo, em todos os momentos. Daí a sua vulnerabilidade e a
redescubram mecanismos capazes de levar a uma nova horizontalização sua força. A aceitação mais fácil e mais pronta dos modelos de
das relações que esteja não apenas ao serviço do econômico, mas também modernização lhe tem permitido saltar etapas, percorrendo em muito
do social. menos tempo caminhos que o Velho Continente exigiram uma lenta

91 92
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 83-93

evolução. Por outro lado, esse processo de integração se tem dado às custa
de enormes distorções do ponto de vista territorial, econômico, social e
político. O período técnico-científico começa a se implantar no continente
sob esses mesmos signos, ajuntando novas distorções às herdadas das fases
anteriores. Pode-se, todavia, imaginar, neste novo período histórico que é a
fase das organizações, e, também, a fase da inteligência, que será possível
reverter essa tendência? Aí está, sem dúvida, um grande desafio para os
povos latino-americanos e os seus intelectuais, voltados a pensar o futuro a
partir das realidades do presente. O ponto central não é, apenas, a escolha
das novas variáveis históricas, num mundo em que a modernidade se
tornou irrecusável; mas a dosagem de sua combinação, não mais a partir
dos imperativos da técnica, de que a economia se tornou subordinada, mas
a partir dos valores, o que ensejaria uma nova forma de pensar um porvir
onde o social deixaria de ser residual e à tecnologia seria atribuído um
papel histórico subordinado, em benefício do maior número.

93
Alexander A. Grigoriev – Os fundamentos teóricos da moderna...

e inter-relacionadas que formam um todo inseparável, um peculiar


OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA MODERNA fenômeno natural, com leis próprias de estrutura e evolução.
GEOGRAFIA FÍSICA1 Tendo se originado e evoluído na superfície do planeta, o estrato
geográfico tem ligações geneticamente inseparáveis com a superfície da
Alexander A. GRIGORIEV2 Terra, aberta à radiação solar. Devido à prevalência das condições
hidrotérmicas e geoquímicas, o estrato geográfico, que no princípio era
desprovido de vida, tornou-se, com o tempo, uma arena para a origem e
1. O Estrato Geográfico da Terra evolução da vida, que adicionou as suas partes componentes o regolito, a
cobertura vegetal e o reino animal. Isso alterou radicalmente sua
O estrato geográfico da Terra compreende a crosta, a baixa composição geoquímica, enriquecendo-a com oxigênio (o que é
atmosfera (troposfera e parte da estratosfera), hidrosfera, regolito (manto especialmente importante) e muitas outras substâncias.
do solo), cobertura vegetal e reino animal. É uma das camadas básicas da Os limites do estrato geográfico não são definidos e representam
Terra que difere daquelas que se situam abaixo e acima da superfície e na zonas de transição. Assumimos que o limite superior atravessa a
qual se incluem matérias nos três estados agregados. Seu processamento estratosfera, até algo próximo à camada de concentração máxima do
advém de fontes energéticas cósmicas e terrestres (nas outras camadas o ozônio, a mais ou menos entre 20 e 25 km acima da superfície. Abaixo, a
processamento é produzido, principalmente, por uma ou por outra); é o atmosfera se apresenta num contínuo movimento turbulento devido à sua
único estrato que sustenta a vida, habitat da sociedade humana. Os anos interação com os continentes e oceanos: acima do limite, estes
recentes têm sido marcados pela penetração do homem nos limites movimentos desaparecerem rapidamente. A radiação solar, de sua parte,
superiores do estrato geográfico, rumo ao espaço exterior. Atualmente, o perde os excessos letais dos raios ultravioletas ao atravessar a camada de
homem cava poços profundos com o propósito de penetrar nos limites ozônio, e sua composição se aproxima daquela observada na troposfera.
interiores. O limite inferior do estrato geográfico não fica muito abaixo da
Estudos sobre as partes componentes do estrato geográfico têm crosta terrestre, em uma camada subcrostal, onde as altas temperaturas e as
revelado que a estrutura e evolução são tão profundamente interconectadas grandes pressões que agem sobre estas massas tornam-se mais plásticas do
que a crosta, embora ainda exibindo as propriedades de um sólido.
As interações entre os processos tectônicos de formação do relevo
1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº15, de 1993. Traduzido na crosta e os processos verificados nas regiões subcrostais, diminuem
do inglês por João Lima Sant’Anna Neto, Professor do Departamento de rapidamente na camada superior destas últimas, por onde passa o limite
Geografia – FCT/UNESP. inferior do estrato geográfico. Ela se situa, aparentemente, um pouco
2 Nota do Tradutor: Alexander A. Grigoriev, um dos mais importantes geógrafos abaixo da camada sísmica de “Mohorovici”, onde as ondas sísmicas
da ex-URSS e membro da Academia de Ciências daquele país, é responsável por longitudinais alteram abruptamente sua velocidade, indicando uma
uma vasta e significativa produção científica na àrea da Geografia Física. Ele e mudança aguda nas propriedades físicas das rochas.
outros expoentes cientistas russos, como Gerasimov, Afanasiev, Sotchava, O estrato geográfico apresenta uma estrutura semelhante a uma
Kalesnik e Snytko, formam o que chamamos de “escola russa”, que trouxe uma série de camadas empilhadas, cujos componentes se interpenetram
enorme contribuição à sistematização, metodologia e técnicas à moderna
Geografia Física. Para estes autores, a Geografia Física se constitui em ciência
consideravelmente e é caracterizada pelo complexo natural das
autônoma que apresenta métodos, linguagem e leis próprias, o que não significa diferenciações regionais.
que deixe de integrar o rol das “ciências geográficas”. Este artigo de Grigoriev foi Do ponto de vista da energia, ele pode ser dividido em duas
originalmente publicado em Moscou, em russo, e em inglês na edição do “The camadas: a exterior, onde a energia solar é a principal fonte de calor, e a
Interaction of Sciences in the Study of the Earth”, em 1968, numa coletânea de interior, onde o calor é gerado por decomposição radioativa e processos
contribuições metodológicas em Geociências. Mesmo passados 25 anos de sua análogos. O limite entre elas ultrapassa algumas dezenas de metros abaixo
publicação original, permanece um artigo atual e relevante.

96
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 95-106 Alexander A. Grigoriev – Os fundamentos teóricos da moderna...

da superfície (15 a 30 metros nas zonas moderadas). A parte litosférica do A Geografia Física divide-se em Geografia Geral e Geografia
estrato geográfico também pode ser dividida em várias camadas. Regional. A primeira estuda os problemas físico-geográficos no geral,
como as leis gerais da estrutura, composição, dinâmica, desenvolvimento e
2. A Posição da Geografia Física entre as Ciências diferenciações territoriais (a divisão do extrato externo da Terra em regiões
naturais), seus relacionamentos internos e externos e a utilização prática de
A extrema diversidade de composição e da estrutura do estrato suas leis. A Geografia Física regional, também conhecida como
geográfico e as diferenciações e singularidades resultantes dos processos “corográfica” trata das leis naturais, mas em suas manifestações locais em
naturais que nelas se realizam, os quais estão em um estado de interação diferentes regiões naturais.
contínua, tornam possível, do ponto de vista filosófico, encarar o Outro setor distinto da Geografia Física é a paleogeografia,
movimento característico do estrato geográfico como uma forma especial incluindo a Geografia Física histórica, que estuda a estrutura e evolução do
de movimento de matéria. estrato geográfico no passado geológico e histórico (tanto a Terra como
Os movimentos do estrato superior de outros planetas do tipo da um todo, como as regiões individualmente).
Terra (Vênus, Marte, etc.) também são formas especiais de movimento, As categorias de leis naturais já mencionadas são tão íntimas e
cada qual possuindo características próprias. Há, sem dúvida, muitos inseparavelmente inter-relacionadas, que é inútil tentar estudá-las
planetas desse tipo no universo. isoladamente. Isto significa que devemos estudar a Geografia Física geral e
Foi Frederick Engels que escreveu, referindo-se à classificação das regional juntamente com a paleogeografia e a Geografia Física histórica,
ciências naturais, que cada ciência “analisa uma simples forma de como divisões inseparáveis da própria Geografia Física.
movimento, ou uma série de formas de movimento que são comuns entre Assim como é impossível estudar o todo sem compreender suas
si e que passam de uma para outra”. Engels assim discriminava as ciências partes, a Geografia Física geral permanece necessariamente, no campo das
que tratam de uma única forma de movimento, daquelas que estudam as ciências físico-geográficas especializadas.
leis que governam várias combinações de formas. A este último grupo, As principais ciências físico-geográficas especializadas são:
pertence a Geografia Física. geomorfologia, climatologia, oceanografia, hidrologia, geopedologia,
A combinação natural de um número de formas de movimento no geobotânica, zoogeografia, glaciologia e geocriologia. Seus objetivos
estrato geográfico, constitui uma forma complexa e específica geográfica básicos são os estudos dos componentes individuais do estrato geográfico,
de movimento de matéria. A característica peculiar do estrato geográfico, como partes de um todo, não isoladamente como eles são tratados por
acima mencionada, e a complexa forma de movimento que a caracteriza, outras ciências próximas (como a física da litosfera na geologia, a física da
assim como a ampla distribuição de fenômenos análogos através do atmosfera na meteorologia, a taxonomia das plantas e animais na biologia e
universo, permite-nos enquadrar a Geografia Física entre as poucas assim por diante).
ciências naturais fundamentais. Cada uma dessas ciências especializadas da Geografia Física estuda
as leis que governam a estrutura e a evolução de componentes individuais
3. O Sistema de Disciplinas Físico-Geográficas e seu do estrato geográfico em seu íntimo relacionamento com os demais
Relacionamento Interno e Externo componentes. Elas procedem, por sua vez, das leis estudadas pela própria
Geografia Física, já que estas leis (por exemplo, a lei da regionalização, a lei
Como os demais setores fundamentais das ciências naturais a da reciprocidade de componentes, a lei da troca de energia e matéria entre
Geografia Física diferenciou, em seu processo de desenvolvimento, várias as partes do estrato geográfico) abarcam todos os componentes do estrato
disciplinas intimamente relacionadas, que constituem o crescente e geográfico, embora, naturalmente, manifestando-se através de diferentes
complexo sistema das ciências físico-geográficas (ver nota no final do formas. Estas são as bases da inseparável conexão entre as ciências
texto). Este sistema compreende a Geografia Física propriamente dita e especializadas da Geografia Física e a Geografia Física propriamente dita.
um certo número de ciências especializadas.

97 98
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 95-106 Alexander A. Grigoriev – Os fundamentos teóricos da moderna...

A Geografia Física geral e suas ciências especializadas fornecem um solar, de um lado, e as massas sub-crostais com suas fontes de energia, de
suporte a um número de setores adjacentes das naturais (geologia, outro.
geoquímica, geofísica, biologia, bioquímica e várias outras) e vice-versa. Para chegar a estas conclusões, o autor se baseou, em muitos
Sua íntima ligação produz ciências limítrofes que gravitam no sistema aspectos, nas pesquisas de V. I. VERNADSKY, que demonstrou,
físico-geográfico de ciências3. principalmente no aspecto geoquímico, a extraordinária importância do
intercâmbio de matéria e energia entre os diferentes componentes da
4. Os Fundamentos Teóricos das Ciências Físico-Geográficas biosfera, especialmente entre matérias vivas e inanimadas e, de outro lado,
entre a Terra e o universo.
A Geografia Física, como se apresenta hoje, começou a tomar
forma na virada do século, quando V. V. Dokuchayev enunciou duas leis 5. Intercâmbio de Matéria e Energia e seu Papel na Evolução do
físico-geográficas fundamentais: 1- a lei de um ambiente geográfico integral Estrato Geográfico e do Universo
e contínuo, isto é, a mútua interdependência de todas as suas partes
componentes (litosfera, baixa atmosfera, hidrosfera, regolito e biosfera); 2- O intercâmbio de energia e matéria entre os componentes do
a lei das áreas geográficas. estrato geográfico está construído sobre uma inseparável relação, mas os
Ao postular a integridade e a indivisibilidade do ambiente processos de entrada e saída de matéria e energia e sua assimilação e
geográfico, Dokuchayev deixou de definir os processos naturais específicos dissimilação, são contraditórios. No decurso deste intercâmbio, uma parte
que formam as bases do desenvolvimento integrado de seus componentes. de matéria e energia de um componente está sendo continuamente
Mais tarde, o mesmo autor demonstrou que as interconexões, interações e transferida para outros componentes. Um tipo de energia sendo
inter-relações entre os componentes do estrato geográfico da Terra são transformada em outra. Ao mesmo tempo, a composição de substâncias
todas baseadas em um intercâmbio de matéria e energia entre si, e entre o dos componentes, se altera em virtude da assimilação por outros
estrato geográfico e os elementos do universo, especialmente a radiação componentes, e a massa básica de cada um se altera, sob a ação de longa
duração de substâncias de outros componentes (no curso das interações
físicas e químicas e, em casos específicos, bioquímicas e biofísicas).
3 Nota do Tradutor: Tanto GRIGORIEV quanto ANAFASIEV, entendem por
“sistemas de ciências”, uma combinação de ciências estreitamente relacionadas,
Regra geral, tais mudanças no decorrer da evolução de nosso planeta
que estudam leis similares. Por outro lado, os mesmos autores, distinguem estes tendem a tornar mais complexa a composição e estrutura dos
“sistemas de ciências” de “complexo de ciências” que significaria uma estreita componentes do estrato geográfico. Isto complica, inevitavelmente, o
combinação de ciências afins, que estudam diferentes categorias de leis. processamento do intercâmbio de matéria e energia entre os componentes,
Dela surgiram novas disciplinas, como a geografia química (ou geoquímica assim como entre a esfera geográfica e o mundo exterior. Nessas reações
topográfica), a escola geofísica da Geografia Física, etc. geoquímicas e bioquímicas, outros processos naturais se desenvolvem no
A Geografia Física está intimamente relacionada com a Geografia Econômica e estrato geográfico, o que, definitivamente, leva a outras complicações de
seus ramos, à medida que: a) a economia tem que desenvolver condições naturais sua estrutura e composição.
específicas que a afetam de uma maneira ou de outra; b) a exploração de recursos Estas complicações se desenvolvem em períodos de tempo
naturais é parte essencial da produção; e c) a produção social está relacionada com geológico e se manifestam através de várias formas. A estrutura geológica
a transformação da natureza espontânea ou planejada, para assegurar, na medida
do possível, a reprodução de recursos.
da crosta torna-se mais complexa. Novos e mais organizados tipos de
Por estas razões, o estrato geográfico só pode ser estudado com êxito, quando os plantas aparecem, o que produz novos e mais complexos compostos
efeitos do modo de produção da sociedade humana na natureza são plenamente orgânicos; surgem novas e mais organizadas espécies de animais cuja
levados em conta. Cada uma das ciências geográficas (a geografia física, a atividade de vida estava, freqüentemente, relacionada a novos tipos de
econômica) recorre a métodos específicos de investigação. Comum a todas elas, é plantas. A introdução no solo de novos tipos de compostos orgânicos e
que elas devem partir da noção do estrato geográfico como entidade minero-orgânicos até então inexistentes, produzidos pelos novos tipos de
estruturalmente complexa.

99 100
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 95-106 Alexander A. Grigoriev – Os fundamentos teóricos da moderna...

plantas, resultam na formação de novos topos de regolitos. O seu Planícies e montanhas muito extensas que cortam várias zonas geográficas
surgimento altera e complica a composição química das águas continentais são geralmente chamadas de “domínios” geográficos naturais. A divisão de
e, conseqüentemente, das oceânicas, nas quais também aparecem continentes em zonas é baseada principalmente nas diferenças das
organismos marinhos mais organizados. condições de radiação na superfície. Divisões em províncias e áreas
Todas estas alterações na composição de componentes bióticos, baseiam-se nas diferenças das taxas de balanço anual de radiação na
assim como na hidrosfera, têm um efeito importante na composição da superfície e no total anual de precipitação. Os cinturões climáticos verticais
atmosfera, também na direção de sua complexidade. Processos de maior nas montanhas variam, dependendo das mudanças verticais das condições
complexidade na composição e estrutura do estrato geográfico caminham hidrotérmicas análogas às que servem de base à regionalização horizontal.
lado a lado com processos de natureza oposta (morte, degeneração, etc), Os sistemas de regionalização vertical nas montanhas combinam
como um componente essencial do processo de desenvolvimento, mas naturalmente com as áreas horizontais ao pé das montanhas.
sem desempenhar um papel dominante. As áreas geográficas são geralmente bastante extensas. As mais
Assim, o processo de intercâmbio de matéria e energia entre os típicas delas são alongadas, e suas características externas usualmente
componentes do estrato geográfico resulta geralmente na complexidade determinadas pela natureza da vegetação, da qual deriva comumente seu
crescente de suas composições e estruturas, desse modo, condicionando nome. Áreas geográficas encerram paisagens geográficas que se agrupam
sua evolução do simples para o complexo, do inferior para o superior, isto de diferentes modos. Estes grupos são os mais diversificados e de estrutura
é, de acordo com uma das leis fundamentais do materialismo dialético. mais complexa do estrato geográfico de uma dada área.
A força motriz por trás dessa evolução do estrato geográfico é a Paisagens geográficas, que em última análise constituem o sistema
unidade de todo um sistema de processos, de interações contraditórias em integrado de regiões naturais de planícies e montanhas, são manifestações
contínua expansão unidade de um processo fundamental, inseparável, de locais das leis gerais físico-geográficas associadas às características locais do
direção contraditória de fluxo e influxo de matéria e energia, sua relevo, da litologia, meso e microclima, do regolito e outros fatores
assimilação e dessimilação, bem como de seus processos resultantes. semelhantes. As paisagens se desenvolveram como resultado de interações
Esse raciocínio reforça a idéia de que o intercâmbio de matéria e das dinâmicas da camada externa do estrato geográfico e sua camada
energia é uma força motriz primária da evolução, não apenas nas divisões subterrânea.
externas dos planetas do tipo da Terra, mas como no corpo cósmico em Um estudo comparativo das áreas geográficas da Terra revela que
geral. As últimas concepções sobre a origem e evolução de “associações elas constituem um sistema natural baseado em alterações no índice anual
estelares” e outras entidades cósmicas parecem falar em favor dela. de radiação na superfície em territórios intimamente interligados (que
pouco diferem, apenas no índice de radiação no período vegetativo), no
6. A Lei Periódica das Áreas Geográficas e as Diferenciações da total anual das precipitações e nas proporções entre o nível de radiação e as
Geosfera nas Regiões Naturais precipitações anuais, expressas em termos de unidades de calor, isto é,
calorias necessárias para a evaporação da pluviosidade anual.
A lei da regionalização geográfica tem por base uma diferenciação Essa razão R/Lr, onde R é o total anual de radiação superficial, L é
natural muito complexa do estrato geográfico da Terra verificado nas o calor latente de evaporação e r as precipitações totais anuais, tem sido
regiões naturais caracterizadas por aspectos específicos, cuja evolução chamada de “índice de aridez de radiação”.
depende de sua localização geográfica na face da Terra. As investigações revelam que as fronteiras das áreas geográficas
As maiores regiões naturais básicas são as zonas geográficas, que são possuem íntimas relações com o índice de aridez da radiação e com o total
subdivididas em “setores” ou “províncias”, que por seu turno subdividem- de radiação superficial. As relações desses parâmetros com as
se em áreas geográficas. As zonas e províncias naturais incluem tanto características do regime hidrológico, da cobertura vegetal e do regolito
planícies quanto montanhas, embora as áreas naturais se confinem às para toda a superfície terrestre do globo foram estabelecidas e estudadas.
planícies. Nas montanhas, seu lugar é tomado por cinturões verticais.

101 102
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 95-106 Alexander A. Grigoriev – Os fundamentos teóricos da moderna...

Uma comparação de dados de distribuição geográfica da radiação desértica do Ártico ou nos desertos semi-arbustivos da zona temperada, ou
total e das precipitações com a geobotânica mundial e mapas do solo, ainda menos nos desertos tropicais e subtropicais.
confirma que, para cada zona latitudinal, observou-se uma Todos os dados apresentados confirmam que existe uma unidade
correspondência definida entre as fronteiras de áreas naturais e as faixas de interna da estrutura e desenvolvimento da camada exterior do estrato
índice de aridez da radiação. Ao mesmo tempo descobriu-se que idênticos geográfico, que se estende por todas as áreas, ao mesmo tempo,
índices de aridez da radiação em diferentes zonas latitudinais confirmam a unidade de todas as regiões naturais que as constituem, por
correspondem a áreas naturais que mostram marcante similaridade no que maior que sejam suas diferenças superficiais.
diz respeito a certos aspectos importantes. Em conseqüência, indo de uma Descobriu-se, recentemente, que a produtividade da cobertura
zona latitudinal para outra (o que corresponde a mudanças no balanço de vegetal natural é maior onde os solos recebem um suprimento ótimo de
radiação, isto é, nas bases da energia térmica de processos naturais) através água, isto é, onde o regime de água assegura ao solo uma quantidade
de áreas naturais correspondentes a mudanças nas condições de umidade, suficiente de umidade na maior parte do ano, para que a transpiração da
semelhantes aspectos ocorrem periodicamente ao lado de diferenças cobertura vegetal se processe continuamente, enquanto que, ao mesmo
devidas a mudanças nas condições de energia térmica. tempo, a quantidade de água não seja tão grande a ponto de impedir o
Uma representação esquemática generalizada da lei periódica de curso normal do processo de aeração do solo.
regionalização é apresentada no Quadro 1. Dele podem-se tirar certas As investigações revelam que tal regime de umidade do solo
conclusões teóricas, notadamente, todas as graduações da umidade são contribui para a fotossíntese e assegura a remoção rápida e completa de
caracterizadas por mudanças não apenas no tipo, mas também na assimiladores oriundos das folhas, acumulação que retarda o
produtividade da cobertura vegetal e produção de material biológico. Além funcionamento da clorofila. Tudo isto é de grande valor tanto prático
do mais, cada coluna do quadro corresponde a uma seqüência definida de quanto teórico, na medida em que revela a essência do mecanismo natural
mudanças nos tipos de solos os quais possuem aspectos apreciavelmente que opera na cobertura vegetal e pode ser usado para incrementar a
semelhantes em uma mesma coluna. produtividade da vida tanto da planta natural quanto da cultivada.
Dados disponíveis dão base suficiente para encarar (de acordo com Duas importantes conclusões podem ser tiradas das leis de
o esquema acima) a seqüência periódica de áreas como uma lei geral estruturas diárias e da diferenciação territorial da geosfera: 1. dando mais
abarcando os ambientes geográficos com um todo e a maioria expressiva ou menos valores similares de calor da radiação, o grau de saturação do
dos processos físico-geográficos fundamentais (ver Quadro 1). estrato geográfico, devido à umidade e aos componentes biológicos, a
O Quadro de áreas geográficas indica que o grau de intensidade dos diversidade de sua dinâmica e composição é tanto maior quanto mais
processos físicos-geográficos e a produtividade correspondente dos próximo da unidade, o índice de aridez (tendo-se em conta o passado
componentes bióticos é o de mais alto valor para o balanço anual de geológico da região); 2. dando mais ou menos valores similares ao índice
radiação superficial e de melhor avaliação para a unidade do índice de de radiação das regiões áridas (com raras exceções), o grau de saturação é
aridez da radiação, quando a umidade do solo é ótima para o maior quanto maior o balanço anual de radiação da superfície terrestre,
desenvolvimento da cobertura vegetal. Assim, para um índice de aridez de também levando-se em conta o passado geológico.
0,8 a 1 na sub-área de florestas decíduas da zona temperada, o incremento
anual da cobertura vegetal natural do solo é de aproximadamente 5,6 7. As Ciências Físico-Geográficas e os Requisitos Práticos
toneladas métricas de matéria vegetal seca por hectare, enquanto na
floresta tropical de áreas alagadas é de 40 a 50 toneladas por hectare. O tema e as tarefas das ciências físico-geográficas acima
Com uma redução no índice de aridez por um aumento excessivo da mencionados, revela que, como regra, elas investigam os fenômenos
umidade do solo (para 0,45 e menos), assim como um fator que eleva a naturais de considerável importância para a expansão da produção. Elas
aridez pela maior deficiência da umidade (3 ou mais), o rendimento da estudam leis, conhecimentos e utilizações para a solução correta de muitos
cobertura vegetal natural cai para 0,4 toneladas por hectare na região semi-

103 104
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 95-106

QUADRO 1 – Quadro das Áreas Geográficas


problemas práticos. Esta aplicabilidade prática tem sido sempre de especial Energia Termal Abaixo de 0 Condições de umidade Índice de aridez e radiação
Básica 0 1 2 2 3 Mais de 3
importância para o desenvolvimento das ciências geográficas. Umidade Umidade Umidade Umidade Umidade
Ao mesmo tempo seu valor prático cresce à medida que elas se Balanço de extrema- Umidade excessiva optima moderada insufi- extremam.
Radiação mente 4/5 - 1 insufic. ciente insufic.
desenvolvem. Seu papel, em particular é especialmente grande nos países excessiva 0 - 1/5 1/5 - 2/5 2/5-3/5 3/5 – 4/5
socialistas em condições de economia planificada e exploração e Abaixo de 0 Neve ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
desenvolvimento planejado dos recursos naturais, na utilização de terras Baixas latitudes
0-50 Kcal/cm²
Eterna
Tundra Taiga Taiga Florestas Zona dos
aráveis, técnicas agronômicas diferenciadas, no combate à erosão e solos por ano Deserto (com (nas (ao sul) decíduas semi Zona dos
áridos, no desenvolvimento da irrigação e suprimento de água em regiões Sudeste Ártico
Sub-Ártico e
___ Ártico manchas
de flores-
médias e
altas Florestas
e bos-
ques c/
Estepes desertos
modera-
desertos
moderados
secas, etc; na projeção de usinas hidrelétricas e na previsão das alterações Médias latitudes tas ao sul) latitudes) mistas estepes dos
de longo alcance na natureza e no desenvolvimento econômico de áreas 50-70 Kcal/cm²
por ano ___ ___
Região
das flo-
Bosques
e matas
Florestas
pluviais
Florestas
pluviais
Estepes e
florestas
Semi
desertos Desertos
circunvizinhas, na implantação de ferrovias, rodovias, oleodutos e Latitudes restas sub sub sub sub sub
Sub-tropicais tropicais e tropicais tropicais e tropicais tropicais
gasodutos e na construção de sistemas de irrigação, de estruturas de pântanos cerrados
melhoria das terras e canais de navegação, no estudo de problemas da Mais de Florestas Florestas Florestas Florestas Savanas Áreas
70 kcal/cm² equatori- equatoriai equatoriais equat. secas e tropicais
silvicultura, pesca, elaboração de métodos de prospecção mineral, etc. Por ano ___ ___ ais em s em em região transição campos semi- Desertos
Os planos de desenvolvimento econômico traçados pelo Programa Baixa latitudes região região úmida florestas cerrados áridas e tropicais
(Equatorial e super muito tropicais savanas
do Partido Comunista da União Soviética exigem, além de uma íntima Tropical) úmida e úmida e desertifi-
cooperação entre as ciências geográficas e a indústria, estudos mais alagada savanas cadas
detalhados das leis geográficas necessárias para a solução correta, em
primeiro lugar, de problemas ligados à eficiente localização geográfica das
forças produtivas, à utilização mais eficiente dos recursos naturais tendo
em conta sua preservação e reprodução, e mudanças planejadas das
condições naturais. Uma parte importante disso é o trabalho direcionado
para a alteração das condições climáticas.
Somando os avanços da geografia física dos últimos vinte anos,
pode-se notar que ela tem mudado de ciência caracterizadamente descritiva
e cognitiva, para uma ciência amplamente experimental e transformadora,
essencial para a alteração proposital das condições naturais para benefício
da economia e da sociedade.
Hoje, o principal objetivo da geografia em todo o mundo, como
apontou Gerasimov, não é tanto “facilitar o pioneirismo em novas terras e
recursos naturais”, como aconteceu até recentemente, mas principalmente
“proporcionar um serviço científico ao maior trabalho do homem
dedicado a utilização diversificada, e ainda mais intensiva dos recursos
naturais já descobertos e da transformação da natureza e da economia das
regiões e países já desenvolvidos”.
Investigar esses problemas, examinar os índices quantitativos pertinentes à
dinâmica e ao balanço de matéria e energia, empregando métodos
desenvolvidos pela cibernética é de fundamental importância.

105
Manuel Correia de Andrade – Homem e natureza: por uma política...

HOMEM E NATUREZA: POR UMA POLÍTICA DE MEIO semelhante àquela do progresso continuo do século XIX e do socialismo,
AMBIENTE PARA O BRASIL1 na primeira metade do século XX. E, como toda utopia, os seus adeptos
podem se acreditar iluminados e cometer exageros que possam prejudicar
Manuel Correia de ANDRADE o próprio homem, principal elemento da natureza.
Fundação Joaquim Nabuco-PE Analisando-se a bibliografia ecológica moderna, observam-se pelo
menos três correntes de posicionamento: a utópica, que deseja manter a
natureza intocada, preservar as associações vegetais, os cursos d’água e o
1. A Política de Meio Ambiente: Utopia ou realidade? ar, esquecendo que os recursos naturais necessitam ser explorados a fim de
atenderem as necessidades dos homens em um momento em que a
Vive-se, hoje, uma situação de perplexidade com o população cresce de forma acelerada; uma segunda corrente, a predadora,
desmoronamento do chamado socialismo real e a tentativa de integração aferrada aos princípios capitalistas mais ortodoxos, acha que o poder
dos países, dito socialistas, nas áreas de influência capitalista. Forma-se a público deve omitir e deixar que as empresas explorem os recursos com
Pax Americana, com o controle de toda a superfície da terra por uma uma intensidade cada vez maior para que obtenham mais lucros, deixando
superpotência. à natureza a “obrigação” de se recompor, a fim de fornecer mais riquezas a
Acabou-se a bipolarização política e, com ela, uma série de mitos. serem apropriadas; e uma terceira corrente, ainda influenciada por
Entre eles o de que o capitalismo, que tem como objetivo final a princípios socialistas e comunitários, defende um processo de exploração
maximização dos lucros, teria preocupação com o meio ambiente, de vez dos recursos naturais dentro de um planejamento que leve em conta as
que o desprezo ao mesmo otimizaria os lucros das empresas. E este mito é condições naturais e as formas mais compatíveis à exploração das mesmas.
real, sobretudo quando os grandes grupos econômicos planejam os Para desenvolver uma política deste tipo, é necessário que o Estado ou o
empreendimentos a desenvolver nos paises classificados como do terceiro poder público de um modo geral fiscalize e intervenha para conter a cobiça
mundo. Quanto aos paises socialistas, admitia-se que, como uma economia dos grandes grupos econômicos.
planificada cuja meta era produzir para atender às necessidades elementares Pensamos que a fase da utopia ecológica deve ser ultrapassada e
da população, houvesse uma preocupação com a qualidade de vida, e substituída por uma ecologia científica e racionalizada que possa conduzir
conseqüentemente, com a preservação do meio ambiente. O que se o homem a fazer o manejamento da natureza sem destruí-la.
observa, porém, é que no confronto entre os dois sistemas, as Momentos de crise econômica, social, política e cultural, como o
preocupações militares, de defesa do Estado, têm sido maiores do que com que ora vivemos, são propícios à reformulação de idéias e de ideologia, de
aquelas do bem estar da sociedade, e que nos paises socialistas, o processo retificação de metodologias, de posições epistemológicas, e de procura de
de degradação do meio ambiente não foi eficientemente combatido. Que novos paradigmas. É oportuno que se faça uma reflexão sobre a situação
fazer, então, com a natureza e, após a sua destruição, com o homem que a brasileira no que diz respeito ao uso de recursos e a sua repercussão sobre
destruiu? o meio ambiente, a fim de que se possa propor uma política de proteção ao
O movimento ecologista surgiu com grande força em todo o mesmo e que, indiretamente, dê proteção ao homem, de vez que já se disse
mundo, defendendo com um idealismo aberto e agressivo a necessidade de “que a pior forma de poluição é a miséria”.
preservação da natureza, ou de utilização de processos que explorem os
recursos naturais mantendo um mínimo de conservação do meio ambiente.
Nos congressos e reuniões científicas nacionais e internacionais, nos 2. O Problema do Meio Ambiente no Brasil
livros, revistas e jornais, a Ecologia vem se transformando em um assunto
de grande atualidade e até criando, em certos setores, uma utopia, Os quase quinhentos nos de História do Brasil podem ser
considerados como cinco séculos de depredação e devastação do meio
ambiente, acompanhados de cinco séculos de poluição. Para facilitar uma
1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº15, de 1993.

108
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 107-119 Manuel Correia de Andrade – Homem e natureza: por uma política...

reflexão, em escala nacional, pode-se catalogar este processo destrutivo em desaparecer madeiras nobres, madeiras de lei, como o jacarandá, a
quatro grandes itens: sucupira, o mogno e tantas outras, que poderiam ter sido preservadas. Só
a) destruição da vegetação natural; em pontos mais acidentados, como na encosta da Serra do Mar, ainda
b) degradação das águas; restam conjuntos florestais expressivos, hoje transformados em parques
c) destruição dos solos; nacionais; mas a preocupação com a preservação da mata Atlântica chegou
d) degradação do homem. muito tarde, quando ela já estava quase completamente destruída.
O Brasil em 1500, ano em que foi iniciada invasão portuguesa, era Nas caatingas nordestinas, de vegetação pouco esparsa e caducifólia,
uma das áreas com maiores extensões florestais do mundo. Florestas que a expansão da pecuária se fez dessa vegetação natural. Tanto nas áreas de
deslumbravam os visitantes e que levaram Pero Vaz de Caminha, em caatingas arbóreas como nas de arbustivas, os criadores de gado passaram
famosa carta ao Rei de Portugal, a elogiar, entusiasmado, a beleza da terra e a usar a “queima do pasto”, antes da estação das chuvas, para facilitar o
a afirmar que ela parece tão fértil que “em se plantando tudo dá”. Era o brotamento do mesmo, lançando na área uma grande quantidade de
país maravilhoso posteriormente batizado como “país do futuro”. animais, bovinos, caprinos e ovinos, acima da capacidade de lotação das
Mas, no processo de povoamento e de ocupação do território, o mesmas. A tendência após anos de uso, é que a vegetação definhe, os solos
português procedeu à derrubada impiedosa dessas florestas, a fim de fiquem mais expostos à ação dos raios solares e dos lençóis de escoamento
ocupá-las com canaviais, e muita árvore foi destruída para produzir o pluvial, fazendo com que o processo de desertificação se acelere e se
combustível necessário a alimentar as fornalhas dos engenhos burguês. A acentue. Este problema muito preocupou o ecólogo e botânico
ação devastadora era feita com o fogo, com a chamada “coivara” – Vasconselos Sobrinho, na fase final de sua carreira.
atribuída ao indígena -, para diminuir o trabalho do homem, do agricultor. Mas os criadores de gado não degradaram apenas a caatinga, eles
E da floresta, além da lenha, se tirava a madeira para as construções, para a avançaram pelas florestas existentes nas serras, onde estabeleceram áreas
confecção de móveis, de caixas de açúcar, de bordalesas para a aguardente, agrícolas e de refúgio para os animais na estação da seca, destruindo a
etc; não se preocupava o colonizador em poupar reservas de matas ou vegetação natural e acelerando a erosão. Recentemente, a exploração
deixar áreas em reflorestamento, despindo os solos da vegetação de grande mineral na área de caatinga acelera mais ainda o desflorestamento, como
porte2. Desse modo, a mata Atlântica, que se estendia do Rio Grande do ocorre em Currais Novos, com a siderúrgica que produz ferro gusa usando
Norte ao Norte do Rio Grande do Sul, foi sendo paulatinamente destruída carvão vegetal como combustível4, e nas áreas do alto sertão
e em seu lugar surgiram áreas destinadas ao cultivo da cana de açúcar, à pernambucano onde se explora a gipsita, ou a de Gilbués no Piauí, com os
pecuária, à cultura de mantimento e ao café. Na zona do cacau, a mata só garimpos de diamante.
não foi completamente destruída porque essa cultura necessitava de A floresta sub-tropical, conhecida como Araucária, e as matas do
sombra para sobreviver e o agricultor adotou o sistema do cabrocamento3 norte do Paraná, que cobriam grande parte dos estados do Sul até meados
em que algumas árvores eram destruídas pra ceder lugar, dentro da parte do século XX, também foram derrubadas impiedosamente na conquista de
restante, ao cacaueiro. E, à proporção que as técnicas agrícolas foram solos para plantação de algodão e café, inicialmente, e, mais recentemente,
evoluindo, se dinamizando, as áreas de cultura foram se expandindo e a do trigo e da soja. O processo ai foi planejado “cientificamente” por uma
floresta foi rareando. empresa inglesa5 e acompanhado da implantação de cidades e de uma
Na segunda metade deste século, observou-se a exploração ferrovia provocando deslocamentos de população, depois, nas décadas de
criminosa das florestas do sul da Bahia e do Norte do Espírito Santo, por Quarenta e Cinqüenta, quando houve a retração da produção de algodão e
madeireiras que substituíram a floresta nativa por pastagens, fazendo café, seguiu-se uma nova migração para o Centro Oeste. O crescimento de

2 ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o Homem no Nordeste. 5ª. Edição. São 4 ANDRADE, Manuel Correia de. O Minério de Tungstênio no Nordeste do
Paulo: Atlas, 1986. Brasil. Mossoró: Coleção Mossoroense, série A, n.XL, 1990.
3 SANTOS, Milton. Zona do Cacau. Introdução ao Estudo Geográfico. 2ª. 5 MULLER, Nice Lecocq. Contribuição o Estudo do Norte. São Paulo: Boletim

Edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. Paulista de Geografia nº 22, 1956.

109 110
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 107-119 Manuel Correia de Andrade – Homem e natureza: por uma política...

pastagens para a pecuária e a expansão de culturas mecanizadas – trigo e regiões equatoriais, por florestas homogêneas de gnelina9; com capitais
soja – desalojaram e expulsaram a força do trabalho nos anos Setenta. Isto garantidos pelo governo brasileiro, que teve ainda de forçar empresas
sem falar no excedente populacional provocado pela formação do grande privadas nacionais a assumirem o projeto, com grandes investimentos do
lago de Itaipu. Banco do Brasil, quando a multinacional se retirou.
O atual Mato Grosso do Sul foi invadido do sul para o norte e teve Tão grave quanto o desmatamento é o processo de degradação das
as suas florestas destruídas, visando a comercialização da madeira e a águas que ora são prejudicadas pelo próprio desmatamento, ora pelas
expansão da pecuária e da agricultura. Onde está hoje a produção de mate, atividades desenvolvidas nas margens dos rios e nas áreas drenadas para os
tradicional, quando as áreas de florestas são transformadas em pastagens, mesmos. O simples desmatamento, sobretudo em áreas montanhosas,
plantações de trigos, de soja e canaviais? Só na região que circunda provoca uma maior rapidez no escoamento das águas das chuvas,
Dourados existem em funcionamento cerca de cinco destilarias de álcool. permitindo que elas aumentem o poder de transporte e levem das partes
Mais para o norte, o cerrado, que foi objeto de estudos para o seu altas para os vales e várzeas os sedimentos produzidos pela meteriorização.
aproveitamento agrícola, e as florestas, ricas em castanheiras, em Daí o fenômeno dos canais fluviais que se depositam nas depressões
seringueiras e em ipeca, foram destruídas para permitirem o marginais aos rios e que, paradas, encharcam o solo e permitem o
desenvolvimento de campos cultivados, muitas vezes em solos muito desenvolvimento de larvas e insetos prejudiciais ao homem. O caso da
pouco férteis, e para implantar garimpos que exploram o ouro, as pedras baixada Fluminense é um exemplo histórico da maior importância: de área
preciosas e semi-preciosas e a cassiterita. É impressionante como o Brasil, rica e grande produtora agrícola nos períodos colonial e imperial, ela foi se
ao se tornar o maior produtor de cassiterita, transformou-se também em tornando uma sucessão de pântanos, devido ao assoreamento a que foi
um dos paises do mundo campeão de florestas destruídas e de solos submetida. A sua recuperação, feita no período getuliano, foi imposta pela
degradados6; devendo-se acrescentar a estes danos também a exploração necessidade de expansão da cidade do Rio de Janeiro. E, se as suas
feita pelas madeireiras e a degradação e destruição das tribos indígenas. Os condições físico-geográficas melhoraram, suas condições sociais se
programas desenvolvidos em Rondônia para a implantação da cultura do tornaram ainda mais difíceis.
café e do cacau, são profundamente comprometidos pela mineração e pela Os rios, no Brasil, nunca forma objeto de uma preocupação maior;
baixa qualidade dos solos; e os programadores esqueceram ainda os embora fossem essenciais ao abastecimento e à navegação, assim como ao
problemas ligados ao custo do transporte para produtos cultivados em desenvolvimento da agricultura, nunca houve uma política de preservação
áreas distantes do mercado consumidor interno e dos portos de dos mesmos. Pierre Mombeig, geógrafo francês, chamou a atenção para a
exportação. importância dos pequenos rios que, tendo leitos pouco profundos,
Nos anos Setenta e Oitenta, muito se discutiu o processo de exerciam uma grande influência na umidificação dos solos marginais,
destruição da Floresta Amazônica, com incentivos governamentais aguando plantas por capilaridade. Gilberto Freyre defende a mesma tese e
distribuídos pela SUDAM, e com a implantação de projetos megalômanos salienta a importância dos rios como áreas de banho e lazer nos primeiros
e danosos à economia nacional, como o Jarí7 e o Carajás8. No primeiro, o séculos de colonização. Mas é o mesmo Gilberto Freyre que, ao estudar o
caprichoso milionário norte – americano, Daniel Ludwig, chegou a Nordeste agrícola, canavieiro10, se revolta e chama a atenção que as usinas
substituir, contra a opinião dos técnicos, a floresta heterogênea, típica das de açúcar transformaram os rios em mictórios ou canais de escoamento de
imundície, ao lançarem aos mesmos as águas servidas pelas indústrias e,
sobretudo, o vinhoto. Mas isto continua a ser feito, apesar da celeuma que
6 ANDRADE, Manuel Correia de. A produção de Cassiterita nas Regiões Norte e causa e da existência de toda uma legislação que proíbe este costume.
Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro. CNPq/CETEM, 1991.
7 GARRIDO FILHA, Inês. O Projeto Jarí e os Capitais Estrangeiros na Amazônia 9 PINTO, Lúcio Flávio. Amazônia: no Rastro de Sangue. São Paulo: HUCITEC,
Petrópolis. Vozes, 1980. 1980.
8 VALVERDE, Orlando. Grande Carajás. Planejamento de Distribuição. Rio de 10 FREYRE, Gilberto. Nordeste. Aspectos de influência da Cana na Vida e na Paisagem

Janeiro: Forense Universitária, 1989. do Nordeste do Brasil. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951.

111 112
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 107-119 Manuel Correia de Andrade – Homem e natureza: por uma política...

Mesmo quando o geverno Federal financiou, com o PRÁLCOOL, a Quanto ao problema dos solos, observa-se um grande ataque aos
implantação de destilarias a custos baixíssimos, não exigiu dos empresários mesmos, tanto físicos, como a aceleração do processo de transporte dos
uma política ecológica, limitando-se a determinar que fossem construídas sedimentos, como químico, com o uso de inseticidas, de agrotóxicos e de
áreas de decantação onde o vinhoto fosse depositado na época da safra. resíduos industriais. O processo de transporte do solo e do regolito é
Estes açudes, porém, são abertos para os rios na época das cheias matando estimulado pelo desmatamento, sobretudo em áreas inclinadas, fazendo
a fauna ictiológica e os crustáceos que constituem a alimentação básica da com que os lençóis superficiais, difusos e concentrados, transportem
população pobre ribeirinha. Desse modo, toda a riqueza fluvial é partículas para as partes baixas, provocando acumulação nas mesmas,
periodicamente destruída, mesmo sabendo-se que existem processos enquanto as costas, desnudas, tendem a ter as suas rochas expostas; isto
técnicos que podem impedir o lançamento do vinhoto nos rios. pode ser largamente observado no norte do Espírito Santo11. São
Mas não é apenas a agroindústria açucareira a responsável pela degradados ainda pela retenção das águas nas áreas planas, onde há
destruição dos rios, eles são largamente poluídos por outras indústrias e dificuldade de escoamento fluvial – a montante de barragens, por exemplo
pelo esgoto urbano. As indústrias químicas, por exemplo, lançam aos rios – e os solos ficam encharcados, dificultando as atividades agrícolas. Nas
líquidos com matérias químicas altamente poluidoras, inutilizando-os. encostas mais inclinadas e que servem de pasto, a grande quantidade de
Muitas vezes em camadas superficiais são transformadas em espumas que animais ai colocadas, provoca um super pisoteamento e a formação de
denunciam a poluição. Isto sem falar no grande dano causado às correntes pequenos terraços chamados pelos franceses, de “terrasettes de vaches”. No
fluviais pelo lançamento do mercúrio usado na lavagem do ouro, com vale do Paraíba, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, eles são
conseqüências danosas à fauna e ao próprio homem. Esse processo de largamente encontrados nas áreas pastoris.
lavagem de minérios leva até o leito dos rios uma grande quantidade de A permanência de uma mesma cultura durante muitos anos em uma
sedimentos, ás vezes correntes de lama que sedimentam o leito, tornando- mesma área, sem que se proceda uma adubação periódica, provoca o
os mais largos e menos profundos. empobrecimento do solo em sais minerais e leva a uma queda de
Outro hábito nocivo também é o lançamento dos detritos urbanos produtividade agrícola; isto ocorreu na área canavieira do Nordeste, nos
nos cursos d’água, poluindo com matéria orgânica em degradação, anos Quarenta e Cinqüenta, quando a produtividade por hectare caiu a
sobretudo com matérias fecais. Durante muito tempo, no Brasil, o mar e menos de quarenta toneladas, forçando a utilização de técnicas de
os rios eram os lugares onde se lançavam os “tigres”, barris cheios de fezes adubação para melhorar este nível.
acumuladas das residências; posteriormente, ao serem implantadas as Na Amazônia, região de clima quente e muito úmido, nos solos da
primeiras redes de saneamento urbano, estes materiais e as águas servidas, “terra firma”, após o desmatamento, há um rápido processo de lixiviação,
eram lançados ao mar a uma certa distância da costa. Estas praias ficavam ou seja, de lavagem dos sais minerais, fazendo que a fertilidade caia
desvalorizadas, mas continuavam sendo utilizadas pelos habitantes das verticalmente e haja uma forte tendência a desertificação. Nas regiões de
vizinhanças e por pessoas pobres, para o banho. Um exemplo bastante clima equatorial, como o vale do Amazonas e do Zaire, há um domínio de
conhecido foi o da praia do Pina, no Recife, onde havia um grosso cano solos arenosos e pobres, mas que mantêm uma cobertura florestal muito
onde escorriam os dejetos da cidade. Os rios de grande volume d’água densa, dando a impressão de que essa associação vegetal – a idéia de
também têm essa serventia, convindo lembrar que, recentemente, Humboldt – cresce em solos de grande fertilidade; na verdade, a floresta se
apontou-se como uma das causas da transmissão do cólera na Amazônia – auto-alimenta com as suas folhas e conserva a umidade no sub-bosque;
região drenada pelo Solimões – a utilização do grande rio como esgoto das com o desmatamento, estes solos perdem o suprimento em matéria
cidades localizadas em suas margens e como fonte de abastecimento da orgânica e as águas passam a escoar rapidamente, diminuindo a sua
população. Até no paraíso ecológico que deveria ser o Pantanal
Matogrossense, em conseqüência tanto da mineração como do lançamento
de restos orgânicos no leito de seus afluentes. 11 ANDRADE, Manuel Correia de. O relevo da Zona Pioneira do Espírito Santo e da
Região Contestada. Recife: Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, 1958.

113 114
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 107-119 Manuel Correia de Andrade – Homem e natureza: por uma política...

umidade. Daí o grande problema representado pelo desmatamento desenvolveram uma política neste sentido, sem maiores preocupações com
desenfreado da Amazônia. os danos causados ao meio ambiente pelas indústrias aqui estabelecidas.
O grande problema moderno, porém, é provocado pelo uso Alguns políticos chegaram a afirmar que a maior poluição era a miséria e
desenfreado de inseticidas que aniquilam a fauna existente, fauna que tem que a falta de poluição significava a falta de indústrias e, portanto, um dano
uma forte ação na formação do próprio solo; pelo uso de agrotóxicos que maior que a miséria. Prefeituras chegavam a exagerar, colocando out-doors
provocam não só transformações prejudiciais nos solos como também, ao nas estradas dizendo que a poluição seria bem-vinda ao município.
serem levados aos rios pelas águas pluviais, contaminam e destroem a Projetos industriais subsidiados, como os implantados pelo PROÁLCOOL
fauna fluvial e lacustre. Os usuários dos agrotóxicos e inseticidas e ligados à agroindústria canavieira, ou aqueles ligados ao transporte e
argumentam que eles evitam um maior uso da força de trabalho, industrialização do petróleo, à exploração florestal, as mais variadas
diminuindo o custo de produção, e provocam a aceleração na produção indústrias químicas, foram campeões de poluição e de degradação do meio
agrícola. Preocupam-se com os lucros imediatos e esquecem as natural. Fato também largamente ocorrido com a exploração mineral.
conseqüências futuras. A constituição de 1988, graças à pressão de correntes progressistas,
Depois destes exemplos, que são poucos diante da tragédia apresentou uma grande preocupação com o problema do meio ambiente,
ambiental em que vivemos, deve-se chamar a atenção para a degradação do determinando princípios essenciais ao desenvolvimento econômico do
próprio homem. O Brasil é habitado, em grande parte, por uma população país. È claro que os grupos econômicos prejudicados por medidas
doente, pobre, analfabeta e sem perspectivas de futuro, fazendo com que progressistas e dispondo de grandes recursos, fizeram lobby sobre a
uma nova forma de poluição, a miséria, se torne um flagelo, talvez o maior Assembléia Constituinte e conseguiram algumas vitórias, mas também
problema nacional. A pobreza e a má alimentação levam ao definhamento sofreram derrotas expressivas. Assim, em seu art. 5. item LXXIII, a
do homem, à sua pouca capacidade de reação às doenças, ao raquitismo, à Constituição estabelece que qualquer cidadão pode propor ação popular
fome crônica, tão denunciada pelo geógrafo e médico Josué de Castro12, à que vise anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônioi histórico
preguiça, à desmoralização e à incapacitação para o estudo e o trabalho. cultural. No art. 23, ela considera como da competência dos Estados, do
Qualquer programa de melhoramento da qualidade de vida no país e de Distrito Federal e da União “proteger o meio ambiente e combater a
procura de uma modernidade sincera, deveria iniciar-se por uma política de poluição em qualquer de suas formas”, assim como “preservar as florestas,
distribuição de renda e de atendimento social à população. Política que a fauna e a flora”. Ainda determina responsabilidade sobre danos ao meio
deveria ser desenvolvida pelo Estado, com controle da economia e ambiente. No art. 24 estabelece que cabe à União, Estados e municípios
vocação para o social. Mas, uma política deste tipo, procurando estender a legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa
cidadania à população, dificilmente pode ser aplicada no Brasil, país com do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
uma tradição secular de dominação de muitos por poucos. E estes poucos poluição.
têm o controle da economia e do poder. O capitulo VI, muito longo, estabelece uma série de regras
determinando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
3. O Estado e uma Política Ecológica no Brasil vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Em uma série de
Os vários governos que se sucederam no poder, não tiveram maior parágrafos e itens deste artigo, a Constituição estabelece exigências para
preocupação com o meio ambiente; preocupados com o crescimento atividades econômicas que causam maiores impactos, como a caça e a
econômico, confundiram crescimento com industrialização e pesca, a fim de evitar a extinção de espécies e proteger as que se encontram
em extinção; a exploração mineral, determinando que as empresas
dedicadas a esta atividade fiquem obrigadas a “recuperar o meio ambiente
12CASTRO, Josué de. Geografia da Fome. A fome no Brasil. Rio de Janeiro. O degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
cruzeiro, 1940.

115 116
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 107-119 Manuel Correia de Andrade – Homem e natureza: por uma política...

competente, na forma da lei”; considera indisponíveis as terras públicas e Na faixa litorânea, o homem vem removendo dunas e aterrando
arrendadas pelos estados, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais; mangues para desenvolver a construção de habitações – segunda residência
sobre condições de localização de usinas nucleares; exigência de estudo para a burguesia -, criando fortes impactos sobre a natureza e destruindo a
prévio do impacto ambiental para a implantação de determinadas fauna e a flora nativa, sem o menor respeito ao meio ambiente. A
indústrias, etc. especulação imobiliária se estende hoje por todo o território brasileiro,
Ainda estabelece a necessidade de promover a educação ambiental provocando o surgimento de cidades de veraneio cuja população oscila
em, todos os níveis de ensino e de conscientização pública para a consideravelmente entre os meses de veraneio, de férias, e a baixa estação.
preservação do meio ambiente. “Estabelece sanções para as pessoas que Uma propaganda que supervaloriza o turismo como indústria
apresentarem conduta ou desenvolverem atividades lesivas ao meio desenvolvimentista vem sendo usada para justificar grandes aplicações de
ambiente e estabelece ainda que são patrimônio nacional da Floresta capital no setor.
Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e Como se pode ver, a ação desestabilazora do equilíbrio ambiental
a Zona Costeira”. ocorre com maior ou menor intensidade em todo o território nacional,
Apesar dos dispositivos constitucionais, a Floresta Amazônica provocando a destruição da flora, fauna e o empobrecimento do homem.
continua a ser impiedosamente devastada pela ação de grupos econômicos Necessário se torna que o Governo Federal e os estados e municípios
que a destroem para ocupá-la com pastagens. E o avanço da exploração criem uma legislação que complete os princípios estabelecidos na
capitalista, classificada como moderna pelos que dela se beneficiam, vem Constituição de 1988, racionalizando a expansão econômica e a ocupação
provocando choque entre os invasores e as populações indígenas e do território, a fim de que se tenha um desenvolvimento equilibrado; que
posseiros que se estabeleceram na Amazônia a partir do século passado, realize estudos ambientais, debatendo com a sociedade civil as vantagens e
com o surto da borracha. O bárbaro assassinato de Chico Mendes, foi um desvantagens das formas de exploração econômica a desenvolver,
episódio desta luta, de vez que o pecuarista e o minerador não toleram o estabelecendo uma escala de prioridade e uma qualificação das formas de
homem da floresta, que pretende organizar e modernizar o extrativismo. intervenção que atinjam estabelecimento industriais altamente poluidores e
Da Mata Atlântica pouco resta a preservar, pois a sua destruição impeçam a implantação de novos que irão poluir.
iniciada no século XVI, vem sendo intensificada até os dias atuais, restando Os recursos devem ser explorados respeitando os direitos dos povos
apenas poucos pontos, localizados quase sempre em áreas íngremes onde que habitam as áreas onde se encontram e os interesses das populações
subsistem relíquias da mesma. A Serra do Mar, no Sudeste do país só tem futuras, utilizando métodos e técnicas que evitem destruição da natureza e,
o meio ambiente preservado naquelas áreas quase inacessíveis onde é difícil conseqüentemente, o empobrecimento da sociedade. Mas, ao lado da ação
exercer, com intensidade moderna, o processo exploratório. Mas, mesmo do Poder Público, é necessário uma conscientização da população porque
nessas áreas, a poluição provocada por indústrias localizadas na planície ela tanto pode incentivar como sabotar uma política racional.
costeira, vem levando substâncias tóxicas para a floresta, provocando O Estado e a sociedade devem estar engajados nos mesmos
grande devastação. O problema na área de Cubatão – que foi até pouco princípios e objetivos; o patrimônio ecológico é de ambos e ambos devem
tempo a cidade mais poluída do mundo – ainda tem grande atualidade, se conscientizar da necessidade de defendê-lo quando grupos econômicos
apesar das medidas protecionistas dos governos paulistas. e políticos, visando o atendimento de interesses imediatos, se propuserem
O Pantanal Matogrossense praticamente não tem defesa; dos rios a fazer uma exploração irracional e uma degradação criminosa. A
que nele deságuam vem o mercúrio e os sedimentos provenientes da manutenção de um meio ambiente sadio é um dever da sociedade, uma
exploração aurífera. Na própria área, a caça do jacaré vem provocando o obrigação do povo e do Estado. Daí ser indispensável a definição de uma
desaparecimento da espécie; nesta caça há um duplo interesse, o do política que permita a exploração dos recursos naturais mas impeça a sua
caçador, que procura obter peles valiosas para vendê-las no mercado degradação. A questão ambiental não pode ser transformada em um mito
internacional, e a dos criadores de gado que vêem diminuir a ação ou uma utopia a serviço de “xiitas” de diversas tonalidades, mas não pode
predatória sobre os rebanhos.

117 118
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 107-119

ser ter condescência com aqueles que não sentem compromisso com a
natureza e com o bem estar da população.

119
Armando Corrêa da Silva – Software e valor

O conhecimento teórico encontra-se numa encruzilhada: o que o sustenta


SOFTWARE E VALOR1 – a razão ontológica – está em discussão. A teoria clássica não resiste ao
argumento instrumental (epistemológico) moderno; ela parece obscura e
Armando Corrêa da SILVA tende a perder sua densidade ortodoxa. A teoria moderna, por sua própria
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento condição de existir, só se sustenta apoiada na racionalidade operacional
de Geografia. (lógica), destituída do significado valorativo. Melhor seria dizer, com
Habermas, cognitivo³.
Em 1990, 1º semestre, elaborei um programa intitulado Enquanto os filósofos tentam desmontar o quebra-cabeças daí
“Prospectiva Epistemológica-Tecnológica da Organização do Espaço e do resultante, venho operando ultimamente com o que denomino ontologia
Meio Ambiente. Projetos Interdisciplinares. Geografia Humana”, que tem analítica numa vertente marxista prospectiva, ao contrário do que afirmou
como tema “O futuro do homem e do espaço na década de 90”. a meu respeito, recentemente, Ruy Moreira4. O resultado a que cheguei,
O esboço preliminar tem o título “Espaço, Forças Produtivas, não publicado, apresenta-se como uma Fenomenologia Ontológica-
Tecnologia e Geografia”. No total, são 29 Projetos, dos quais este é o Estrutural5.
primeiro. Há uma razão atual, diversa das mencionadas, e que está contida no
Trata-se, então, de um comentário ao seu conteúdo e a relação de código. Isso assemelha um paradoxo: o código é inseparável da
uma bibliografia preliminar. É o que é possível fazer, agora, na fase em que classificação, um atributo clássico do positivismo, retomado no
se encontra a introspecção futura. positivismo lógico, que tem uma concepção muito especial, como o
Assim, comento, a seguir casa um dos itens do projeto, o que pode revelou Popper6. É preciso, apressadamente, não confundi-lo com um
revelar seu conteúdo e permitir selecionar alguma bibliografia. neopositivista.
O conhecimento codificado é um instrumento capaz de articular a
O Conhecimento Codificado fragmentação do real e de reunir os pedaços na reprodução e montagem7.
Isto dá origem a um discurso novo, em que todo é parte e a parte é o todo.
Uma das características do conhecimento atual é sua codificação Ora, o código dá conta da coerência do conjunto, mas em prejuízo
prévia, através dos programas computadorizados. Existe, hoje, um grande da totalidade. Esta se apresenta em crise. É que a ruptura do discurso
número de programas, adaptáveis a diversos fins. contempla mais o ver do que o pensar. A velocidade introduz um
Cheguei, mesmo, a iniciar uma aprendizagem em um PC com o complicador no raciocínio teórico ontológico. As idéias tornam-se
programa WORD 4 para, numa fase inicial, editar textos. A idéia era ter transparentes através da decodificação da mensagem.
um contato direto com a máquina, mais do que operá-la eficientemente. Algo acontece com a noção de valor.
Interessou-me, mais que isso, refletir sobre esse aparato tecnológico para
pensar suas implicações ao conhecimento.
Além disso, interessa-me, principalmente, estudar a questão da Geração e transferência de valor
informática e valor e sua repercussão espacial. Consegui, já, escrever um
texto aproximativo ao assunto, ainda não publicado¹. Esse trabalho tem O valor tem sido considerado principalmente em seu aspecto
relação com outro, escrito manualmente, e que se intitula “O Capital econômico objetivo8.
Técnico e o Espaço”, publicado². Recentemente, começou-se a considerá-lo, também, de um ângulo
Agora, tento ir mais adiante. subjetivo9.
O ponto central, ainda em estudos e objeto de pesquisas é a questão
das idéias gerando valor. Refiro-me às idéias abstratas, núcleo da teoria e
gênese do conhecimento.
1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº16, de 1994.

122
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137 Armando Corrêa da Silva – Software e valor

Para a máquina (o soft) o problema é o de tentar faze-la produzir Há, desse modo, uma relação nova entre a objetividade e a
idéias e, com estas, o raciocínio. subjetividade gerando valor.
A transformação das idéias abstratas (teorias) em idéias concretas Esse valor é a mais valia relacional ou composta, que é resultado da
(ciências e tecnologia) demanda o estudo das relações que se passam no fragmentação da totalidade, que se desloca das coisas às relações.
cérebro. O valor, embora se tornando por assim dizer, a-espacial e a-
A criatividade, que depende da vivência do cotidiano (a existência) é histórico, torna-se imaterial, porque só se realiza no fluxo da informação e
o ponto de partida da geração de valor. da comunicação, sujeito às indeterminações, geradas pelas rugosidades10.
Isto significa diferenciar produtividade e trabalho produtivo. O software representa a tentativa de recuperar as determinações no
Este último é o valor objetivado. movimento aleatório.
A transferência de valor assim realizado se dá na comunicação da Surgem, por isso, as noções de valor contido em esferas ou circuitos
informação codificada. que se relacionam e se imbricam na interdisciplinaridade.
Portanto, como trabalho morto. Esse, o impasse. Isto só foi possível ocorrer com a transposição do elétrico ao
A inteligência artificial depende da construção de máquinas que eletrônico e tem implicações quanto à forma11.
possuam a capacidade de realizar operações de combinações complexas, e A cidade informacional é a possibilidade do sujeito sobrepor-se aos
articulações da ordem de bilhões. condicionantes das estruturas pretéritas de geração do valor que, não
Contudo, a inteligência humana cria ela mesma novas combinações obstante continuam a operar na maior parcela do cotidiano e que ainda
(no processo genético), ao passo que a máquina apenas repete a estão excluídas do sistema.
programação. Essa é a raiz da crise futura, que já se mostra presente na atualidade,
No entanto, algo se passa no processo produtivo. quando se manifestam o suicídio e a esquizofrenia, enquanto incapacidade
das pessoas assimilarem o novo, em razão da velocidade da inovação, que
ultrapassa as possibilidades culturais de assimilação e operação da
A idéia e a mais valia relacional composta informação12.
O código, que deve ser codificado, para ser compreendido em sua
O conhecimento tornou-se força produtiva. Mas, o conhecimento gênese, contém a objetividade e a subjetividade, como um desdobramento
tem na sua origem a idéia. da ocorrência do valor.
Esta surge no insight que, elevado ao nível da razão é um
intermediário entre a reflexão filosófica e a teoria científica.
Dizer isto é o mesmo que dizer que o conhecimento é um valor. Valor e Valor
Mas, um valor diverso dos valores de uso e de troca, embora com estes
tenha uma relação. A valorização do valor é um aspecto novo da tecnoesfera e da
Esta relação se expressa na produção e na apropriação da idéias. psiçõesfera13.
Mas, não se trata de um produto histórico. Tudo se passa na relação Ele representa a tendência atual do capital de aumentar a
espacial e psicológica. potencialidade do valor de uso e do valor de troca para além da
O intelectual, enquanto aquela que produz e divulga a idéia tem, necessidade objetiva.
assim, a possibilidade de criar o valor de uso e de troca subjetivos espaciais É uma forma de socialização da civilização do conforto que, como
e psicológicos. técnica de marketing, é utilizada para apropriar-se da necessidade criada
Sua objetivação se dá no programa, contido no processamento além dos limites do horizonte possível.
eletrônico, ou seja, na relação entre o trabalho e o capital. Assim, o imaginário é trabalhado até o limite da estética da forma.

123 124
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137 Armando Corrêa da Silva – Software e valor

O sujeito da pós-modernidade termina por assimilar uma forma de Ir além da eletrônica significa acionar os neurônios a um grau
pensar, agir e sentir que é o sintoma da paranormalidade utilizado com paranormal.
norma. A apropriação da relação é, então, uma auto-apropriação que está
Por isso, a inteligência passa ser sobrevalorizada. próxima da vivência do êxtase.
O trabalho mental torna-se parte da esfera relacional que é a idéias Desaparecem as determinações naturais e só se manifestam as
in flux. determinações que estão no limiar das indefinições e da indeterminação
O valor daí derivado não é mensurável em termos quantitativos. culturais.
Ele se move na espacialidade da distância socialmente necessária, É, pois, o reino da psiçõesfera.
que se expressa como a percepção das vibrações ambientais. É que ocorre a valorização da relação.
Certos estímulos como a pintura, a música, a escultura, a arquitetura, Mais do que isso: a valorização da relação-em-si e da relação-para-si.
o urbanismo etc., contribuem para criar um mercado invisível do qual o A apropriação implica na sobrevalorização da relação. É quando
capital se apodera. ocorre o desdobramento da psique.
A ideologização da tecnologia gera formas de esquizofrenia da
alienação, que podem levar à catatonia ou à histeria.
O valor de valor parece ser um limite apara a obtenção de mais-valia O controle dos fluxos
em sua forma humana.
Mas a máquina inteligente pode ultrapassar essa limitação. O valor precisa circular. É um requisito de funcionamento do
Para captar esse mundo novo, as teorias do conhecimento habituais sistema.
são precárias. Como circulam as idéias?
O controle da indeterminação resulta na descoberta agora previsível, É preciso objetiva-las em alguma forma de linguagem.
através da modelagem. O computador faz isso na produção e reprodução de textos.
A totalidade transforma-se, por meio das possibilidades da Ao faze-lo gera valor de valor.
informática, no conjunto dos modelos possíveis. Estabelece-se, assim, um fluxo que, imediatamente, não deve ser
O certo e o errado reduzem-se às articulações entre as lógicas interrompido.
imagináveis e passíveis de serem elaboradas através da teoria dos jogos. Mas, existem as falhas técnicas e as falhas humanas.
Assim, o valor de valor projeta o possível para além da eletrônica, Então, é preciso eliminar o atrito.
numa perspectiva que ultrapassa o cotidiano e o lugar. Mas a máquina é uma produção humana.
Surge, por isso, a figura das pessoas ou dos mecanismos que
interferem nos sistemas para garantir a permanência dos fluxos.
Apropriação e valorização da relação Isto implica em um outro aparato técnico produzido para controlar
a continuidade.
É preciso distinguir as relações fora de contexto e as relações Assim, como no trânsito, busca-se a otimização dos fluxos no
contextuais. espaço.
Estas últimas podem ser relações de significado ou não. O mesmo acontece com o controle dos fluxos humanos.
As relações de significado dependem da interconexão cognitiva dos No entanto, as pessoas desenvolvem possibilidades teoricamente
modelos mentais dos atores da situação. infinitas de mobilidade ante a inércia dos elementos fixados14.
Essas relações podem ser neutras ou de elitrição. O próprio sistema desenvolve recursos para vencer os obstáculos à
Estas últimas são as mais importantes porque ultrapassam os circulação informalmente codificado pelas pessoas.
significados dos impulsos meramente eletrônicos.

125 126
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137 Armando Corrêa da Silva – Software e valor

Por isso, a velocidade das indeterminações aumenta, geradas pelo funcionamento das sociedades avançadas – não passam de aparelhos ainda
próprio modelo isotrópico, tornando aparentemente impossível o controle simples.
dos fluxos. A produção do software mais elaborado poderá implicar em
A máquina defronta-se com as inúmeras possibilidades da ultrapassar a base binária até aqui utilizada.
criatividade humana. Isto poderia permitir a máquina lidar com a indeterminação e com
Isso configura um novo impasse. as determinações primárias decorrentes da emotividade, num processo de
humanização de si mesma.
Isto põe um problema.
A indeterminação da emotividade

Argumenta-se que a emoção bloqueia o raciocínio. Isso não é bem A entropia unilateral
correto. Pode-se ficar, por exemplo, indignado, sem que se perca a lucidez.
Então, o que ocorre é a perda da razão no descontrole emocional, As trocas entre o operador e a máquina são desiguais.
que gera uma das inúmeras formas de irracionalismo. Enquanto o operador consome sua força de trabalho, a máquina
Com a máquina é diferente. Destituída de consciência (determinada apenas transfere valor.
apenas pela lógica do código programático), opera segundo o que o Isso se dá ao nível da mecânica. Se se introduz a variável eletrônica
programa determina eletronicamente. ao processo é mais complexo.
Por isso, quando a digitação é incorreta, a máquina explicita o erro Essa complexidade depende do tipo de máquina, de acordo com a
para o operador. maior ou menor quantidade de recursos que possui. O operador, mesmo
O que se denomina descontrole emocional é o que na isotropia é o que tenha muitos recursos, depende, para usá-los, de um soft bastante
atrito. elaborado.
No ser humano, o descontrole emocional, que em suas formas mais O sistema, embora seja regulado pelo rigor da lógica binária, é
brandas é apenas a liberação da emoção, é uma das formas de sujeito aos atritos (falhas mecânicas ou falhas humanas).
humanização das pessoas. Assim, o uso inadequado do computador pode danificá-lo. Isso
Pode ser compreendida como a manifestação do inconsciente, que pode ser decorrência do desgaste técnico ou fadiga do operador.
se explicita, por exemplo, no insight. No cotidiano da operação do sistema, o ideal é a substituição, tanto
É essa dimensão do comportamento e da comunicação que a quanto possível, do mecânico pelo eletrônico.
máquina (no estágio atual) rejeita como uma indeterminação. O que ocorre mais freqüentemente é a ociosidade do equipamento,
A não ser que a indeterminação seja identificada e codificada sob a por desnecessidade de uso, ou incompetência do usuário.
forma de uma nova variável a ser introduzida no sistema. A ???? vai ocorrer quando a preparação da força de trabalho é
A razão iluminista compreende a indeterminação (em sua variante inadequada, ocorrendo uma produção e transferência de valor que implica
dialética) como um momento do movimento contraditório. num custo.
Mas, a máquina, o computador, não pode operar a contradição. O mesmo pode ocorrer se a máquina é inadequada para o
Mais do que isso, ele rejeita a contradição, porque a identifica com o erro. desempenho da função desejada.
Contudo, a máquina de lógica binária, constitui um avanço e é capaz Um dos problemas que podem ocorrer é o de que a velocidade do
de resolver muitos problemas do cotidiano moderno. usuário é maior do que a capacidade de operação da máquina, gerando
Até aqui, no entanto, os computadores, mesmo os da última desperdício de tempo necessário à produção e transferência de valor de
geração, apesar de, mais do que úteis, constituírem o fundamento do valor.

127 128
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137 Armando Corrêa da Silva – Software e valor

Dessa forma, o computador, que em princípio deve acelerar o A liberdade regulada é confrontada freqüentemente pela anomia
processo de trabalho, pela centralização-descentralizada de funções, pode gerada pela desregulação das normas tradicionais que se deseja mudar.
gerar a administração lenta dos custos-benefícios. Isto gera uma situação de sonambulismo15, que já foi denunciada.
E, o objetivo do ingresso pode ser prejudicado, assim como as Então, o sistema só ganha dinamismo quando ocorre a assimilação
condições de trabalho dos usuários. do novo em escala hegemônica.
Uma nova burocracia (uma tecno-burocracia) assume o lugar dos Assim, sem os rumos que só o movimento do real pode dar, o
velhos processos, gerando a necessidade de ágeis serviços de manutenção futuro e o passado tornam-se um presente de muitas incertezas.
do equipamento. É como se fosse preciso começar tudo de novo a partir do nada.
No caso do usuário, estabelece-se uma nova rotina, causadora de A disfunção torna-se o modo de ser da contradição que só se
doenças industriais novas, sem contar o problema do tédio. resolve através da forma, que é a projeção, para frente e para trás, da
É que o movimento do real passa a ser substituído pelo satisfação das necessidades e liberdades impulsionadas pela mídia.
desempenho apenas funcional. A socialização da inovação tecnológica gera a socialização das
Para ultrapassar esses obstáculos, a divisão do trabalho elabora um disfunções.
novo perfil social de técnicos de vários níveis, que operam, por sua vez, Isso ocorre em meio aos desníveis sociais que os modelos não
com novas técnicas, num processo permanente de transformação do democráticos não conseguem assimilar, por decorrência da ausência de
sistema. flexibilidade.
Qual o limite desse processo? É a nova forma na qual o capital e o trabalho procuram operar,
gerando uma inversão: é a função que determina o movimento. Isso gera
novos modos de expressão da contradição.
Hi-Tec e disfunções

A tecnologia de ponta tornou-se o núcleo da inovação da vida Oligopólio da inovação tecnológica


contemporânea. Seu impacto na estrutura e organização sociais está
revolucionando a linguagem e os relacionamentos, a partir da elaboração A inovação tecnológica assume várias formas: pode ser um novo
de uma nova mentalidade. processo, uma mudança de processo, um componente, parte de um
O consumo e os serviços explicitam isso com grande força, na a equipamento, um novo modo de relacionar acessórios ou partes de um
forma da existência de uma nova configuração da vida humana, no interior produto, ou mesmo, uma descoberta que gera um objeto autônomo na
da velha sociedade. forma e no conteúdo.
Essa configuração não se expressa na forma antiga da revolução Ela depende, contudo, como ponto de partida, da concepção
social clássica, mas através do reformismo, que atinge as próprias destinada a resolver um problema e que aparece, desde logo, como uma
instituições e os modos das mudanças econômicas, sociais, políticas e idéia.
culturais. No caso da informática há inovações no software e no hardware.
Isso não seria novidade, a não ser por o processo dar-se num As inovações no software vão consubstanciar-se nos programas do
contexto de desigualdade e diferenças. computador.
Daí a ocorrência de anomalias, que se expressam ao nível funcional. Esses programas podem ser patenteados por uma firma,
A disfunção tornou-se um componente do cotidiano que, por dependendo da legislação a respeito.
paradoxal que pareça, gera uma alienação conservadora. Pode-se gerar, assim, um monopólio sob a forma de pagamento de
A velocidade da inovação é acompanhada de sua institucionalização direitos de uso.
que, em muitos casos, é uma institucionalização paralisante. O processo pode repetir-se no caso do oligopólio16.

129 130
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137 Armando Corrêa da Silva – Software e valor

Mas nada impede que outra firma, ou país, copie os objetos que Mas, como toda nova descoberta tecnológica, possui requisitos de
contêm as inovações tecnológicas. uma nova lógica que, por sua vez, condiciona o comportamento e a mente
Isto é uma hipótese, pois, bem vistas as coisas, as idéias em si humanos.
possuem autonomia de uso. Daí a importância da codificação do trabalho.
O novo processo, ou mudança de processo deve ser comunicado e a Trata-se de obter muita informação e comunicação a baixo custo.
única garantia que tem o seu autor é o direito autoral. Isso, no entanto, se dá com aumento da racionalidade (lógica), que
O software é assim, um valor de uso e um valor de troca que pode nem sempre com o aumento do grau de razão (ontologia).
ser apropriado. Por isso, o computador repete, e não argumenta, no estágio atual em
É um caso especial, porque ele gera valor de valor e isso impede a que encontra.
oligopolização perfeita. Contudo, pode realizar simulações com rapidez e quantidade
Freqüentemente, as inovações tecnológicas, num sentido amplo, maiores que o cérebro humano.
estão ingressando informalmente no mercado. Este, por sua vez, é o produtor dos programas, é responsável pela
Certas inovações, por seu uso tático e estratégico são protegidas, produção da reprodução.
nem sempre de modo eficiente, gerando a pirataria, de uma parte, ou o Persiste o avanço da tecnologia, superior ao avanço da teoria,
segredo industrial, de outra. porque as pessoas não conseguem fazer com facilidade o que o
A concorrência, mesmo no mercado imperfeito, impede que a computador realiza facilmente: a mudança de programação.
oligopolização da inovação tecnológica seja perfeita. Isto se dá ao nível da criatividade que lida com as categorias do
O que importa, no entanto, é a apropriação de valor, que se conhecimento.
distribui, de modo diversificado, pela sociedade, gerando ingressos ao nível A liberação de funções humana está na capacidade, ilimitada, da
da produção, da troca, da circulação e do consumo. tomada de decisões, cujas funções nem sempre a máquina pode operar.
E o consumo de um bem ou serviço imaterial. Isto significa que a flexibilidade humana é maior do que a do
computador, e, com ela, a liberação de funções.

Liberação das funções


Alternativas não codificáveis
O computador é uma máquina que concentra funções, antes
dispersas na divisão técnica e intelectual do trabalho. O computador não raciocina, isto é, ele apenas opera. É o âmbito
O software procura desempenhar várias funções do cérebro das funções ou das neo-funções.
humano que, em combinação com os disponíveis eletrônicos permite o O ser humano, por sua vez, pode interferir em suas próprias
desempenho de uma inteligência artificial, através dos programas gravados decisões e é sujeito a determinações e indeterminações, por vezes,
em dispositivos especiais. imprevisíveis.
O computador permite ao cérebro eletrônico operar com grande Isto ocorre porque o número de variáveis ainda não controladas
velocidade, mesmo operações complexas. pelo sistema são inúmeras. Basta citar o exemplo do clima. Numa outra
Isto libera mente humana para dedicar-se a outras tarefas mais esfera do conhecimento, o papel do inconsciente.
criativas. A chamada inteligência artificial, consubstanciada no software, é
Aliás, a principal função da máquina é a progressiva eliminação do uma analogia que está muito longe, ainda, da perfeição-imperfeita do
trabalho pesado e da fadiga física e mental do passado. cérebro humano.
O valor do valor gerado pelo computador, como capital e trabalho
técnicos, não abrange os aspectos subjetivos do próprio valor.

131 132
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137 Armando Corrêa da Silva – Software e valor

O mundo objetivo é, por essência, funcional. O que se denomina no Isto tem repercussões no perfil social e torna a história tradicional
movimento do real, extrapola o reino das funções. uma pré-história.
Então, o computador não consegue agir no âmbito do sentir, pensar A modernidade esgota-se em seus fundamentos.
e agir humanos. A pós-modernidade é apenas é apenas o início da história humana
É o caso, por exemplo, da ideologia que a máquina rejeita. real, como pré-ideação.
Hoje se sabe que a ideologia não pode ser reduzida a um mero Daí, a mundialização19 e seus efeitos.
reflexo. No entanto, as formas pretéritas de existência, são inércias que tem
O conhecimento vem de fora, certo, mas depois se transforma em levado o período de uma geração para modificar-se.
autoconhecimento, no processo de elaboração das categorias e conceitos. O avanço da informática, neste caso, desempenha um papel
Ora, estes são, em princípio, idéias. importante, no sentido de acelerar o pensamento, elevando a razão e a
O computador não lida com a pré-ideação e, portanto, com a gênese racionalidade a um novo patamar.
do raciocínio.
Além disso, o nascer da consciência, como idéia abstrata, se dá a
partir do nada, do vazio. Este projeto tem por objetivo tentar prospectar o advento de uma
Normalmente, nega-se isto, porque, tanto as pessoas como a nova era na existência da humanidade, mas restrito à década de 1990.
máquina lidam com as idéias objetivadas, qualquer que seja a forma. As especulações ontológico-analíticas aqui visam apenas ultrapassar
Um dado importante é o de que, não só as coisas, as idéias, as aquilo que já é vivência das pessoas, na direção da sociedade nova que se
pessoas, podem ter valor, mas o ser humano valoriza e desvaloriza as deseja.
coisas, as idéias, as pessoas17. Os desafios atuais parecerão coisas do passado, quando a revolução
Por isso, é possível valorizar ou desvalorizar o próprio computador, funcional esgotar suas possibilidades.
ou, o que é parte do problema, valorizar ou desvalorizar o próprio soft,
que foi criado como programa.
BIBLIOGRAFIA E NOTAS

A implosão da centralização-descentralizada 1. SILVA, Armando C. da. A Metrópole e as Razões da Razão. São Paulo,
Técnica, xerox, inédito, 1989.
O sistema está se interiorizando. No entanto, quanto mais se 2. ________ O Capital Técnico e o Espaço, Boletim Paulista de Geografia.
centraliza, mais opera, com a força de uma contradição, a sua São Paulo, Associação dos Geógrafos Brasileiros, n.65, 1985.
3. _________ Ponto de Vista – O Póx-Marxismo e o Espaço Cotidiano. Terra Livre.
descentralização.
São Paulo, Ed. Marco Zero, Associação dos Geógrafos Brasileiros, n. 7, 1990.
Essa a característica das tensões contemporâneas. 4. “15. Veja De Quem é o Pedaço. São Paulo, Ed. Hucitec, 1986, coletânea de
Isto ocorre porque o valor tornou-se espacial e tem sua origem no textos desse período de renovação, voltados para a problemática do contato da
antigo valor temporal. Geografia com a Filosofia. A presença de Lukács será posteriormente substituída
Este, não desaparece, como no caso das mais valias absoluta e pelo deslocamento que levará o autor do marxismo para o campo da
relativa, medidas pelo tempo socialmente necessário. fenomenologia, alguns desses textos já prenunciado esta passagem”. In
O espaço socialmente necessário, fonte de reprodução ampliada MOREIRA, Ruy Assim se Passaram Dez Anos (A Renovação da Geografia
composta do capital18, que gera a mais valia relacional ou composta, no Brasil: 1978-1988), Rio de Janeiro, xerox, 1988, p. 35. Ruy não considerou
surgido com o período técnico-científico do pós-guerra, tornar-se, através corretamente minha trajetória epistemológica na passagem de uma teoria do
da localização e dos componentes do espaço (distancia, tamanho, etc) o conhecimento, originalmente maxista-leninista, para a vertente que denomino
ontologia analítica. Cf. Nota 5.
lugar privilegiado da geração e transferência de valor.

133 134
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137 Armando Corrêa da Silva – Software e valor

5. A aparência, o Ser e a Forma (Geografia e Método). 1989. O problema da 16. SELDON, Arthur (e) PENNANCE, F.G. (1975). “Oligopólio: Situação do
articulação de ontologias em uma ontologia plural específica, diversa do ecletismo, Mercado na qual um produto é oferecido por um pequeno número de empresas,
e que envolve a Fenomenologia e a Estrutura, é uma tendência de vários autores cujas atividades e políticas de produção são determinadas pelas esperadas reações
contemporâneos. Além disso, trata-se, não do resgate histórico, mas de avançar de uma outra”. In Dicionário de Economia. 2a. ed. trad. Nelson de Vicenzi, Rio
prospectivamente a partir de autores do passado, mesmo que estes (alguns deles) de Janeiro, Ed. Bolch, p.322.
não sejam ortodoxamente marxistas. É uma questão em aberto para discussão. 17. SILVA, Armando C. da. “Organização e Apresentação”. Seleção de Textos.
Além do mais, trabalho agora (1991) com a consideração da variável tecnológica, Teoria e Método. São Paulo, associação dos Geógrafos Brasileiros, n.10, 1985.
como já escrevia em 1988. Veja-se, por exemplo: SILVA, Armando C. da. A 18. _______Produção, Troca, Circulação e Consumo de Serviços no
Produção do Conhecimento Científico e Tecnológico na Crise da Sociedade Contemporânea. Capitalismo Monopolista de estado. São Paulo, xerox, inédito, 1985.
Geosul. Florianópolis, Ed. Da UFSC, n. 6, 1988. 19. SANTOS, Milton. “A Redescoberta e a Remodelagem do Planeta no Período Técnico-
6. POPPER, Karl R. La Lógica de la Investigación Científica, Madrid, Ed. Científico e os Novos Papéis das Ciências”. In Metamorfoses do Espaço Habitado.
Tecnos, 1973. São Paulo, Ed. Hucitec, 1988.
7. SILVA, Armando C. da. De Quem é o Pedaço? São Paulo, Ed. Hucitec, 1986
(Espaço e Cultura). Este livro, além de ser uma proposta de Geografia Cultural,
no contexto da renovação, foi uma oportunidade para o autor “limpar a fita do BIBLIOGRAFIA CONTEXTUAL
gravador”.
8. BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Valor e Capitalismo. Um Ensaio
sobre a Economia Política. São Paulo, Livraria Brasiliense Editora S.A., 1980. É CASTELLS, Manuel (ed.). High Technology, Space, and society. Urban Affairs
um exemplo, entre outros, que não implica em um julgamento da obra por mim. Annual Reviews, Beverly Hills, London, New Delhi, Sage Publications,
9. BHASKAR, Roy (1988) “Ciência”. BOTTOMORE, Tom (editor) Dicionário v.28, 1985.
do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. O texto,
polêmico, discute se a ciência é – acrescento: por extensão – uma força produtiva. CROUSSE, Bernard; QUERMONNE, Jean-Louis; ROUBAN, Luc
A partir daí pode estabelecer-se uma discussão sobre idéias abstratas e idéias Science politique el Politique de la Science. Paris, Economica,. 1986.
concretas. Nesse Dicionário há outros verbetes que discutem o problema. C.f.,
por exemplo, “Ideologia”. No meu caso, considero basicamente o problema não FOLLARI, Roberto A.. Modernidad e Posmodernidad: una Óptica
resolvido de uma Teoria das Idéias, o que os autores fenomenológicos e desde América latina, Buenos Aires, Rei Argentina S.A., Inst. De
existencialistas abordaram. È assunto em aberto. Estudios y Acción Social, Aique Grupo Editor S.A, 1990.
10. Cf. SANTOS, Milton “O Papel das Rugosidades”. In Por uma Geografia Nova. FOURASTIÉ, Jean et Jacqueline. “La Ruée Tertiaire”. Futuribles. Paris,
São Paulo, Ed. Hucitec, 1986, Segunda Parte, Capítulo XII, pg. 136.
n.133, 1980.
11. SILVA, Armando C. da. A Geografia e a questão da forma (Uma Primeira
Discussão do Objeto), Métodos em Questão. São Paulo, Instituto de Geografia, GADREY, Juean. “De la Valeur des Services”. Futuribles. Paris, n.129-130,
n. 17, 1983. 1989.
12. _________. . “A Paranormalidade: Sugestões para Pesquisa”. In De quem é o
Pedaço? op. cit. HARVEY, David. The condition of Postmodernity. An Enquiry into
13. O termo psiçõesfera foi utilizado por Milton Santos em conferência the Origins of Cultural Chenge. Great Britain, Basil Blackwell Ltd.
pronunciada em Buenos Aires em novembro-dezembro de 1990. A interpretação Cambridge University Pres, 1989.
que faço aqui é livre.
14. SANTOS, Milton. “Espaço e Capital: o Meio Técnico-Científico”. In Espaço e NEWSTRAD, Anthony. “Future Information Cities”. Japan’s Vision. Futures.
Método. São Paulo, Livraria Nobel S.A. 1985. Great Britain, Butterworth & Co. (Publishers) Ltd., v.21, n.3, 1989.
15. LACOSTE, Yves (1988). “Miopia e Sonambulismo no seio de uma espacialidade RIBOUD, Antoine. “Modernisation, mode d’emploi”. Futuribles. Paris, n.123,
tornada diferencial”. In A Geografia – Isso Serve, em Primeiro Lugar, para
1988.
Fazer a Guerra. trad. Maria Cecília França, Campinas, Papirus editora.

135 136
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 121-137

SALOMÓN, Jean-Jacques. “Les Politiques d’innovation en Europu”.


Futuribles. Paris, n.132, 1989.
STERNBERG, rolf. “Innovation Centers and their Importance for the Growth of
New Technology-based firms: Experience Gained from the Federal Republic of
Germany”. Technovation. V.9, London, 1989.

137
Diamantino Pereira – Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?

destacar o papel da produção acadêmica a respeito do tema “ensino de


GEOGRAFIA ESCOLAR: CONTEÚDOS E/OU geografia”.
OBJETIVOS?1

Diamantino PEREIRA Uma preocupação apenas com os conteúdos


Pontifícia Universidade Católica – São Paulo, SP
A discussão a respeito dos conteúdos que devem compor as grades
Introdução curriculares dos diversos níveis e séries está de ponta cabeça. É
praticamente impossível encontrar-se alguma reflexão que parta do
Os professores de geografia (não só eles, pois se trata de um fato estabelecimento dos objetivos e funções específicas da geografia na escola
comum entre as disciplinas que compõem as grades curriculares do 1º e 2º para, a partir daí definir encadeamentos de conteúdos.
graus) há muito tempo deixaram de pensar em objetivos a serem atingidos Basta consultar a bibliografia sobre o ensino de geografia para
por determinados conteúdos. O meio (conteúdo) se transformou em um perceber que nessa vasta quantidade de artigos e livros fala-se de
fim. epistemologia da geografia, das ideologias adjacentes a conteúdos, assim
Tanto isso é verdade, que aqueles populares planejamentos feitos como das leituras da realidade a partir de diferentes posicionamentos
pelos professores ao início do ano, por exigência da estrutura escolar, são políticos, mas raramente se fala sobre o ensino de geografia.
esquecidos para sempre. Afinal, o que interessa é o conteúdo. A prova Concretamente, qualquer um pode fazer um teste: é só falar em
mais cabal desse processo de reificação dos conteúdos é que, nesses ensino de geografia, que imediatamente pensamos em encadeamento de
planos, o conteúdo se transforma em objetivo: por exemplo, ao se definir conteúdos e sua lógica. Isso tornou-se um vício arraigado entre os
que o objetivo do estudo do conteúdo “indústria brasileira” é fazer com geógrafos.
que o aluno saiba o que é a “indústria brasileira”. E aí, sem saber, o É fácil identificar a origem desse processo. Quando, na década de
professor começou a adotar a lógica do cachorro que corre atrás de seu 70, começou-se a criticar a geografia tradicional de raízes positivistas, tanto
próprio rabo e consegue apenas ficar cansado. em encontro de estudantes, congressos da AGB e mesmo nas
Ao estabelecer um objetivo como esse, o máximo que o professor Universidades, uma contradição logo ficou clara: aquilo que era discutido
consegue atingir é o nível de informação a respeito do fenômeno. Mas, ao nível acadêmico não tinha desdobramento ao nível de suas aplicações
quais os objetivos ao nível da construção de conceitos geográficos, para nos programas de ensino de 1º e 2º graus. Por isso, uma das iniciativas da
que os alunos gradativamente possam ir sendo equipados com AGB, nessa época, foi a implementação de uma atividade denominada
instrumental para poderem, eles mesmos, ler o espaço geográfico e sua Projeto Ensino, que constituía-se, basicamente, de palestras proferidas
paisagem? Como isso não é definido, acaba não fazendo parte das por geógrafos de diferentes áreas, que vinham discutir com uma platéia de
estratégias e fica relegado apenas ao bom senso que o professor vai professores secundários, quais os problemas das antigas abordagens
desenvolvendo ao longo de sua prática docente. No campo de ensino, didáticas da geografia tradicional e as possibilidades de novas abordagens.
porém, não considero que as coisas possam ficar restritas apenas a Naquele momento, o foco principal das dificuldades e atenção dos
sensações. professores estava ligado explicitamente à questão dos conteúdos. Mas,
Os professores, porém, não inventaram esse método de ação a assim se passaram duas décadas e a discussão acerca do ensino de geografia
partir do nada: viver em sociedade significa, entre outras coisas, influenciar avançou, mas não mudou de patamar: continuamos querendo saber
e estar submetido a influências diversas. Neste ponto, é importante somente de conteúdos.
Isso é reforçado também por grande parte dos livros didáticos e por
inúmeros órgãos estatais que teriam como função estabelecer algum nível
de controle de suas redes de educação. Desses, o mais emblemático, talvez
1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº17, de 1995.

140
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 139-151 Diamantino Pereira – Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?

por ser mais completo, é o guia curricular da Secretaria de Educação do recentemente e, mesmo hoje, ainda apresenta uma influência muito grande
Estado de São Paulo. na rede escolar. A “Geografia Tradicional” é prima-irmã da “Escola
Tanto ao nível de 1º e 2º graus, a lógica é absolutamente Tradicional” na medida em que pressupõe, apenas, uma descrição das
conteudística. Veja-se, por exemplo, a justificativa para o estudo do paisagens.
processo de industrialização brasileira na 5ª série: como um dos principais Um dos emblemas da chegada da mensagem escolanovista à
elementos da construção do espaço geográfico é a atividade industrial, seria geografia é a reificação dos “Estudos do Meio”: finalmente tinha se
o estudo da industrialização brasileira, a chave para, nessa faixa etária, conseguido um objeto para a geografia fazer observações e experiências.
entender o país. Em função disso, propõe um estudo aprofundado do Mas, a novidade da aplicação pedagógica dos “Estudos do Meio” na
processo de produção-circulação como um todo e sua materialização no escola, de forma alguma rompeu com os princípios e métodos da
Brasil. “Geografia Tradicional”, uma vez que “Meio” passou a ser enfiado naquela
Esse exemplo é típico de uma justificativa presa, única e estrutura tão conhecida nossa, que muitos pensam, até hoje, ser a única
exclusivamente à lógica dos conteúdos. Isso não basta, pois formalmente, forma de pensar a geografia: a descrição do meio começa, portanto, pela
os conteúdos com os quais se trabalha uma disciplina escolar são os descrição do meio físico, sucedido pelos aspectos humanos e finamente
veículos de sua identidade. Porém, o que deve determinar tanto os econômicos. Uma variação nessa estrutura, quando existia um pouco mais
conteúdos, quanto sua seqüência não é apenas sua lógica interna, mas de ousadia, era colocar os aspectos físicos em último lugar.
uma definição clara acerca do papel da disciplina no ensino e sua Com isso, transformou-se uma novidade pedagógica (o Estudo do
materialização pedagógica adequada às diferentes faixas etárias, precedidas, Meio, com a análise de um processo dinâmico, em oposição às descrições
por pressuposto, do enquadramento da contribuição da geografia para o de paisagens que não tinham nada a ver com a realidade do aluno) em um
conhecimento científico como um todo. processo sem vida e superado, logo de início.
Essa discussão a respeito dos processos didáticos e de suas relações Dessa situação, podemos concluir que se, de um lado, a questão
com os conteúdos é uma realidade sempre presente, pois ela é o verdadeiro pedagógica deve ser enfrentada, de outro, se ela for (como ocorreu no caso
calcanhar de Aquiles da educação como um todo e não apenas da que citamos) encarada isoladamente em relação ao corpo teórico da
geografia. disciplina, ela acontece, pedagogicamente, como um processo petrificado.
Mas, a discussão trazida pelo movimento da escola nova foi um fato
muito importante para a problematização dos processos pedagógicos
O Movimento da Escola Nova e a Geografia escolares. A realidade observável ou prática, passou a ser muito importante
no processo de ensino, na medida em que se valorizaram as teorias de que
Veja-se por exemplo as discussões presentes na educação brasileira a o ponto de partida deveria ser a realidade do aluno. A partir dessas
partir do movimento da “Escola Nova” já a partir da década de 30. concepções, popularizou-se a idéia de que é importante trazer o aluno
Criticava-se, então, a escola tradicional por apegar-se aos conteúdos e à inserido e participante do processo de ensino, sem “enfiar conhecimento
iniciativa única do professor dentro do processo de ensino. A Escola Nova pela goela abaixo”, próprio das concepções tradicionais de ensino.
propugnava, então, que para melhor aprender, aluno deveria fazer ou Porém, ao contrário do que afirmava o movimento escolanovista e
praticar determinadas experiências sobre os vários temas para que pudesse atualmente, o construtivismo, qualquer método de ensino ensina a pensar,
“aprender a pensar” e não receber conhecimento pronto e acabado. mesmo que não se preocupe explicitamente com isso. A distinção entre os
Familiar essa discussão, não é? Nem parece que estamos falando de 60 vários métodos de ensino reside nas concepções diferenciadas acerca do
anos atrás, mas sim da escola atual e dos métodos construtivistas. papel do aluno como um participante da sociedade.
Em relação a essa discussão da escola em geral, cabe perguntar Nessa medida, define-se também o papel do professor, ao qual
sobre o papel desempenhado pela geografia. Ora, sabemos que a cabem diferentes tarefas decorrentes de cada concepção. Veja-se, por
denominada “Geografia Tradicional”, foi hegemônica até muito

141 142
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 139-151 Diamantino Pereira – Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?

exemplo, a definição das principais características de um método pego carona com ele. Tratava-se de uma diversidade de valores, ambições,
pedagógico, segundo Saviani: concepções de vida etc.
As concepções do tipo construtivista, encaram o aluno de outra
Portanto, serão métodos que estimularão a atividade e forma: da mesma maneira que Spielberg no filme “A volta do Capitão
iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do Gancho”, a única maneira de se conseguir comunicar com os alunos e
professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o livra-los do “mal” Capitão Gancho é conseguir chegar-lhes ao coração,
professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a
através de seu conhecimento “sincrético”, como fala Saviani, e seu
cultura acumulada historicamente; levarão em conta os
interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o universo cultural. Fora disso não se estabelece a comunicação e portanto o
desenvolvimento psicológico mas sem perder de vista a processo pedagógico é amputado de sua perna mais hábil.
sistematização dos conhecimentos, sua ordenação e Mas se os métodos pedagógicos do tipo construtivista, estabelecem
gradação para efeitos do processo de transmissão- que o ponto de partida e o ponto de chegada deve ser a realidade concreta
assimilação dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 1984, p. do aluno, resta ainda saber como geografia deve se posicionar nesse
72-3). roteiro. Em outras palavras, o que a geografia deve fazer a partir do
estabelecimento do tal “ponto de partida”, como é o caminho e o que se
Como se pode perceber, portanto, a redefinição do papel do aluno espera da geografia nesse tal “ponto de chegada”. Se, como já afirmamos,
vem acompanhada da do professor. Uma coisa que se encontra subjacente nos apegarmos àquilo que praticamos desde a nossa graduação, a nossa
a essa citação e na qual Saviani insiste muito no decorrer desse pequeno resposta será sempre “informação e conteúdo”. No entanto, acredito que o
ensaio é na desvalorização ou minimização do papel do professor como ensino de geografia possui uma missão que transcende esses itens.
ideologia subjacente a determinadas concepções pedagógicas.
Considero importante insistir sobre esse tema, uma vez que o
professor deve ter clareza de sua real importância no processo de ensino- A concepção popular de Geografia e sua superação
aprendizado, em outras palavras, por mais interativo que seja o seu método
ele não deve perder a sua identidade de professor, sob risco de Quando Lacoste criticou radicalmente a chamada “Geografia dos
comprometer ou, mesmo, dificultar o processo de aprendizagem que ele Professores” em seu livro “A geografia serve, antes de mais nada, para
deveria facilitar. fazer a guerra”, ele estava chamando a tenção para o fato de que era essa, e
Quando o professor utiliza o método tradicional, no caso da não a geografia praticada nas academias e “Estados Maiores” que a grande
geografia, por exemplo, ele está ensinando o aluno a pensar, pois a prática maioria da população tinha contato. A isso devemos acrescentar o papel
pedagógica estabelecida mostra, a todo momento, que o professor seria o que os meios de comunicação têm desempenhado na divulgação do que
único dono do conhecimento, que esse conhecimento seria composto de seja a geografia.
muitas informações e pouco raciocínio, que o único conhecimento válido A popularidade da concepção de geografia como o da descrição dos
seria o conhecimento letrado etc. fenômenos, sobretudo “físicos” e paisagísticos, atestada pela proliferação
Mesmo que o professor não tenha clareza disso, a sua postura e os de algumas revistas, auto denominadas como “geográficas”, que apenas
seus atos implicam em uma concepção política em relação ao alunado, mostram paisagens muito bem ilustradas que se prestariam a uma análise
como quando se afirma: “eles não aprendem porque são burros”, geográfica aprofundada, mas que ali recebem um tratamento meramente
desprezando qualquer outra avaliação sobre a possível “incomunicabilidade descritivo.
cultural” que esteja estabelecida. Outras publicações, como por exemplo o Almanaque Abril,
Afora a nossa prática no dia a dia da sala de aula, essa questão, de apresentam como assuntos referentes à geografia o item “relevo,
vez em quando ganha publicidade, como recentemente em um jornal que vegetação, clima, ecologia, hidrografia, plataforma continental e ilhas
publicou uma reportagem sobre a dificuldade, ou mesmo impossibilidade oceânicas, e a presença brasileira na Antártica”. É a isso que se reduz a
de comunicação entre um repórter e alguns meninos de rua que tinham

143 144
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 139-151 Diamantino Pereira – Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?

geografia? Poderíamos argumentar que é uma publicação sem cunho através da linguagem matemática e adquire fundamentos do raciocínio
científico e que, portanto, lida com o senso comum. Mas, é nesse tipo de lógico.
publicação que se divulga a imagem da geografia para amplas camadas da Para sairmos do “mundo dos exemplos”, resta colocar, desde já, a
população. indagação sobre o papel da geografia nessa fase de vida do aluno. Afinal,
Já existe, portanto, um imaginário social muito mais popular do que qual a contribuição da geografia no processo de alfabetização da criança?
se imagina, que considera geográficas as descrições paisagísticas povoadas Que contribuição específica essa disciplina pode acrescentar ao processo
de vegetações, morros, rios, climas e eventualmente até algumas de aprendizagem pelo qual passa o aluno?
populações exóticas (por serem típicas do lugar). Como nos exemplos que citamos anteriormente, nessa fase,
Nos primeiros anos de escola esse imaginário geográfico (do senso necessariamente, o processo que se coloca é o da alfabetização entendida
comum) é, via de regra, reforçado pela autoridade do professor que, como em seu sentido amplo. E alfabetização, para a geografia, somente pode
generalista, dificilmente consegue acompanhar as discussões a respeito do significar que existe a possibilidade do espaço geográfico ser lido e,
conjunto das disciplinas com as quais lida (muito menos com essa, que portanto, entendido. Pode transformar-se, portanto, a partir disso, em
sempre faz parte do rol das “decorativas”). instrumento concreto do conhecimento. Mais que isso, o espaço
Quando, por exemplo a partir da 5ª série o aluno toma contato com geográfico pode transformar-se em uma janela a mais para possibilitar o
outra possibilidade de entendimento do que seja a geografia, a sua sensação desvendamento da realidade pelo aluno.
é de incredulidade, pois aquilo entra em contradição com o que até então
ele tinha tomado contato.
É fundamental, portanto, transcender essa noção popular de A Geografia, o Espaço geográfico e a Sociedade
geografia, ao mesmo tempo em que exorcizamos também a sua vinculação
exclusivamente “conteudística”. Se devemos pensar em objetivos, algumas Afirmar que o papel da geografia no ensino de 1º grau é alfabetizar
coisas devem ser previamente estabelecidas. o aluno, para que ele possa ler o espaço geográfico é importante, porque
O ensino de primeiro grau caracteriza-se, fundamentalmente, pelo identifica a missão que deverá ser desempenhada. Entretanto, em função
processo de alfabetização, em sentido amplo, a que os alunos são da amplitude e dos diferentes conteúdos que são inseridos sob o rótulo de
submetidos. Assim , nas diversas disciplinas, que compõem a grade “espaço geográfico”, é necessário aprofundar um pouco mais a discussão.
curricular, colocam-se princípios e se estabelecem linguagens dos mais Para começar, já que estamos indagando sobre o papel específico da
variados tipos, que serão absorvidas pelos alunos como ferramentas de geografia no processo de aprendizagem, é necessário que tornemos claro o
comunicação e de entendimento do mundo. que significa acrescentar, em termos de qualidade, à palavra “espaço”, o
Concretamente, por exemplo, na disciplina Comunicação e adjetivo “geográfico”. Em outras palavras, o que faz com que o espaço se
Expressão, o aluno adquire os conhecimentos para se expressar na sua torne geográfico? Sobre essa questão, Neil Smith afirma que:
língua tanto de forma oral como escrita. Em outras palavras, é alfabetizado
do ponto de vista da escrita, da leitura e da expressão oral. A partir daí e [...] o espaço geográfico é algo novamente diferente. Por
cumulativamente, uma série de símbolos e regras que anteriormente não mais social que ele possa ser, o espaço geográfico é
faziam o menor sentido, passam a compor um universo de signos e passam manifestadamente físico; é o espaço físico das cidades, dos
campos, das estradas, dos furacões e das fábricas. O espaço
a integrar o universo do estudante.
natural, no sentido de espaço absoluto herdado, não é mais
No caso da matemática (também, por exemplo), a mesma coisa sinônimo de espaço físico, haja vista que o espaço físico, por
acontece, mas com outra matéria prima. Agora o objeto são os números e definição, pode ser social. Esta distinção surge no debate
suas operações. Como no exemplo anterior, o aluno adquire sobre o espaço geográfico, porque os geógrafos têm que
progressivamente uma nova linguagem e torna-se capaz de se expressar lidar com o espaço físico em geral e não apenas com espaço
natural da primeira natureza. Com seus objetivos de estudo

145 146
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 139-151 Diamantino Pereira – Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?

localizados enquadradamente dentro do espaço social, a de geógrafos discutindo esse tema e isso tem como conseqüência o fato de
maioria das ciências sociais poderia abstrair o espaço físico, trazer a discussão para dentro das perspectivas da ciência geográfica e não
incorporando-o nas análises somente como um dado ficarmos presos à abordagem de cunho biológico ou naturalista. E isso é
externo ocasional. A geografia evidentemente não se deu a fundamental, não por uma questão de ordem corporativista, mas para que
esse luxo (...) (SMITH, 1988, p. 120).
a geografia possa apresentar algum tipo de contribuição específica nesse
campo de estudo e possa ser reconhecida socialmente por isso.
Esse pequeno trecho do excelente trabalho de Smith, contém o
núcleo fundamental do que é fundamental observar no espaço geográfico.
Para começar ele é “manifestadamente físico”, mas o físico não tem aí o
De volta à questão pedagógica
sentido de “geografia física” ou da primeira natureza. O físico é a
materialidade, o lugar. E o lugar, por mais físico que possa parecer, é uma
Com base nesses princípios, podemos considerar o tratamento que
construção social, nas mais diferentes escalas em que isso possa ser
devemos dar à questão da já muito famosa contradição entre o que se
afirmado, desde um processo de construção espacial direta, ou seja, da
denomina de “geografia humana” e de “geografia física”. Como partimos
dimensão espacial da dinâmica social, até o simples ato de se aproprias
do pressuposto da unidade entre sociedade e natureza, esta considerada
todo o planeta pelas diversas sociedades. Afinal, o que não é nacional, no
como totalidade, e que as relações sociais são os principais fatores que
mundo de hoje, está sob a jurisdição da ONU e mesmo aspectos que
regem o processo de construção espacial, o tratamento especificamente
escapam da soberania de qualquer país, geram preocupações e ações das
geográfico dos mais diversos temas pode se concretizar, somente se não
sociedades, como é o caso, por exemplo, do aquecimento global da
fizermos uma abordagem dicotômica, pois, dessa maneira, estaríamos
atmosfera, do buraco na camada de ozônio e da poluição das altas camadas
isolando fatores que não podem ser considerados em separado, quando se
atmosféricas, que até pouco tempo não eram responsabilidade de ninguém,
trata de uma abordagem geográfica.
pois estava fora de quaisquer limites nacionais.
Levando em consideração esse tipo de abordagem, é possível
O espaço é, portanto, geográfico, quando a ele são acrescentadas as
escapar, por exemplo, do conflito que se estabelece, geralmente na 5ª série
qualidades fornecidas pelo arsenal teórico da geografia. Dessa maneira, a
do 1º grau, entre as disciplinas Geografia e Ciências. Esta última tem
fisicidade do espaço geográfico, nada mais é que a dimensão espacial das
desenvolvido especificamente nessa série, os temas que são abordados pela
dinâmicas que o constroem.
geografia com o nome de geografia física à maneira do positivismo: alguns
Essas dinâmicas, por sua vez, são dadas pelas relações que se
elementos da natureza (geologia, relevo, vegetação e clima, por exemplo)
processam no interior das sociedades e entre estas e os demais elementos
sem nenhuma relação entre si e nem com a sociedade. Porém, a
da natureza. Como pressupomos que essas relações são dialéticas,
abordagem geográfica desses temas, pressupõe a sua socialização no
assumimos que o fato dos homens organizarem-se socialmente não os
processo de produção do espaço geográfico.
extrai da natureza, ou seja, o homem pode ser, e é um componente da
Portanto, na medida em que transformemos o estudo desses temas
natureza e da sociedade, e esta influencia e é por ela influenciada.
em estudos geográficos sobre a geologia, relevo, vegetação, clima, etc.,
Afirmar que os ritmos da sociedade e da natureza são diferentes é
cada disciplina poderá levar adiante seus estudos sem haver colisão de
um ponto de partida para a crítica fácil à essa concepção que expusemos.
conteúdos, pelo contrário, pois cada uma das disciplinas têm contribuições
Porém, se nos aprofundarmos nos elementos que os próprios críticos
específicas a dar para a elucidação do tema.
consideram como componentes de uma natureza isolada da sociedade, tais
O outro conflito que se estabelece nas grades curriculares de vários
como a dinâmica geológica, geomorfológica, climática, botânica, etc.,
níveis, é entre as disciplinas geografia e história. Essa confusão se
poderemos perceber que eles também possuem ritmos completamente
acentuou, principalmente, com o movimento de crítica a geografia
distintos.
tradicional, de raízes positivistas. Isso aconteceu por que, via de regra,
Mais que isso, quando estamos discutindo como deve ser abordada
assumiu-se que todo o fato é histórico, e, portanto, toda a análise
a natureza, por exemplo, não devemos esquecer quem nós somos. Trata-se

147 148
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 139-151 Diamantino Pereira – Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?

geográfica da realidade devia partir do princípio de que a construção do Partimos do principio de que, nesse nível, o processo de ensino
espaço é um processo histórico. devia se pautar por trabalhar os conceitos a partir do concreto, ou seja, eles
Essa noção é verdadeira e fundamental para que entendamos o deveriam ser derivados a partir da realidade concreta possível de ser
espaço geográfico. Porém, genericamente, popularizou-se no ensino de contatada pelo aluno. Alem disso, é necessário também que os conceitos
geografia que para inserirmos a historicidade no espaço geográfico, que fossem sendo introduzidos, apresentassem uma ordem clara de
deveríamos, sempre, partir da cronologia do fenômeno que estivéssemos abrangência e grau de abstração, para que pudessem instrumentalizar a
analisando. Isso significou um empobrecimento do conceito de apreensão do real pelos alunos.
historicidade, que foi reduzido a mera cronologia, ou sucessão de fatos, e Definimos, dessa forma, um percurso que partia da noção de lugar,
passou a provocar problemas de identidade entre as duas disciplinas, na como uma paisagem concreta e apreendida sensorialmente, para, em
medida em que, para abordar o tema da “Agricultura no Brasil”, por conjunto com o aluno ir gradualmente progredindo até chegarmos à noção
exemplo, deveríamos começar, obrigatoriamente, pelas Capitanias de espaço.
Hereditárias, Sesmarias, Lei de Terras de 1850 etc. Nesse percurso, fomos acrescentando novos conceitos
É claro que para que nós consigamos entender minimamente esse fundamentais para o processo de alfabetização na leitura das
tema, todo esse processo deve estar claro dentro de nossas cabeças. paisagens/espaços que nos propusemos elaborar, ao mesmo tempo que
Porém, isso não significa, no âmbito do ensino de geografia, que devamos fomos recheando esses conceitos de significações cada vez mais
assumir o método do desenrolar histórico. O “ser histórico” do espaço complexas.
geográfico advém do fato de que as relações que a construíram terem se Assim, por exemplo, na problematização da noção de lugar,
estabelecido historicamente. Portanto, o ponto de partida do discurso mostramos que a ordenação territorial dos fenômenos está ligada às regra
pedagógico geográfico não deve ser o desenrolar histórico dos fatos que que orientam a sua dinâmica, que os lugares possuem identidade e
geraram a construção do espaço geográfico, mas a sua atual configuração, significado em função de serem construídos por pessoas e dessa forma, a
identificando-se as dinâmicas responsáveis por ele ser o que é. É claro, relação entre lugares, nada mais é do que relação entre pessoas, que os
também, que o desenrolar histórico deve ser revisitado, sempre que isso lugares são construídos historicamente e que também são possíveis de
for necessário para um melhor entendimento do tema que estivermos serem representados cartograficamente, através da linguagem dos mapas.
desenvolvendo. Mas isso não deve fazer com que devamos assumir, como Mudamos de escala, abordando um novo conteúdo de seqüência
discurso pedagógico da geografia, o método do desenrolar histórico, sob desde a formação da Terra até o aparecimento dos seres humanos e sua
pena de provocarmos problemas de identidade para nossa disciplina e de ação sobre as paisagens terrestres. O fundamental a ser resgatado nesse
não conseguirmos esclarecer qual a contribuição da geografia no processo processo, porém é o fato de que a transformação é uma realidade sempre
do conhecimento e do ensino-aprendizagem. presente, apresentando alterações apenas de ritmo. Isso fica mais explícito
Quanto aos objetivos pedagógicos/geográficos que, tenho insistido quando operamos uma nova mudança de escala e propomos o estudo dos
ao longo de todo o texto, devem preceder a definição de qualquer novos e antigos ritmos do relevo, atmosfera, água e biosfera. Os novos
conteúdo, além do que já afirmamos anteriormente é ainda possível um ritmos são obtidos a partir da relação da sociedade com esses elementos,
maior detalhamento para ficar claro que não interessa elaborar uma lista de caracterizando uma abordagem geográfica dos fenômenos físicos.
objetivos (daquelas que se colocam normalmente nos “planejamentos” de Esses são apenas alguns exemplos extraídos de nossa proposta e
início de ano) que não tenha como finalidade auxiliar o professor a definir eles ilustram nossa posição de que, independentemente da concepção de
melhor o seu papel no processo de ensino-aprendizagem. Não nos geografia que abraçarmos, é possível determinar o processo de ensino-
interessa, portanto, a burocracia, mas a reflexão. aprendizagem a partir de objetivos conceituais e que estes podem e devem
Posso detalhar, a título de exemplo, os objetivos conceituais que me ser estabelecidos sem que se opere uma cisão entre a geografia e a questão
orientaram ao formular, juntamente com Douglas Santos e Marcos de pedagógica.
Carvalho, uma proposta de ensino para o 1º grau.

149 150
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 139-151

Em função de tudo que afirmamos, enfatizamos novamente aquilo


que já dissemos no início deste texto: os conteúdos e sua lógica interna não
devem ser o ponto de partida para definição de absolutamente nada, seja a
seqüência de grade curriculares, seja a interdisciplinaridade.
Tanto para uma coisa, quanto para outra, é fundamental que, a
partir do esclarecimento dos objetivos pedagógicos do ensino de geografia,
instrumentalizados pela definição de sua missão principal na escola e pelo
seu instrumental teórico, possamos caracterizar os objetivos específicos
que queremos atingir. Desde já, porém, creio que é possível afirmar que a
missão, quase sagrada, da geografia no ensino é a de alfabetizar o aluno na
leitura do espaço geográfico, em suas diversas escalas e configurações.

151
Milton Santos e María Laura Silveira – Globalização e Geografia...

unidade de tempo circunscrita a um pedaço particular da superfície da


GLOBALIZAÇÃO E GEOGRAFIA: A terra”. O geógrafo holandês estava se referindo à região. Em todos os
COMPARTIMENTAÇÃO DO ESPAÇO1 casos, é a delimitação do período o que permite dar voltas às coisas.
Conhecendo uma ruptura densa e multifacética, nosso presente
Milton SANTOS revela-se confuso. Mesmo as revolucionárias técnicas de cognoscibilidade
María Laura SILVEIRA do planeta parecem, todavia não explicar a nova constituição do espaço
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) – Departamento geográfico e os enigmas do seu funcionamento. Mas, ainda que a passagem
de Geografia de um período para outro seja sempre incompleta, os sinais que revela dão
conta dessa unidade.
O nosso tempo, pleno de contradições, obriga a um contínuo Estamos testemunhando, segundo Barraclough (1983, p. 41 e 42),
esforço de reinterpretação da realidade. A necessidade de periodização, as uma época histórica que assistiu ao espetacular progresso no conhecimento
novas possibilidades de cognoscibilidade do Planeta, a atual constituição e nas realizações científicas, mediante a aliança entre a ciência e a
do espaço geográfico, a noção de região e as novas compartimentações do tecnologia, que tem poderes “para transformar para sempre as bases
espaço são questões que a Geografia, procurando contribuir ao materiais de nossa vida, em uma escala inconcebível há apenas cinqüenta
entendimento do mundo, é obrigada a abordar. anos”. A fase atual da história é, por isso mesmo chamada de período
técnico-científico (RICHTA, 1974). Trata-se da interdependência da
ciência e da técnica em todos os aspectos da vida social, situação que se
A Globalização, um período verifica em todas as partes do mundo.
Os acréscimos de ciência, técnica e informação ao solo seriam,
Hoje, mais do que nunca, uma periodização impõe-se como um assim, a variável-chave que permite reconhecer um novo sistema temporal
partido metodológico necessário à construção de um enredo que considere e a organização de um novo espaço. A esse espaço estamos chamando
a história uma e contraditória. Poderá a globalização ser compreendida meio técnico-científico-informacional.
como um período?
Em todas as épocas, identificar o novo sempre se levanta como um
grande problema, porque “o novo não é exatamente o moderno, salvo se é Lugar, Globalização e Cognoscibilidade do Planeta
portador da dupla carga explosiva: ser negação do passado e ser afirmação
de algo diferente”. (PAZ, 1990; 20) O grande desenvolvimento das diferentes ciências particulares,
Nos momentos de grande mudança e aceleração, a definição de durante este século, contribuiu para grandes avanços científicos e
pedaços de tempo coerentes é uma tarefa hercúlea. Demarcar um período tecnológicos, mas, também, levou a uma extrema especialização do saber,
torna-se um problema maior porque conduz à necessidade de reconhecer cuja conseqüência é, freqüentemente, o próprio comprometimento do
um sistema de eventos. Uma nova combinação de fatores privilegia uma entendimento unitário do mundo. E a possibilidade dos saberes antigos
variável-chave diferente daquela que comandava o sistema anterior e, por sucumbirem aos saberes novos faz com que os prisioneiros de uma visão
isso, a organização também se transforma. A variável que ganha imobilista corram o risco de ficar à deriva diante da tarefa de interpretação
significação e que produz mudança vai ter o papel fundamental no novo do presente.
sistema. À escala mundial, pode-se dizer que cada sistema temporal A complexidade constitucional do novo espaço geográfico não
coincide com um período histórico e com novas formas de ser do espaço apareceria, todavia, como uma preocupação central nas interpretações que,
geográfico. Como já escrevia De Jong (1962, p. 194), “um período é uma com base na Geografia, se emprenham à compreensão da globalização. De
um lado, uma profusão de metáforas invade a nossa disciplina. As idéias da
preeminência do tempo sobre o espaço, ou do tempo desmanchando o
1 Artigo publicado no Caderno Prudentino de Geografia nº18, de 1996.

154
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 153-164 Milton Santos e María Laura Silveira – Globalização e Geografia...

território, despontam como intentos vãos de explicar as acelerações uma interpretação geográfica ampla. Essas técnicas contribuem para tornar
contemporâneas. Essas posições, que vêm, em toda parte, uma mais precisas as ações setoriais dos agentes da economia e da política.
homogeneização do espaço, ignoram o processo, sempre crescente, de A contribuição desses enfoques é importante, mas, insuficiente.
singularização dos lugares. Nossa disciplina não pode ser apenas consagrada, graças a esses saberes
A desterritorialização, idéia decorrente da anterior, estaria parciais, a um conhecimento técnico e pragmático do lugar e do mundo.
significando, de um lado, a morte do Estado territorial – um mundo sem Dos relatos dos geógrafos viajantes às informações proporcionadas pelos
fronteiras –, hoje atravessado por fluxos transnacionais e, de outro lado, a SIGs, a cognoscibilidade do planeta aumentou e o lugar reafirma uma
crescente mobilidade dos homens, dos objetos, das idéias, com as posição relevante na episteme da geografia. Mas o que buscamos é o
possibilidades de teleação – a chamada aldeia global. A desterritorialização entendimento dos processos que explicam os lugares e as regiões perante o
aparece, amiúde, também, apoiada na noção de rede. mundo. Esses sistemas técnicos, provadamente eficazes para apreender as
Nesse contexto, alguns geógrafos anunciam a morte da região. É formas em cortes temporais pré-determinados, são incapazes de captar o
verdade que, no mundo de hoje, as regiões se fazem e desfazem com maior movimento. Apresentam-se limitações significativas. O conteúdo dessas
rapidez graças ao fato de que o acontecer é mais espesso e vertiginoso. formas, seu processo, como elas se originaram e quem as patrocinou
Não obstante, o que faz a região não é a longevidade do edifício, mas a sua continuam a ser questões em aberto. A nossa indagação deverá ser,
coerência funcional. A cada novo momento da totalidade se produz um sempre, totalizadora.
novo arranjo regional à escala global. Acostumamo-nos a uma idéia de Como assevera George (1992, p. 1048), “esta universalização é um
região como um sub-espaço longamente elaborado, uma construção desafio à geografia, que se encontra, em primeira linha, solicitada pelo
estável. Mas o que faz a região não é a longevidade do edifício, mas a sua estudo dos sistemas de transmissão da informação e pela solidariedade dos
coerência funcional. É isso que a distingue das entidades congêneres, seus efeitos diretos ou indiretos: geografia das redes, geografia dos
vizinhas ou não. O fato de ter vida curta muda a definição do recorte conjuntos relacionais” mas, ao mesmo tempo, “um outro desafio é o do
territorial, mas não o suprime. A região continua a existir, mas com um inventário das unidades de base que no passado receberam os nomes de
nível de complexidade jamais visto pelo homem. região, de nação, de Estado...”
Essas metáforas e outras acabam por tomar o lugar da teoria e, Nosso período oferece-nos, ademais, graças à empiricização das
favorecendo a proliferação de discursos, impedem de encontrar um categorias filosóficas, uma oportunidade privilegiada de conhecimento.
método explicativo (SANTOS e SILVEIRA, 1995). Hoje, o mundo pode ser apreendido na sua unicidade, uma unicidade
De outro lado, as novas técnicas de informação, notadamente os criada pelas técnicas porque os grandes universais se empiricizam quando,
satélites e os SIGs, pretendem entronizar-se como o coração da geografia de um lado, a realização prática das técnicas se dá independentemente do
na fase da globalização. Imagens periódicas de um mesmo ponto da crosta meio que as recebe e, de outro, o conjunto das técnicas utilizadas é, em
terrestre proporcionam um enxame de dados, os quais são virtualmente toda parte, potencialmente o mesmo. Essa totalidade empírica torna
utilizados em diversos domínios do mandar e do fazer. Castilho (1995), geográficas categorias antes apenas filosóficas como a universalidade, a
refletindo sobre os sistemas técnicos orbitais, fornece uma listagem particularidade, a singularidade, forma, função, processo e estrutura
objetiva de aplicações: cartografia, planejamento urbano, impacto (SANTOS, 1998).
ambiental, agricultura, estudo da cobertura vegetal, geologia, pesquisa de O planeta, tornado uno graças a essa unicidade da técnica mas,
minérios e petróleo, urbanismo, demografia, estudo de zonas costeiras, também, à convergência dos momentos e à unicidade do motor, é, mais do
observação dos oceanos e recursos marinhos, danos produzidos por que nunca, a casa do homem. Contrariamente a idéias de uma “geografia
ciclones e estudos preliminares para implantação de qualquer grande extraterrestre” ou de uma “geografia sobre os Planetas” proposta por Pike
equipamento urbano como rodovias e aeroportos. Mas, há entre os (1987), Breton (1994, p. 104) alerta: “nenhuma comunicação é possível
geógrafos, aqueles que depositam, nesses instrumentos, a esperança de entre duas regiões do universo que não compartilhem a mesma concepção
do tempo”, pois a condição da comunicação é um tempo único. Idéias que

155 156
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 153-164 Milton Santos e María Laura Silveira – Globalização e Geografia...

convergem com a declaração de Morin (1990, p. 45), “a Terra é nosso lar, Na verdade, os lugares, as regiões são particularidades, e sua
nossa casa comum, nossa pátria”. E, mais enfático, Ley (1980) afirma que permanência e sua mudança decorrem do sistema temporal a que
“se uma geomorfologia da lua poderia ser viável, uma geografia não o chamamos globalização. Aqueles lugares “submetidos a evoluções rápidas
poderia, já que a lua carece da presença do homem, ‘o agente geográfico’”. e a ajustamentos regulares” configuram, no dizer de Bakis (1990, p. 23), os
O mundo sideral não é o nosso mundo, pois não existe uma comunhão territórios em redes. A aceleração da sua metamorfose seria, talvez, mais
solidária entre os astros. um indício para identificar os novos dinamismos espaciais.
Face a um conhecimento alheio a sociedade e o território, haveria Um dos elementos do meio técnico-cientifico-informacional, além
que opor, urgentemente, a produção de saberes voltados a apreender o da construção de grandes vias de transporte e de meios modernos de
lugar, o mundo, suas relações atuais e suas perspectivas, de modo a ser comunicação, é a difusão da informação, sem a qual a produção não seria
possível reconhecer e enfrentar as tendências que desestabilizam uma área. possível a uma escala planetária. Em nossos dias, e para atender às
É necessário compreender cada lugar em função da totalidade do espaço. exigências dos tempos modernos, os diversos continentes e quase todos os
Mas, esse conhecimento pode ser estranho à região. Na medida, porém, países são cortados por bem construídas e grandes estradas de rodagem de
em que no mundo de hoje, é no lugar e na região, que o sentido busca interesse nacional e internacional, mais do que regional, e são pontuados
refúgio, pode-se pensar, a partir desses novos saberes locais, na construção pelas estradas da informação.
de um discurso político capaz de oferecer um sentido ao próprio mundo. Os vastos espaços que essas redes irrigam se diferenciam, entre
outras razões, pela carga de capital constante fixo, deliberadamente
instituído neste ou naquele ponto e que faz desse lugar assim privilegiado,
Nova constituição do espaço geográfico um espaço produtivo. Desse modo, as virtualidades do lugar são
artificialmente criadas e se torna possível utilizar, em terras longínquas, e
A cada período, novos conteúdos se sobrepõem a esse conjunto com fins produtivos, pontos afastados uns dos outros e distanciados,
indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações que é o espaço também, dos centros de consumo intermediário ou final. A regulação do
(SANTOS, 1991). Hoje, esses acréscimos de ciência, técnica e informação território coopera na intensificação dos intercâmbios e na produção de
definem a constituição e o refazimento dos lugares. Todavia, como a oportunidades à globalização. Desenham-se polígonos de atuação das
modernidade é seletiva, não impõe todos os objetos e as ações e, por isso, empresas, orientados segundo as trocas de objetos e informação, cuja
cada lugar é diferentemente tocado pelo processo modernizador, tanto nos superposição cria verdadeiras topologias.
seus aspectos formais quanto nos funcionais. Podemos pensar que não Esses espaços da globalização, reino do meio técnico-científico-
existe espaço global, mas espaços da globalização. Parafraseando informacional, podem ser reconhecidos pelas suas densidades distintas.
Aristóteles, o global nunca se dá como um todo. A densidade técnica é dada pelos diversos graus de artifício. As
Nos dias atuais, os lugares são condição e suporte de relações situações limite seriam, de um lado, uma área natural jamais tocada pelo
globais que sem eles não se realizariam. As regiões se tornaram lugares homem e, de outro lado, uma área onde haja apenas aquilo que Simondon
funcionais no Todo, espaços de conveniência, uma particularidade, o que, (1989) chamou de objeto técnico maduro, como o centro de negócios de
no dizer de Lukács (1970), significa “um campo de mediações”. uma grande cidade, espaços inteligentes dispostos a atender prontamente
O momento atual faz com que as regiões se transformem as intenções dos que os conceberam e produziram, muito mais perfeitos
continuamente, legando, portanto, uma menor duração ao edifício que a própria natureza (SANTOS, 1994).
regional. Elas não são eliminadas, apenas mudam seus conteúdos porque, A densidade informacional deriva, em parte, da densidade técnica.
como afirma Rodoman (1973, p. 104), “as regiões, da mesma forma que as Os objetos técnicos, ricos portanto, em informação, podem, todavia, não
quedas d’água tendem a flutuar, a mover-se em diversas direções, a assumir ser agidos, permanecendo em repouso ou inatividade, à espera de um ator.
uma variedade de formas, mas essencialmente permanecem por um largo A informação se perfaz com a ação. Quando, porém, é unívoca, é uma
período”. informação obediente às regras do ator, e introduz no espaço, uma

157 158
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 153-164 Milton Santos e María Laura Silveira – Globalização e Geografia...

intervenção vertical, que geralmente ignora o entorno, posta ao serviço de novo funcionamento do território, através daquilo a que chamamos de
quem tem os bastões de comando. A densidade informacional nos informa horizontalidades e verticalidades (SANTOS, 1994). As horizontalidades
sobre os graus de exterioridade do lugar, sua propensão a entrar em relação serão os domínios da contigüidade, desses lugares vizinhos reunidos por
com outros lugares e a efetivação dessa propensão, privilegiando setores e uma continuidade territorial, enquanto as verticalidades seriam formadas
atores (SANTOS, 1994). por pontos distantes uns dos outros, ligados por diversas formas e
A informação que comanda os objetos não é geral, mas uma processos sociais.
informação especializada, cujo exercício depende do poder. Os objetos Os acréscimos de ciência, técnica e informação ao solo,
obedecem a quem tem o poder para comandá-los. A intencionalidade, de desigualmente difundidos, tornam escassas as áreas equipadas e produtivas
um modo geral, hoje, supõe um comando exterior. Não é por acaso que a à racionalidade hegemônica. Ampliam-se e aceleram-se as disputas pela
raiz da palavra cibernética é a mesma da palavra governador. Informar é localização, pela acessibilidade, pela vizinhança e pelos recursos limitados.
também governar. A densidade informacional requerida em uma área Aqui, poderíamos fazer alusão aos “recursos de alocação” e aos “recursos
critica é a que permite descobrir os caminhos possíveis para harmonizar os de autoridade” de que fala Giddens (1987, p. 443). Os lugares destinados
interesses locais com os vetores da modernidade. às atividades hegemônicas são o retrato da intencionalidade que preside à
A densidade normativa indica os diversos graus de abertura do lugar sua criação, intencionalidade exigente e exclusiva cujo paradigma são os
à verticalização. O mundo busca, hoje, revogar a pluralidade de marcos edifícios e as áreas inteligentes.
regulatórios para afirmar uma única regulação. O resultado desse ato de Detalhadamente preparados para exercer funções mais precisas,
império nos lugares será a densidade normativa. Naquelas áreas onde a lei esses espaços têm, assim, seu valor especifico realçado. Forma-se o
do mercado e as demais normas globais agem mais profundamente, fundamento de uma nova escassez, uma nova segregação espacial, uma
arrostando a exígua resistência das normas locais, identificaríamos uma nova teoria do valor e uma nova realidade da lei do valor. Mais ainda, cada
maior densidade normativa e, portanto, uma construção mais agressiva e lugar se torna capaz, em razão de tais virtualidades, de dar valor aos
aperfeiçoada da ordem global. É o exemplo das free-zones e dos paraísos objetos que sobre ele se constroem, do mesmo modo que os edifícios
fiscais, onde as normas dos diversos segmentos do Estado se curvam funcionalmente adequados transferem valor às atividades para as quais
diante dos imperativos da competitividade e da fluidez (SILVEIRA, 1995). foram criados. Em um processo marcado pelo acolhimento de inovações,
Esse retrato de disparidades regionais indica, a um só tempo, a esses lugares são, também, altamente produtores daquilo que a Escola de
constituição do território nacional em espaço nacional na economia Lund chama de exnovações, isto é, o efeito de deslocamento de outras
internacional (SANTOS, 1993; 165). técnicas, atividades ou organizações (DIAZ MUÑOZ, 1991, p. 146-147).
Novas relações entre os homens criam-se, no lugar, a partir da
chegada de objetos técnicos modernos. Akhrich (1987, p. 54) vai mais
O Lugar, a Região, a Compartimentação do Espaço longe ao dizer que “o objeto técnico define os atores aos quais se
endereça”. É aquilo a que Simondon (1989, p. 247) se refere com o
Na definição atual das regiões, longe estamos daquela solidariedade conceito de “transindividualidade”, uma relação e uma comunicação entre
orgânica que fora o próprio cerne da definição do fenômeno regional. O os homens que se realiza através do que eles inventam, isto é, por meio do
que temos hoje diante de nós são solidariedades organizacionais. As mundo técnico. Por isso, a informação decorre da relação entre os objetos
regiões existem porque sobre elas se impõem arranjos organizacionais, técnicos e estes, acrescenta o autor, tornam-se suporte e símbolo dessa
criadores de uma coesão organizacional, baseada em racionalidades de relação humana. É o mundo da transindividualidade, a natureza humana
origens distantes e que se tornam o fundamento da sua existência. O que, no ser técnico.
nessas condições, permanece das velhas definições de Região? Os objetos técnicos, na sua capacidade de fornecer trabalho,
Encontramos no território, hoje, novos recortes, além da velha impõem aos lugares uma vocação técnica que é produtora de ações
categoria região; e isso é um resultado da nova construção do espaço e do hierarquizadas. Como assevera Attali (1981, p. 200-201), o objeto é vivant

159 160
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 153-164 Milton Santos e María Laura Silveira – Globalização e Geografia...

porque, uma vez criado, ele toma vida própria, a partir das forças, primeira endereça a sociedade a uma certa globalidade procedente da
esperanças, ilusões, sonhos e rivalidades dos homens que, nele, são produção, da renda e do consumo, tendo uma das suas manifestações nos
investidos. Portanto, os objetos cristalizam as disputas entre os homens. antagonismos entre indivíduos, classes sociais, firmas, regiões e países, a
Raffestin (1993, p. 146), discutindo a produção do território, explica ideologia da métrica burocrática tende a recompor o sujeito social dividido
que “a ação coordenada, bem preparada sobre o plano, não pode ter o pela existência de métricas específicas. Diversas hierarquias impõem-se ao
caráter sistemático da geometria, pois intervém entre os dados reais do território, aumentando a compartimentação do seu uso, notadamente
contexto espaço-temporal. Isso significa que se passa de uma axiomática quando a função de recomposição do Estado é substituída pelo código da
pura para uma axiomática comandada pelo caráter probabilista e mercadoria.
necessariamente descontínuo da ação”. O território usado e valorizado São as firmas hegemônicas que produzem e utilizam, sobretudo, os
infunde qualidades à ação. espaços dotados de maiores acréscimos em ciência, tecnologia e
O território, carregado de técnica, cria, assim, uma informação. Suas ações segmentadas contribuem para consolidar a
compartimentação da interação humana. Mas, é a compartimentação da compartimentação do espaço. As relações interindustriais asseveram Taylor
ação humana que produz ao mesmo tempo, a escassez do ponto de vista e Thrift (1982, p. 1604), são power networks (sistemas de poder), na medida
do território. As redes são um exemplo de compartimentação de em que constituem “manifestações operacionais das relações de poder”.
infraestruturas e processos. Mas as relações comerciais e informacionais também exercem papel
A população e as vias de comunicação e transmissão constituem, no idêntico. Com quinhões diversos nesses sistemas, as empresas participam
pensamento de Durkheim (1985, p. 116), a densidade material. Tratar-se-ia da desigual distribuição e uso dos recursos no território.
daquelas existências às quais acrescentaríamos, hoje, os novos conteúdos O destino das sociedades e de cada homem é, nos dias de hoje,
de tecnologia, ciência e informação, e que, desse modo, concorrem para regrado por essas novas formas de regulação do espaço. Por isso, entre o
definir a riqueza e a escassez material dos lugares. Todavia, o lugar não se que somos e o que desejamos ser, entre os impasses atuais e as
constrói sem a ação que é, hoje, mais do que em outros períodos possibilidades e esperanças, jamais o homem e as regiões tanto
históricos, compartimentada. O oposto dessa ação é então a densidade necessitaram de um conhecimento abalizado do território. Tudo começa
dinâmica, que se refere ao volume de indivíduos que, na vida comum, se com o conhecimento do mundo e se amplia com o conhecimento do lugar,
vinculam não apenas comercialmente, mas também de um ponto de vista tarefa conjunta que é hoje tanto mais possível porque cada lugar é o
moral (DURKHEIM, 1985, p. 115-117). Pois, acrescenta o autor, “como mundo. É daí que advém uma possibilidade de ação. Conhecendo os
as relações puramente econômicas deixam os homens fora uns dos outros, mecanismos do mundo, percebemos como intencionalidades estranhas
pode haver numerosas relações econômicas sem que por isso participem vêm se instalar em um dado lugar, e nos armamos para sugerir o que fazer
os homens na mesma existência coletiva” (DURKHEIM, 1985, p. 116). no interesse social.
Para compreender a natureza dessas disputas é necessário focalizar
as lógicas do Estado e do mercado, já que elas imprimem diferenças no
uso e na distribuição dos recursos. As normas públicas e particulares Bibliografia
aperfeiçoam o uso dos objetos técnicos e o funcionamento das áreas
luminosas. As normas do Estado são, crescentemente, impregnadas pelo AKRICH, Madeleine. Comment decrire lês objets techniques?. In:
Mercado e, por conseguinte, os resultados alcançados dependem mais de Techniques et Culture, nro. 9, jan-juin 1987, p. 49-63.
uma cooperação compulsória e menos de uma disputa regulada entre a
Nação e as forças da globalização. ATTALI, Jaques. Les trois mondes. Pour une théorie de l’après-crise.
Guillaume (1978, p. 106-107) discutindo a questão da Librairie Arthème Fayard, Paris, 1981.
homogeneidade das esferas do mercado e do Estado, sugere distinguir BAKIS, Henry. Les réseaux et leurs enjeux sociaux. Presses
entre uma métrica mercantil e uma métrica burocrática. Enquanto a Universitaires de France (Que sais-je?), Paris, 1993.

161 162
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 153-164 Milton Santos e María Laura Silveira – Globalização e Geografia...

BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à História Contemporânea. RODOMAN, B.B. Territorial Systems. In: Soviet Geography, vol. XIV,
Zahar, 5 ed., Rio de Janeiro, 1983. nro.2, Fev. 1973, p. 100-105.
BRETON, Thierry. (1991) La dimension invisible: lê défi du temps et RICHTA, Radovan. La civilización en la encrucijada. Ayuso, 2 ed.,
de l’information. Editions Odile Jacob, 2 ed., Paris, 1994. Madrid, 1974.
CASTILHO, Ricardo. Reflexões sobre os Sistemas Técnicos Orbitais (em SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. Hucitec, São
sua relação com o território). In: I Encontro Nacional da ANPEGE, Paulo, 1988.
Aracaju, 5 a 8 de setembro de 1995.
SANTOS, Milton. Lês Espaces de la Globalisation. In: Points de vue sur
DE JONG, G. Chorological differentiations as the fundamental le système monde, GEMDEV, Cahier nro. 20, Paris, mai 1993.
principle of Geography. J.B. Wolters, Groningen, 1962.
SANTOS, Milton. O espaço: sistemas de objetos, sistemas de ações. In:
DIAZ MUÑOZ, Maria Angeles. Unas notas sobre lãs posibilidades Anais do IV Encontro Nacional da ANPUR, Salvador, 1991, p. 35-39.
docentes y aplicaciones de la Geografia Del Tiempo. In: Serie Geográfica,
SANTOS, Milton. O Lugar Encontrando o Futuro. Conferência de
nro.1, Geografias Personales (Departamento de Geografia, Universidad de
abertura no Encontro Internacional “Lugar, Formação Socioespacial,
Alcalá de Henares), 1991, p. 131-163.
Mundo”, São Paulo, 8 de setembro de 1994.
DURKHEIM, Emile. (1895) Las Reglas del Método Sociológico. Orbis
SANTOS, Milton et Maria Laura SILVEIRA. D’une Géographie
Hyspamérica, Madri, 1985.
Métaphorique de la Post-modernité à une Géographie dela Globalisation.
GEORGE, Pierre. La géographie à l’ heure du temps. In: BAILLY, In: BENKO, Georges (ed), Espace et post-modernité, L’Harmattan,
Antoine, Robert FERRAS e Denise PUMAIN, Encyclopédie de Paris, 1996.
Géographie, Economica, Paris, 1992, p. 1045-1058.
SILVEIRA, Maria Laura. Concretude territorial, regulação e densidade
GIDDENS, Anthony. (1984) La Constitution de la Société. Élements normativa dos lugares. In: I Encontro Nacional da ANPEGE, Aracaju, 5 a
de la théorie de la structuration. Presses Universitaires de France, Paris, 8 de setembro de 1995.
1987.
SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence dês objets tchniques.
GUILLAUME, Marc. Eloge du désordre. Gallimard, Paris, 1978. Aubier, Paris, 1989.
LEY, David. Geography without man: a humanistic critic. University
of Oxford, School of Geography Research, Paper 24, 1980.
MORIN, Edgar. L’homme domine-t-il sa planète?. In: Le Nouvel
Observateur, Collection Dossiers nro.2, Paris, 1990, p. 44-45.
PAZ, Octavio. (1974) Los hijos del limo. Del romanticismo a la
vanguardia. Seix Barral, 3 ed., Barcelona, 1990.
PIKE, Richard J. Geography on the Planets: Gift of Remote Sensing, In:
The Professional Geographer, vol. 39, nro. 2, May 1987, p. 131-145.
RAFFESTIN, Claude. (1980) Por uma Geografia do Poder. Atica, São
Paulo, 1993.

163 164
Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

COMPÊNDIO - CADERNO PRUDENTINO DE Ano 2, nº2 – 1982 LACAVA, Oduvaldo O. O Projeto


GEOGRAFIA: 1981-2005 Lagoa São Paulo. p. 115-120.
BARROS, Omar Neto Fernandes. O ABREU, Dióres Santos. A fundação
caso da agricultura no Brasil. p. 11-16. de Presidente Prudente. p. 123-126.
Ano 1, nº 1 – 1981 GARMS, Armando. A sobrevivência PASSOS, Messias Modesto dos. LEITE, José Ferrari. Um retrato da
das pequenas cidades: o exemplo da Devastação das matas no estado de região prudentina. p. 127-135.
Alta Sorocabana. p. 25-34. São Paulo. p. 17-27. ALEGRE, Marcos. Alta Sorocabana:
GARMS, Armando. O Pantanal
ANTONIO, Armando Pereira. A TITARELLI, Augusto Humberto população. p. 136-144.
Matogrossense e Corumbá: roteiro de
cultura da cana-de-açúcar na região Vairo. Alteração do clima local nos ZAVATINI, João Afonso. A
uma excursão. p. 7-27.
de Presidente Prudente e suas centros urbanos: efeitos adversos da distribuição das chuvas e suas
ANTONIO, Armando Pereira. A
implicações ecológicas. p. 35-40. urbanização. p. 28-35. anomalias em Presidente Prudente
presença do imigrante alemão no
ANTONIO, Armando Pereira; STIPP, Nilza Aparecida Freres. As (SP) – Período 1942/76. p. 147-152.
município de Presidente Venceslau-
BARREIRA, José. Projeto de conseqüências do manejo inadequado SIMONIC, Janez. Rotações do solo
SP (Primeiras notas).p. 28-34.
reassentamento rural no extremo do solo. p. 36-43. e suas aplicações na agricultura. p.
LITHOLDO, Augusto. Geografia e
sudoeste paulista – Lagoa São Paulo – SUDO, Hideo. Planalto Ocidental 153-157.
dialética. p. 35-50.
um exemplo pioneiro no Brasil Paulista. p. 44-48. RODRIGUES, Donizete Aparecido.
ABREU, Dióres Santos. Que é
(primeiras notas). p. 41-52. BERTTI, Latife Jacob. Dificuldades O homem em quatro dimensões. p.
História? p. 51-53.
MELO, Jayro Gonçalves. de aplicação das propostas dos 158-163.
SALGADO, Fernando Carlos F. A
Historiografia e testemunho materiais instrucionais da Secretaria GRIGOLETTO, Marina Fátima;
Colônia Entre-rios (Primeiras notas).
histórico. p. 53-58. de Educação. p. 51-55. SOUZA, Neide de Melo. Análise de
p. 54-74.
ZAVATINI, João Afonso. O SANTOS, Douglas. A Geografia que uma agro-indústria de tomate na Alta
LEITE, José Ferrari. Geografia e
registrador de umidade superficial e se ensina. p. 56-63. Sorocabana. p. 164-168.
planejamento regional. p. 75-81.
sua aplicabilidade em estudos MARINI, Thereza. Quem ensina o RONCHEZEL, José Antonio.
TEIXEIRA, Márcio Antônio. A
agroclimatológicos. p. 59-64. ensino da Geografia. p. 34-72. Programa Cura – contribuição para a
Geografia rural no Brasil:
BARREIRA, José. Ensaio sobre o ARAÚJO FILHO, José Ribeiro de. análise do significado de sua
contribuição aos estudos de revisão e
esvaziamento populacional na região A questão da terra no Brasil. p. 75-77. aplicação. p. 169-170.
tendências. p. 82-89.
de Presidente Prudente. p. 65-74. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino VIZINTIN, Miriam; BRAGUETO,
BENITES, Miguel Gimenez. Notas
LEITE, José Ferrari. Alta de. Os posseiros e a luta contra o Cláudio Roberto; QUADROS, José
sobre o abastecimento de carne
Sorocabana (Uma região em busca de capital: “a terra é de ninguém”. p. 78- Luiz R. de. Norte do Paraná –
bovina nas metrópoles nacionais. p.
sua vocação). p. 75-83. 93. situação agrária e suas relações com a
90-92.
PASSOS, Messias M. dos. SALGADO, Fernando Carlos mão-de-obra. p. 171-175.
Ano 1, nº2 – 1981 Observações fitossociológicas no Fonseca. Colonização nos campos
noroeste do Mato Grosso. Interflúvio gerais do Paraná (Alguns Ano 2, nº4 – 1982
das bacias dos Rios Jurema, Paraguai comentários). p. 94-100.
ASARI, Alice Yatiyo; USSAMI, e Guaporé. p. 84-89. VIANA, Myrna Terezinha Rego. ROCHEFORT, Michel.
Yoshie. Algumas considerações sobre AOKI, Yolanda Shizue; SPOSITO, Poder político e a luta pela terra na Regionalização e rede urbana. p. 7-28.
um núcleo de habitação popular – Maria Encarnação B. Crescimento e cidade. p. 101-105. ROCHEFORT, Michel. Problemas
Conjunto Habitacional Bartholomeu concentração das redes comerciais SEABRA, Odete Carvalho de Lima. de organização do espaço urbano. p.
Bueno Miranda – Presidente paulistas. p. 90-115. As empresas de construção civil e a 29-52.
Prudente – SP. p. 7-24.
produção do espaço urbano no ROCHEFORT, Michel. Aspectos
Brasil. p. 106-114. da pesquisa sobre os serviços de

166
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 165-179 Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

saúde e instrução em Campina geográfica da indústria cimenteira no pluvial do inverno de 1983 no meteorológicas – o exemplo da
Grande e Londrina. p. 53-81. Brasil. p. 35-62. extremo oeste paulista. p. 123-128. Estação Meteorológica de Presidente
LINS, Maria de Lourdes Ferreira. A BARRIOS, Neide Aparecida Prudente-SP. p. 158-161.
Ano 3, nº5 – 1983 catedral como “patrimônio Zamuner. Clima e produção agrícola. FREITAS, Olga Lúcia Castreghini
histórico”. p. 63-73. p. 129-132. de. A aplicação do capital local no
LITHOLDO, Augusto. Teoria RAO, Nandamudi Jagan Mohana; LEISTER, Adalberto. Cartografia e setor secundário em Presidente
científica, ideologia e epistemologia. TOMASELLI, José Tadeu Garcia. Geografia. p. 133. Prudente. p. 162-163.
p. 7-20. Comportamento dos solos de SILVA, José Carlos Plácido da; RAMOS, Noêmia. Preconceito de
PASSOS, Messias Modesto dos. Presidente Prudente em relação às BACH, Lílian Maria Klinger. Estudo cor no Brasil. p. 164-166.
Correntes de pensamento em temperaturas mínimas e geadas, nas comparativo de projeções RODRIGUES, Donizete Aparecido.
Biogeografia. p. 21-26. diferentes estações do ano. p. 74-98. cartográficas UTM e cônica O problema dos sítios pré-históricos
GODOY, Manoel Carlos Toledo SALGADO, Fernando Carlos conforme Lambert. p. 133-134. no Brasil. p. 167-171.
Franco de. O tratamento da paisagem Fonseca. O espaço agrário brasileiro. SPOSITO, Eliseu Savério. Mapa OLIVEIRA, Luzia Alves de;
e a qualidade de vida nas cidades. p. p. 101-102. mental. p. 134-136. LISBOA, Maria Cristina. Algumas
27-32. BARREIRA, José. A organização do KUNZLI, Ruth. Povos indígenas – considerações sobre a utilização do
RODRIGUES, Donizete Aparecido. espaço agrário regional como fator de realidades e perspectivas. p. 137-143. método de observação participante.
Bolívia, mito e realidade. p. 33-42. mobilidade populacional. p. 102-104. RODRIGUES, Donizete Aparecido. n. 6, p. 172-173, 1983.
MENECOZI, Arnaldo Rodrigues; ANTONIO, Armando Pereira. O genocídio na América Latina. p.
FORTUNATO, Elizabeth. Aspectos Projeto Co-lagoa – os problemas de 144-150. Ano 4, nº7 – 1984
econômicos e geográficos da uma colonização dirigida no sudoeste RAO, Nandamudi Jagan Mohana;
produção leiteira na Alta Paulista. p. paulista. p. 105-110. TOLEDO, Victor Lucio. Métodos SCHLITTLER, Flávio Henrique
43-96. LEITE, José Ferrari. As “crises” e a estatísticos da interpolação dos dados Mingante. O reflorestamento como
SPOSITO, Eliseu Savério. Breve conservação da natureza. p. 111-112. de chuva – escolha do melhor um recurso natural: problema
histórico da AGB (notas). p. 97-100. GODOY, Manoel Carlos Toledo método. p. 151-152. ecológico ou racionalidade? p. 7-12.
ALVES, Sergio Paulo do Carmo. Franco de. Problemas ambientais RAO, Nandamudi Jagan Mohana; SUDO, Hideo. O efeito estufa e suas
Universidade e sociedade (notas). p. relacionados à mineração do carvão. PARO, Rosângela. Método da aplicações geográficas. p. 13-18.
101-102. p. 113-116. “Spline” – interpolação rápida. p. MARTINS, Olimpio Beleza. As
TEIXEIRA, Márcio Antonio. Notas PASSOS, Messias Modesto dos. O 152-153. transformações ocorridas na
sobre a cultura do algodão no nível das discussões ecológicas. p. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; economia da Alta Sorocabana. p. 19-
contexto dos “ciclos” econômicos do 117-118. TOMASELLI, José Tadeu G. 28.
Oeste Paulista (notas). p. 103-106. Mesa Redonda 3: Ambiente climático Previsão das chuvas máximas para VALVERDE, Orlando. Quarenta
SUDO, Hideo. Ambiente Climático. Presidente Prudente. p. 154-155. anos de serviços prestados (palestra).
Ano 3, nº6 – 1983 p. 119-121. RAO, Nandamudi Jagan Mohana; p. 29-42.
RAO, Nandamudi Jagan Mohana. SIMONIC, Janez. Influencia da SPOSITO, Eliseu Savério. Migração
Distribuição de freqüência das pluviosidade para irrigação das e capitalismo (notas). p. 43-45,.
ABREU, Dióres Santos. A precipitações de diferentes culturas de algodão e amendoim na
industrialização brasileira na década RODRIGUES, Donizete Aparecido.
intensidades para Presidente região de Presidente Prudente. p. Notas sobre a arqueologia da Alta
de 1930. p. 9-16. Prudente. p. 122-123. 155-157.
SPOSITO, Eliseu Savério. Sorocabana (notas). p. 46-50.
ZAVATINI, João Afonso; MENARDI JUNIOR, Ary; TEIXEIRA, Márcio Antonio. Notas
Universidade e educação. p. 17-34. BEXIGA, Janete Aparecida; BEXIGA, Janete Aparecida. A
GODOY, Manoel Carlos Toledo sobre a questão demográfica em
MENARDI JUNIOR, Ary. O ritmo validade das observações Presidente Prudente (notas). p. 51-54.
Franco de. Forças de atração

167 168
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 165-179 Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

TEIXEIRA, Márcio Antonio; Ano 7, nº9 – 1987 Ano 7, nº10 – 1987 GAETA, Antonio Carlos. Violência
MARTINS, Olimpio Beleza. A urbana e ideologia em São Paulo. p.
Geografia a serviço do Estado KOGA, Keiko Tokunaga. Geografia SPOSITO, Eliseu Savério. Seção de 53-61.
(notas). p. 55-59. aplicada ao estudo da realidade: Presidente Prudente: Relatório.p. 5-7. SPOSITO, Eliseu Savério. A
pesquisa sócio-econômica e cultural ABREU, Dióres Santos. As interligação/integração de Guarulhos
Ano 6, nº8 – 1986 de uma comunidade. p. 5-29. constituintes e as constituições na região metropolitana de São Paulo.
SPOSITO, Maria Encarnação brasileiras – a participação popular e a p. 62-87.
SILVEIRA, Fátima Rotundo da. A Beltrão. Os agentes produtores do dependência econômica. p. 8-14. CÁCERES, Tomás Rafael Cruz.
coexistência da pequena e grande espaço urbano em Presidente TEIXEIRA, Márcio Antonio. Subsídio de preços de alimentos ao
exploração agrícola no Brasil. p. 5-14. Prudente – a ação privada: 1970- “Geografias”, “Geógrafos” e consumidor final como intervenção
FREITAS, Olga Lúcia Castreguini 1982. p. 30-41. constituinte. p. 15-20. nutricional. p. 88-97.
de. Capital e força de trabalho no GAETA, Antonio Carlos. COSTA, José Fernandes Afonso LEITE, José Ferrari. O curso de
setor secundário em Presidente Transformação no espaço urbano em Costa. A participação do geógrafo na pós-graduação em Geografia do
Prudente. p. 15-32. São Paulo, o anarquismo e as elaboração da constituição. p. 21-23. IPEA. p. 98-105.
RAO, Nandamudi Jagan Mohana; mudanças no Estado na Primeira ANTONIO, Armando Pereira. O ALVES, Sérgio Paulo do Carmo.
AZEVEDO, Roberto Bernardo; República. p. 42-55. profissional em Geografia e sua Subsídios teóricos para a discussão do
GARCIA, José Antonio P. Previsão GAETA, Antonio Carlos; participação nos movimentos espaço-fronteira. p. 106-119.
probabilística de data de ocorrência CAROLLO, Denise Helena populares para a elaboração da
de temperatura extrema. p. 33-38. Monteiro de Barros. A questão do constituição brasileira. p. 24-25. Ano 9, nº11/12 – 1989
GARMS, Armando; ALVES, Sérgio conteúdo ideológico no ensino SILVA, Éder Luis da. É necessária a
Paulo do Carmo; LEISTER, brasileiro – a utilização da História e participação do estudante. p. 26. LADOUCEUR, Micheline.
Adalberto. O bairro rural do da Geografia. p. 56-61. SUDO, Hideo. Perspectivas da Identidade nacional, imagem do
campinho. p. 39-62. SCHLITTLER, Flávio Henrique Geografia na constituinte. p. 27-28. Brasil e os discursos da Geografia. p.
ALVES, Sérgio Paulo do Carmo. Mingante. Avaliação e análise dos AGB. Geografia e constituinte. 5-10.
Movimentos migracionais em impactos ambientais. p. 62-68. Documento resultante das teses e SILVA, Dora Martins Dias e.
Rondônia até 1982. p. 63-74. MARTINS, Ana Victória Vieira. O resoluções do VI Encontro Nacional Aplicação da proposta curricular de
SALGADO, Fernando Carlos papel das destilarias de álcool na Alta de Geógrafos. p. 35-38. Geografia da CENP na 5ª série do 1º
Fonseca. Notas sobre a Fazenda Sorocabana. p. 69-101. SEÇÃO LOCAL DE BRASÍLIA. grau... utopia? p. 11-26.
Rebojo do Incra (Município de CANÔAS, José Walter. Recursos O espaço da educação. p. 39-41. MOREIRA, Ruy. Marxismo e
Estrela do Norte, SP) (notas). p. 75- humanos em usinas de açúcar e FERREIRA, Yoshiya Nakagawara. Geografia. p. 27-42.
78. álcool. p. 102-111. Contribuições das seções locais: PASSOS, Messias Modesto dos;
MARINI, Thereza. Palavras aos ANTONIO, Armando Pereira. A Londrina – Reforma urbana. p. 42-44. MARTINS, Olímpio Bezerra. A
formandos de 1984 da XXI Turma ação estatal no processo de Qual será a cara da constituinte? p. exploração da floresta amazônica: o
do Instituto de Planejamento e organização agrária no município de 45-46. exemplo de Jauru/MT. p. 43-52.
Estudos Ambientais – UNESP – Teodoro Sampaio, SP (Primeiras BLEY, Cícero (coord.). Propostas do MARTINS, Olímpio Bezerra;
Campus de Presidente Prudente notas). p. 112-135. Simpósio Nacional “Constituinte, PASSOS, Messias Modesto dos. Vale
(notas). p. 79-84. SILVEIRA, Fátima Rotundo da; vida e meio ambiente”. p. 47-49. do Guaporé: conflitos pelo espaço. p.
SPOSITO, Eliseu Savério. A PORTO ALEGRE – Movimento 53-60.
modernização da agricultura pró-constituinte. p. 50. RODRIGUES, Arlete Moysés. Na
brasileira. 136-145. SANTOS, Milton. O Geógrafo e a procura do lugar, o encontro da
constituinte. p. 51-52.

169 170
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 165-179 Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

identidade: a Geografia de um SANTOS, Milton. A revolução humanos na empresa e o serviço PEIXOTO, Adão José. A questão
movimento social (palestra). p. 61-80. tecnológica e o território: realidades e social. p. 93-99. do planejamento e da metodologia
MASSACRE EM NOME DO perspectivas. p. 141-152. GODOY, Manoel Carlos T. Franco numa perspectiva dialética de
DESENVOLVIMENTO LAGANÁ, Liliana. Imagem e de. Aspectos da geodinâmica em educação. p. 83-88.
(Documento). p. 81-82. realidade na configuração mental do estudos aplicados à gestão do meio MARACCI, Moacir Teles.
COMPRO OURO, VENDO espaço: o exemplo dos imigrantes ambiente. p. 100-118. Dificuldades para a organização do
DECADÊNCIA HUMANA italianos em Pedrinhas. p. 153-159. BARRIOS, Neide Aparecida trabalhador rural (notas). p. 89-92.
(Documento). p. 83-84. LUIZ, Lindomar Teixeira. Uma Zamuner; HERNANDES, Maria
experiência reveladora. p. 160-167. Cristina Martinez. Aplicação de Ano 14, nº16 – 1994
Ano 11, nº13 – 1991 MELO, Jayro Gonçalves. O nacional técnicas para escolha de anos-padrão,
e a revolução em Caio Prado Júnior. como base de estudo dinâmico das SILVA, Armando Corrêa da.
MELO, Jayro Gonçalves. O ponto p. 168-188. chuvas no extremo oeste paulista. p. Software e valor. p. 8-23.
de apoio. p. 6-9. 119-157. WALDMAN, Maurício. Tempo,
SPOSITO, Maria Encarnação Ano 12, nº 14 – 1992 ADORNO, Lúcio Flavo Marini. A modernidade e natureza. p. 24-73.
Beltrão. Gestão da cidade e uso do conferência das Nações Unidas para THOMAZ JÚNIOR, Antonio. A
solo urbano. p. 10-15. MOREIRA, Ruy. Assim se passaram o meio ambiente e o biodiversidade para além da
THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Em dez anos (a renovação da Geografia desenvolvimento: da questão preservação. p. 74-93.
defesa do trabalho de campo. p. 16- no Brasil – 1978-1988). p. 5-39. ambiental à geopolítica. p. 158-167. AMORIM, Margarete Crisitiane de
27. BETTINI, Rita Filomena A. SANTOS, Milton. A involução Costa Trindade. O processo de
GUIMARÃES, Raul Borges. Januária. De Descartes a Ford: uma metropolitana: a região cresce mais urbanização e a degradação
Metodologia de projetos: uma explicação da racionalização do que a metrópole. p. 168-175. ambiental. p. 94-114.
proposta para o ensino de Geografia. trabalho. p. 40-43. FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira.
p. 28-39. SILVEIRA, Fátima Rotundo da. Os Ano 13, nº15 – 1993 Linguagem e cotidiano na arte de ler
FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. camponeses na região de Presidente e viver o espaço. p. 115-135.
Crise na renovação da Geografia: a Prudente. p. 44-53. ANDRADE, Manuel Correia de. GEBRAN, Raimunda Abou. A
angústia e a relação teoria/prática. p. FERNANDES, Bernardo Mançano. Homem e natureza por uma política presença de mecanismos alienantes
40-48. O Movimento dos Trabalhadores de meio ambiente para o Brasil. p. 6- no ensino de Geografia no Primeiro
LAGANÁ, Liliana. O sagrado e o Rurais Sem Terra e a territorialização 17. Grau – análise do cotidiano. p. 136-
profano na percepção do espaço. p. da luta pela terra no Brasil. p. 54-69. ALVES, William Rosa. De quem é o 151.
49-60. ANTONIO, Armando Pereira. O espaço? Estado x sociedade nas FERNANDES, Bernardo Mançano.
SANT’ANNA NETO, João Lima. movimento social rural e o cidades brasileiras. p. 18-27. Amassando a massa: para uma crítica
A abordagem sistêmica nas relações assentamento de camponeses. p. 70- SOUSA, Silvia Aparecida de. ao conceito de massa. p. 152-158.
sociedade-natureza. p. 61-66. 76. Políticas de Estado e a questão da ALMEIDA, Rosemeire A. de. A
MOREIRA, Ruy. O conceito de SANT’ANNA NETO, João Lima. moradia em Presidente Prudente. p. conquista da terra pelo MST e a
natureza na Geografia física. p. 67- Um olhar sobre o Sudeste Brasileiro. 28-59. estrutura fundiária no Pontal do
113. p. 77-82. GALLÉRO, Alvaro Lopez. Uruguay, Paranapanema. p. 159-167.
FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. HORA, Mara Lúcia Falconi da; zonas francas y Mercosur. p. 60-70. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. A
Algumas reflexões sobre a questão da SILVA, Maria José Martinelli. A GRIGORIEV, A. A. Os terceirização no contrapasso da ação
região: o caso do nordeste. p. 114- (re)estruturação da cidade. p. 83-92. fundamentos teóricos da moderna sindical. p. 168-186.
140. CANÔAS, José Walter. Geografia física. Tradução de João
Desenvolvimento de recursos Lima Sant’Anna Neto. p. 71-82.

171 172
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 165-179 Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

FABRINI, João Edmilson. Frente topofobia no ensino de Geografia. p. Ano 17, nº19/20 – 1997 econômicos e cadeias produtivas. p.
pioneira e ocupação do sul do Mato 145-152. 17-24.
Grosso do Sul. p. 187-197. SILVA, Eduardo Carlos. Olhar PAULINO, Eliane Tomiasi. A SPOSITO, Maria Encarnação
CHAVES, Manoel Rodrigues. periférico (resenha). p. 153-156. questão agrária e o campesinato: um Beltrão. A análise urbana na obra de
Cerrado brasileiro: principais fatores retorno aos clássicos. p. 5-20. Milton Santos. p. 25-42.
norteadores de sua ocupação. p. 198- Ano 16, nº18 – 1996 MARTIN, Jean-Yves. A SPOSITO, Eliseu Savério. A teoria
212. geograficidade dos movimentos dos dois circuitos da economia
PASSOS, Messias Modesto dos. SANTOS, Milton; SILVEIRA, socioespaciais. p. 21-35. urbana nos países subdesenvolvidos:
Teledetecção aplicada ao estudo da Maria Laura. Globalização e ALMEIDA, Rosemeire Aparecida seu esquecimento ou sua superação?
paisagem. p. 213-229. Geografia: a compartimentação do de. Os (des)caminhos do campesinato p. 43-52.
ABREU, Silvana de. A noção de espaço. p. 5-17. brasileiro: o ontem e hoje nos OLIVEIRA, José Aldemir de. As
espaço e sociedade no primeiro grau: CARVALHO, Marcos Bernardino assentamentos do Pontal do cidades da Amazônia: novas
teoria e prática (notas). p. 230-235. de. Reflexões sobre Geografia, Paranapanema. p. 36-58. territorialidades e velhas exclusões
biodiversidade e globalização em SAQUET, Marcos Aurélio. Colônia reencontradas. p. 53-70.
Ano 15, nº17 – 1995 tempos neoliberais. p. 18-39. Silveira Martins/RS: gênese e CALAÇA, Manoel. Geoestratégia do
MOREIRA, Ruy. Ascensão e crise desenvolvimento. p. 59-77. capital: novas formas de
VESENTINI, José William. O de um paradigma disciplinar. p. 40- PASSOS, Messias Modesto dos; subordinação do trabalho ao capital
ensino de Geografia no século XXI. 64. UGIDOS, Miguel Angel Luengo. na Amazônia sul ocidental brasileira.
p. 5-19. KURZ, Robert. A terceira força. p. Biogeografia da caatinga. p. 78-103. p. 71-84.
SANTOS, Douglas. Conteúdo e 65-83. RAMOS, Marcos Lupércio. A ADORNO, Lúcio Flavo Marini. A
objetivo pedagógico no ensino de SILVA, Armando Corrêa da. A temática ambiental: “um problema” abordagem geopolítica no final do
Geografia. p. 20-61. Geografia do mundo atual e a das sociedades contemporâneas? p. século XX: novos e velhos
PEREIRA, Diamantino. Geografia globalização. Novos paradigmas, 104-127. paradigmas. p. 85-101.
escolar: conteúdos e/ou objetivos? p. mudanças de escala e incertezas. p. RAMOS, Marcos Lupércio. RIBAS, Alexandre Domingues;
62-74. 24-88. Educação ambiental: causas e SANTOS, Dirceu Evaldo Pereira
FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. ALANTEJANO, Paulo Roberto. O soluções à degradação ambiental. p. dos; RIBEIRO, Júlio Cézar;
A institucionalização do ensino de sentido da reforma agrária no Brasil 128-138. SOUZA, Marcos Timóteo Rodrigues
Geografia no Brasil da primeira dos anos 90. p. 89-107. SPOSITO, Eliseu Savério. As de. Marxismo e Geografia: paisagem
metade do século XX. p. 75-93. SOUZA, José Gilberto de. A reforma transformações no território do e espaço geográfico – uma
RUFINO, Sonia M. V. Castellar. A fiscal e a propriedade rural. p. 108- Oeste da Bahia (notas). P. 139-156. contribuição para o entendimento da
construção do conceito de espaço e o 129. BARONE, Luis Antonio. Notas sociedade contemporânea. p. 102-
ensino de Geografia. p. 94-114. SPOSITO, Eliseu Savério. La sobre a questão agrária no Brasil 123.
SOUZA, José Gilberto de. A mondialisation du capital (resenha). p. (notas). p. 157-162. BAUAB, Fabrício Pedroso.
cartografia e a proposta da CENP. p. 130-134. Romantismo e natureza em
115-131. LOURENÇO, Claudinei. Ano 501: a Ano 19, nº21 – 1999 Humboldt: um breve debruçar
FERNANDES, Bernardo Mançano. conquista continua (resenha). p. 135- analítico. p. 124-133.
Geografia em canção: o som e a 139. GOETTERT, Jones Dari. A festa:
FISCHER, André. Migrações espaço de múltiplos tempos. p. 134-
imagem no processo de construção SPOSITO, Maria Encarnação seletivas: uma resposta à crise?. p. 5-
do conhecimento. p. 132-144. Beltrão. Au coeur des villes (resenha). 144.
16.
LOURENÇO, Claudinei. O p. 140-144. GUIMARÃES, Raul Borges.
toponômio, o toporâmico e a Serviços de saúde, circuitos

173 174
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 165-179 Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

NUNES, Flaviana Gasparotti. reestruturação industrial na Região PEREIRA, Silvia Regina. A SANT’ANNA NETO, João Lima.
Avaliação, ensino de Geografia e Metropolitana de Buenos Aires. p. produção social do espaço urbano. p. Alegres trópicos: primeiras
projeto educacional. p. 145-157. 75-98. 245-248. impressões dos cronistas e viajantes
TORRES, Eloiza Cristiane. A PEREIRA, Silvia Regina. O SILVA, Patrícia Monteiro da. sobre o tempo e o clima no Brasil
cartografia no ensino de Geografia: processo de reestruturação interna Economia global e exclusão social: colônia. p. 71-92.
construindo os caminhos do das cidades. p. 99-124. pobreza, emprego, estado e o futuro LEAL, Antonio Cezar;
cotidiano (resenha). p. 159-161. SOUZA, Marcos Timóteo Rodrigues do capitalismo (resenha). p. 248-249. GUIMARÃES, Eliana Maria Alves.
MATUSHIMA, Marcos Kazuo. El de. Impactos ambientais do SILVA, Patrícia Monteiro da. O Gestão de recursos hídricos e
eje Irún-Aveiro. Geografía de un eje transporte urbano. 125-142. impacto da globalização na economia educação ambiental. p. 93-114.
de desarrollo (resenha). p. 161-164. PASSOS, Messias Modesto dos. brasileira (resenha). p. 249-250. AMORIM, Margarete C. de C.
CASTRO, Luis Antonio de Brasil 438 DC. p. 143-162. BOMTEMPO, Denise Cristina. Por Trindade. Análise temporal dos
Carvalho. Globalização e SILVEIRA, Márcio Rogério. que migramos do e para o Japão elementos climáticos em Presidente
desemprego: diagnóstico e Reflexões sobre o processo de (resenha). p. 251-254. Prudente. p. 115-131.
alternativas (resenha). p. 164-166. integração econômica: o caso GONÇALVES, Marcelino Andrade. JÚLIO, Marcelo de Oliveira.
SILVA, Patrícia Monteiro da. brasileiro. p. 163-178. O Estado capitalista e a questão Reestruturação produtiva e
Globalização e desemprego: MEDEIROS, Célia Maria Vieira de. urbana (resenha). p. 254-256. qualificação. p. 132-153.
diagnóstico e alternativas (resenha). p. Geografia política: papéis do Estado- GUIMARÃES, Raul Borges; GONÇALVES, Marcelino Andrade.
166-168. nação e da sociedade na MAGALDI, Sérgio Braz; MARTIN, O processo de territorialização dos
reestruturação da economia mundial. Encarnita Salas; MELAZZO, camelôs em Presidente Prudente:
Ano 20, nº22 – 2000 p. 179-192. Everaldo Santos; SPÓSITO, Eliseu determinações e conflitos. p. 154-179.
FISCHER, André. Problemas de Savério. Sistema de informação GOETTERT, Jones Dari.
HESPANHOL, Antonio Nivaldo. A integração espacial na Europa. p. 193- geográfico direcionado ao Mobilidade do trabalho: sulistas em
expansão da agricultura moderna e a 200. enfrentamento da desigualdade social Rondonópolis (MT). p. 180-205.
integração do Centro-oeste brasileiro FERNANDES, Bernardo Mançano. (notas). p. 257-259. SILVA, Márcia da. O comerciante, o
à economia nacional. p. 7-26. Formação e territorialização do MST poder local e a produção do espaço
PEREIRA, Aparecido de Oliveira. A no Pará. p. 201-214. Ano 21, nº23 – 2001 urbano de Presidente Prudente (1920-
lógica do PRONAF. Ampliação e SILVA, João Marcio Palheta da. 1950). p. 206-228.
perpetuação das desigualdades Desigualdades geográficas: territórios ALENTAJANO, Paulo Roberto HESPANHOL, Rosângela
regionais. p. 27-40. de globalização na Amazônia. p. 215- Raposo. Espaço, território e região: Aparecida de Medeiros. A inserção
HESPANHOL, Rosângela 222. uma tentativa de conceituação. p. 7- econômica e social da produção
Aparecida de Medeiros. O Programa MEDEIROS, Marlon Clóvis. 37. familiar na região de Presidente
Nacional de Fortalecimento da Marxismo e análise regional: FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Prudente-SP. p. 229-245.
Agricultura Familiar – PRONAF: perseguindo o capital. p. 223-232. O ensino de geografia para além da TEIXEIRA, Jodenir Calixto;
uma avaliação preliminar. p. 41-60. SPOSITO, Eliseu Savério. La geometrização do espaço: HESPANHOL, Antonio Nivaldo.
ROSAS, Celbo Antonio de Fonseca. discontinuité critique. Essai sur les apontamentos entre o redondo e as As alterações na agropecuária de Três
Elementos para uma análise da principes a priori de la géographie retas. p. 38-50. Lagoas no contexto de Mato Grosso
modernização da agricultura no humaine (resenha). p. 233-240. RODRIGUES, Jean Carlos. O do Sul. p. 246-264.
estado de São Paulo. p. 61-74. SPOSITO, Maria Encarnação pensamento geográfico e os CHELOTTI, Marcelo Cervo;
BOZZANO, Horacio. Atratividade Beltrão. Métapolis (ou l’avenir des paradigmas em geografia: algumas BEZZI, Meri Lourdes. A cadeira
industrial e cemitérios industriais: villes) (resenha). p. 240-244. considerações. p. 51-70. produtiva da lavoura orizícola gaúcha
fortalezas e debilidades da frente ao Mercosul. p. 265-286.

175 176
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 165-179 Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

SILVA JÚNIOR, Roberto França distrito industrial de Presidente geográfica: apenas uma camada a desigualdade no espaço intra-urbano
da; MAGALDI, Sérgio Braz. Prudente. p. 74-92. mais? p. 29-44. de Presidente Prudente-SP: uma
Contraponto: sobre o EZPELETA, Alberto Marti; PEITER, Paulo. Geografia da saúde análise empírica dos resultados dos
desenvolvimento rural e reforma MARTINEZ, Eduardo Garcia. El na fronteira continental do Brasil. p. Censos 1991 e 2000. p. 209-224.
agrária. p. 287-291. impacto socioeconômico de los 45-62. AMORIM, Margarete C. de C.
BORDO, Adilson Aparecido. O temporales da lluvia y viento em GUIMARÃES, Raul Borges. Trindade. Ilha de calor noturna em
Brasil: território e sociedade no início Galicia (España). p. 93-114. Planejamento urbano saudável. p. 63- episódios de verão. p. 225-240.
do século XXI (resenha). p. 292-296. GONZÁLES, Alejandro López. La 76.
MEDEIROS, Daniel de Souza. A gran distribución en España. p. 115- TRUJILLO, Alberto Tomás Florido. Ano 24, nº26 – 2004
ilusão do desenvolvimento (resenha). 129. Clima y salud: una mirada desde la
p. 297-300. CAMARGO, Carlos Eduardo Secchi; percepción de la población. p. 77-96. VALENZUELA, Maria Cristina;
MENOTTI, Simone Scatolon; SILVA, Aldo Aloísio Dantas da. SOSA, Elina del Carmen. Tiempo y
Ano 22, nº24 – 2002 AMORIM, Margarete C. de C. Complexo geográfico, espaço vivido espacio en la materialización de los
Trindade. A cidade e o campo: um e saúde. p. 97-110. desastres. p. 9-24.
FERRÃO, João. Território, última estudo comparativo da variação da CURTO, Susana Isabel. Mapas em PERUSI, Maria Cristina; ZERO,
fronteira de cidadania? p. 7-15. temperatura e umidade relativa na geografia médica. p. 111-130. Vânia M.; TOMMASELLI, José
BAUAB, Fabrício Pedroso. A cidade de Presidente Prudente. p. PICKENHAYN, Jorge A. Tadeu Garcia; BRIGATTI, Newton.
similitude entre a transformação do 130-150. Transición epidemiológica en San Erosividade das chuvas no estremo
conceber e a recriação da grafia do SILVA, Silvio Simione da. Juan. p. 131-144. oeste do Estado de São Paulo nos
planeta: paralelos em Humboldt e Apontamentos teóricos para a MACHADO, José Roberto; anos de 1998 e 1999. p. 25-36.
Ritter. p. 16-32. concepção dos estudos migratórios MENDES, César Miranda. BEREZUK, André G.;
MAGALDI, Sérgio Braz. Território como um campo de investigação na Espacialidade e centralidade: uma GASPARETTO, Nelson V. L.;
como construção sócio-histórica: Geografia. p. 151-166. análise da área médica-hospitalar de SANTOS, Manoel L. dos.
uma análise bibliográfica na NUNES, Marcelo. Políticas Maringá-PR. p. 145-158. Características físico-químicas da
perspectiva da escola da proximidade. neoliberais e desintegração OLIVEIRA, Paulo Henrique Lima água subterrânea em Maringá-PR. p.
p. 33-42. econômica no Cone Sul: o caso de. A metropolização de Belo 37-46.
GÓMEZ, Luis Afonso Escudero; Brasil-Argentina. p. 167-173. Horizonte: a apropriação, pelo uso, ZANOTELLI, Cláudio Luiz.
GONZÁLES, Rubén Camilo Lois. WENCESLAU, Lucimaro dos centros de saúde de Ribeirão das Elementos de epistemologia da
Diversidade na Espanha: imagem e Andriano. A invenção do ser negro Neves/MG. p. 159-170. Geografia. p. 47-64.
tratamento mediático das (um percurso das idéias que FEITOSA, Tereza Maria Piccinini; HESPANHOL, Rosângela Ap. de
comunidades autônomas. p. 43-59. naturalizaram a inferioridade do ser ALMEIDA, Rosimary Teresinha de. Medeiros; NORONHA, Elias
NUNES, João Osvaldo Rodrigues; negro) (resenha). p. 174-177. Perfil de produção do Programa de Oliveira. Poder local e agricultura:
SANT’ANNA NETO, João Lima. Controle do Câncer do Colo do descentralização político-
A produção do espaço urbano e o Ano 23, nº25 – 2003 Útero do estado de Minas Gerais, no administrativa, desenvolvimento local
destino dos resíduos sólidos. p. 60-73. ano de 2002. p. 171-186. e experiências de articulação. p. 65-
GODOY, Manoel Carlos Toledo ROJAS, Luisa Iñiguez. Geografía y GONÇALVES, Cláudio Ubiratan. 90.
Franco de; SILVA, Lucia Helena salud: entre historias, realidades y Geografia agrária do Norte GOES, Eda Maria; AQUINO, Ana
Rodrigues da; SOUZA FILHO, utopías. p. 9-28. Fluminense. p. 187-208. Laura Cruz. Indícios para o estudo
Alcides de. O risco tecnogênico no BARCELLOS, Christovam. A saúde MELAZZO, Everaldo Santos; das relações de poder em uma
planejamento físico territorial: nos sistemas de informação FERREIRA, Júlio César; instituição disciplinar: o caso da
exemplo de área de ampliação do MIYAZAKI, Vitor Koiti. Renda e

177 178
Caderno Prudentino de Geografia, nº27 165-179

penitenciária de Presidente Prudente- VALVERDE, Orlando. Quarenta


SP. p. 91-108. anos de serviços prestados (palestra).
VIEIRA, Alexandre Bergamin. p. 39-58.
Segregação socioespacial e exclusão FREITAS, Olga Lúcia Castreguini
social: múltiplas dimensões. p. 109- de. Capital e força de trabalho no
128. setor secundário em Presidente
JESUS, Patrícia Maria de; ROMA, Prudente. p. 59-76.
Cláudia Marques; ZANDONADI, LADOUCEUR, Micheline.
Júlio César. A segregação Identidade nacional, imagem do
socioespacial e suas expressões em Brasil e os discursos da Geografia. p.
cidades médias e pequenas: algumas 77-82.
considerações. p. 129-142. SANTOS, Milton. A revolução
FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. tecnológica e o território: realidades e
O olhar e a paisagem – caminhos de perspectivas. p. 83-94.
um poema. p. 143-162. GRIGORIEV, A. A. Os
MELO, Jayro Gonçalves. Passagem fundamentos teóricos da moderna
do trabalho escravo para o trabalho Geografia física. Tradução de João
livre no Brasil. p. 163-168. Lima Sant’Anna Neto. p. 95-106.
SPOSITO, Maria Encarnação ANDRADE, Manuel Correia de.
Beltrão. A divisão territorial do Homem e natureza por uma política
trabalho e as cidades médias no de meio ambiente para o Brasil. p.
Estado de São Paulo. p. 169-180. 107-120.
NUNES, Flaviana Gasparotti. SILVA, Armando Corrêa da.
Naturaleza, localización y sociedad: Software e valor. p. 121-138-.
tres enfoques para la geografía PEREIRA, Diamantino. Geografia
económica. (Resenha). p. 181-186. escolar: conteúdos e/ou objetivos? p.
139-152.
Ano 25, nº27 – 2005 SANTOS, Milton; SILVEIRA,
Maria Laura. Globalização e
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino Geografia: a compartimentação do
de. Os posseiros e a luta contra o espaço. p. 153-164.
capital: “a terra é de ninguém”. p. 9-
22.
ROCHEFORT, Michel. Problemas
de organização do espaço urbano. p.
23-38.

179
Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2005

6. As menções a idéias e/ou informações no decorrer do texto devem


CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA subordinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do
NORMAS DE PUBLICAÇÃO autor, data, página). Ex.: (TOLEDO, 1991) ou (TOLEDO, 1991, p.25).
Caso o nome do autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre
1. O Caderno Prudentino de Geografia é uma publicação anual da parênteses. Ex.: “Nesse sentido, Monteiro (2003) afirma que...”. Diferentes
Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Local de Presidente Prudente. títulos do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados
O periódico publica artigos, notas, resenhas e comunicações de pesquisa por uma letra minúscula após a data. Ex.: (TOLEDO, 1994a), (TOLEDO,
de todas as áreas do conhecimento geográfico, em português, espanhol e 1994b).
inglês. Os textos devem representar trabalhos originais e inéditos. Serão 7. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem
aceitas traduções de artigos publicados recentemente no exterior e também alfabética de sobrenome do(s) autor(es) e deve obedecer às normas da
de Revistas Eletrônicas. As resenhas serão priorizadas sempre que possível, ABNT.
a partir de obras publicadas recentemente no Brasil e no exterior. a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome.Título: subtítulo.Edição. Local
2. Os artigos deverão ter de 15 a 30 laudas, incluindo tabelas, mapas, de publicação: Editora, Data. Número de volumes ou páginas.
figura, etc; as comunicações de pesquisa, de 5 a 8 laudas e as resenhas, de 3 Ex.: CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias geográficas. 2.ed. Rio de
a 5 laudas (texto em fonte Garamond, tamanho 11, espaçamento simples). Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 235p.
Na primeira folha, deve constar título (Garamond, tamanho 12, negrito, b) no caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo.
centralizado, espaçamento simples), nome do(s) autor(es) (Garamond, In: SOBRENOME, Nome (org). Título do livro. Local de publicação:
tamanho 12, sobrenome em maiúsculas e negrito, espaçamento simples, Editora, data. Página inicial-final. página inicial-página final. Ex.:
centralizado), identificação funcional (endereço completo, telefone/FAX, SIQUEIRA NETO, José Francisco. Contrato coletivo de trabalho. In:
e-mail e instituição na qual atua). A configuração das páginas deve seguir a OLIVEIRA, Carlos Alonso (Org.). O mundo do trabalho. São Paulo:
formatação: Tamanho do papel personalizado com largura de 15,8 cm e Página Aberta, 1994. p. 233- 264.
altura de 21,9 cm; margens superior e externa de 2cm , inferior e interna de c) no caso de artigo de periódicos: SOBRENOME, Nome. Título do
2,5 cm, medianiz de 0 cm; cabeçalhos e rodapés com as opções “diferentes artigo. Título do periódico, Local de publicação, número do volume,
em páginas pares e ímpares” e “diferente na primeira página” selecionadas; número do fascículo, página inicial-final, mês abreviado e ano. Ex.:
cabeçalho de 1,0 cm e rodapé de 1,27 cm e alinhamento vertical superior. ALVES, Giovanni. As dimensões do proletariado tardio. Debate
Os originais devem ser entregues em 2 cópias impressas em papel A-4, Sindical, São Paulo, n.33, ano 14, p. 51-53, maio, 1984.
impresso em uma só face, sem rasuras e/ou emendas, e também em d) no caso de dissertações e teses:
disquete de 1,44 Mb ou CD, necessariamente no programa word for SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. data de publicação. Número de
windows da Microsoft Corporation, a partir da versão 6.0. Obs: O disquete folhas ou volumes. Categoria (Grau e área de concentração) - Nome da
e/ou CD não será devolvido. Escola, Universidade, Cidade da defesa e data da defesa, mencionada na
3. As notas de rodapé (Garamond, tamanho 9, espaçamento simples e folha de aprovação (se houver). Ex: BUENO, M. S. S. O salto na
justificada) devem se restringir a 3 linhas e não devErão ser usadas para escuridão: pressupostos e desdobramentos das políticas atuais para o
referências bibliográgicas. ensino médio. 1998. 257 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de
4. Deverão ser encaminhados, necessariamente: resumo e abstract de no Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília.
máximo 200 palavras em um só parágrafo cada um, título em português e 8. Ilustrações, gráficos, figuras, fotografias, mapas, quadros, tabelas, etc.,
inglês e palavras chave (até 5) em português e em inglês (key-words), deverão limitar-se ao espaço de diagramação da revista e ser de boa
seguindo as seguintes especificações: Garamond, tamanho 10, qualidade gráfica, e apresentados em tons de cinza.
espaçamento simples, justificado.
5. Cabe ao Conselho Editorial a decisão final de publicar os trabalhos.

You might also like