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JOTA

ARTIGOS

Posições interpretativas scais em face do


RE 176.626-3
O posicionamento do STF posto em xeque

Grupo de Pesquisa Tributação na Era Digital do NEF/FGV Direito SP

18/11/2017 – 07:55

DESTAQUES DIREITO TRIBUTÁRIO ICMS RE 176.626-3


Projeto “Nossa Reforma Tributária: Desa os da Era Digital” do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP

O
trabalha pela pesquisa, identi cação e proposição de soluções no âmbito da tributação da economia
digital.

O objetivo deste artigo é analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário n.

176.626-3/SP[1], tendo em vista que mesmo que tenha tido seu acórdão publicado nos idos de 1998, continua
servindo como uma das poucas balizas norteadoras do debate da tributação dos softwares. Na oportunidade, o
STF, sob o voto condutor do Relator Ministro Sepúlveda Pertence, estabeleceu a célebre distinção entre
“softwares de prateleira” e “softwares sob encomenda”, determinando a partir desta diferenciação a
incidência do ICMS e do ISS, respectivamente.

A decisão foi tomada no âmbito da 1ª Turma do STF, portanto sem a participação do Pleno, e também fora da

sistemática da repercussão geral, que só fora aplicada à rotina da Corte pela Emenda Constitucional n. 45 de
2004.  Entretanto, as Administrações Tributárias dos três níveis da Federação utilizam-na habitualmente para
resolver questões atinentes à aplicação de seus tributos, inclusive con itos de competência, o que acarreta
insegurança jurídica por decorrência das sérias limitações da própria decisão per se.

Servirão de base para este estudo as decisões administrativas da Receita Federal do Brasil, a nível federal, do
Estado de São Paulo, a nível estadual, e do Município de São Paulo, a nível local. Os dois últimos se justi cam
pelo pioneirismo com que essas administrações tiveram que lidar com as questões atinentes à tributação de
softwares vis à vis outros Estados e Municípios brasileiros, servindo, portanto, de paradigma para os órgãos
scais das demais unidades federativas.

CONTEXTO HISTÓRICO DO RE 176.626-3

O leading case julgado pelo Supremo Tribunal Federal versou sobre acórdão do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo (TJ/SP), em sede de Recurso de Apelação em ação declaratória de inexistência de relação
jurídico-tributária, que havia reconhecido a não-incidência do ICMS sobre as operações de “licenciamento ou
cessão de direito de uso de programas de computador” para a empresa MUNSP – Processamento de Dados
Ltda., tendo gurado no polo passivo da demanda o Estado de São Paulo, representado pela Procuradoria-
Geral do Estado.

No acórdão recorrido do TJ/SP, o argumento central para fundamentar a decisão pela não incidência do ICMS
foi o de que os softwares não são mercadorias sujeitas à comercialização por contratos de compra e venda,
mas sim bens intelectuais adstritos à licença ou cessão, com base em: (i) Lei 7.646/87 (“Lei do Software”) versa
que “a exploração econômica de programas de computador, no País, será objeto de contratos de licença ou de
cessão, livremente pactuados entre as partes”; (ii) Código de Propriedade Intelectual (Lei 9.279/96) outorga
aos titulares de direitos, seus herdeiros e sucessores, a possibilidade de concessão de licença para sua
exploração; e (iii) não se pode confundir o suporte físico (disquete, ta cassete, chip) com o software, este
último preponderante e sujeito à cessão ou licença. O acórdão do TJ/SP concluiu que o “conceito de serviço é
mais racionalmente assimilável nessa área que o da circulação de mercadoria, restrito este último ao do
simples suporte físico, desvinculado do conteúdo que envolve a criação intelectual”, ou seja, a tributação do
software pelo ICMS caracterizaria invasão pelos Estados da competência tributária dos Municípios.

Em face do referido acórdão do TJ/SP, foram apresentados Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF).

No acórdão do STJ, que negou provimento ao recurso do Estado de São Paulo, restaram consignados os
mesmos argumentos que embasaram o acórdão do TJ/SP, no entanto, dando especial relevo ao fato de que os

programas de computador são serviços na pura acepção do termo, pois requerem dos programadores
especialistas criatividade e esforço intelectual “típico da personalidade do seu criador”.

Além disso, o voto condutor do Ministro Garcia Vieira do STJ apresentou argumentos no sentido de que: (i) os
programas de computador são protegidos pela Lei dos Direitos Autorais (Lei 5.988/73); (ii) a Lei do Software
(art. 24) obriga ao titular do direito de comercialização a prestação de serviços técnicos aos usuários; (iii)
existia projeto de lei à época que estabeleceria que, inclusive para ns tributários, programas de computador
teriam a natureza jurídica de serviço; (iv) existência de disposição na legislação do ICMS do Estado de Santa
Catarina (Lei Estadual 7.547/89, art. 4º) que declarava a não-incidência do imposto no caso de “saída ou
fornecimento de programas de computador, personalizados ou não, exceto em relação ao valor dos suportes
informáticos, ‘mouses’, eprons, placas e materiais similares”; (v) existência de disposição legal expressa na
legislação do ICMS do próprio Estado de São Paulo (Lei Estadual 8.198/92) que dispensava do pagamento do
imposto as operações com software realizadas até a data de publicação da referida lei estadual (16.12.1992).

O acórdão do Recurso Especial concluiu que os softwares eram serviços passíveis de inclusão nos itens 22 e 24
da lista anexa do então Decreto-Lei 406/68, que normatizava a incidência do ISSQN.

Por m, o Ministro Sepúlveda Pertence do STF relatou os argumentos suscitados pela parte Recorrente, o
Estado de São Paulo, no sentido de que haveria distinção entre softwares feitos sob encomenda para atender
necessidades especí cas de um cliente, cuja competência tributária é de fato dos Municípios, e os “softwares

de prateleira”, que estão à venda em indistintos pontos comerciais, para um gama in nita de clientes, o que

caracteriza efetiva circulação de mercadoria, pois seriam, na verdade, “software produto”.

O Estado de São Paulo também argumenta que: (i) o fato do programa de computador estar protegido pela lei
de direitos autorais não o desquali ca como mercadoria, pois quem adquire o suporte físico com o programa

tem domínio sobre o suporte físico e não sobre a obra intelectual que ele contém (igual ocorre com o livro, por
exemplo); (ii) a teleologia da proteção da produção intelectual é evitar a reprodução e comercialização

desautorizadas, a “pirataria”; (iii) a aquisição de programa de computador não personalizado não implica em
prestação de serviço do autor do programa para o adquirente; (iv) violação à competência tributária conferida

pela Constituição Federal aos Estados e ao Distrito Federal (art. 155, II); e (v) violação ao art. 156, III, da CF,
pois o acórdão do TJ/SP estabeleceu competência não de nida na lei complementar que o referido dispositivo

faz alusão.
O parecer do Ministério Público é pelo não conhecimento do Recurso Extraordinário por questões processuais

ligadas ao prequestionamento nos Embargos de Declaração.

DESCRIÇÃO ANALÍTICA DOS PRINCIPAIS ARGUMENTOS DO VOTO DO RELATOR MINISTRO


SEPÚLVEDA PERTENCE DO STF

Questões preliminares:

1. Falta de prequestionamento da matéria: REJEITADO – o recorrente interpôs os Embargos de

Declaração, se o tribunal a quo se recusou a suprimir a omissão não há nada mais que se possa cobrar
da parte.

2. Erro na indicação dos enunciados constitucionais: REJEITADO – o recorrente indicou os arts. 155, I,
“b”, e 156, IV, que se referem a mesma disposição expressa dos atuais arts. 155, II, e 156, III, após a

redação dada pela Emenda Constitucional 03/93.


3. Inexistência de matéria constitucional: REJEITADO – o cerne da questão está na precisão do conceito

de “mercadoria” contido no art. 155, II, da CF, portanto é essencial a demarcação do âmbito
constitucional de incidência possível do ICMS, incluído por aquele dispositivo na competência dos

Estados e do DF.

Mérito:

Será feita análise fragmentada dos argumentos trazidos pelo voto do Ministro Relator, destacando-se o core
de cada uma das proposições levantas, tendo como pressuposto metodológico o normative systems de Carlos

Alchourrón e Eugenio Bulygin[2]. A teoria propõe a análise sistematizada do Direito, partindo da concepção de

que os arranjos fáticos podem ser in nitos, mas os critérios normativos são delimitados pela lei e, portanto,

sua veri cação combinada, geram resultados nitos e determinados[3].

A1. Mercadoria é bem corpóreo, portanto não inclui os direitos em geral, que são bens incorpóreos

Segundo o Relator, a matéria sobre a qual a demanda versa trata de operações relativas ao “licenciamento ou

cessão de direito de uso de programas de computador”, portanto são operações que envolvem direito de uso, o
que é um bem incorpóreo/intangível, não passível de incidência do ICMS. O Relator ressalta que: “o conceito

de mercadoria efetivamente não inclui os bens incorpóreos, como os direitos em geral: mercadoria é bem
corpóreo objeto de atos de comércio ou destinado a sê-lo”.

A2. O bem passível de licenciamento não pode ser comercializado

O argumento é embasado pelo Relator com base em três fundamentações: i) o autor do software possui

“direito de exclusivo”; ii) não se confunde a aquisição do exemplar com o licenciamento ou cessão do direito
de uso; e iii) o revendedor do software não assume a condição de licenciado ou cessionário, tampouco pode

transferi-la ao consumidor nal, pois não negocia os direitos do autor, mas apenas o corpus mechanicum da
obra intelectual que nele se materializa.
i) O autor do software possui “direito de exclusivo”

A natureza intangível do software acarreta na impossibilidade de proteção e caz contra atos de terceiros,
senão por intermédio de “direito de exclusivo” conferido pelo Direito Intelectual. O “direito de exclusivo” não

é mercadoria, nem se aliena com o licenciamento de seu uso, portanto fora do raio de incidência do ICMS.

ii) Não se confunde a aquisição do exemplar com o licenciamento ou cessão do direito de uso

Mesmo nos softwares de prateleira subsiste o licenciamento ou cessão do direito de uso. Em tese, neste tipo
de software não há transferência de titularidade, apenas o direito de uso não exclusivo, o que também não

impede que o cliente adquira as “manifestações físicas” do software mediante o licenciamento a título
de nitivo e por preço.

Neste ponto, os contratos de adesão de softwares de prateleira, via de regra, limitam a liberdade do

adquirente, proibindo o aluguel, reprodução, decomposição, separação dos componentes do software, etc.

iii) O revendedor do software não assume a condição de licenciado ou cessionário, tampouco pode transferi-la
ao consumidor nal, pois não negocia os direitos do autor, mas apenas o corpus mechanicum da obra

intelectual que nele se materializa

A3. A distinção proposta pelo Estado de São Paulo é procedente: software standard, software por encomenda e
software adaptado ao cliente

O Relator consigna a distinção feita pela doutrina de Rui Saavedra[4] no sentido de que o: (i) software standard
seria o programa bem de nido, estável, concebido para ser dirigido a uma pluralidade de utilizadores com

vista a uma mesma aplicação ou função, sendo admitidas con gurações que adequam o programa para que
cada utilizador encontre a solução buscada para sua realidade; (ii) software por encomenda seria o programa

desenvolvido exclusivamente para atender às necessidades especí cas de um determinado usuário que o

encomendou; e (iii) software adaptado ao cliente seria uma forma híbrida entre as duas anteriores, pois
partiria de uma base standard que é modi cada para harmonizar com os recursos desejados pelo cliente

(processo de customization).

A distinção é relevante porque o entendimento consagrado pelo acórdão foi o de que a padronização é
característica intrínseca dos bens corpóreos amplamentes disponibilizados no mercado, i.e., a

estandardização do software requer primeiro que seja um produto/bem que proporcione a mesma função a
seus utilizadores, e também que necessariamente o adquiriram sob a forma de corpus mechanicum.

Conclusão do voto:

O Relator concluiu o julgamento ventilando a possibilidade de cobrança do ICMS nas operações de

transferência do corpus mechanicum entre produtor, revendedor e consumidor nal, no entanto ressalta que
este não é o objeto da demanda, cujo cerne está na incidência ou não do imposto unicamente na hipótese de
“licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador”. Assim, por esta operação não se

caracterizar como mercadoria, não cabe a exação do ICMS.

A 1ª Turma do STF não conheceu[5] do recurso por unanimidade.

ARGUMENTOS APRESENTADOS NA DECISÃO DO STF E O POSICIONAMENTO ATUAL DAS

ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS

POSICIONAMENTO ATUAL DAS


ARGUMENTOS DO STF
ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS

A1. Mercadoria é bem corpóreo, portanto não inclui Federal: a RFB faz distinção entre “licenciamento ou
os direitos em geral, que são bens incorpóreos. cessão do direito de uso” e “licenciamento para
reproduzir e comercializar” (ainda que sejam

softwares de prateleira). Em relação à primeira


hipótese, a RFB possui posicionamento pela não
incidência do IRRF e da CIDE, pois segundo o RE

176.626-3/SP trata-se de mercadoria, sendo o


pagamento contraprestação pelo bem, não
caracterizando royalties. No que se refere à segunda
hipótese, por ser caso em que há contratação do

direito de duplicar e comercializar o software


acompanhado de licença de uso no Brasil, não seria
mercadoria nos termos do RE 176.626-3/SP, incidindo,
pois, IRRF e CIDE nas remessas ao exterior em

contraprestação pelo direito – royalties (Solução de


Consulta COSIT n. 154/16). Ocorre incidência
tributária também nos casos de remuneração de SaaS
– software as a service (Solução de Consulta COSIT n.

191/17).

Estadual: SP – o critério “corpóreo” é irrelevante,


sendo preponderante a “padronização” do software,
assim entendida a ampla disponibilização no mercado
do bem/produto não necessariamente por meio de

corpus mechanicum (Decisão Normativa CAT n.

04/17)[6].

Municipal: SP – tanto o critério “corpóreo” quanto o


critério de “padronização” são irrelevantes, sendo
preponderante a disposição expressa na lista de
serviços da Lei Complementar n. 116/03,

especi camente o item 1.05 – “Licenciamento ou


cessão de direito de uso de programas de computação”

(Parecer Normativo n. 01/17)[7].

Federal: Sobre a remessa para o exterior da


remuneração de operação de licenciamento incide o
IRRF e CIDE, pois veri ca-se cessão ou licença de

direitos de uso, fruição ou disposição, o que con gura


o conceito de royalties – art. 710 RIR/99 (Solução de
Consulta COSIT n. 154/16).

Estadual: SP – o software de prateleira (standard) é


A2. O bem passível de licenciamento não pode ser
tido como mercadoria em sua acepção mais ampla,
comercializado
desvinculada da corpori cação, portanto sujeita ao
ICMS (Decisão Normativa CAT n. 04/17).

Municipal: SP – a característica mercantil do


licenciamento não é veri cada, bastando a existência
de operação de licenciamento ou cessão do direito de

uso de programas de computação para que se tribute o


ISS (Parecer Normativo n. 01/17).

Federal: a principal distinção feita pela RFB é a


“licença ou cessão do direito de uso” e “licenciamento

para reproduzir ou comercializar”, sendo aplicável o


IRRF e CIDE para o segundo (Solução de Consulta
COSIT n. 154/16).

Estadual: SP – o critério da corpori cação como


necessário à classi cação de software standard foi

A3. A distinção proposta pelo Estado de São Paulo é abandonada, hoje o Estado segue a lógica de
procedente: software standard, software por padronização como o software que está disponível
encomenda e software adaptado ao cliente para uma gama de pessoas, sem adequações
personalizadas (Decisão Normativa CAT n. 04/17).

Municipal: SP – a distinção é amplamente ignorada,

pois a partir da inserção do item 1.05 na lista de


serviços da Lei Complementar 116/03 todos os
progrmas de computação sujeitos a licenciamento ou
cessão de direito de uso estão passíveis da cobrança

do ISS (Parecer Normativo n. 01/17).


Conclusão

A decisão do Supremo Tribunal Federal representa um marco na de nição dos tipos de software e da
tributação incidente sobre cada um deles, no entanto, pelas próprias limitações de 1998, o acórdão necessita

de uma revisão que lhe con ra convergência com os desa os da atualidade, tendo em vista a realidade
cambiante da economia digital. De qualquer forma, nada justi ca o descompasso das soluções apresentadas
pelas Administrações Fiscais, que, baseadas na mesma decisão do STF, adotam posições diametralmente
diferentes e notadamente enviesadas pelas incidências tributárias que se encontram sob a sua gestão.

No que se refere à tributação federal (via de regra IRRF e CIDE), a Receita Federal do Brasil, com base no
mesmíssimo acórdão do STF (RE 176.626-3/SP) apresenta posicionamentos diametralmente opostos ao longo
do tempo: em 2008, por meio da Solução de Divergência COSIT n. 27, manifestava entendimento no sentido

de que não havia tributação das remessas pelo pagamento de software de prateleira (cópias múltiplas), pois
estes produtos não poderiam ser considerados bens colocados à mercancia; já em 2016, na Solução de
Consulta COSIT n. 154, passou a tributar os softwares (mesmo que de prateleira/cópias múltiplas) nas
operações que envolvessem apenas o licenciamento para reproduzir ou comercializar no Brasil.

Em relação ao Estado de São Paulo, parte recorrente, vale ressaltar, houve abandono total da posição que
sustentava no RE 176.626-3/SP. Quando da discussão do caso, o Estado vislumbrava clara distinção entre
software de prateleira e software sob encomenda, atrelando ao primeiro a corpori cação como característica

necessária. Atualmente, por meio da Decisão Normativa CAT n. 04 de 2017, São Paulo passou a adotar o
critério da padronização e massi cação da produção como aspecto fundamental da existência de software de
prateleira, passível, portanto, da incidência do ICMS, ignorando o aspecto corpóreo da mercadoria.

O Município de São Paulo, por sua vez, também se desvinculou completamente do que fora sedimentado pelo
STF, pois se apegou à superveniência da disposição do item 1.05 da Lei Complementar n. 116/03 para defender

que todos os softwares, independente se de natureza personalizada ou cópia múltipla[8], devem ter sua
comercialização tributada pelo ISS, na forma do Parecer Normativo n. 01 de 2017, que consolidou

posicionamento que a Prefeitura de São Paulo vinha tomando já há certo tempo[9].

Ainda no âmbito municipal, o acórdão do RE 176.626-3/SP foi sedimentado na vigência do Decreto-Lei n. 406
de 1968 (revogado no que se refere ao ISS pela Lei Complementar n. 116/03), especi camente os itens 22 e

24[10]. Enquanto que, estrategicamente, a LC 116/03 adotou a exata redação do acórdão para compor o item
1.05 de sua lista anexa, o que demonstra tentativa dos Municípios em alinhar a legislação de regência do ISS

com o precedente do Supremo.

Percebe-se que existe verdadeira corrida contra o tempo das administrações tributárias para encontrar formas
de utilizar suas materialidades na tributação dos softwares, seja qual for a espécie (“por encomenda” ou “de

prateleira”). Não obstante as críticas severas que podem ser feitas aos posicionamentos scais, por certo os
Municípios ganham proeminência no debate, pois dentro do panorama de abandono geral da decisão do STF,
são os únicos que possuem embasamento positivado, por meio do item 1.05 da Lei Complementar n. 116 de
2003, que, importante ressaltar, possui nalidade constitucional (art. 146, I) de resolver con ito de
competência tributária.

___________________________________________________________________________________

[1] RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 176.626-3 SÃO PAULO RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

RECORRENTE: ESTADO DE SÃO PAULO ADVOGADO: PGE-SP – PATRÍCIA DE OLIVEIRA GARCIA

RECORRIDO: MUNPS PROCESSAMENTO DE DADOS LTDA ADVOGADO: AUREO SANDOVAL CRESPO E


OUTROS EMENTA: I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm.
356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo
acórdão primitivo sobre o qual “não foram opostos embargos declaratórios”. Mas se, opostos, o Tribunal a quo

se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638,
Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na
Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados
para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão

constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (“software”):
tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo,
sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” — matéria

exclusiva da lide —, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto,
não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a
circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no
varejo — como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) — os quais, materializando o corpus

mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.

[2] ALCHOURRÓN, Carlos; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y

sociales. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1987.

[3] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Planejamento tributário e estado de direito: Fraude à lei, reconstruindo

conceitos, entre metáforas e “buracos no direito”: Evasão, elusão, elisão ou… “ilusão”? Disponível em:
http://www. scosoft.com.br/main_artigos_index.php?PID=276048&printpage=_, acesso em 30.10.2017.

[4] SAAVEDRA, Rui. A proteção jurídica do software e a internet, Don Quixote, Lisboa, 1998.

[5] Ao que parece, a Turma do STF analisou o mérito da demanda, no entanto, estranhamente concluiu pelo

não conhecimento do recurso.

[6] Não obstante o sco estadual paulista ter demarcado o campo de incidência do ICMS para os softwares de
prateleira (independente de corpus mechanicum), a tributação está suspensa até que que de nido o local de
ocorrência do fato gerador para determinação do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto.
[7] No que tange especi camente à SaaS (software as a service) o parecer normativo municipal admite sua
natureza híbrida, podendo, porventura, os contratos serem fragmentados nos itens 1.03 e 1.07 da lista de
serviços da LC 116/03.

[8] Interessante notar que a Solução de Consulta SF/DEJUG n. 25/11, e.g., declara expressamente que o item

1.05 da lista anexa da LC 116/03 alberga tanto softwares por encomenda quanto os softwares standards (cópia
múltipla), muito embora não cite em nenhum momento da decisão do STF (RE 176.626-3/SP).

[9] Vide Soluções de Consulta SF/DEJUG n. 28 e 81 de 2007; 33 e 38 de 2008; 29 de 2009; 21 de 2010; 25 e 31 de

2011; 23 de 2012; 18 e 17 de 2013; 08 e 32 de 2014; 13 de 2015; 19 e 27 de 2016.

[10] Cuja redação é a seguinte: 22 – Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, não contida em outros

incisos desta lista, organização, programação, planejamento, assessoria, processamento de dados, consultoria
técnica, nanceira ou administrativa; 24 – Análises, inclusive de sistemas, exames, pesquisas e informações,

coleta e processamento de dados de qualquer natureza.

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Eurico Marcos Diniz de Santi

Professor e Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP. Diretor do Centro de Cidadania

Fiscal (CCiF). Sócio-Fundador do Santi, Estevão & Cabrera Advogados

Luiz Roberto Peroba

Sócio da área tributária do Pinheiro Neto Advogados

João Alho Neto

Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP e Mestrando na Universidade de São Paulo

Ana Carolina Carpinetti

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Advogada associada da área tributária
do Pinheiro Neto Advogados

Stella Oger Pereira dos Santos

Graduada pela FGV Direito SP e Advogada da área tributária do Pinheiro Neto Advogados

Elena Tavares Esteves Estevão

Tech Expert e Administradora do Santi, Estevão, Simão & Cabrera Advogados

Grupo de Pesquisa Tributação na Era Digital do NEF/FGV Direito SP

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