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  - 2004

Marco Aurélio Nogueira. c  


 
 
 

  

. São Paulo: Cortez, 2004.

³A nossa é uma época que nos desafia e exige respostas políticas ousadas, gestos
generosos e reflexões teóricas inovadoras´, escreve Marco Aurélio Nogueira na
conclusão deste livro. São exigências severas. Mas, como ele demonstra, não
reconhecer isso levaria a bloquear-se de antemão o acesso às questões éticas e políticas
que lhe importam.

É significativo que o lema dessa conclusão (e talvez do livro todo) apareça expresso nos
termos ³hegemonia e emancipação´. Isto indica a complexa trama em que se inscrevem
os estudos aqui reunidos. Nela aparecem reunidos duas das grandes figuras que desde a
Antigüidade clássica caracterizam a reflexão política: a do tecelão e a do piloto.

Por um lado, a paciente urdidura dos laços sociais civis, na dupla acepção do termo, de
cidadania e civilização. Sociedade e Estado vistos como partícipes de um projeto
emancipador e não da mera gerência eficaz, portanto. Por outro, e inseparável desses
laços (e nisto reside o cerne da argumentação de Marco Aurélio), a direção do conjunto,
a capacidade de plasmar uma sociedade civil à qual responda o Estado democrático que
importa considerar. A hegemonia como referência compartilhada na vida social, em
suma, como matriz do ato político por excelência, que consiste em sair de si e dirigir-se
ao outro na construção de formas de convivência tensas entre o desejado e o possível.

Marco Aurélio Nogueira não faz parte daqueles que o historiador Burckhardt tinha em
mente quando falava da ³era dos terríveis simplificadores´. Para ele o mundo cada vez
mais requer uma visão das ³sutilezas pouco percebidas´, capaz de valorizar ³ritmos e
velocidades´ e de perceber ³dinâmicas democráticas sinuosas´. O termo é feliz:
³sinuosas´. Pois, nas páginas deste livro, escritas com a elegância de quem preza o
leitor, não se encontrarão atalhos rudes, linhas retas talhadas a facão deixando de lado as
pequenas dobras em que se esconde o essencial.

Se nem tudo é perseguido até o fim, é porque isso não cabe num conjunto de estudos
dedicados a dimensões diferentes de um grande tema. Mas as exigências impostas a
quem queira entender o nosso mundo, sobretudo na sua dimensão política vista pela
perspectiva do cultivo de condutas civilizadas ² a grande paixão intelectual de Marco
Aurélio ², estão sempre presentes no curso da argumentação.

Esse modo de pensar combina mal com argumentos dualistas. Tende a orientar a visão
para os múltiplos elos entre as dimensões da vida social e política (pois ambas são
inseparáveis), e a aumentar a sensibilidade para os desajustes e os desencontros. Nada
pior, nessa ótica, do que a ³proliferação de projetos de poder desvinculados de projetos
de sociedade´, que acabam levando água ao moinho da separação entre sociedade civil e
Estado, quando uma está no próprio coração do outro, e o funda.
Îaí também a crítica às concepções do Estado como ³fardo e custo´. Nessa mesma
linha vão as notáveis análises do ³sofrimento organizacional´, denso e instigante tema
de um dos melhores capítulos do livro, no qual se encontram passagens como esta, que
encerra este convite à leitura: ³É um paradoxo: desejam-se decisões rápidas e ao mesmo
tempo deseja-se deliberar a respeito de tudo. O µsofrimento¶ reflete esse desencontro de
expectativas´.

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Gabriel Cohn é professor do Îepartamento de Ciência Política da USP.

 Especial para Ô  


   


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