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ISSN 1519-7778
SOLETRAS
Revista do Departamento de Letras
Faculdade de Formação de Professores
Ano 8, n° 15, jan./jun.2008
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Coordenador de Publicações do Departamento de Letras
José Pereira da Silva
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A abordagem semiótica de A raposa e o bode (Esopo) é feita a
partir desta fábula com a participação dos elementos teóricos da manipu-
lação narrativa greimasiana, no contexto da sintaxe narrativa de superfí-
cie. A análise textual centra-se especificamente na função manipuladora
da sintaxe narrativa de superfície e, também, no âmbito mais profundo do
texto, a isotopia textual. Assim, o tratamento semiótico do texto em
questão está inscrito na semiótica objetal, propriamente dito.
Assim, podemos verificar as modalidades veridictórias do esque-
ma narrativo da manipulação semiótica ocorrente nesta narrativa; pois, é
a partir da isotopia textual que podemos retirar os semas mais profundos.
Para encontrar os mesmos (semas), recorremos a seguinte indagação: o
que se afirma – euforia – e o que se nega – disforia – no texto? Isto cons-
titui o ponto de partida para o trabalho da análise semiótica do texto.
ANÁLISE DA NARRATIVA
Neste trabalho, desenvolvemos os seguintes pontos elucidando a
construção semiótica do texto em questão: as funções sintáticas dos ac-
tantes; os momentos, etapas, do percurso semiótico da narrativa; a fór-
mula canônica da narrativa; os actantes e suas figuratizações; o quadrado
semiótico; a sintaxe discursiva e a sintaxe profunda.
Assim, iniciamos apresentando o texto narrativo, objeto de nossa
análise:
A RAPOSA E O BODE
Uma raposa caiu em um poço e foi obrigada a permanecer ali. Um bo-
de, levado pela sede, aproximou-se do mesmo poço e, vendo a raposa,
perguntou-lhe se a água estava boa. E ela, regozijando-se pela circunstân-
cia, pôs-se a elogiar a água, dizendo que estava excelente e o aconselhou a
descer. Depois que, sem pensar e levado pelo desejo, o bode desceu junto
com a raposa e matou a sede, perguntou-lhe como sair. A raposa tomou a
palavra e disse: “Conheço um jeito, desde que pretendas que nos salvemos
juntos. Apóia, pois, teus pés da frente contra a parede e deixa teus chifres
retos. Eu subo por aí e te guindarei”. Tendo o bode se prestado de boa von-
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tade à proposta dela, a raposa, subindo pelas pernas dele, por seus ombros
e seus chifres, encontrou-se na boca do poço, saltou e se afastou. Como o
bode a censurasse por não cumprir o combinado, a raposa voltou-se e disse
ao bode: “Ó camarada, se tivesses tantas idéias como os fios de barba no
queixo, não terias descido sem antes verificar como sair”.
ESOPO. Fábulas completas. Tradução direta do grego, introdução e notas
por Neide Smolka. São Paulo: Moderna, 1994.
Verdade reflexão
Não-reflexão não-verdade
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação da semiótica objetal (Greimas e Courtes) nesta fábula
vem contribuir, sobremaneira, para uma maior compreensão textual sob a
dimensão lingüística do significado. Assim, o mapeamento sob este as-
pecto apresenta a riqueza profícua de elementos significativos em um
texto.
Esta semiótica dá-nos uma direção para buscar e analisar elemen-
tos escondidos nas profundezas textuais. A raposa e o bode (Esopo) é
uma narrativa escrita de forma muito simples e, por isso, presta-se ao en-
tendimento geral dos leitores; porém, se prestarmos maior atenção, veri-
ficamos que os elementos aí retirados remetem a uma profundidade in-
terna do texto, porque há um encadeamento lógico-estrutural na análise
permitindo elucidar os elementos sêmio narrativos e os elementos das es-
truturas discursivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, M. E. “Apólogo das cotovias: visão semiótica baseada na
teoria de A. J. Greimas”. In: Almanaque CiFEFiL (CD-ROM). Rio de
Janeiro: CiFEFiL, 2006.
–––––. Aspecto semiótico da propaganda política. In: Almanaque CiFE-
FiL (CD-ROM). Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2006.
ESOPO. Fábulas completas. Tradução direta do grego, introdução e no-
tas por Neide Smolka. São Paulo: Moderna, 1994.
GREIMAS, A. J. & COURTES, J. Dicionário de semiótica. Tradução de
Alceu Dias Lima et alli. São Paulo: Cultrix, 1979.
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, temos o intuito de trazer, conforme teoria-base, a
seguinte problematização: o trabalho com textos facilita o ensino da
Morfologia da Língua Portuguesa na escola?
Nele traremos o poema: “A educação pela pedra”, de João Cabral
de Melo Neto, cuja análise servirá para ilustrar didaticamente os exem-
plos demonstrados em nossa teoria, como forma de reafirmar a necessi-
dade de se trabalhar o texto literário, com qualquer conteúdo que esteja
sendo apresentado em aula, para que se possa explorar a contextualiza-
ção, visando promover formas mais agradáveis de lecionar.
Compararemos esta proposta com uma proposta tradicional, mi-
nistrada em algumas aulas de morfologia, onde a prática docente se dá
com palavras sem um contexto, colocadas no quadro, com suas respecti-
vas derivações e significados.
Para defender nossos argumentos, além do poema de Melo Neto,
utilizaremos os textos teóricos de Bakhtin, Beth Brait, Celso Pedro Luft,
Paulo Coimbra Guedes e Paulo Freire; assim como uma pequena mostra
do que se nos apresentam os Parâmetros Curriculares Nacionais da Lín-
gua Portuguesa para o Ensino Médio em seu conteúdo: “sentido do a-
prendizado na área”.
Por isso para nós a segunda estrofe de Melo Neto se reporta à ne-
cessidade que o homem tem de se expressar, precisando antes se libertar
das amarras que os cercam e os prendem em sua ignorância. Também a
esse respeito escreveu Luft como segue:
A concepção democrática do cronista apenas lembra a verdade secular de
que é ‘o povo que faz a língua’ (Veríssimo, apud: Luft, 1984). Muitas pessoas
se escandalizam ouvindo isso, entendendo por povo o assim chamado povão.
Sem dúvida o povão é dono da sua língua. Mas o termo ‘povo’ engloba todos
os falantes, o universo dos que, intuitivamente, usufruem e recriam constan-
temente o sistema que poderíamos chamar de ‘inconsciente coletivo lingüísti-
co. (Luft, 1984)
CONCLUSÃO
Se à primeira estrofe nos reportamos como defensora de uma pe-
dagogia tradicional, que lembra as aulas de gramática, nas quais se apli-
cam as palavras fora de contexto (sem a utilização de textos, quaisquer
que sejam); à segunda denominaremos libertadora ou libertária, por ser
esta “pré-didática”; assim – fazendo bom uso deste texto – poderíamos
pedir que os alunos destacassem esta palavra e, em seus cadernos, ano-
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tassem: pré+didat+ica, explicando sua formação: pré (prefixo) = o que
vem antes de; didat (raiz) – didata (base) = o que aprende; ica (sufixo)
= formador de substantivo (às vezes com sentido de flexão de grau no
diminutivo). Isto poderia ser feito também com as palavras: inenfática,
impessoal, maleada, carnadura, poética, nascença, e todas as várias for-
mações verbais existentes no poema.
Trazemos, portanto, a sugestão de que há uma iminente necessi-
dade de trabalharmos o ensino da língua portuguesa – em todos os seus
níveis, também em todas as suas divisões gramaticais – a partir do texto,
primando pela leitura, compreensão e interpretação, com base no conhe-
cimento de mundo dos alunos e preferencialmente com temas de interes-
se comum à maioria desses alunos. Utilizando-nos sim dos clássicos, mas
sem abrir mão do que há de popular, como por exemplo: as letras das
músicas; e da mesma forma, primando pela boa utilização dos mais di-
versos recursos tecnológicos que forem possíveis disponibilizarmos.
BIBLIOGRAFIA
BRAIT, Beth. In: Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campi-
nas: UNICAMPI, 1997.
BRASIL, República Federativa do. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Ensino Médio – Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEMT, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1995.
GUEDES, Paulo Coimbra. A língua portuguesa e a cidadania. Organon:
Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Vol. 11, N. 25, 1997.
LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma nova concepção de lín-
gua materna e seu ensino. Porto Alegre: L&PM, 1984.
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1995, p. 338.
MINIDICIONÁRIO de língua portuguesa. MEC-Brasil, 2001.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é examinar diversas propostas acerca da
flexão de gênero dos substantivos. Assenta-se a análise na proposta de
Mattoso Câmara Jr. (1970) e seus seguidores, contestada por Luiz Carlos
de Assis Rocha (1999).
FLEXÃO X DERIVAÇÃO
Lemos Monteiro (2002) aponta que os morfemas derivacionais
(prefixos e sufixos) são responsáveis pela formação de novas palavras, ao
passo que os categóricos, também chamados flexionais ou gramaticais)
não formam novas palavras; apenas indicam as flexões que as palavras
assumem, incluindo entre estes últimos a desinência de gênero –a. A dis-
tinção estabelecida pelo autor não nos informa de maneira clara a distin-
ção entre flexão e derivação. Seria sapatinho uma nova palavra ou uma
flexão da palavra sapato? Mais adiante, ele menciona que outros autores
como Azeredo consideram que o acréscimo de –a a substantivos mascu-
linos é um processo derivacional e não flexional. Dessa forma, não é
possível estabelecer, pelas definições dadas pelo autor para morfemas de-
rivacionais e morfemas categóricos (flexionais), uma distinção clara en-
tre flexão e derivação.
Segundo Mattoso Câmara Júnior, a flexão distingue-se da deriva-
ção por três critérios:
Sistematicidade e regularidade x assistematicidade e irregularidade
Câmara Júnior aponta que, enquanto a flexão é regular e sistemá-
tica, a derivação é irregular e assistemática. Assim, o autor explica que, a
partir do verbo cantar, formamos cantarolar, mas não temos nada se-
melhante a partir dos verbos falar e gritar. Ao contrário, podemos dizer
que é sempre esperada a existência para qualquer verbo de uma forma em
cada uma das pessoas do discurso e em qualquer dos tempos e modos
verbais. Os morfemas derivacionais, ao contrário dos flexionais, não
constituem, dessa maneira, um quadro regular, coerente e preciso.
A PROPOSTA DE ROCHA
PARA A FLEXÃO DE GÊNERO DOS SUBSTANTIVOS
Rocha parte dos três critérios estabelecidos por Câmara Júnior pa-
ra fazer a distinção entre flexão e derivação e os aplica de forma mais ló-
gica, reexaminando a questão do gênero dos substantivos.
Segundo esse autor, o gênero dos substantivos é indicado por
meio de expediente sintático. Substantivos como livro, caneta, dente, clã,
aluvião, pijama, tribo são masculinos ou femininos pelo fato de se lhes
anexarmos determinantes flexionados em um dos dois gêneros, como em
o livro enfadonho, a caneta vermelha, etc.. Há, ainda, determinados
substantivos, cujo gênero, além de poder ser assinalado por um determi-
nante, recebe também uma marca distintiva morfológica, como em este
menino estudioso, esta menina estudiosa, etc.
Um ponto importante apontado por Rocha é que, se o substantivo
tem como referente um ser sexuado, seria de se supor que a diferença de
sexo fosse marcada por meio de morfemas, como gato/gata. Acontece
que a língua não é um sistema lógico, no sentido aristotélico.
Rocha assinala, ainda, que, segundo estudo seu, apenas 4,5% dos
substantivos referem-se a seres sexuados (95,5% referir-se-iam a seres
não-sexuados). Mesmo assim, nem todos recebem marca morfológica de
gênero. Temos, como exemplos, criança, cônjuge, homem, jacaré, etc. A
quase totalidade dos substantivos em português não apresenta uma marca
CONCLUSÕES
Rocha parte dos critérios estabelecidos por Câmara Jr. para fazer
uma reflexão entre derivação e flexão no tocante ao gênero do substanti-
vo. O autor realmente nota que, apesar de Câmara Jr. ter sido extrema-
mente feliz no estabelecimento de critérios que distingam flexão de deri-
vação, não o foi quando analisou se a questão da mudança de gênero do
substantivo pertence à flexão ou à derivação.
No entanto, mesmo a análise de Rocha não é isenta de inconsis-
tências. A não separação entre substantivos e adjetivos é problemática. É
bem verdade que esta separação não é fácil de ser feita e, por si só, já é
assunto para pelo menos um artigo. Também a equiparação das concor-
dâncias lingüística e extralingüística (ideológica) é necessária, uma vez
que, nos substantivos, a mudança de gênero está ligada a questões extra-
lingüísticas e, nos adjetivos, é lingüística.
BIBLIOGRAFIA
ARONOFF, Mark. Word formation in generative grammar. Cam-
bridge/London: The MIT Press, 1976.
CUNHA, Celso. Sob a pele das palavras: Dispersos. Organização, intro-
dução e notas de Cilene da Cunha Pereira. Rio de Janeiro: Nova Frontei-
ra / Academia Brasileira de Letras, 2004. [Acréscimo do editor].
LAROCA, Maria Nazaré de Carvalho. Manual de morfologia do portu-
guês. Campinas: Pontes, 2003.
MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim. Estrutura da lingual portuguesa.
Petrópolis: Vozes, 1970.
MONTEIRO, José Lemos. Morfologia portuguesa. Campinas: Pontes,
2000.
INTRODUÇÃO
Já há algum tempo, diversas correntes teóricas têm se debruçado
sobre o problema da descrição do par tópico/comentário (ou tema/rema).
O desenvolvimento de diferentes abordagens, visando a tornar mais clara
a definição desse par de noções, leva, muitas vezes, a uma confusão ter-
minológica, prejudicial para a tentativa de se esclarecer o problema. A
discordância entre as diversas abordagens se deve, em grande medida, ao
fato de elas ignorarem que “a problemática do ‘tópico’ é um terreno e-
xemplar onde se coloca (se impõe) a questão do relacionamento de dife-
rentes níveis de análise” (Berthoud e Mondada, 1995, p. 205). Se uma
abordagem adota, por exemplo, a frase como unidade de análise e des-
creve o tópico como o primeiro elemento dessa unidade, é de se esperar
que ela apresente divergências em relação a outra abordagem, que des-
creva o tópico como um elemento responsável por assegurar a coerência
entre os enunciados.
Tendo por objetivo mostrar que o estudo do par tópico/comentário
(ou tema/rema) deve resultar da combinação dos diversos níveis de análi-
se componentes do discurso, e não de apenas um deles, este artigo se
propõe a apresentar a análise do fragmento de um texto jornalístico im-
presso. Para proceder a essa análise, adotou-se, como quadro teórico, o
Modelo de Análise Modular (MAM). Nesse modelo, o estudo do tópico
se faz no interior das formas de organização informacional e tópica do
discurso. Por motivo de espaço, analisaremos apenas a forma de organi-
zação informacional do fragmento escolhido. Esse fragmento, reproduzi-
do abaixo, se constitui da parte inicial da reportagem intitulada “Tem até
antimíssil”, que foi veiculada na revista Veja do dia 12/01/2005 e que tra-
ta da compra de um novo avião presidencial por parte do governo brasi-
leiro.
2Este artigo constitui um dos resultados parciais da pesquisa de mestrado que venho desenvolven-
do na UFMG e que conta com o apoio da Fapemig.
3 “A informação ativa [ou ativada] é entendida como a informação que já se encontra no foco de
consciência do interlocutor num determinado momento; a informação semi-ativa é a que se encontra
na consciência periférica do interlocutor, um conceito do qual se tem background awareness, mas
que não está sendo diretamente focalizada; a informação inativa é a que se encontra na memória de
longo termo, e não está sendo focalizada nem direta nem perifericamente” (Marinho, 2002, p. 190).
4 Embora seja evidente a ancoragem do ato (01) em um elemento constitutivo da reportagem (a fo-
tografia que a ilustra), a seleção do tópico desse ato não será feita, uma vez que o estudo da anco-
ragem em informações com origem em imagens levanta problemas particulares que extrapolam os
limites deste artigo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da forma de organização informacional do fragmento i-
nicial do texto “Tem até antimíssil” permite perceber que, para o Modelo
da Análise Modular, o estudo do tópico não pode levar em conta apenas
um nível de análise da complexidade do discurso. Ao contrário, para o
modelo de análise adotado, informações de ordem lingüística, textual e
situacional devem participar do estudo dos tópicos, uma vez que eles são
considerados, nessa abordagem, como os responsáveis pela inserção das
unidades mínimas de análise (os atos) no discurso. Assim, a forma de or-
ganização informacional atuou como um mecanismo eficaz na descrição
das escolhas e dos encadeamentos dos tópicos no desenvolvimento do
texto analisado.
REFERÊNCIAS
BERTHOUD, A. C. e MONDADA, L. Traitement du topic, process é-
nonciatifs et séquences conversationnelles. Cahiers de linguistique fran-
çaise 17, 1995, p. 205-228.
INTRODUÇÃO
As distintas formas de concepção da língua, os recortes e as abor-
dagens possíveis em sua natureza complexa e multifacetada evidenciam
sua não neutralidade e, com isso, a impossibilidade de análise descontex-
tualizada historicamente e de discussão de conceitos que desvelam e o-
cultam, a um só tempo, contradições, conhecimentos e posições ideoló-
gicas freqüentemente reformuladas e (re-)construídas, como algo abstrato
e fechado em si. Discutir essas designações e natureza implica refletir a-
cerca das relações históricas e culturais da linguagem, sem que se des-
creva ou conceitue isoladamente, como se fora o resultado de habilidades
motoras, perceptivas ou cognitivas, como categoria de compreensão e
análise da realidade social.
Conceber o homem nessa realidade social é, antes, conceber valo-
res morais e éticos que norteiam as ações cotidianas e que se referendam
em condições materiais do grupo ao qual se pertence; é conceber a língua
como construção social que permeia as relações do homem com o ho-
mem; é, enfim, conceber o homem como ser histórico e constituinte de
uma linguagem com a qual se insere no mundo, exprime a compreensão
da realidade que o cerca e comunica modos de pensar, de agir, de enten-
der e de dar a entender, respeitadas suas contradições fundamentais: ho-
mem e sociedade; unidade e diversidade e forma e sentido.
As idéias de permanência e de tradição, decorrentes de certa regu-
laridade interna e da existência de propriedades imprescindíveis à trans-
missão e ao reconhecimento das mais variadas línguas por parte de seus
usuários, e, por outro lado, as de mudanças, tomados períodos históricos
definidos, nas formas da linguagem, suas estruturas e seus significados,
apontam para uma heterogeneidade lingüística que se alicerça na origem
de grupos sociais, em condições materiais e em papéis sociais próprios
dos indivíduos de uma determinada sociedade, o que caracteriza a atua-
ção fundante da cultura e das memórias individual e social.
O JORNALISMO IMPRESSO
SOB A ÓTICA DA LINGÜÍSTICA SÓCIO-HISTÓRICA
Os estudos lingüísticos na perspectiva das tradições discursivas
pressupõem também uma concepção interacionista de linguagem e com-
preendem o processo comunicativo a partir da funcionalidade sócio-
histórica dos textos. Parte-se exatamente da pressuposição de que o cará-
ter processual do texto, em termos sincrônicos, exige uma aproximação
com a sua gênese.
É nesse sentido que a análise do editorial jornalístico das primei-
ras versões de sua circulação, no século XIX, às ocorrências mais recen-
tes, no século XX, será norteada, a fim de que sejam pontuadas algumas
mudanças lingüísticas, formais e comunicativas ao longo do tempo.
Seguindo a visão tripartida de Eugênio Coseriu, na qual a lingua-
gem é tida como uma atividade universal, individual e histórica, Oester-
reicher (2002, p. 359) situa a sua definição de tradição discursiva:
[...] as tradições discursivas funcionam em virtude de situações comunica-
tivas determinadas historicamente. Todo discurso individual guiado por de-
terminados modelos discursivos – os gêneros ou as tradições – se constitui no
marco de uma série de constelações comunicativas que controlam os traços
específicos de cada discurso e as possíveis modalidades de sua produção e re-
cepção.
7 Em um momento anterior, notadamente nos anos de 1820 a 1822, uma exposição clara dos fatos
políticos, ocorridos nesses anos tão importantes para a formação da índole da nova nação, poderia
ser encontrada no Correio Braziliense (lançado em junho de 1808). Embora seus escritos fossem
posteriores aos acontecimentos e tratassem de Portugal e do Brasil a partir da Inglaterra, os textos
de Hipólito J. da Costa informavam a tempo sobre o ocorrido em terras longínquas, vencendo tempo
e distância, com o propósito, mais que de informar, de formar, de influir na história dos dois países,
explicando e desmascarando a retórica. Uma análise lúcida desses fatos políticos e uma impressio-
nante capacidade de previsão, impressas neste que foi o primeiro periódico brasileiro e o primeiro
jornal em português publicado com isenção de censura, alcançaram unanimidade entre historiadores
e conspiraram para a entrada do país, como protagonista, na cena política. A atualidade dos escritos
de Hipólito J. da Costa surpreende aos que analisam a pauta do Correio Braziliense, com a publica-
ção de notícias sobre a política continental: defesa de uma nova capital, no interior do país; insistên-
cia, tal qual, mais tarde, faria José Bonifácio, de uma abolição gradual da escravidão e de um estí-
mulo à presença do imigrante europeu; manutenção da corte no Brasil, para que o rei, distante das
pressões das cortes européias, pudesse melhor defender a integridade da nação brasílico-
portuguesa (Hipólito J. da Costa foi contrário à independência do Brasil, pois parecia-lhe que a união
com Portugal era a melhor alternativa para os dois países e, consumada a separação, assumia a
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nova época no Império do Brasil, visto que, se antes dela, escritores te-
miam o rótulo de colônia e a implacável resistência dos gramáticos por-
tugueses, após ela, fez-se crer que o temor abrandara pela influência de
uma geração que, paulatinamente, abandonava o complexo desse rótulo e
se ocupava com a edificação de uma consciência e de uma língua ajusta-
das com a nacionalidade brasileira – ganhava, enfim, forças a noção de
que se fazia premente um caráter nacional, desprendido da necessária ou
obrigatória dependência ao lusitanismo, em especial na literatura.
Nesse momento histórico, o sujeito é conduzido ao processo de
leitura e de escrita de forma mais constante, o que, evidentemente, acar-
reta unificação e deslocamentos lingüísticos e alterações na produção de
sentidos nos textos que circulavam na época, especialmente os jornalísti-
cos. O jornal apresentava-se ainda como um meio de comunicação de eli-
te; primeiro, por difundir mensagens utilizando a modalidade escrita, o
que exigia um bom nível de alfabetização, e, segundo, pelo domínio da
elite governante. Essa elite manteve, durante os três primeiros séculos da
história do Brasil, o controle do material impresso (livros, volantes e jor-
nais) em favor dos seus interesses e da desinformação do povo, a fim de
evitar, obviamente, iniciativas revolucionárias. Com a suspensão da cen-
sura prévia em 1821, puderam circular jornais com intenso teor político,
favoráveis ou contrários ao governo.
Dentre os jornais que circulavam na época, encontravam-se o Ty-
phis Pernambucano (folheto redigido por Frei Caneca); Aurora Pernam-
bucana (orientada pelo, então, governador Luis do Rego); Gazeta Per-
nambucana (sob a direção do padre Venâncio Henriques de Resende,
participante do grupo revolucionário de Caneca, em 1817); a Sentinela da
Liberdade (periódico de Cipriano Barata); o Diario de Pernambuco (pu-
blicado em 1825).
Normalmente, esses periódicos eram escritos por uma só pessoa,
vinculados a um partido político, utilizavam uma linguagem veemente e
um teor mais doutrinário que informativo, tinham uma periodicidade ir-
regular e pertenciam a uma fase artesanal da imprensa. O Diario de Per-
nambuco procurou diferir do padrão da época, expondo em sua introdu-
ção os seus propósitos como um jornal informativo, de anúncios e com
circulação regular. No entanto, não foi possível se isentar do clima de po-
lêmica no qual nasceu a imprensa pernambucana. Como comenta Aníbal
desvantagem de seu jornal em relação aos jornais brasileiros, presentes na própria cena e capazes
de um pronto acompanhamento dos fatos).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com Melo (1979, p. 16), “Todo o processo de elabora-
ção e transmissão das mensagens pelo comunicador deve refletir as expe-
riências culturais do público receptor”. No que diz respeito à linguagem,
é necessária uma sintonia com a experiência lingüística dos possíveis lei-
tores a que se vai dirigir. A crítica do autor reside na inalterância da lin-
guagem utilizada pelos jornais brasileiros apesar das alterações na dia-
gramação, da utilização de fotografias e da mudança na estrutura do texto
para motivar os novos leitores.
As alterações diagramais e estruturais foram observadas e confir-
madas no acompanhamento feito das transformações do editorial jorna-
lístico. Por outro lado, pela análise feita, não se pode dizer que a lingua-
gem permaneceu inalterada. O que foi visto corresponde exatamente à
ocorrência de mudanças lingüísticas, concernentes às transformações de
uma dada tradição discursiva, o editorial, no âmbito do jornalismo im-
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presso pernambucano, motivadas por fatores históricos, culturais, sociais,
políticos e tecnológicos.
Isso é o que comprova também a pesquisa feita por Guimarães
(1992, p. 27), ao analisar editoriais de jornais paulistanos.
Nessa evolução do artigo de fundo para o editorial, a natureza de ambos
basicamente não se alterou, no que se refere à contestação, à combatividade e
à altivez. A mudança aconteceu em termos do uso da linguagem, ou seja, a o-
pinião crítica tornou-se mais equilibrada, apresentando um novo estilo e uma
nova linguagem mais adequada aos leitores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERT, P. & TERROU, F. História da imprensa. 1ª ed. Trad. Edison
Darci Heldt. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
AMARAL, Luiz. A objetividade jornalística. Porto Alegre: Sagra: DC
Luzzatto, 1996.
INTRODUÇÃO
Desde que se formou a Análise do Discurso, os estudos lingüísti-
cos têm integrado o que tradicionalmente constituía a sua especificidade,
ou seja, a materialidade da língua, com aspectos que entrecruzam esta
materialidade: aspectos psicossociais, históricos, políticos e outros.
Um dos principais norteadores das diversas concepções de análise
do discurso é a relação entre a linguagem e a sociedade. Esta pode ser
considerada sob a perspectiva de uma «moldura» institucional que de-
termina fortemente a produção de discursos (formações discursivas) e na
qual se cristalizam determinadas posições históricas e sociais. A análise
do discurso é, portanto, francamente interdisciplinar, no quadro mais
amplo das Ciências Humanas o que lhe confere um acentuado dinamis-
mo no desenvolvimento de suas pesquisas.
Um aspecto importante das relações entre linguagem e sociedade
é a percepção do discurso em termos da articulação entre dois níveis: o
intradiscurso e o interdiscurso. Segundo Maingueneau (1998, p. 90) “o
intradiscurso opõe-se ao interdiscurso como as relações entre os consti-
tuintes do discurso opõem-se às relações desse discurso com outros”.
Tais níveis são dimensões complementares do discurso: respectivamente,
o conjunto de percursos semânticos10 na organização textual e as oposi-
ções que um discurso mantém com relação a outros. O intradiscurso e o
interdiscurso são inseparáveis, sendo que um nível pode ser sempre ana-
lisado em sua articulação, que lhe é intrínseca, com o outro.
Este artigo busca analisar o funcionamento dos dois discursos
centrais – o ecológico e o empresarial – que entram na constituição de
reportagens que tratam sobre ecoturismo, a partir, especificamente, do
texto Os jardins secretos de Ubatuba, da revista Terra. Metodologica-
9Este artigo é uma parte adaptada de minha dissertação de mestrado intitulada “A interface discursi-
va ecoturística em reportagens da revista Os caminhos da Terra” e defendida em março de 2003, na
UFMG.
10Percurso semântico e a materialização, sob a forma de temas predominantes, de um ou mais dis-
cursos na superfície textual.
BASES TEÓRICAS
A presente investigação adota a noção de discurso nos termos de
Fiorin (2000a, p. 31-32) como “uma unidade do plano de conteúdo”, isto
é (2000b, p. 32), “um conjunto de temas e figuras que materializa uma
visão de mundo”. Segundo este mesmo autor (2000a, p. 65), figura
É o termo que remete a algo do mundo natural: árvore, vagalume, sol, cor-
rer, brincar, vermelho, quente, etc. Assim, a figura é todo conteúdo de qual-
quer língua natural ou de qualquer sistema de representação que tem um cor-
respondente perceptível no mundo natural.
E tema
É um investimento semântico, de natureza puramente conceptual, que não
remete ao mundo natural. Temas são categorias que organizam, categorizam,
ordenam os elementos do mundo natural: elegância, vergonha, raciocinar, cal-
culista orgulhoso, etc.
12Segundo Rabaça e Barbosa, (1978, p. 50) box é o “espaço destacado geralmente por fios, em
matéria jornalística ou anúncio publicitário, destinado a fornecer ao leitor informações adicionais,
quase sempre compostas em tipos diferentes do restante do texto.” (Grifos presentes no original.)
e
(7) E, mantendo um ciclo antigo de contato íntimo com a natureza, [os
surfistas] são hoje os que mais se preocupam com a conservação do meio
ambiente. (p. 29)
13 Parte desse trecho da reportagem analisada apareceu também na página 8 deste trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reportagem da revista Terra analisada neste artigo apresenta
uma região de Ubatuba – cidade do litoral paulista – como destinação tu-
rística, destacando elementos naturais preservados. Dessa forma, tal texto
jornalístico confere um tratamento mercadológico à preservação ambien-
tal e situa-se na interseção do discurso turístico (um, entre outros discur-
sos empresariais) com o ecológico. Nessa interseção, a interface discur-
siva ecoturística difere tanto do discurso empresarial tradicional quanto
do discurso ecológico tradicional, tendo em vista que os percursos se-
mânticos da oferta e da natureza – representantes típicos respectivamente
dos dois referidos discursos – apresentam-se relacionados por adesão e
não por oposição.
No discurso empresarial tradicional, o percurso semântico da na-
tureza pode até vir a dele fazer parte, mas não desempenha papel princi-
pal. Do mesmo modo, no discurso ecológico mais freqüente, não há per-
curso semântico da oferta turística. É nesse sentido que se constitui a sin-
gularidade da interface discursiva ecoturística tal como se apresenta na
reportagem em tela, ou seja, pela fusão de aspectos fundamentais do dis-
curso empresarial (turístico) e do discurso ecológico mediante o trata-
mento mercadológico da preservação ambiental.
Assim, a identidade da interface discursiva ecoturística se consti-
tui basicamente da complementaridade entre parcelas dos discursos turís-
tico e ecológico.
AS VÁRIAS ABORDAGENS
SOBRE A COLOCAÇÃO PRONOMINAL
De acordo com (2006) os pronomes átonos podem estar em rela-
ção ao verbo Bechara (2005), Cunha & Cintra (2005) e Rocha Lima:
a) Enclíticos – posposição do pronome átono ao verbo.
Ex.: Deu-me a notícia.
b) Proclíticos – anteposição do pronome átono ao verbo.
Ex.: Não me deu a notícia.
c) Mesoclíticos – interposição do pronome átono ao verbo.
Ex.: Calar-me-ei.
A gramática do Rocha Lima é a única que não menciona a posi-
ção mesoclítica ao abordar a colocação dos pronomes oblíquos átonos;
todavia, quando trata da conjugação dos verbos com o pronome objeto
direto o, expõe que “no futuro do presente (o pronome fica mesoclítico,
isto é, intercalado na forma verbal, antes da desinência): pô-lo-ei, pô-lo-
ás, pô-lo-á (...)” (2006, p. 156).
15Em relação à posição enclítica, Rocha Lima (2006) observa, em nota no seu compêndio, que não
se usa ênclise quando o verbo estiver nas formas do futuro do presente ou futuro do pretérito.
17 Rocha Lima (2006) ressalta que pode haver deslocamento do pronome átono por motivos particu-
lares de eufonia ou ênfase.
18 Observa o autor que em qualquer dos três casos dados por ele (contempla orações coordenadas
sindética aditiva, adversativa e alternativa) por liberdade do usuário pode ocorrer a próclise, todavia
não em início de período.
CONCLUSÃO
A gramática normativa representa um conjunto de regras, normas
de nossa língua, “que contém tudo o que na língua não é funcional, mas
que é tradicional, comum e constante, ou, em outras palavras, tudo o que
se diz ‘assim, e não de outra maneira.’” (Bechara, 2005, p. 42).
Tendo em vista a problemática que gira em torno das prescrições
apresentadas pelas gramáticas tradicionais, este trabalho buscou apresen-
tar uma análise comparativa das regras de colocação pronominal em lexi-
as verbais simples expostas pelas três gramáticas de maior circulação no
meio acadêmico Bechara (2005), Cunha & Cintra (2005) e Rocha Lima
(2006). E de certa forma, o quanto às incoerências podem causar confu-
são a respeito da compreensão da colocação pronominal.
Torna-se perceptível, também, a diferença que há entre a posição
adotada pelos autores já referidos, pois uns assumem uma abordagem
mais tradicional do que outros e até mesmo não admitem haver uma dis-
tinção entre o português do Brasil e o europeu na ordem e no uso dos clí-
ticos pronominais.
BIBLIOGRAFIA
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucer-
na, 2005.
CUNHA, C. & CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâ-
neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
ROCHA LIMA, C. H. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2006.
SILVA, M. A. M. A variação da colocação pronominal do português
culto do Brasil. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFF, 2000.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista o objetivo deste trabalho, foi observado que no
processo de recontextualização, os textos-reduzidos são construídos ideo-
lógica e culturalmente pelos valores opinativos do Poder da revista-
empresa. E isto se dá pelas formas lingüísticas que relatam as opiniões re-
ferentes aos textos reduzidos que, segundo Marcuschi (2007), são co-
muns para a construção da opinião pública. Observamos que a “paráfrase
sintética” é a maneira mais comum na construção dos comentários dos
textos reduzidos escolhidos pela Revista.
BIBLIOGRAFIA
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto,
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DIJK, Teun A. Van. Elite Discourse and Racism. EUA: Sage Publicati-
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In: DIJK, Teun A. Van (org.). El discurso como interacción social. Gre-
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GUIMARAES, Doroti Maroldi. A organização textual da opinião jorna-
lística nos bastidores da notícia. Tese de Doutorado. PUC/SP, 1999.
MARCUSCHI, Luiz Antonio Marcuschi. Fenômenos da linguagem – re-
flexões semânticas e discursivas. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta um estudo descritivo da tradição discursiva
epitáfio em igrejas maranhenses no século XIX. A escolha do século
XIX deu-se em virtude de dois fatores: a mudança da visão de morte e
dos mortos pela sociedade ocidental no período oitocentista e o fortale-
cimento de formas de representações póstumas, como os epitáfios, em
lápides tumulares encontradas em igrejas do Maranhão.
O objetivo deste estudo preliminar é identificar as principais ca-
racterísticas da TD epitáfio e as principais estratégias de referenciação.
A base teórica está assentada na Lingüística Textual, na História
Social da Linguagem e na Historiografia.
DA BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA
Para a realização da pesquisa serão utilizados os seguintes concei-
tos-chave:
Tradição discursiva como formas tradicionales de decir las cosas,
formas que pueden ir desde una formula simple hasta un genero o una
forma literaria compleja20. (Kabatek, 2006, p. 153)
- Gênero como ação retórica tipificada, que envolve situação e
motivo (Miller, 1984), auto-reforçadora e criadora; conjunto de conven-
ções relativamente estável que se associa e realiza21 um tipo de atividade,
emergente nos processos sociais de interação (Fairclough, 2001, p. 161).
- Referenciação como uma atividade discursiva de representação
do mundo em um processo de interação social. Nesse processo, o sujeito
opera sobre o material lingüístico que tem a sua disposição e realiza es-
20 (...) formas tradicionais de dizer as coisas, formas que podem ser desde uma forma simples até
um gênero ou uma forma literária complexa.
21 Concordo com Meurer (2005, p. 81) quanto à escolha da tradução da palavra enacts do original
por realiza, pois, neste estudo, significa melhor a relação com ação.
23A tradução da lápide foi feita por mim. Para esse fim, comparei a inscrição com outras traduzidas
no Catálogo epigráfico existente no trabalho de Ana Paula Ramos Ferreira (2004), intitulado Epigafia
funerária romana da Beira Interior: inovação ou continuidade, disponível em
www.ipa.min.cultura.pt/pubs/TA/folder/34.
24A data de morte não se encontra na lápide, mas está disponível no Dicionário histórico-geográfico
do Maranhão (1970).
CARACTERÍSTICAS GERAIS
DOS EPITÁFIOS OITOCENTISTAS
O corpus desta pesquisa é constituído de epitáfios encontrados em
lápides tumulares na Igreja Nossa Senhora da Vitória (Palácio Episcopal
– São Luís/MA); na Igreja de Santo Antônio (São Luís-MA); na Igreja
Nossa Senhora do Carmo (Alcântara-MA). Esta é uma amostra parcial
dos dados que já foram coletados para a realização de minha tese de dou-
torado.
Os epitáfios oitocentistas, no geral, apresentam as seguintes carac-
terísticas:
- expressão introdutória mais recorrente: aqui jaz ou jazem e ou-
tras variantes como aqui repousam, repoza, repousa, descansam, des-
cançam, descansão, descanção.
- períodos simples ou uso de frases nominais
25(...) una TD é más que un simple enunciado; e un acto lingüístico que relaciona un texto con una
realidad, una situación, (…)pero también relaciona ese texto con otros textos de la misma tradición.
- abreviaturas
Ex.:
Aqui repousão os restos inanimados de Dona Ritta Joaquina Dias da Sil-
va e de seu filho Joaquim da Silva Guim.es fallecidos a 1ª aos 18 de Ju-
nho de 1867 e o 2º a 1°de Abril de 1869. Seu esposo, e pai Domingos Jo-
sé da Silva J.or lhes mandou erigir esta lapida em testem.o de sua pungen-
te dor e saudosa memória. Pede ao leitor um P.N e Ave Maria.
A construção da referência
Estratégias de referenciação
- a introdução e a retomada dos objetos de discurso nos epitáfios
se dão geralmente por intermédio de nominalizações.
Ex.:
Aqui repouzão os restos mortaes do Arcipreste Candido Pereira de Le-
mos [...] Era cavaleiro da ordem de Christo Foi vigário collado [...]
Maria e Rosa innocentes filhinhas [...]
Os dêiticos espaciais
Aqui jaz Dom Fr Joaquim de Nossa Senra de Nazareth Bispo de Coimbra
Conde de Arcanil Senhor de Coja Alcaide Mor de Ávo. Foi prelado de
Moçambique em 1811 Sagrado Bispo de Leontopolis em 1818 Transferi-
do d aquelle bispado para o Maranhão em 1819 e deste para o de Co-
imbra em 1824 Foi Parco do Reino das cortes portuguezas de 1826 a
1828 e aí mostrou como era distinto e consumado theologo. Emigrou pa-
ra esta província em 1840, e aqui faleceu ao 1º de setembro de 1851
com 75 annos e três mezes de idade. [...]
CONCLUSÃO
Com as transformações socioeconômicas ocorridas a partir do sé-
culo XIX, verifica-se que esse tipo de prática social ligada a uma repre-
sentação póstuma, expande-se para outros seguimentos da sociedade. Por
outro lado, constata-se que o uso desse gênero continua restrito às classes
com certa ascendência e prestígio social.
BIBLIOGRAFIA
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nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: UnB,
2001.
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vel em www.ipa.min.cultura.pt/pubs/TA/folder/34
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KOCH, Ingedore Villaça; MORATO, Edwiges Maria; BENTES, Maria
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KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os
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MAINGUENEAU, Dominque. 3ª ed. Análise de textos de comunicação.
Trad. Cecília P. de Souza e Silva, Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2004.
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MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. 2ª ed. São Luís:
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100 SOLETRAS, Ano VIII, N° 15. São Gonçalo: UERJ, jan./jun.2008
FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
MILLER, Carolyn R. Genre as social action. Quartely Journal of Spee-
ch, 70, 1984, p. 151-167.
REIS, João José. O cotidiano da morte oitocentista. In: NOVAIS, Fer-
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sil, 1997, v. 2.
––––––. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil
do século XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 1991.
INTRODUÇÃO
Esse trabalho irá apresentar alguns questionamentos quanto à
classificação dos advérbios segundo a gramática tradicional. Para isso,
serão utilizadas as definições de advérbios de algumas gramáticas norma-
tivas em confronto com os estudos de Mattoso Câmara Jr., Eneida Bom-
fim, José Carlos de Azeredo, Maria Cecília Silva e Ingedore Koch sobre
tal assunto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de gramática do português.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
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Petrópolis: Vozes, 2004.
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CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramáti-
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SOUZA E SILVA, Maria Cecília Pérez e KOCH, Ingedore. Lingüística
aplicada ao português: sintaxe. São Paulo: Cortez, 1996, p. 67-9.
INTRODUÇÃO
Dentre os muitos processos que a referenciação abrange, tratare-
mos particularmente das anáforas e, entre essas, destacaremos as anáfo-
ras nominais. O corpus tomado para análise é a obra Orto do Esposo,
texto religioso pertencente ao final do século XIV e começo do XV. Vis-
to que o corpus escolhido é um livro de doutrina católica, teceremos al-
gumas considerações acerca desse tipo de discurso e, em seguida, apre-
sentaremos alguns aspectos da teoria sobre referenciação, explicitando o
conceito sociointeracional de referenciação, e as variadas formas de ma-
nifestação da referenciação em língua portuguesa, com aprofundamento
maior na questão da anáfora e dos tipos de anáfora.
O DISCURSO RELIGIOSO
O corpus em análise neste trabalho são os três primeiros livros da
obra de cunho religioso, Orto do Esposo. A versão utilizada foi a impres-
sa, mas também está disponível online, no site CIPM – Corpus Informa-
tizado do português medieval (http://cipm.fcsh.unl.pt/login.jsp).
Orlandi (1987) volta-se para a questão dos tipos de texto e os ana-
lisa de forma a estabelecer uma tipologia para eles. A autora elegeu co-
mo fatores para classificar os tipos de textos: a) a interação, ou seja, a re-
versibilidade, a possibilidade de troca de papéis entre os interlocutores e
b) a relação entre polissemia e paráfrase, isto é, a possibilidade de múlti-
plos sentidos.
A partir dessas observações, ela estabeleceu três tipos discursivos:
o lúdico, o polêmico e o autoritário. O lúdico é aquele no qual, aparen-
temente, a intenção é um jogo de palavras, quase neutro; o polêmico tra-
va uma tensão equilibrada entre os locutores, havendo a possibilidade de
reversibilidade, de polissemia e de paráfrase; e o autoritário tende à mo-
nossemia, à paráfrase e contém a reversibilidade.
108 SOLETRAS, Ano VIII, N° 15. São Gonçalo: UERJ, jan./jun.2008
FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O discurso religioso enquadra-se em um dos tipos de discurso au-
toritário e essa classificação se justifica por três fatores básicos, segundo
Oliveira (on line): a anulação da reversibilidade, a assimetria e a não-
autonomia.
De acordo com Oliveira (on line), a anulação da reversibilidade é
verificada “pela impossibilidade de interlocução, de dialogismo entre lo-
cutor e ouvinte(s)”. A linguagem religiosa está revestida de um sentido e
da autoridade daquele que representa Deus, que fala em seu lugar, e, co-
mo eleito para falar em nome de Deus, exorta os fiéis, sem lhes dar a
possibilidade de troca, de inversão de papéis: quem fala ao povo é quem
tem esse direito, cabe-lhe falar e cabe ao povo ouvir.
A assimetria: no discurso religioso, ocorre um desnivelamento en-
tre o locutor e os ouvintes, conferindo ao locutor um lugar privilegiado,
pois, nesse jogo discursivo, assume a posição de representante de Deus.
Segundo Wilson (on line),
No discurso religioso, o poder divino é sustentado, desde seu início e ori-
gem, pela desigualdade de papéis e de lugares, sustentada pela fé e reiterada
por diversas assimetrias dicotômicas como céu/inferno, bom/mau, bem/mal,
agora/na vida eterna entre outras.
REFERENCIAÇÃO
A questão sobre como a língua refere o mundo tem sido colocada
há bastante tempo e por diversas teorias. De maneira geral, contudo, as
diferentes descrições ou explicações estão pautadas em uma visão da lín-
gua como representação direta do mundo.
Entretanto as ciências cognitivas reatualizaram essa questão, con-
siderando que as entidades representadas nos textos não correspondem
diretamente a objetos, mas constituem objetos de discurso. Isso implica
SOLETRAS, Ano VIII, N° 15. São Gonçalo: UERJ, jan./jun.2008 109
DEPARTAMENTO DE LETRAS
admitir que a língua não é uma espécie de etiqueta que se cola e com a
qual se reproduz um objeto do mundo. É uma busca para compreender
entender “como as atividades humanas, cognitivas e lingüísticas estrutu-
ram e dão um sentido ao mundo” (Mondada e Dubois, 2003, p. 20). Nes-
sa perspectiva, fala-se em referenciação.
De acordo com Koch (2004, p. 57),
Nosso cérebro não opera como um sistema de espelhamento, ou seja, nos-
sa maneira de ver e dizer o real não coincide com o real. Ela reelabora os da-
dos sensoriais para fins de apreensão e compreensão. Essa elaboração se dá
essencialmente no discurso. Também não postula uma reelaboração subjetiva
individual: a reelaboração deve obedecer a restrições impostas pelas condições
culturais, sociais, históricas e, finalmente, pelas condições de processamento
decorrentes do uso da língua.
Todo x porção
A entrada deste parayso, depois do peccado de Adam, sempre foy çarrada
e uedada a toda a geeraçon humanal, ca he todo cercado en rredor de muro de
fogo, em tal guisa que aquel fogo se junta pouco meos con o ceeo. E noso Se-
nhor ordẽnou sobre este muro defensom de angios bõõs pera nom leyxar hy
chegar os maaos spiritus, por tal que a chama do fogo defenda a entrada aos
homẽẽs
Lugar x localidade
Hũa uez Sancto Antonio con outros frades veo a hũa cidade que chamam
Forliuio. E, estando enno mosteiro aa hora que se auia de fazer a preegaçon,
disse o mynistro aos frades [...
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudarmos o conceito sociointeracional de referenciação e de
anáfora, percebemos que esses são processos bem mais amplos e com-
plexos do que o senso comum costuma apresentar. Mais que substituir
REFERÊNCIAS
KOCH, I. G. V. Referenciação. In –––. Introdução à lingüística textual.
S. Paulo: Martins Fontes, 2004.
MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construção dos objetos de discurso e ca-
tegorização: Uma abordagem dos processos de referenciação. In: CA-
VALCANTE,. M.; RODRIGUES B. B.; CIULLA A. (orgs.) Referencia-
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ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso.
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WILSON, V. Modos de ler o discurso Religioso. Disponível em
<www.filologia.org.br/soletras/5e6/11.htm. Acesso em 28/11/06.
BIOBIBLIOGRAFIA
Natural de Parazinho, localidade da então vila de Paracuru, do dia
13 de junho de 1868. Faleceu em Fortaleza, no dia 14 de novembro de
1940. Viveu, portanto, 72 anos. Trata-se de personalidade de extremo re-
levo para a literatura cearense, e, para se fazer justiça, brasileira. Inte-
grou, de modo desigual, as duas grandes agremiações literárias cearenses
do final do século XIX e início do XX, ou seja, o Centro Literário, do
qual também fizeram parte os assim chamados plumitivos como Pápi Jú-
nior, Oliveira Paiva e Adolfo Caminha (este último literato de projeção
nacional), e a célebre Padaria Espiritual (movimento literário que, por
seu caráter reivindicador de reflexão aborígine e provocador, assemelha-
se, precursoramente, mutatis mutandis, à incensada Semana de Arte Mo-
derna, de 1922), da qual foi o idealizador e na qual atuou como um dos
principais padeiros, com suas irreverentes fornadas (sessões literárias)26.
A despeito do viés nitidamente chacoalhante, mormente para a cultura li-
terária local, dos encontros promovidos pela Padaria Espiritual, não havia
o intento cáustico de romper iconoclasticamente com a tradição literária,
tanto é assim que o autor, em sua produção em verso, é considerado poe-
ta parnasiano, em termos formais e temáticos. Não aderiu, acresça-se a
propósito, adrede, ao modernismo, segundo Colares (1979, p. XIII).
Como outros autores cearenses de então, foi amanuense, atuando
como Secretário do Interior e Justiça, e também servidor público político,
elegendo-se deputado. Viveu na então capital federal, o Rio de Janeiro,
onde conviveu com grandes literatos, entre os quais Machado de Assis, o
qual, debalde, insistiu para que ele integrasse a então recentemente fun-
dada Academia Brasileira de Letras, em 1897 (Colares, 1979). (a Aca-
demia Cearense de Letras é de 1894). A modéstia acentuada impediu-o
26Seu pseudônimo era Moacir Jurema. Acredita-se que o emprego de pseudônimos era devido pu-
ramente ao modismo.
ELEMENTOS ESTRUTURAIS
Personagens
Quanto à centralidade
Nucleares: porque compõem o triângulo amoroso central
do romance, destacam-se os seguintes
o Alípio – o bacharel de Direito assume o posto de promotor da cidade
de Ipuçaba com apenas 24 anos. Mostra-se grande orador, mas não
muito interessado nas querelas políticas locais, para a frustração da-
quele que o nomeou, o tenente-coronel Francisco Herculano. Profis-
sionalmente, tem ambições muito maiores e aceitara a nomeação ape-
nas para aceder a um desejo de seu tio benfeitor, Padre Balbino. Para
este, o sobrinho bem poderia ficar por Ipuçaba e desposar a filha de
Asclepíades. Não era, no entanto, o intuito do bacharel Alípio Flávio
de Campos. Por ser ambicioso, a permanência em uma cidade interio-
rana lhe parecia insuportável. Fisicamente (p. 27) é descrito como in-
27Outros grandes escritores, como Graciliano Ramos, Monteiro Lobato e Lima Barreto, jamais in-
gressaram na ABL. O primeiro sempre torceu o nariz para a instituição; o segundo não chegou a
propor candidatura; o último foi candidato três vezes.
Secundários
o Matias de Araújo – aspirante a poeta e desprovido de recursos mate-
riais, perambulava pela cidade à cata de convívio com os homens de
prestígio. Tinha péssima reputação na cidade (p. 37). Era tido à conta
de vagabundo e aluado. Tinha interesse por Florzinha, mas não alimen-
tava ilusões quanto à possibilidade de desposá-la por sabê-la prometida
ao promotor. Ademais, Asclepíades mal o tolerava, ainda que lhe lou-
vasse os dotes literários. A chegada de Alípio representa-lhe uma me-
lhoria quanto à vida de relação, pois partilha muito da vida privada do
promotor poeta, autor do livro de versos intitulado Pingentes. É consi-
derado um fraco, porque, conquanto ciente da condição de penúria de
sua mãe, único arrimo da família após o falecimento do pai, nada faz
para contribuir positivamente para ajudá-la. Casa-se com a prima de
Florzinha.
o Asclepíades Oreste de Aconcágua Pinto – o nome já apresenta a as-
piração por distinção, característica de gente provinciana. Seu maior
empenho é casar a filha com a respeitável figura do promotor, o sobri-
nho de padre Balbino. A descrição física aparece na pág. 168. É mal-
quisto na cidade por causa de sua empáfia e incansável busca de im-
portância e distinção. A descrição de seu perfil psicológico aparece à
página 17. Já tinha tido contato com Padre Balbino, em Maranguape,
onde lhe batizara os três filhos. Aspirante a praciano, revelava menos-
prezo relativamente aos ipuçabenses. É, profissionalmente, o coletor da
cidade.
Tangenciais ou periféricos
o João Ferreira – líder político local forjado pela proteção do seu ante-
cessor, o “abastado major José Herculano” (p. 14). Enriqueceu de
modo duvidoso, tendo implicado seu padrinho em uma falência consi-
derada fraudulenta. Foi preso. Lá teria sofrido uma perda de escrúpulos
tal que lhe permitiu, ao sair consorciar-se com um falsário de dinheiro.
Desvencilhado do seu padrinho e acobertado por algum poderoso da
capital, regressou a Ipuçaba como delegado de polícia e representante
do Partido Conservador. Passou a ditar normas e a disputar o poder lo-
cal com o major José Herculano. Contava com o apoio do clérigo hete-
rodoxo, o padre Serrão. Com a proclamação da república, inicialmente
pareceu fragilizado, mas soube recompor-se e retomar o poder munici-
pal, depois da mudança na capital, com a nomeação de Lucena, ex-
barão.
o Joca Neves – o aracatiense trocista que pôs apelido em Alípio e Bili-
nha, além de ter previsto o desfecho do interesse de Alípio pelas duas
moças e de Chico Herculano por Bilinha (p. 47).
o Pinheiro – indivíduo que fazia as vezes de médico na cidade. (p. 118).
foi o responsável pelo acompanhamento de Alípio e produziu a denún-
cia contra o jagunço Zé Pipoca, assim como teceu o libelo acusatório
no seu julgamento, sem muito entusiasmo, por antever a derrota de sua
tese.
Quanto à complexidade
o Os protagonistas podem ser configurados como personagens redon-
dos porque não são portadores de características uniformes e cons-
tantes. Ao contrário, o que característico do realismo, apresentam
momentos de nobreza e baixeza. Por exemplo, Alípio mostrava-se
moralmente questionável ao admirar João Ferreira, por seus princí-
pios voluntaristas e triunfalistas de base nietzscheana, mas foi capaz
de silenciar o defloramento de Bilinha. Não se mostrou, portanto, de
todo pernicioso e predador. Bilinha, por sua vez, era uma mulher
empenhada em conservar-se casta e refinada intelectualmente, a des-
peito da origem humilde, mas cedeu ao assédio de Alípio. Além dis-
so, depõe contra ela o tratamento impiedoso conferido à mãe, que foi
prostituta.
o Apresentação da maioria dos personagens masculinos da trama co-
mo figuras de proa para a condução das peripécias do romance.
Focalização
Traços fundamentais:
a) Heterodiegética – o narrador não coincide com qualquer personagem.
b) Interna – o narrador descreve e analisa o que se passa na interioridade
das personagens.
c) Onisciente – o narrador conhece a trama profunda e penetra o âmago
das consciências.
d) Fixa – todo o romance é regido por uma focalização onisciente.
Tempo histórico
O romance está situado no período que vai do fim do segundo rei-
nado e do início da república velha. A esse respeito, há menção explícita
no romance, como na página. A chegada de Alípio se deu no ano de
1890, no dia 20 de fevereiro.
Espaço
Espaço da diegese
O romance se localiza em uma cidade do Ceará, mas não é uma
cidade que tenha existido com a denominação apresentada na obra. Espe-
cula-se, no entanto, segundo, que a cidade fictícia de Ipuçaba tenha sido
inspirada na antiga cidade do Soure, atual Caucaia, cidade da zona me-
tropolitana da capital. Por outro lado, conforme o itinerário de viagem
descrito na pág. 21, dificilmente a cidade ficaria no litoral, vez que, ao
partir de Fortaleza, no dia 15, passaria por Quixadá, para, de lá, seguir
para Ipuçaba. Ora, se a cidade ficasse na zona metropolitana ou no lito-
ral, não precisaria ir a Quixadá, que fica no sertão central.
É importante destacar a significação de Ipuçaba, que quer dizer
charco, brejo, lamaçal. Alípio traça uma descrição verdadeiramente
compatível com o nome da cidade, por retratá-la como um lugar despro-
vido de higiene, em que transitam livremente animais.
Microespaços
va casa de Asclepíades (almoço de recepção de Alípio);
va residência de padre Balbino, onde vive Alípio;
Gênero
O gênero romanesco conhece longa trajetória na produção literá-
ria ocidental. Vamos historiar mui sumariamente seu percurso constituti-
vo e sua afirmação como gênero moderno e contemporâneo, embora haja
quem apregoe sua crise e admita que seu fim está próximo.
Segundo Cintra (s/d, 243), o romance é um dos gêneros literários
cuja importância tem sido crescente nos últimos três séculos. O gênero
tem sido palco de experimentos narratológicos, estilísticos, lingüísticos e
temáticos. Assim:
De mera narrativa de entretenimento, sem grandes ambições, o romance
volveu-se em estudo da alma humana e das relações sociais, em reflexão filo-
sófica, em reportagem, em testemunho polêmico, etc. o romancista, de autor
pouco considerado na república das letras, transformou-se num escritor presti-
giado em extremo, dispondo de um público vastíssimo e exercendo uma pode-
rosa influência nos seus leitores. (s/d, 243)
Caso dramático desse tipo de influência foi o Die Leiden des Jun-
gen Werden, de Göthe, o qual teria levado muitos jovens ao suicídio por
razões similares às da obra.
ENQUADRAMENTO PERIODOLÓGICO
O romance em apreço é considerado realista regionalista. Entre-
tanto, é necessário admitir que há elementos de ordem naturalista, como
o fatalismo que rege a existência de, pelo menos, dois personagens, Bili-
nha e Florêncio, fadados que estão a cumprir uma sina, de tal sorte que
sua vontade parece impotente para alterar o curso de suas vidas. O regio-
nalismo não é carregado, em termos lingüísticos, uma vez que o discurso
do narrador não acolhe formas usuais das variedades vernaculares. Não
há, portanto, hermetismo lingüístico quanto ao emprego de construções
regionais. O regionalismo é atestável por meio da composição do cenário
e de uma inclinação por descrever os costumes e as paisagens (tipos hu-
manos, flora e fauna) da terra cearense.
A propósito, a saliência dada a traços ecológicos e geográficos lo-
cais se coaduna integralmente com um dos mais célebres artigos, o XX,
do programa de instalação da Padaria Espiritual, que consigna o repúdio
ao eurocentrismo literário, ipsis verbis:
Será julgada indigna de publicidade qualquer peça literária em que se
falar de animais ou plantas estranhos à Fauna e à Flora brasileiras, como:
cotovia, olmeiro, rouxinol, carvalho etc.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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rense de Letras, 1976.
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COLARES, Otacílio. Aves de arribação, romance diferente. Rio de Ja-
neiro: José Olympio, 1979.
132 SOLETRAS, Ano VIII, N° 15. São Gonçalo: UERJ, jan./jun.2008
FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
SALES, Antônio. Aves de arribação. Rio de Janeiro: José Olympio,
1979.
INTRODUÇÃO
A questão da afetividade tem sido contemporaneamente tema de
pesquisas em Lingüística Aplicada (LA). Trata-se de um assunto com-
plexo que entrou em voga nas discussões de LA há algumas décadas. O
interesse pelos aspectos afetivos não foi uma herança da Lingüística, uma
vez que muitos estudos lingüísticos assentaram-se predominantemente na
concepção cognitivista, inscrita na tradição cartesiana, que pressupõe a
dicotomia entre afetividade e cognição, considerando a linguagem como
produto da atividade racional do indivíduo. Nessa perspectiva, razão e
afeto diferenciam-se, havendo explicitamente a primazia daquela em de-
trimento deste. (Rodriguez, 1994)
Tal como afirma a autora, cremos que o interesse pelos aspectos
afetivos ocorreu porque as pesquisas em LA contemplaram o ensino e
aprendizagem de línguas. Tal temática incluía uma dimensão didática
que não poderia ser ignorada. Tratava-se de um processo que ocorria en-
tre pessoas, e isso demandava abrigar outras questões, pois os sujeitos de
pesquisa, alunos ou professores, não se resumiam a aspectos racionais ou
cognitivos; pelo contrário, havia interesses, motivações, frustrações, de-
sejos, entre outras manifestações afetivas, que sempre tornavam nítido o
papel da afetividade na aprendizagem de línguas. Assim, ainda que a
Lingüística tivesse ignorado tais questões, o mesmo não podia ocorrer
com a LA, já que se impunham evidências tangíveis que obrigavam os
pesquisadores a rever o papel da afetividade. A LA, portanto, precisou
conferir um tratamento interdisciplinar a suas análises, mantendo sempre
o foco de interesse na linguagem, mas igualmente atentando para outras
questões relevantes à interpretação dos dados obtidos em pesquisas. Nes-
sa direção, enquadra-se a temática das relações entre afetividade e cogni-
ção.
NOVOS ENFOQUES
Atualmente, encontramos textos e estudos em LA que se mostram
mais afeitos à visão contemporânea que entende cognição e afetividade
como aspectos indissociáveis, tais como Castro(2006; 2007); Romero
(2007); Renda e Tápias-Oliveira (2007); Silva e Abud (2007). Cremos
que um dos motivos que levaram a LA não só a considerar os aspectos
afetivos, mas, sobretudo, a integrar dialeticamente cognição e afetividade
foi a adesão de muitos lingüistas aplicados às idéias de Vygotsky. De fa-
to, por dedicar-se nitidamente a investigações quanto ao ensino e apren-
dizagem de línguas, o que implica interesse pelo processo educativo, a
LA tem apresentado estudos que se fundamentam nas concepções socio-
interacionistas de Vygotsky relativas à linguagem, ao papel da escola e à
atuação docente.
Segundo a perspectiva sociointeracionista, a aprendizagem é en-
tendida como um fenômeno que se realiza por meio da interação com o
outro, possuindo, portanto, uma forte dimensão cultural. E tal fenômeno
só é possível mediante a utilização de sistemas simbólicos culturalmente
aprendidos. Entre tais sistemas, está a linguagem. Assim considerando, a
obra de Vygotsky contempla muitas das principais questões abordadas
pela LA. Aborda os aspectos didáticos tão necessários ao ensino de lín-
POSSÍVEIS CONCLUSÕES
Se, em Vygotsky, a afetividade é um componente que integra o
aspecto cognitivo, sendo ambos os aspectos indissociáveis, por que a o-
bra de Vygotsky tem sido freqüentemente associada apenas à dimensão
cognitiva? Em sua obra “A construção do pensamento e da linguagem
(2001) encontram-se as seguintes palavras:
Quando falamos da relação do pensamento e da linguagem com os outros
aspectos da vida da consciência, a primeira questão a surgir é a relação entre
intelecto e afeto. Como se sabe, a separação entre a parte intelectual da nossa
consciência e sua parte afetiva e volitiva é um dos defeitos radicais de toda a
psicologia tradicional. [...] Quem separou desde o início o pensamento do afe-
to fechou definitivamente para si mesmo o caminho para a explicação das
causas do próprio pensamento, porque a análise determinista do pensamento
pressupõe necessariamente a revelação dos motivos, necessidades, interesses,
motivações e tendências motrizes do pensamento, que lhe orientam o movi-
mento nesse ou naquele aspecto. (Vigotski, 2001, p. 15-16, grifo nosso)
REFERÊNCIAS
ARANTES, Valéria Amorim. Afetividade e cognição: rompendo a dico-
tomia na educação. [s.l.]: Editora Mandruvá, 2004. Disponível em
<http://www.hottopos.com/videtur23/valeria.htm>. Acesso em 01 de a-
gosto de 2004.
Aquidauana às moscas
No Domingo: as caminhonetas
Rumam aos pantanais
De festa, alegria e suspiros lembrando
Nomes de bois que nunca retornam
Jamais.
Muitos bois
Em todos os quartos da cidade
Caíram da parede
E ficaram parados
Observando o povo adormecido e preocupado.
A cidade acordou...
Só então a população caiu em si, diante do espelho
Do toilette: ninguém tinha rosto!
Enquanto dormiam
Os bois levaram tudo para um futuro distante
E deixaram apenas o homem!
BIBLIOGRAFIA
BANDEIRA, Manuel. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: José
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BECKETT, Wendy. História da pintura. São Paulo: Ática, 1997.
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GULLAR, Ferreira. A luta corporal (poemas). Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1975.
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ROSA, João Guimarães. Sagarana (contos). Rio de Janeiro: José Olym-
pio, 1980.
––––––. Primeiras estórias. 28ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Charaudeau, em sua análise semiolingüística do discurso, propõe
como características do modo argumentativo do discurso a presença de
uma assertiva sobre a qual possa haver questionamento e a existência de
argumentos explícitos.
Se se morre de amor, poema de Gonçalves Dias, não corresponde
a essas duas características, configurando-se, desse modo, numa argu-
mentação de estrutura incompleta. O presente estudo, por conseguinte,
visa a investigar o que motivou tal peculiaridade, tendo por principal
fundamento a obra de Charaudeau supramencionada.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A análise semiolingüística do discurso, de Patrick Charaudeau,
abrange aspectos periféricos do objeto, como quem produziu, para quem,
em que momento, com que finalidade, sendo assim ferramenta eficiente
de estudo uma vez que circunscreve o ato da comunicação. Observemos,
então, quais são esses aspectos.
Numa situação comunicativa simples existem pelo menos dois
“eus” e dois “tus”: o Eu-comunicante, o Eu-enunciador, o Tu-intepretan-
te e o Tu-destinatário.28 O Eu-comunicante e o Tu-interepretante são se-
res reais, de carne e osso, ao passo que o Eu-enunciador e o Tu-destinatá-
rio são uma abstração teórica, sujeitos constituídos no discurso. Assim, a
pessoa que fala/escreve (Eu-comunicante) está constantemente formu-
lando hipóteses a seu respeito e a respeito de quem ouve/lê. Essas ima-
gens hipotéticas constituem respectivamente o Eu-enunciador e o Tu-des-
tinatário. Imaginemos a seguinte situação:
28Segundo Ieda de Oliveira, também chamados pelo próprio Charaudeau em outros trabalhos: sujei-
to comunicante, sujeito enunciador, sujeito destinatário e sujeito interpretante. Tal qual a autora, op-
tamos pela primeira distinção por enfatizar as marcas de pessoa “eu” e “tu”.
ANÁLISE DO POEMA
Se se Morre de Amor (1852) é um dos poemas avulsos de Gon-
çalves Dias, escritos quando já não mais planejava prosseguir na poesia.
Conforme Antônio Henriques Leal, após um serão em que senhoras de
alta sociedade recifense contestavam que se pudesse de fato morrer de
amor.
Trata-se de um texto romântico muito peculiar. Primeiro, porque,
pertencendo em parte ao modo de organização argumentativo do discur-
so, desconstrói o mito da escritura por simples inspiração, visto que sua
estrutura revela-se muito racional, ainda que seja uma racionalidade a
serviço do sentimentalismo.
Segundo, porque, ao negar provisoriamente a possibilidade de se
morrer de amor, o Eu-enunciador frustra a expectativa romântica de um
amor intenso e desmedido.
Para Charaudeau, são características do modo argumentativo do
discurso a presença de uma assertiva sobre a qual possa haver questio-
namento e a existência de argumentos explícitos.
Logo, há uma assertiva passível de questionamento: “Morre-se de
amor”. O Eu-enunciador, no entanto, ainda que proponha acerca dela du-
as teses antagônicas, não explicita argumentos para comprová-las, ou se-
ja, não há uma persuasão apelando para o lado racional do Tu-
destinatário. Configura-se, portanto, uma argumentação de estrutura in-
completa, suprimida de seu componente mais significativo.
O conto de fadas também é um exemplo de texto com tese, sem
argumento. No entanto, não podemos considerá-lo argumentativo, por-
que seu projeto de comunicação não consiste em defender uma tese, mas
entreter o público por meio de uma narrativa, aproveitando para educar.
SOLETRAS, Ano VIII, N° 15. São Gonçalo: UERJ, jan./jun.2008 153
DEPARTAMENTO DE LETRAS
Não só não existem argumentos explícitos para comprovar a moral da
história (tese), como não há um projeto de comunicação com essa finali-
dade.
O poema, ao contrário, foi composto por um Eu-comunicante,
Gonçalves Dias, que sendo impedido de casar com o grande amor de sua
vida Ana Amélia, sustentava um casamento conturbado com Olímpia
Coriolana. Parece-nos, portanto, razoável a hipótese de que o Eu-
comunicante se sentisse como o Eu-enunciador, morto em vida, e quises-
se provar que se morre de amor. Ou seja, o poeta elaborou um projeto de
comunicação para comprovar sua tese, que não incluía, porém, argumentos.
O argumento se dirige ao lado racional do interlocutor, e a ausên-
cia de argumentos pressupõe que a adesão da mulher viria mais facilmen-
te pela expressão sentimental da poesia que pela argumentação. Mas por
que se teria essa visão da mulher? Para chegar à resposta, cabe-nos inves-
tigar a situação comunicativa que envolveu a produção desse texto.
Em meados do século XIX, época em que o poema foi produzido,
o público dos escritores românticos no Brasil era formado basicamente
por estudantes e mulheres. Aqueles de espírito crítico propiciado por uma
educação acadêmica não só consumiam literatura, como a produziam, co-
laborando em periódicos ou fundando suas próprias revistas quando não
encontravam espaço para divulgar suas idéias.
Já as mulheres, oprimidas e subservientes, só passaram a ter aces-
so à alfabetização e, conseqüentemente, à literatura após a década de 30,
compondo, assim, um público mais passivo, que degustava as histórias
dos romances, como uma fuga à sua realidade.
Os moralistas, no entanto, condenavam a leitura feminina, pois,
segundo Ubiratan Machado:
Detectavam na literatura, sobretudo na ficção, venenos insinuantes na de-
sagregação da família patriarcal pelas novas atitudes das iaiás alfabetizadas,
cantoras de modinhas e lundus, tocadoras de piano, apaixonadas por poemas e
poetas. Rebeldes, cabeças-duras, corações abertos ao sonho. (Machado, 2001,
p. 40)
30Nós inclusivo- eu + tu; nós exclusivo eu + ele, conforme BENVENISTE, Èmile. “Estrutura das Re-
lações de Pessoa no Verbo”. In Problemas de Lingüística Geral. São Paulo: Ed.Nacional, Ed. Da U-
niversidade de São Paulo, 1976.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se se morre de amor, de Gonçalves Dias, apresentou uma
argumentação de estrutura incompleta, contendo duas teses, mas não
argumentos para comprová-las. Tal fato justificou-se pela situação
comunicativa de produção do poema, visto que o público-alvo era
formado principalmente por mulheres, numa época em que elas viviam
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, Manuel (org.). Gonçalves Dias: poesia. .Rio de Janeiro:
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MACHADO, Ubiratan. A vida literária no Brasil durante o Romantismo.
Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.
OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. Categorias do Modo Argumentativo de
Organização do Discurso e Relatores. In: GÄRTNER, Eberhard et alii,
eds. Estudos de Lingüística Textual do Português. Frankfurt: TFM, 2000.
OLIVEIRA, Ieda de. O contrato de comunicação da literatura infantil e
juvenil. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
Apesar de LVC ser a sigla institucional do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas, opta-
32
mos neste trabalho pela utilização da sigla LET, pela qual ele é conhecido.
33Os professores entrevistados estão representados neste texto pela expressão Prof, acompanhada
do número seqüencial.
REFERÊNCIAS
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. 8ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2002.
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Colegiado de Letras. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Língua
Portuguesa e Estudos Literários e do Curso de Línguas Estrangeiras Mo-
dernas (Espanhol/Inglês). Londrina, 2005. Digitado.
agra saudade já
não repetia
o nome
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOUSA, Maria Leonor Machado de. D. Inês e D. Sebastião na literatura
inglesa. Lisboa: Vega, [s/d.].
O escritor suíço Umberto Eco disse à revista Wired, certa vez, que
a fotografia assumiu muitas das funções da pintura, como a de retratar
imagens de pessoas, mas que ela não matou a pintura e sim a libertou. A
fotografia apenas abriu espaço para a experimentação, da mesma forma
que o cinema não deseja “matar” a literatura e sim libertá-la para que o
espectador possa realizar outras leituras através da visão do cineasta.
Infelizmente há muitos profissionais que ainda desconhecem a
linguagem do texto cinematográfico, e persistem em compará-la com a
linguagem escrita, desconsiderando assim, novas idéias, implícitas, que
permeiam algumas obras adaptadas.
Essa pesquisa, portanto, procura ampliar um pouco mais a forma-
ção contínua dos professores que ainda se sentem inseguros em trabalhar
com o texto visual em sala de aula, uma vez que não há uma disciplina
com este perfil nos cursos de graduação em Pedagogia e Letras. Desta
forma, muitos professores acabam por trabalhar com algo totalmente no-
vo, porém sem o devido conhecimento sobre o texto visual que o auxilia-
rá, muitas vezes, em sala. A partir da visualização desse problema, des-
cobri a necessidade de pesquisar sobre a adaptação cinematográfica en-
quanto texto independente.
Escolhi o filme “Tróia” (2004), do cineasta Wolfgang Petersen,
justamente pelo fato de essa adaptação cinematográfica ter atraído olha-
res curiosos à obra de Homero, tornando-se, assim, o filme mais polêmi-
co de 2004. Considero fundamental que não somente os adultos, mas
também as crianças e os jovens conheçam a “Ilíada”, de Homero. Acredi-
to que a adaptação rica e agradável de Diane Stewart (1981), remete-nos
ao estímulo das leituras dos clássicos renomados. Por isso, escolhi a a-
daptação de Stewart (1981) para compará-la ao filme de Petersen (2004).
Aqui, Helena deixa bem claro a aversão que sentia pelo marido e
o quanto é indiferente, para ela, ser Páris corajoso ou não, desde que ele a
ame para todo o sempre, enquanto, na literatura, ela culpa Páris por en-
ganá-la dizendo ser ele mais corajoso do que Menelau. O conceito mo-
derno de que uma pessoa não precisa lutar até a morte para provar a sua
coragem configura-se nos pensamentos de Helena.
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
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REY, M. O roteirista profissional tv e cinema. São Paulo: Ática, 1989.
Set Cinema DVD Entretenimento/ maio/ 2004/ ed. 203/ ano 17.
Super interessante. Maio. ed. 200. São Paulo: Abril, 2004.
http://www.rieoei.org/revi1.html
INTRODUÇÃO
Neste artigo, “Trabalho acadêmico: espaço discursivo de polifoni-
zação ou monofonização?”, propomos identificar e analisar as marcas
discursivas do discurso reportado que contribuem para uma tendência à
polifonização ou monofonização do trabalho acadêmico. Através dessa
identificação e análise, objetivamos constatar a influência do aspecto dia-
lógico da linguagem segundo a perspectiva bakhtiniana, corroborando
sua visão de que toda linguagem é dialógica, contudo tende a uma mono-
logização ou polifonia segundo as vozes sejam assimiladas ou polimiza-
das entre si.
TRABALHO ACADÊMICO:
ESPAÇO DISCURSIVO DE POLIFONIZAÇÃO
OU MONOFONIZAÇÃO?
Sustentação teórica e metodológica
A dialogia, aspecto da linguagem defendido por Bakhtin, é enten-
dida como interação dos interlocutores entre si e entre suas cosmovisões
em um determinado momento histórico e contexto social. Se, portanto, o
dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sen-
tido discursivo, o discurso, por sua vez, não pode ser concebido como in-
dividual tanto pelo fato de que ele se constrói entre, pelo menos, dois in-
terlocutores que, por sua vez, são seres sociais, como pelo fato de que ele
se constrói como um diálogo entre discursos, isto é, mantém relações
com outros discursos. Assim é que veremos o trabalho acadêmico (ou
gênero discursivo acadêmico), seja um Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) de disciplina, uma monografia de especialização, como um espaço
discursivo em que se evocam outros textos ou outras vozes.
CONCLUSÃO
As estratégias discursivas destacadas envolveram o discurso dire-
to, o discurso híbrido e as aspas. A própria academia exige que as pes-
quisas sejam fundamentadas em autores que já discorreram sobre o as-
sunto. Contudo, não se pode negar que mesmo o DD precisa ser lido den-
tro de suas limitações, não de sua objetividade, mas de sua subjetividade;
pois, afinal, a citação foi deslocada do seu contexto de origem, vejamos o
que afirma Maingueneau,
Como a situação de enunciação é reconstruída pelo sujeito que relata, é
essa descrição necessariamente subjetiva que condiciona a interpretação do
discurso citado. O DD não pode, então ser objetivo: por mais que seja fiel, o
discurso direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao enuncia-
dor do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar enfoque
pessoal (Maingueneau, 2001, p. 141).
REFERÊNCIAS
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lestra de Auto Ajuda: um estudo de caso. Monografia de Especialização
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MENEZES, Débora Maria de. A Relação Educação/Trabalho: um estudo
sobre a eficiência do Telecurso 2000 na vida do trabalhador. Trabalho de
conclusão de curso apresentado no curso de graduação em pedagogia do
Departamento de Educação da Universidade Tiradentes, Aracaju, 2002.
PRIMEIRAS PALAVRAS
Este artigo tem a ousadia de apresentar aquilo que muitos sabem,
mas, em nome da demagogia e da hipocrisia dogmática, acabam legando
ao silêncio e cerceando a verdade na cortina do esquecimento. Durante
séculos, a educação neste país vem sendo marcada por “idéias mirabolan-
tes”, onde figuram os mais diversos epítetos e as mais torrenciais das hi-
pérboles. Muito foi dito e escrito, todavia não posso ser conivente com a
mediocridade em torno “da Pedagogentice do ôba-ôba” que vem sendo
cunhada por clichês do tipo: “faça o que eu falo, mas não faça o que eu
faço”, até porque seria como vender-me integralmente àquilo que chamo
“projeto de imbecilização nacional”, haja vista que, há séculos, existem
aqueles que vêm perpetuando um processo que visa a tornar os nossos fi-
lhos o mais medíocres e desgraçados possível, incutindo-lhes delírios de
injustificada grandeza, sentimentos de culpa e tolhendo-lhes a capacidade
de pensar de maneira crítica; não sabem eles que toda política educacio-
nal deve entender e respeitar acima de tudo o sagrado exercício da verda-
de! Sim, a verdade! A escola e a Universidade existem, por exemplo, pa-
ra garantir a contínua marcha de um povo rumo ao progresso e não servir
de aparelho que paralisa, oprime e explora, legitimando uma ordem cada
vez mais injusta, quando, não encontrando a sabedoria do meio termo,
permitem um processo antagônico, onde rivalizam-se alunos (aqueles
que “querem tanto estudar, mas que são oprimidos por professores seve-
ros ou que sofrem por ocasião dos momentos de greve) e professores
(“degredados filhos de Eva”, herdeiros de uma vocação, ou melhor, es-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SWANDER, Alex. A importância do conhecimento lingüístico para o
professor de Língua Portuguesa no processo de avaliação da produção
textual de seus alunos. IX Congresso Nacional de Lingüística e Filologia,
Cadernos do CNLF, Volume IX, no.03, 2005.
––––––. Uma anatomia do caráter: em torno da verdade sobre a educação
neste país. X Congresso Nacional de Lingüística e Filologia, Cadernos
do CNLF, Volume X, no.03, 2006.
INTRODUÇÃO
Em uma época em que o livro compete de forma desigual com ou-
tras fontes de informação e entretenimento, muito se discute sobre possí-
veis “estratégias” de aproximar o estudante do mundo da leitura e da es-
crita.
Com o objetivo de refletir e de pôr em prática idéias de incentivo
à leitura e à produção textual, lecionamos, desde março de 2003, Reda-
ção para turmas de EJA no Centro Supletivo de Ensino Fundamental e
Ensino Médio (InvestUERJ), que é desenvolvido pela Superintendência
de Recursos Humanos, através do Departamento de Seleção e Desenvol-
vimento de Pessoal, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Do InvestUERJ participam docentes, que orientam e supervisio-
nam os bolsistas na preparação das aulas; graduandos, que têm a chance
de obter experiência regendo turmas de ensino fundamental e médio; e
servidores, que são liberados do trabalho por três horas, de segunda a
sexta, para freqüentarem as aulas.
Nas páginas seguintes, pretendemos explanar o trabalho com lei-
tura e produção de texto desenvolvido por todo um período letivo, de 25
de outubro de 2006 a 08 de fevereiro de 2007, com dezenove alunos do
ensino médio, distribuídos em quatro turmas (Fase A: 10; Fase B: 5; Fase
C: 1 e Fase D: 3), tendo como principal objetivo a superação de três obs-
táculos: dificuldade dos alunos em leitura e redação, que, obviamente,
não é exclusivo ao InvestUERJ; trabalho artificial com o texto, ainda
SOLETRAS, Ano VIII, N° 15. São Gonçalo: UERJ, jan./jun.2008 213
DEPARTAMENTO DE LETRAS
muito presente na tradição escolar; e escassez do tempo, visto que à dis-
ciplina Redação é reservado apenas um tempo semanal de quarenta e
cinco minutos.
O desenvolvimento do artigo dá-se em dois momentos. No pri-
meiro, detalhamos o planejamento, estabelecendo relações com os textos
que nos serviram de base. No segundo, relatamos as experiências de sala
de aula. Por fim, há a conclusão, cujo título é auto-explicativo: Primeiros
resultados e últimas considerações.
DO PLANEJAMENTO
Com base nos trabalhos de Fonseca e Geraldi (2004), Moulin
(2001) e Villas Boas (2005), decidimos organizar um curso articulando o
“circuito do livro” com a avaliação pautada no portfólio.
Fonseca e Geraldi (2004), desde 1981, desenvolvem um projeto
de leitura em parceira com 31 professores de quarta a oitava série do en-
sino fundamental, que atuam em 18 escolas da rede pública, em Aracaju.
Os 3729 alunos assistidos têm a oportunidade de escolher, dentre os li-
vros de narrativas longas (romances, novelas, peças teatrais) adquiridos
ou retirados da biblioteca da escola, os títulos de sua preferência. A leitu-
ra não se limita ao tempo de aula, dado que os alunos podem levar a obra
para casa. Adota-se o sistema de rodízio: para cada empréstimo, o pro-
fessor faz um registro no caderno de controle. Sem muita burocracia, o
livro circula com muita facilidade entre os alunos, formando um “circui-
to”.
Trabalhando com números bem mais modestos, levamos o “cir-
cuito do livro” para as aulas de Redação, no InvestUERJ. Na verdade –
diferentemente do objetivo de Fonseca e Geraldi (2004), que consistia
em destinar, para as leituras de narrativas, um quinto das horas-aula (uma
aula por semana) – o “circuito do livro” ocupou todo o tempo de que dis-
púnhamos para o trabalho em sala de aula (um tempo semanal de 45 mi-
nutos), sendo, portanto, o centro, a base do curso.
Não recorremos a bibliotecas públicas para montar o acervo. Op-
tamos pela compra e pela doação. No total, reunimos 41 títulos, dos quais
14 foram doados, espontaneamente, pelos estudantes. Para escolher as 27
obras restantes, baseamo-nos em conversas informais que travamos com
os alunos no semestre anterior. Tivemos a preocupação de fazer uma lista
bem diversificada, abarcando vários gêneros (poesia, crônica, conto, ro-
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FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
mance, ensaios, livro de auto-ajuda, peça teatral). Pensamos da seguinte
forma: se a obra for do interesse do aluno, se fizer parte da sua trajetória
de leitor, não há “pecado”, não há “crime” em trazê-la para sala de aula.
Um outro cuidado foi não dividir as leituras por séries (obra “A” para a
primeira fase; obra “B” para a segunda etc.), visto que consideramos essa
classificação de “adequado” e “inadequado”, no mínimo, dúbia e, quase
sempre, injusta.
No momento do planejamento, dividimos o curso em três etapas.
O objetivo da primeira é discutir a importância do ato de ler, consideran-
do o “mapa de leitura” já traçado pelos alunos dentro ou fora da escola, e
trabalhando composições de diversos gêneros (poesia, letra de música,
conto, crônica, documentário). Trata-se da introdução do projeto.
A etapa seguinte é a mais importante. Através de sinopses, críti-
cas, adaptações, relatos informais, os livros selecionados são apresenta-
dos às turmas, para que o aluno possa escolher os de sua preferência.
Nesse segundo momento, as “regras” são detalhadas: não há tempo má-
ximo para a leitura, respeitando-se a caminhada do leitor; caso o livro
não agrade, é possível interromper a leitura e partir para outro; o único
controle é uma lista, atualizada semanalmente e exposta no mural, com
os nomes dos alunos e dos textos que estão lendo.
A aula, nessa perspectiva, passa a ser um espaço tanto para a troca
de opiniões, impressões sobre os livros, quanto para o trabalho específico
com determinado texto – momento de se explanar o conteúdo programá-
tico da ementa (centrado nos três modos textuais básicos: narração e des-
crição para as fases A e B, e dissertação para as fases C e D).
Ressaltamos apenas que o destaque é para os relatos de leitura,
para o circuito. As aulas expositivas são conseqüência do diálogo, da tro-
ca de experiências entre os alunos. Essa constante discussão em sala de
aula, por seu turno, leva à produção textual, que é ponto de partida para
análises lingüísticas. Enfatizamos, assim, a idéia da leitura ser o centro, a
base do curso, o elemento que desencadeia todo o trabalho com o texto.
A última etapa é a apresentação de algum trabalho produzido pe-
los alunos no decorrer do curso. Pode ser uma encenação, um sarau, um
círculo de leitura – a decisão cabe a eles. Como a leitura é essencialmente
interdisciplinar, outros professores podem participar do evento de culmi-
nância.
BIBLIOGRAFIA
BERNARDO, Gustavo. Redação inquieta. Belo Horizonte: Formato,
2000.
BRITO, Luiz Percival Leme. Em terra de surdos-mudos (um estudo so-
bre as condições de produção de textos escolares). In. GERALDI, João
Wanderley (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.
FONSECA, Maria Nilma e GERALDI, João Wanderley. O circuito do
livro e a escola. In. GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala
de aula. São Paulo: Ática, 2004.
GERALDI, João Wanderley. Prática de leitura na escola. In. GERALDI,
João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.
MANGUEL, Alberto. Uma história de leitura. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.