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A DESVALORIZAÇÃO DO “CAMPO”:

A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO RURAL E DO TRABALHADOR NA


PRODUÇÃO CAFEEIRA

João Augusto Silveira Ferreira1

Resumo2
O meio rural vem sendo foco de desvalorização, tanto dos seres sociais que nele
habitam como do trabalho que executam. O presente trabalho tem o objetivo de
estudar esta questão. O estereótipo desses trabalhadores, com o decorrer do tempo,
sempre foi formado e estigmatizado simbolicamente como atrasado, ridicularizado e
dotado inocência. Para tanto, é necessário compreender este ser social e suas formas
de organização, assim como sua formação social. A pesquisa será realizada na região do
Circuito das Montanhas Cafeeiras na região Sul e Sudoeste de Minas Gerais, onde a
economia é dependente da cafeicultura, produção ainda pouco mecanizada e,
portanto, utiliza-se da força de trabalho oriunda de migrantes pendulares e pequenos
agricultores familiares.

Palavras-chave: mundo rural, trabalhadores de cafézais, desvalorização social,


organização social

Este estudo busca entender como o “Campo”, sobretudo o trabalho nele empregado,
continua sendo vítima de seguidas desvalorizações, provindas da sociedade em
diferentes momentos. Desde o modo de produção escravocrata, especialmente durante
o século XIX - quando o trabalho escravo se fazia presente nas lavouras de café como
principal modalidade de trabalho na produção cafeeira – até o presente, este tipo de
trabalho ainda se encontrava sob condição de subordinação perante a sociedade
brasileira. Produtos de origem rural sempre tiveram importância para a economia

1
Estudante de graduação vinculado ao curso de ciências sociais da Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade Federal de Goiás.
2
Trabalho desenvolvido sob orientação do Prof. Dr. Revalino Antonio de Freitas.

1
brasileira e, entre eles, merece destaque o café, que desde a segunda metade do
século XIX, até décadas recentes, representou o “carro chefe” dessa economia. Martins
(2010), afirma que, mesmo diante da alteração do modo de produção, a economia
brasileira ainda continuou a manter sua dependência da exportação de produtos
tropicais, a exemplo do café.
Com a abolição da escravatura, os ex-escravos foram abandonados pelos
fazendeiros, principalmente por não representar mais o modo de produção vigente,
com a prerrogativa de serem considerados despreparados para as novas formas de
trabalho que se inaugurava no Brasil e na produção cafeeira. Com a ascensão do modo
de produção pautado na comercialização da força de trabalho livre, os imigrantes
vieram para suprir a nova demanda nas fazendas de café. Os mesmos foram forçados a
buscar novas alternativas de meio de vida, principalmente por conta das condições
adversas enfrentadas em seus países. Após a vinda para o Brasil, restava àquele
imigrante vender sua força de trabalho, a qual foi apropriada de forma legal pelo
fazendeiro, na produção cafeeira. Outro fator determinante na fomentação para a
vinda desses imigrantes para o Brasil, segundo Martins (2010), está vinculado com os
costumes em seus países de origem e que estavam relacionados à capacidade de
execução do trabalho livre, que nem sempre se encontrava na forma assalariada de
pagamento, uma vez o rendimento é oriundo do acordo entre o trabalhador e o
fazendeiro. Atualmente, a força de trabalho predominante na produção rural é vinda
de migrantes que veem de regiões pobres do território brasileiro. “Os trabalhadores de
outra região, ‘os de fora’, tornam-se ‘imigrado’ no seu próprio país” (SILVA, 1999, p.72).
Este estudo se propõe a analisar o caso específico do Circuito das Montanhas
Cafeeiras, situado na mesorregião Sul e Sudoeste de Minas Gerais 3, que tem como
principal fornecedor dessa força de trabalho, as pequenas cidades da Região do Norte
de Minas Gerais. Analisar-se-á as características apresentadas por essa modalidade de
trabalho, qual seja, o apanhador de café, a forma como ela é assumida e subsidiada,
3
Circuito criado pela Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais (SETUR-MG), no intuito de reunir
cidades que possuíam características em comum como economia, cultura, origem, relevo etc. A
cafeicultura já está estampada no próprio nome do circuito, caracterizando justamente a dependência
da região pela produção cafeeira.

2
além de entender o fluxo migratório, que possui maior intensidade nos períodos da
colheita, em detrimento dos outros estágios da produção, por ser basicamente manual.
O trabalho acontece de forma livre, com relações sociais de produção que
reproduzem em grande parte as relações presentes no período migratório do século
XIX. Comumente, os trabalhadores não são assalariados, nem possuem carteira
assinada. O pagamento tem origem em uma negociação entre o fazendeiro e o
trabalhador. O trabalho na lavoura de café (que é considerada uma plantação sensível)
não conta com o auxílio de maquinário, que de certa forma supriria essa força de
trabalho. Esse caráter faz do café um produto preponderantemente manual, da fase de
plantio à colheita. As colheitadeiras normalmente só são utilizadas em lavouras mais
antigas. Enquanto essa tecnologia não se torna acessível aos produtores em geral, as
colheitadeiras, na maioria das vezes, só são utilizadas nas plantações que estão prestes
4
a serem cortadas ou “esqueletadas” e que, nesse caso, não necessitam a
manutenção dos cuidados com as folhas e galhos.
A hipótese norteadora desse trabalho pressupõe a existência de uma carga de
preconceitos procedente de determinadas parcelas de moradores das localidades
produtoras de café perante a execução do trabalho rural no café, mesmo este sendo
responsável por compor boa parte da economia desses municípios. Assim, entende-se
que uma apreensão da formação e condição social, além das formas de organizações
sociais desses trabalhadores e da sua vida cotidiana, se faz necessário. A força de
trabalho desses migrantes pendulares veio para suprir a necessidade de oferta de mão-
de-obra no período de apanhar o café. Por possuírem estadia periódica, esses
migrantes carecem de seus direitos trabalhistas. Geralmente, se fixam em casas
situadas nas zonas urbanas, nas quais dividem com outros migrantes as despesas
geradas pela mesma, ou então, na casa de familiares que se fixaram nesses municípios.
Esta situação de vida em meio urbano faz com que estes trabalhadores se desloquem
periodicamente para as lavouras. Apenas as maiores fazendas contam com estruturas
de alojamentos para os trabalhadores.

4
Ato de retirar as folhas do pé de café, com intuito de propiciar uma folhagem nova, para melhorar a
qualidade e a produção.

3
Não se prendendo somente à desvalorização econômica do trabalhador dos
cafezais, o estudo também abordará a questão da sua desvalorização simbólica. O ser
social que habita esse mundo rural cresce sobre um ambiente cercado de
desconsiderações sobre sua cultura, seu modo de vida. É comum ver a mídia
reproduzir, sobre diversas formas, a imagem desse trabalhador, que por muitas vezes é
apontado como um ser social dotado de estereótipos relacionados ao atraso, a
ingenuidade, a valores românticos etc.

Referencial Bibliográfico:

MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. 9ª ed, São Paulo: Contexto, 2010.

SILVA, Maria Aparecida de Morais. Errantes do Fim do Século. São Paulo: Editora
Unesp, 1999.

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