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Casimiro Pinto
Universidade Aberta
pinto.casimiro@gmail.com
Resumo
Neste texto procura-se participar na discussão em torno das diferentes metodologias de
investigação que surgem sempre que emergem novos campos de pesquisa. A primeira
das suas partes debruça-se sobre os antecedentes dos jogos (e do seu estudo), por se
pensar que a variedade e o papel dos jogos se inscrevem num processo de
transformação histórico-cultural, na tentativa de desvendar a novidade que os
videojogos propõem em relação aos “jogos tradicionais”.
As últimas secções perseguem as diversas linhas de pesquisas deste renovado campo de
estudo, como é o jogo, e tem como objectivo principal a inventariação breve, nos limites
de um trabalho de síntese, dos caminhos abertos pela investigação já realizada, e da
importância que se atribui à Antropologia Visual, e às disciplinas que tradicionalmente
se lhe associam, no estudo dos videojogos.
Abstrat
With this text we intend to participate in the discussion about the different
methodologies of research that enable us to study this new and emergent field of
research. The first part emphasizes the antecedents of videogames (and its study), as we
think that the variety and the role of the games are inscribed in a historical and cultural
transformation process as we attempt to reveal the newness that videogames bring in
relation to the “traditional games”.
The last section aims the different lines of research of this renewed study field,
searching for the importance that Visual Anthropology may afford in the study of
videogames.
Introdução
Os videojogos são uma forma de expressão cultural cada vez mais difundida e
um meio de comunicação capaz de criar histórias em ambientes virtuais onde os
jogadores participam na construção de narrativas. Este tipo de jogos representa uma boa
parte da expressão cultural do processo de globalização, logo da experiência comum de
uma cultura de massas (de que são elemento constituinte) regida pela “intertextualidad
electrónica” (Darley, 2002:17). Actividade que, de resto, altera o uso dos sentidos, dos
gestos do corpo e da linguagem, afeiçoando o interesse estético à experiência visual em
actividades de tempo intenso, vinculadas às telecomunicações e à “inércia doméstica”
(Idem, 2002: 290).
Esta associação da ideia de “sedentarismo doméstico” à prática de jogos de
videojogos é evidente na invocação colectiva do estereótipo do jogador jovem isolado,
empalidecido, encurvado num sofá situado num espaço obscuro de casa a premir
nervosamente os botões de um comando. Mas os estudos cada vez mais numerosos e as
próprias estatísticas contrastam com a ideia exposta anteriormente. De facto, há cada
vez mais gerações de crianças e de jovens “criados” a brincar com videojogos e em que
estes ocupam um lugar central na sua vida. Não admira: “a partir de 1992, as vendas
mundiais de consolas e de jogos de vídeo ultrapassam as receitas das salas de cinema”
(Nora, 1996: 141). A Interactive Digital Software Association (IDSA) previa, em 2002,
que o crescimento da indústria dos videojogos interactivos ultrapassaria qualquer outro
media e que o crescimento do mercado de software de jogos era capaz de ultrapassar os
da publicidade na Internet, da televisão, rádio, cinema, música e jornais (IDSA, 2002:
11). Em 2005, a entidade que a substituiu (ESA – The Entertainment Software
Association), enfatizava em Essential Facts About the Computer and Video Game
Industry a opinião de Sheldon Brown1 que referia que, querendo-se ou não, os
videojogos são os media do nosso tempo. É este o media que está a contar a nossa
história cultural, e o facto de ser uma ferramenta primordial para jovens e adolescentes
significa que terá um enorme impacto na construção da identidade da próxima geração
(ESA, 2005).
Acresce que, ao mesmo tempo que convidam ao isolamento, os videojogos
facilitam igualmente a interacção num conjunto muito amplo de espaços sociais onde,
como se comprovou no estudo que nós próprios realizamos, estimulam contactos sociais
vibrantes:
“Antes mesmo de se verificar outras dimensões sociais da utilização de jogos de
computador, já se sabia que estes circulavam entre grupos de amigos, vendidos,
trocados ou emprestados em versões integrais ou de demonstração, “originais” 2,
“pirateadas” 3 ou “copiadas” 4.
As interacções sociais fundadas na partilha de informações sobre o jogo
encorajam o jogador a continuar a jogar. Trocam-se, por isso, notas, ideias, soluções,
pontuações, revistas. É de admitir, enfim, que os jogos de computador são objectos
sociais que encaixam melhor do que os livros nos modelos pré-existentes de brincadeira
das crianças – o livro consome-se isoladamente, enquanto os jogos se preferem jogados
entre amigos, uns com os outros.
Quando se joga contra um amigo, o entusiasmo pela vitória no jogo é uma
experiência muito gratificante por ser acompanhada pelo reconhecimento dessa
superioridade pelos parceiros. Mas, mesmo quando se superam os desafios mais difíceis
colocados pelo jogo, longe do olhar dos amigos, estabelece-se essa mesma
reciprocidade entre a gratificação pessoal por se ter superado uma determinada fase do
1
Professor de Arte Visual e Director do Centro de Investigação em Computação e Artes da Universidade
da Califórnia.
2
A referência a “jogos originais” significa que se possui uma cópia licenciada.
3
Os “jogos pirateados” são aqueles que se adquirem no mercado paralelo, mas que em tudo se
assemelham a uma cópia autorizada.
4
Os “jogos copiados” correspondem às cópias feitas pelos próprios utilizadores, ou por indivíduos das
suas relações pessoais.
jogo e a gratificação social que traduz o reconhecimento, posterior, desse sucesso, pelos
companheiros. Eram esses, os mais experientes, que ocupavam, nas nossas observações,
alguns dos lugares à volta de quem, ocasionalmente, assumia os comandos do jogo, por
saberem que o estatuto adquirido lhes devolveria o seu controlo no momento em que
um desafio colocado pelo jogo não obtivesse resposta capaz de um jogador menos
competente. Os demais lugares eram ocupados pelos mais inexperientes que, enquanto
aguardavam a sua oportunidade para jogar, aproveitam para aprender, pela observação,
os “segredos” do jogo” (Pinto, 2003: 269).
Estes tipo de jogos requerem, em síntese, um conjunto de actividades sociais e
interpessoais evidenciadas no facto de cada jogo, no propósito de se atingir o seu
desfecho, exigir a procura de informação num conjunto diversificado de meios,
partilhando-se no essencial essa busca com outros companheiros de jogo. E, entre os
benefícios sociais do jogo pode-se mesmo destacar o facto de se ultrapassar as fronteira
da idade, do género e da cultura do jogador e, para quem o faz via Internet, da própria
geografia, podendo-se afirmar, neste sentido, que os videojogos poderão contribuir para
o desenvolvimento de competências sociais e comunicativas (Buckingham e Sefton-
Green, 2003: 391)
Testemunho
2.1 Antecedentes
Especificidade
Relações
1
Por exemplo, em Rosa (2000).
2
Por exemplo, em Dalum; Sørensen (1996).
3
Em destaque, no original.
4
Em destaque, no original.
Refira-se também que a utilização, na estrutura dos jogos digitais, de cut-scenes,
sequências que se assemelham a cenas de um filme, a par de ambientes narrativos onde
o jogador retoma o controle do jogo, sugerem abordagens analíticas que
perspectivassem os jogos de vídeo como cinema interactivo, no sentido em que inclui a
subjectividade e a actividade do jogador na construção da própria acção do jogo. É, para
este tipo de abordagem, a relação assim estabelecida entre as sequências cinemáticas, as
cut-scenes, que ajudam na narração da história, e a capacidade de o jogador intervir,
subjectivamente, elegendo as acções entre as possibilidades disponibilizadas num
ambiente narrativo pré-estabelecido, que constitui a fundação do cinema interactivo e da
própria experiência positiva do jogo.
Esta ideia de uma história em que se pode interagir porque dela se faz parte, a
influência que o jogador pode exercer na própria acção leva, de resto, alguns autores a
desvalorizarem a consideração da dimensão narrativa dos jogos de computador1,
relevando sobretudo que a qualidade de um jogo não decorre da qualidade do enredo
que desenvolve, mas das possibilidades que oferece ao jogador de explorar e
compreender a estrutura do jogo, isto é o manejo táctico necessário para o completar,
independentemente do enredo que o próprio jogo propõe (Juul, 2001: 7). O fascínio dos
jogos de computador, refere o mesmo autor, não está necessariamente ligado à
identificação com uma personagem no ecrã, mas relacionado com a tarefa do jogo
encarada como um assunto da vida real. (id., ib.: 8). Nem sequer no conhecimento do
desfecho da história. Este já se conhece antecipadamente e a tarefa do jogador é,
justamente, actualizá-lo, chegando ao seu fim (id.:7). Para Juul (id.), tal como viramos
em Jenkins (s/d), o seu fascínio pode ser compreendido pela analogia que faz dos jogos
de computador mundos a explorar pelo jogador, e que este último autor precisa ao
referir que os videojogos constituem espaços virtuais que possibilitam às crianças
confinadas a casa ampliar o seu alcance, explorando, manipulando e interagindo com
uma maior variedade de lugares imaginários do que aqueles espaços monótonos,
previsíveis e excessivamente familiares que compõem o seu dia-a-dia.
Enfim, se é incontornável o interesse pelos videojogos para quem tem
responsabilidades no domínio das histórias não lineares, por ser aí que pode encontrar
possibilidades culturalmente relevantes para a consideração deste aspecto, a sua
importância está ainda por definir.
Caminho
1
Por exemplo, Frasca (2001) defende esta perspectiva.
importância de um determinado campo de estudo e de produção de conhecimento se
consolida pela sua capacidade em se constituir em disciplina a partir da qual se
potenciariam novas possibilidades de colaboração (com outras disciplinas) e de
inovação. Em todo o caso, os contornos do estudo dos videojogos, pela própria natureza
do que se afirmou a propósito da sua prática, rechaçam qualquer tentativa de os abordar
de forma separada da actividade social em que se desenvolve. Admite-se que a tentação
do antropólogo pela localização real da experiência de jogo o leve a subvalorizar a
experiência virtual dos seus utilizadores reduzindo a relação dialéctica que ela mantém
com a experiência real a esta última. Não se pode é esquecer que igual inconveniente
decorre da apetência disciplinar do “Game Studies”, ainda que de ordem inversa,
sacrificando as experiências reais às experiências virtuais dos utilizadores.
No que parece importante, o cruzamento do estudo de videojogos com a
Antropologia e demais disciplinas com que esta se habituou a relacionar pode trazer,
para esta nova área, um sistema para teorizar a cultura e a alteridade neste seu novo
enquadramento e a uma metodologia – a observação participante – para a investigação
dos jogos digitais e da cultura que o envolvem, fornecendo uma abordagem que implica
o trabalho de campo por um período longo de tempo para examinar, participar e
observar o processo social que envolve estes artefactos culturais e as suas experiências
reais e virtuais. Sabe-se, contudo, que a reflexão sobre os novos desafios que se
colocam à Antropologia Visual, que reflictam as mudanças sociais e tecnológicas
actuais e cujos símbolos mais marcantes seriam a Internet e os videojogos, só aos
poucos se poderá consolidar, à medida que a experiência de terreno se for realizando.
6. Bibliografia
ROSA, Jorge Martins (2000). No Reino da Ilusão – A Experiência Lúdica das Novas
Tecnologias. Lisboa: Vega.
TURKLE, Sherry (1997). A Vida no Ecrã – A Identidade na Era da Internet. Lisboa:
Relógio D’Água Editores.