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I – O Fim da Palavra
Dado que o fim da palavra é expressar a verdade, bem se
entende que a mentira passa por um dos defeitos mais reprováveis do
homem (1). E mais avulta essa falta (e pois se justifica a fulminem com
extremos de rigor), se estava a palavra empenhada sob formal
juramento. Há casos, com efeito, em que a contravenção da verdade,
sobre constituir quebra insigne do caráter e mácula moral intensa, cai
também debaixo da nota de infração penal: o crime de falso testemunho.
Tal é a repulsa que, por sua enormidade, mereceu desde todo o sempre
o falso testemunho, que o mesmo Deus quis significá-lo, assentando-o
na tábua que deu a Moisés. Dos dez preceitos que nelas constavam,
um em verdade era este: Não dirás falso testemunho contra o teu próximo (2).
II – O Falso Testemunho
Consoante a fórmula do art. 342 do Código Penal, cometerá este
crime a testemunha que fizer afirmação falsa, negar ou calar a verdade,
em processo (3). Réu de falso testemunho, portanto, não será só aquele
que mentir (ou afirmar inverdade), senão o que negar a verdade sabida
ou ocultá-la (4). A falsidade, nunca é demais encarecê-lo, há de recair
sobre fato juridicamente relevante (5); do contrário, visto não prejudica
a prova, será reputada inócua (6).
À violação do juramento, que as antigas legislações
denominavam perjúrio, sempre se cominaram castigos da última
severidade (7). Com o que se conformava a prudência do tempo, que
punha timbre em não tolerar se introduzisse no processo judicial
coisa alguma capaz de comprometer-lhe o intuito precípuo: a pesquisa
da verdade real.
Carlos Biasotti
Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp
Notas
(1) Para Kant, “a mentira é a falta individual mais grave porque perverte o
fim natural da palavra” (Castro Nery, Filosofia, 1931, p. 99).
(2) Êx 20, 16.
(3) Deste crime também pode ser sujeito ativo o perito, o tradutor
ou o intérprete.
(4) Como quer que vem ao nosso propósito, cabe aqui alusão
àquelas três coisas que os persas haviam pelas mais
importantes: “montar a cavalo, atirar com o arco e dizer a verdade”
(Heródoto, História, 1950, p. 72; trad. Brito Broca).
(5) “Tanto a doutrina como a jurisprudência exigem o requisito da relevância
jurídica do fato para a configuração do delito de falso testemunho” (Rev.
Tribs., vol. 570, p. 284).
4
(6) Cf. E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 1968, vol. IV, p. 442.
(7) Rezavam textualmente as Ordenações Filipinas: “A pessoa que
testemunhar falso, em qualquer caso que seja, morra por isso morte
natural” (liv. V, tít. LIV). Pelo mesmo teor, o Código Criminal do
Império do Brasil, com respeito aos que jurassem falso em Juízo:
prescrevia, na hipótese de juramento prestado para a
condenação do réu em causa capital, a pena “de galés perpétuas no
grau máximo” (art. 169). A Lei das XII Tábuas assentara: “Se alguém
profere um falso testemunho, que seja precipitado da Rocha Tarpeia” (táb.
7a., inc. 16); apud Silvio Meira, A Lei das XII Tábuas, 2a. ed., p.
172). Ajuntou, ao propósito, Jayme de Altavila: “Eis a razão por
que os romanos, que puniam atrozmente o roubo, diziam que falsi testes
pejores sunt latronibus. As testemunhas falsas são piores que os ladrões”
(Origem dos Direitos dos Povos, 4a. ed., p. 80).
(8) Bem que não seja defeso ao advogado o contacto prévio com
testemunhas, todavia, como o advertiu o abalizado criminalista
Paulo Sérgio Leite Fernandes, “a atitude não é recomendável, pelos
problemas que traz” (Na Defesa das Prerrogativas do Advogado, vol. II,
p. 62).
(9) Apud Ruy A. Sodré, Ética Profissional e Estatuto do Advogado, 1977,
p. 112.
(10) “Crimes de mão própria ou de atuação pessoal são aqueles que só podem
ser cometidos pela própria pessoa” (Orlando Mara de Barros,
Dicionário de Classificação de Crimes, 2a. ed., p. 68).
(11) Código Penal Comentado, 5a. ed., p. 620.
(12) Cf. Jayme de Altavila, A Testemunha na História e no Direito, 1967,
p. 67).