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Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616

ARTE, CIDADE, ESFERA PÚBLICA: AÇÕES EFÊMERAS NO ESPAÇO URBANO


Anne Marie Moreira Sampaio 1
anne.sampaio@gmail.com

Resumo: Esta pesquisa investiga as ações de arte efêmeras que aconteceram em espaços
públicos urbanos no Brasil, e de que maneira essas práticas construíram esferas públicas
relacionadas ao ambiente da cidade. Como objetos de estudo foram selecionados os grupos
Poro, Interlux Arte Livre e Grupo de Interferência Ambiental (GIA), que atuam desde 2002 com
propostas inseridas em espaços públicos. Para análise das ações desses coletivos, foram
utilizados os conceitos de esfera pública, da filósofa alemã Hannah Arendt, e arte no interesse
público, da pesquisadora norte-americana Miwon Kwon, relacionando os trabalhos
contemporâneos com outros artistas brasileiros, desde Flávio de Carvalho, em 1931, até o
grupo 3Nós3, já na década de 1980. A pesquisa também foi baseada em outras referências,
tais como sites, blogs, vídeos, documentários e registros fotográficos, em algumas vezes
disponibilizados pelos próprios grupos estudados.

Palavras-chave: Arte efêmera; Espaço público; Esfera pública.

Abstract: This research investigates the actions of ephemeral art that happened in urban
public places in Brazil, and how those actions built public spheres related to the citie's
environment. As references for the study were selected the groups Poro, Interlux Arte Livre
and Grupo de Interferência Ambiental (GIA), working since 2002 with inserted proposals in
public places. For the review of the actions of these collective were used the concepts of public
sphere, by the German philosopher Hannah Arendt, and art in public interest, by the North-
American researcher Miwon Kwon, relating contemporary works with other Brazilian artists,
from Flávio de Carvalho, in 1931, until the 3Nós3 group, in the 1980s. This research was also
based in other references, as websites, blogs, videos, documentaries, and photographs,
sometimes provided by the studied groups themselves.

Keywords: Ephemeral Art; Public Space; Public Sphere.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa investiga coletivos de arte que produzem ações destinadas aos espaços
públicos das cidades brasileiras na contemporaneidade. A partir do mapeamento feito, é
possível compreender de que maneira os artistas se relacionam com os espaços públicos e

1
Graduada em Artes Visuais pela UFPR. Cursando a Pós-graduação Especialização em História Moderna e
Contemporânea na EMBAP.
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observar as características e conceitos recorrentes nas ações. Refletir sobre esse tema significa
pensar nas possibilidades que os grupos encontram para questionar, interferir e se apropriar
desses espaços, construindo esferas públicas de acordo com a sociedade de nosso tempo.
Os coletivos de artistas Poro (MG), Grupo de Interferência Ambiental - GIA (BA) e
Interlux Arte Livre (PR) foram escolhidos como objetos de estudo para discutir as
proximidades, as diferenças e a relevância sobre o que vem sendo produzido em arte
urbana/efêmera atualmente. As escolhas foram feitas tendo em vista as relações que esses
grupos estabelecem através de seus trabalhos com o meio urbano, em sintonia com a noção
de esfera pública utilizada pela filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975).
Arendt concluiu que as cidades ocidentais – decorrentes do modelo grego antigo da
polis – não seriam apenas a dimensão terrestre ou as edificações sobre elas erguidas. A cidade
seria o espaço das relações e o espaço entre as relações – seria o lugar da esfera pública.
Assim, a esfera pública poderia acontecer independente de estruturas físicas, pois sua
constituição estaria em função de encontros, trocas de informações, questionamentos, enfim,
na comunicação afim de construções materiais ou simbólicas. Portanto, a noção de esfera
pública abarca o espaço público, e não se prende ao lugar como espaço físico, possibilitando a
existência do espaço discursivo.
A professora e pesquisadora Miwon Kwon, consciente da amplitude do espaço público
e da oportunidade de existência da esfera pública definida por Hannah Arendt, cita, no livro
One place after another: site-specific art and locational identity (2004), a categoria de arte que
entende como “arte no interesse público”. Essa classificação diz respeito às proposições ou
trabalhos projetados para determinadas situações, levando em conta o espaço, quem terá
contato com ele e como afetará ou será afetado pelo ambiente.
Tendo em vista a categorização de Miwon Kwon e a noção de esfera pública, definida
por Hannah Arendt, esta pesquisa procura compreender dois aspectos principais: de que
maneira as ações efêmeras propostas pelos três grupos constroem esferas públicas (ao serem
acionadas nos espaços públicos das cidades); e como se estabelecem no campo das artes
visuais. Ao avaliar as produções do Poro, GIA e Interlux, é possível traçar uma trajetória que,
no Brasil, se inicia com Flávio de Carvalho, na década de 1930, relacionando arte, cidade e
espaço público. Essa trajetória será aprofundada a seguir, seguida da descrição dos três
coletivos e da análise das produções dos grupos.
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TRAJETÓRIA DAS AÇÕES EM ESPAÇOS PÚBLICOS NO BRASIL

Para compreender o território no qual esta pesquisa se desenvolve, é preciso voltar no


tempo até o princípio das ações em espaços públicos no Brasil. Descrever a trajetória desses
trabalhos auxilia na construção do pensamento e do olhar acerca das inserções de arte fora
dos espaços expositivos convencionais, além de mostrar o desdobramento histórico da
produção contemporânea nos espaços públicos urbanos.
Essa trajetória começa com Flávio de Carvalho (1899-1973) que, em 1931, iniciou as
Experiências, “denominação que ele dava às suas práticas interdisciplinares, desvinculadas das
categorias artísticas tradicionais” (MELIN, 2008, p. 22). Na primeira delas, a Experiência nº 2, o
artista se infiltrou em uma procissão de Corpus Christi, no sentido oposto ao qual as pessoas
caminhavam. Na ação, o artista usava um chapéu, o que significava extrema falta de respeito
para a ocasião, e foi necessária a intervenção da polícia para que Flávio de Carvalho não fosse
linchado pelos participantes da procissão. Anos depois, em 1956, aconteceu a Experiência nº 3,
na qual o artista percorreu as ruas de São Paulo com o traje New Look, proposta tropical de
vestuário masculino, composta de saia, blusa de mangas folgadas e sandálias. A professora e
pesquisadora Regina Melim (2008, p. 23) comenta que essas ações provocativas de Flávio de
Carvalho foram precursoras “na trajetória da performance no Brasil, que terá nas décadas
subsequentes um número variável integrando-se aos processos de muitos artistas”.
Fazendo uma leitura mais abrangente, as Experiências de Flávio de Carvalho foram
precursoras também nas relações entre arte e cidade, envolvendo os transeuntes na
construção das ações. O artista lançava-se ao espaço público, utilizando-o como arena de
discussão de ideias, mesmo que elas confrontassem os valores da sociedade da época e
causassem grande estranhamento. É possível dizer que Flávio de Carvalho foi a vanguarda das
ações que aconteceriam mais adiante, sobretudo nas décadas de 1960 e 1970, principalmente
após o movimento Neoconcreto, em 1959. O crítico de arte Ronaldo Brito descreve o
neoconcretismo “como divisor de águas na história das artes visuais no Brasil; um ponto de
ruptura da arte moderna no país” (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL, 2008). A autonomia da
obra de arte é deixada de lado para valorizar a experiência entre objeto e observador, que é
convidado a extrapolar a posição de espectador e atuar ativamente – corporalmente – nas
situações propostas pelos artistas.
Hélio Oiticica (1937-1980) propôs a interação do público com obra e espaço em
diversos de seus trabalhos, tais como os Núcleos (1960), Penetráveis (1961), Bólides (1963), as
Manifestações Ambientais (1964) e os Parangolés (1965). Essas situações estavam ora inclusas
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em espaços expositivos, ora em ambientes alternativos – praças, ruas, parques. A conexão de


Oiticica com o espaço público não existia somente no momento da ativação da obra no
espaço. O artista vivia o espaço urbano e trazia dele referências que eram digeridas e
devolvidas a esses espaços como propostas de trabalhos relacionais.
O evento Apocalipopótese, que aconteceu no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro,
em agosto de 1968, demonstrou que a vontade de expansão para o urbano era compartilhada
também por outros artistas. Apocalipopótese foi organizado por Oiticica, Frederico Morais,
Lygia Pape e Antônio Manuel, e proposto para pensar o espaço externo do MAM/RJ,
relacionando arte e espaço público. É importante lembrar que naquele momento o Brasil
estava sob ditadura, e que meses mais tarde seria decretado o Ato Institucional nº 5, anulando
direitos constitucionais dos cidadãos e reprimindo ainda mais a liberdade de expressão.
Portanto, os movimentos expostos nos ambientes públicos funcionavam também como
“válvula de escape” para uma sociedade forçada ao silêncio e ao confinamento de ideias e
ações pela censura do regime militar.
Dois anos após Apocalipopótese aconteceu a mostra Do corpo à terra. Com curadoria
de Frederico Morais, o evento foi realizado em abril de 1970, em vários locais de Belo
Horizonte, mas concentrado no Parque Municipal ao redor do Palácio das Artes. Reuniu
artistas que envolviam situações relacionais, sensoriais e/ou corporais em suas propostas,
aproximando arte e público e criticando de forma contundente o período de repressão no qual
o país se encontrava. Entre os artistas, Cildo Meireles participou com Tiradentes: Totem-
Monumento ao preso político e Artur Barrio com a Situação T/T,1. O curador Frederico Morais
ressaltou que as instituições de arte deveriam voltar-se aos espaços públicos externos aos
museus e valorizar as experiências cotidianas das cidades:

É tarefa deste Palácio das Artes (verdadeiramente um museu de arte): mais que um
acervo, mais que prédio, o museu de arte é uma ação criadora – um propositor de
situações artísticas que se multiplicam no espaço-tempo da cidade, extensão natural
daquele. É na rua, onde o ‘meio formal’ é mais ativo, que ocorrem as experiências
fundamentais do homem. Ou o museu leva à rua suas atividades ‘museológicas’,
integrando-se no quotidiano e considerando a cidade (o parque, a praça, os veículos de
comunicação de massa) sua extensão, ou será apenas um trambolho (MORAIS, F.
1997, p. 296).

Se na opinião de Frederico Morais os museus ainda precisavam se adequar à nova


realidade artística, os artistas mostravam disposição em desenvolver outras maneiras de
apresentar seus trabalhos. Tanto Apocalipopótese quanto Do corpo à terra são exemplos do
olhar e da resposta dos artistas, de fora para dentro dos espaços museológicos. O
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deslocamento da arte para fora das instituições caracteriza o período das décadas de 1960 e
1970, onde a necessidade do objeto de arte é repensada, abrindo oportunidade para que
outros circuitos acontecessem. Livros e publicações de artista, arte postal, xerox,
performances, happenings, vivências e ações coletivas demonstraram novas possibilidades de
encontro da arte com o público, com a cidade, as instituições e com a própria arte. Em contato
com o cotidiano, a arte potencializa as efemeridades da vida “comum” – cria esferas públicas
que dialogam com os fluxos urbanos.
Sintonizados com as experiências das décadas anteriores, Hudinilson Jr., Mario
Ramiro e Rafael França formaram, em 1979, o 3Nós3, coletivo que durante seus quatro anos
de existência dedicou-se as “interversões”, “denominação que o grupo preferia utilizar para
descrever suas ações, cujo objetivo expresso era inverter a percepção habitual do espaço da
cidade e da arte” (MELIM, 2008, p. 30). A ação mais conhecida do 3Nós3 foi Ensacamento, que
aconteceu em uma madrugada de abril de 1979, na cidade de São Paulo. O grupo cobriu com
sacos de lixo as cabeças de várias estátuas públicas, causando muita polêmica e confusão
assim que as pessoas começaram a circular pela manhã. No mesmo ano, foi realizada a
Operação X-Galeria, na qual o grupo lacrou com adesivo a porta de várias galerias de São Paulo
e deixou colado, como “rastro”, um papel mimeografado com a frase: “o que está dentro fica,
o que está fora se expande”.
De Flávio de Carvalho até 3Nós3, esse breve histórico de ações em espaços públicos do
Brasil teve a intenção de situar os grupos que são objetos de estudo desta pesquisa em relação
ao campo e à história da arte. Certamente outros artistas, ações e eventos poderiam estar aqui
descritos, sendo este apenas um recorte da fértil gama de intervenções que se espalham pelas
cidades.

PORO, INTERLUX E GIA: AÇÕES EFÊMERAS NA URBE

A dupla mineira do Poro, formada por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada!,


trabalha desde 2002 com ações efêmeras e intervenções na urbe. O grupo compreende o
espaço da cidade como um território fértil para suas ações, que têm como característica
despertar o olhar do passante para os detalhes: uma parede antiga, um poste de luz, uma cor
que ressalta do cinza do concreto dominante das cidades. Atentam também para o excesso de
publicidade que o espaço urbano apresenta como um grande outdoor, onde não há escolha
para o habitante: é ver ou ver. A curadora e crítica de arte Daniela Labra enfatiza a diferença
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das ações do Poro para a publicidade, afirmando que “distante de qualquer artifício de
hiperestimulação dos sentidos, eles propõem a subversão de conceitos enraizados na cultura
capitalista” (CAMPBELL, B; TERÇA-NADA! M. 2011, p. 97).
Segundo a dupla, eles se autodefinem “apaixonados pelo meio impresso e tudo que
envolve as artes gráficas: a reprodutibilidade, a impressão – e os erros de impressão – os
papéis, as tintas, as cores” (CAMPBELL, B; TERÇA-NADA! M. 2011, p. 8). Por esse motivo,
muitos trabalhos do Poro são séries impressas, faixas, panfletos, cartazes e camisetas. Entre as
propostas que são tiragens estão Siga sem pensar (2004), Tem crédito? e Superfície da
cidade, as duas últimas desde 2008. Essas tiragens
são inseridas no contexto da cidade da mesma
maneira que a infinidade de panfletos que
circulam diariamente nos centros urbanos. De mão
em mão, são entregues a qualquer pessoa – não
pretendem atingir o “público da arte” nesse
primeiro momento. Os trabalhos são legitimados
no campo da arte posteriormente, seja por meio
de registros e publicações on-line ou de exposições
e debates em instituições: universidades, museus,
Figura 1 – Poro. Faixas de anti-sinalização. 2009.
galerias, centros culturais etc. Fonte: CAMPBELL, B.; TERÇA-NADA! M. 2011.

Além dos panfletos, os lambe-lambes também são usados pelo Poro como
interferência no espaço urbano. Por outras práticas e espacialidades (2010) é uma série de
cartazes impressos em serigrafia e fixados em locais públicos. Cada um dos lambes possui uma
frase que contesta ou propõe algo sobre a cidade. Algumas das frases da série: “Compartilhe o
espaço público”, “Silêncio por favor”, “Espaço reutilizável”, “Plante novas árvores na sua rua”,
“Transforme distância em movimento”.
Para criticar o abuso publicitário nas cidades, o Poro ressignifica os dispositivos da
própria publicidade, como os panfletos, os lambe-lambes e a série Faixas de anti-sinalização
(2009, FIGURA 1). O título deste último trabalho dá pistas de como ele age no espaço público.
Ao contrário das faixas usuais, que explicam e informam os transeuntes, as faixas do Poro
espalham frases que parecem deslocadas do ambiente urbano já habituado aos apelos
comerciais. Dizeres como “Perca tempo”, “Desenho é risco”, “Enterre sua tv”, “Veja através” e
“Atravesse as aparências” compartilham o mesmo espaço de anúncios que pretendem vender
e promover produtos ou serviços.
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Quando o Poro age no ambiente público por meio de ações poéticas e efêmeras,
criticando características da sociedade atual e seu modo de convivência com a coletividade
urbana, a noção de “guerrilha artística” – formatada pelos artistas das décadas de 1960 e
1970, no Brasil – torna-se contemporânea. Não mais contra a repressão e a censura da
ditadura militar, a guerrilha artística nos anos 2000 pode ser vista como um posicionamento
diante da massificação dos moldes capitalistas, que interferem nos hábitos, desejos, vontades
e ações dos indivíduos. Na produção de Brígida e Marcelo, o questionamento tende para o
excesso de mídia na cidade e distanciamento afetivo entre habitantes e urbe.
Outras ações da dupla têm caráter mais poético, como Olhe para o céu (2009),
Aquários suspensos (2007), Enxurrada de letras (2004) e Jardim (2002 e 2004). Sobre suas
ações, o Poro comenta (2001, p. 7):

Nossos trabalhos são recortes de várias realidades que percebemos ou criamos. Eles
são essa ponte que pretende pontuar questões e tocar alguns pontos de conflitos
que existem em várias esferas. Dizer sobre cor, superfícies, memória, alimentação,
natureza, tempo, modos de perceber etc. nos campos político, ético e poético.

A riqueza da obra do Poro está na sutileza e coerência com que criam, executam e
disponibilizam seus trabalhos. As práticas nos espaços públicos são pensadas em relação ao
ambiente e às pessoas que nele transitam. A partir desses encontros entre arte, proposição e
cidade, surgem esferas públicas que atentam para o cotidiano da vida “comum” e que
pretendem resgatar sentimentos de inclusão e afeto dos indivíduos perante os lugares onde
vivem.
O Interlux Arte Livre é de Curitiba, PR, e começou suas atividades no ano de 2002,
inicialmente com a ideia de integrar artes visuais e música. Suas ações envolvem
performances, ocupações e intervenções plásticas, buscando ressignificar os espaços urbanos,
“consolidando uma identidade heterogênea, de abordagem provocadora [...], numa crítica do
processo civilizatório e da crise de percepção da sociedade do consumo espetacular”
(INTERLUX, 2010). Na formação atual estão André Mendes, Claudio Celestino, Fernando
Franciosi, Fernando Rosenbaum, Goura Nataraj, Jaime Vasconcelos, Juan Parada, Rimon
Guimarães e Tiê Passos.
Além das influências trazidas pelos integrantes, o Interlux conta com o histórico de
ações em espaços públicos que ocorreram em Curitiba, principalmente a partir do fim da
década de 1960, como os Encontros de Arte Moderna, realizados de 1969 a 1974, idealizados
pela professora Adalice Araújo, e o Sábado da Criação, proposto por Frederico Morais no
canteiro de obras da rodoferroviária de Curitiba, em 1971. Em 1978, o artista Sérgio Moura
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organizou o Artshow, e em 1983, o grupo Sensibilizar (1983-1986), que propunha ações em


diversos espaços da cidade, transformando transeuntes “comuns” em participantes de seus
trabalhos.
Nas proposições do Interlux, também é possível identificar o envolvimento de pessoas
além do coletivo, agindo ativamente nas ações. Um exemplo é Domingo na urbe (Figura 2),
evento para o qual o Interlux convidou pessoas para participarem da ocupação de um posto
de gasolina embargado pela prefeitura.
Com o slogan “leve algo para deixar”,
Domingo na urbe foi o ápice de um
processo que durou um mês, período
no qual os integrantes do coletivo
interferiram no ambiente, tentando
transformá-lo em um espaço “propício
para o desenvolvimento de atividades
lúdico-criativas” (INTERLUX, 2010). As
ações aconteceram em julho de 2005,
Figura 2 – Interlux. Domingo na Urbe, 2005.
em Curitiba. Fonte: INTERLUX ARTE LIVRE, 2010.

Dois anos após o Domingo na Urbe, o Interlux promoveu a primeira interferência no


tapume de uma construção, nos arredores do ateliê do grupo. No ano seguinte, em 2008,
ocorreu a segunda interferência, contando com um número maior de pessoas, mas seguindo a
mesma prática da edição anterior: qualquer pessoa poderia interferir no tapume da maneira
que desejasse. O encontro se assemelhou a uma festa, com a celebração da convivência no
espaço público e a “degustação” dessa experiência coletiva, criativa e plural. Goura Nataraj,
em depoimento para o documentário Em 5 Segundos (2008), afirma que o ponto principal da
ação foi “estimular as pessoas a deixarem de ter uma postura passiva, tanto em relação à suas
próprias vidas, como em relação à cidade, em relação uns aos outros, em relação à maneira
com elas enxergam a rua”.
Na mesma ocasião da segunda interferência no tapume, aconteceu a ocupação da
Praça Pirata, nome dado ao terreno inutilizado próximo ao ateliê do grupo, que foi
transformado em local de convivência dos amigos do coletivo e dos moradores da região. A
ocupação desse espaço fez parte da série de interferências que o Interlux promoveu nos
arredores do ateliê. Chamados pelo grupo de “polos irradiadores”, esses espaços sofreram
uma espécie de revitalização: árvores frutíferas foram plantadas, shows aconteceram, além de
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um vernissage e a pintura da ciclofaixa – ações de reapropriação, sobretudo afetiva, do espaço


urbano, resgatando e proporcionando experiências de coexistência coletiva na cidade.
A série Música para sair da bolha também teve seu início nos arredores do ateliê do
Interlux, em 2008, e foi expandida posteriormente para diversos locais da cidade. A ação
consistiu em montar uma roda de música ao ar livre, próxima a locais onde o trânsito é mais
crítico, sempre na hora do rush. A proposta é um convite para que os motoristas saiam de seus
carros, aproveitem as apresentações e também reflitam sobre o trânsito, sobretudo sobre a
convivência entre veículos motorizados e as bicicletas.
As questões abordadas pelo Interlux em suas ações convergem para um ideal de
sociedade, em que as ruas se tornariam locais de convívio, discussão, troca, produção artística
e cultural, propondo outros modos de viver, pensar, sentir – distantes dos modelos
padronizados pelo capitalismo. Essas proposições constroem esferas públicas na quais o que
costuma ficar restrito à esfera privada – família, instituição, escola – se estende para o
ambiente público da convivência, numa apropriação de espaços e partilha de experiências. Em
suas propostas, o Interlux constrói microrrelações possíveis de novos modelos de existência na
cidade.
O GIA – Grupo de Interferência Ambiental – foi formado em 2002, a partir de
encontros dentro da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Além de artistas
visuais, participam também designers, arte-educadores e músicos, aproximados pela amizade
e por “uma admiração pelas linguagens artísticas contemporâneas e sua pluralidade, mais
especificamente àquelas relacionadas à arte e ao espaço público” (GIA, 2011). Integram o GIA
Mark Dayves, Ludmila Britto, Tiago Ribeiro, Everton Marco Santos, Pedro Marighella e
Cristiano Píton.
Guiado pelo pensamento de que não há limite entre arte e vida, o GIA faz da própria
existência do grupo uma grande e criativa prática artística. Ludmila Britto comenta que as
ações são discutidas e lapidadas por longas conversas e afirma que o trabalho em coletivo é
“tarefa árdua”, pois é natural ocorrerem opiniões divergentes. Mesmo assim, garante que:

Há um ponto, porém, com o qual todo o GIA concorda: é preciso repensar o espaço
público e a forma como a arte dialoga com seus habitantes. Quando digo “espaço
público”, não me refiro apenas às praças, ruas, becos etc., mas também às relações
subjetivas que nele se estabelecem, algo que remete à psicogeografia situacionista,
com suas devidas adaptações (BRITTO; MARIGHELLA, 2009, p. 26).

Suas ações envolvem aleatoriedade, humor e reflexões a respeito da vida cotidiana e


suas singularidades. As práticas do coletivo valorizam o processo e os momentos de execução,
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momentos esses em que buscam reconfigurar o valor da obra de arte e as relações entre
artista e público, remetendo ao pensamento do artista alemão Joseph Beuys (1921-1986) e
seu conceito de escultura social. Para tanto, o GIA utiliza-se de inserções irreverentes e
carregadas de ironia acerca dos hábitos sociais nas cidades, questionando “as condições em
que os indivíduos atuam com os elementos do seu entorno” (GIA, 2011).
Exemplo disso é a ação Não propaganda (desde 2004), realizada em diversos espaços,
inclusive durante o carnaval de 2004, em Salvador. Integrante da série de propostas Acredite
nas suas ações, o GIA dá orientações para que a Não propaganda possa ser repetida: “Produza
com alguns amigos placas, cartazes, panfletos faixas, e outras formas de mídia, em branco,
sem nenhuma informação. Vá para rua e propague a não propaganda” (GIA, 2011). O
mecanismo do trabalho é gerar a dúvida, a confusão, confrontando a propaganda “vazia” com
o intenso fluxo publicitário das cidades.
“Gostaria de chamar atenção para
algo fantástico que se tornou comum na sua
cidade de uma forma poética? Reúna os
amigos e pessoas próximas, que convivem
no mesmo ambiente que você, e faça uma
fila”. Isso é o que propõe Fila (desde 2005,
Figura 3). Essa ação requer a disponibilidade
do transeunte e seu interesse em
desacelerar o ritmo paracontemplar Figura 3 – GIA. Fila, 2005.
detalhes da paisagem urbana. O GIA também Fonte: JORNAL UFRGS, 2005.
propôs Fila em exposições de arte, aglomerando pessoas em frente a determinadas obras,
confundindo e despertando a curiosidade dos demais visitantes. Fila contém uma ironia sutil,
insinuando que para a fruição de alguns aspectos da rotina pública deve-se esperar chegar sua
vez.
Degrau (2009) é outra intervenção que aconteceu em Salvador e alterou hábitos dos
habitantes que entraram em contato com a proposição. Na ação, um integrante do GIA
permanece algum tempo em um ponto de ônibus, aguardando o embarque e desembarque
dos passageiros. Em determinado momento, ele se aproxima e coloca um banquinho de
madeira próximo à escada do ônibus, para auxiliar a subida e descida das pessoas, já que esse
primeiro degrau do veículo costuma ser alto demais e dificulta o deslocamento,
principalmente de idosos e passageiros com necessidades especiais. A proposta foi registrada
em vídeo e acompanha um samba que o GIA compôs especialmente para Degrau.

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Para o GIA, os limites – arte e vida, ironia e crítica, lazer e trabalho – são estreitos,
sutis, por vezes inexistentes. É dessa maneira que o grupo atua, estabelecendo em volta de si
uma rede propositiva, inserindo-se no cotidiano da cidade, por vezes corporalmente, como em
uma performance urbana, ativando espaços, questionando e posicionando-se diante da vida –
da arte – construindo subjetividades tão plurais quanto a diversidade da urbe.

OS COLETIVOS E A CONSTRUÇÃO DE ESFERAS PÚBLICAS

Tanto o Poro, quanto o Interlux e o GIA estão prestes a completar dez anos de
existência. Durante esse período, cada grupo construiu uma maneira própria de fazer e pensar
arte. Característica semelhante entre os grupos é a autonomia alcançada para a produção dos
trabalhos. O Poro se posiciona optando por estratégias baratas para seus trabalhos,
recorrendo a tipografias caseiras e produzindo o próprio material gráfico. O GIA adotou a
estética do precário como característica de sua poética, trabalhando a partir dos materiais que
já possui ou que podem ser adquiridos com dinheiro dos próprios integrantes. Já o Interlux
conta com a colaboração de outras pessoas além do coletivo para viabilizar suas proposições.
Analisando as práticas dos coletivos, percebe-se que suas ações estão submetidas ao
tempo de permanência na urbe e às influências externas, o que as caracteriza como efêmeras.
Por esse motivo, o registro é etapa importante no processo dos trabalhos. A maneira como
cada grupo desenvolve táticas para que as ações durem além do momento em que estão
presentes na rua aponta para detalhes da poética dos coletivos.
O Poro utiliza os registros – vídeo, fotografia, depoimento – “como modo de
potencializar alguns aspectos do trabalho” (PORO, 2010). Brígida e Marcelo assumem o
interesse de não conceber seus trabalhos como objetos prontos, mas como propostas. A dupla
recorre à internet como ferramenta de divulgação e compartilhamento dos trabalhos,
disponibilizando gratuitamente em seu site várias matrizes de trabalhos para que quem as
imprima possa repetir as ações. Junto do livro Intervalo, respiro, pequenos deslocamentos:
ações poéticas do Poro (2011) e do documentário Poro: intervenções urbanas e ações efêmeras
(2010), a dupla criou maneiras de permanência dos trabalhos, uma vez que sua duração na
cidade é tão curta e passageira. Com esses registros é possível fazer as ações chegarem a
quem não esteve presente nos momentos em que elas aconteceram.
Na produção do GIA, a internet não é menos importante. No blog do grupo, além de
links para vídeos, fotografias e relatos, podem-se encontrar frequentes atualizações que
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registram todos os encontros do grupo, incluindo as pautas de debate. Nas reuniões, os


integrantes do GIA discutem sobre questões que envolvem a rotina do bairro, como excesso
de lixo nas ruas, segurança e infraestrutura, e procuram maneiras de agir sobre esses pontos,
indo às reuniões da associação de moradores ou executando pequenas intervenções pelo
ambiente. Esses movimentos do cotidiano se misturam às discussões sobre editais de leis de
incentivo, pesquisas acadêmicas e formulação de novos projetos. A maneira como o blog é
direcionado demonstra a variedade de pensamento e ação do GIA, que parece estar
constantemente em um brainstorm coletivo. Já o Interlux utiliza o blog como ponto de
referência dos registros, agregando depoimentos e textos dos integrantes, além de artigos de
críticos locais.
Divulgar e disponibilizar os trabalhos na internet, porém, é mais do que alargar o
campo de visibilidade das ações efêmeras. Ao transportar relatos, fotografias, vídeos, textos e
sensações para a rede, o artista compreende que seu trabalho existiu integralmente no
momento de ocorrência da ação no espaço público, mas que esse espaço se desdobra
virtualmente. Assim, tece-se uma esfera pública conectada tanto à realidade da urbe, quanto à
realidade social de nossa década – uma realidade online.
Todavia, mesmo com as possibilidades de ampliação do campo para além de suas
estruturas convencionais, desvincular desse sistema os museus, galerias ou instituições
culturais, ou então negar o mercado de arte, demonstra ingenuidade por parte do artista. Por
esse motivo, é preciso ter atenção ao analisar os trabalhos em espaços urbanos. Se estão
camuflados no contexto da cidade, de alguma maneira deverão ser legitimados no campo da
arte, para que sejam diferenciados de ativismos ou ações ordinárias do cotidiano, que
compartilham do mesmo espaço das propostas artísticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa foi dedicada ao estudo das ações efêmeras contemporâneas, destinadas
aos espaços públicos urbanos no Brasil, associando os trabalhos dos grupos propositores com
as noções de esfera pública, de Hannah Arendt, e de arte no interesse público, de Miwon
Kwon. Para compreender o território onde os coletivos Poro, Interlux e GIA atuam, foi
apresentado um recorte da trajetória de ações em espaços públicos no Brasil, desde Flávio de
Carvalho, em 1931, até o 3Nós3, em 1979. A partir desse histórico foi feita a descrição das
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.
Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616

ações dos coletivos escolhidos como objetos de estudo, tentando compreender como essas
propostas são formadoras de esferas públicas, relacionando arte e espaço público.
As características de cada grupo apontam para detalhes das poéticas dos coletivos e
atentam para as preocupações que estes têm em relação à cidade. É a partir das situações que
a própria cidade oferece que os grupos pensam e produzem arte. As propostas supõem a
construção de um lugar, que pode ser físico ou discursivo, onde o valor da experiência se
sobrepõe à preocupação de construir um objeto que a traduza, ressaltando assim o caráter
efêmero das produções.
Utilizar o ambiente da urbe como local e material de trabalho retoma o que os artistas
do fim da década de 1960 propuseram nas mostras Apocalipopótese e Do corpo à terra.
Diferente do contexto ditatorial e repressor presente no Brasil de 1968, os artistas dos anos
2000 observam outras questões que julgam relevantes para criticar, propor ou ironizar –
muitas delas ligadas aos moldes sociais padronizados a partir da expansão do capitalismo e
suas consequências materializadas na cidade.
Com intervenções efêmeras, os coletivos de artistas continuam trabalhando na
ampliação dos espaços institucionais de arte, sem se desligar do campo que os legitima.
Portanto, é possível concluir que Poro, Interlux e GIA constroem esferas públicas que
relacionam arte e espaço público, sintonizando questões do universo da arte e do universo da
cidade, propondo novas maneiras de interação com o ambiente público, em uma retomada
afetiva do espaço coletivo urbano.

REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
BRITTO, L.; MARIGHELLA, P. A vida, às vezes, fica melhor assim. Revista Tatuí, Recife, n. 7, p.
26-30, ago.-set. 2009.
CAMPBELL, Brígida; TERÇA-NADA! Marcelo (Org.). Intervalo, Respiro, Pequenos deslocamentos:
Ações poéticas do Poro. S.l.: Radical Livros, 2011.
ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL ARTES VISUAIS. São Paulo, 2001. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm>. Acesso em: 9 out.
2011.
GIA. Disponível em: <http://giabahia.blogspot.com>. Acesso em: 4 set. 2011.
INTERLUX ARTE LIVRE. Disponível em: <http://interlux.wordpress.com/about/>. Acesso em: 18
set. 2011.
JORNAL UFRGS. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/escultura/fsm2005/textos/gia.htm>.
Acesso em: 9 set. 2011.
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.
Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616

KWON, Miwon. One place after another: site-specific art and locational identity. The MIT Press,
2004.
MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
MORAIS, Frederico. Manifesto Do corpo à terra, p. 296. In: OLIVEIRA, Fabiana. Do corpo à
terra: uma análise do evento. Disponível em: <http://www.bienal.org.br/FBSP/pt/Projetos
Especiais/Projetos/Documents/fabiana_castro.pdf>. Acesso em: 14 out. 2011.

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