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Na sequência inicial, ouvimos além desse sino, a voz de duas crianças brincando
e quando as encontramos, seguimos seus passos. É interessante o fato dos dois irmãos
serem colocados como tão idênticos nessa cena (além de gêmeos eles vestem roupas
iguais), que é uma cena deles dois brincando de correr, na qual Shun persegue Kei até
que ele simplesmente desaparece. A partir daí, Shun parece ter que conviver e aprender
a se relacionar com a falta quase sólida desse irmão, como se sempre o procurasse. O
desfecho dessa procura se materializa pela produção de um quadro em tamanho real do
irmão, em simbiose com a natureza, o que em si simboliza uma renovação.
É visível que esse filme trata, para (muito) além da perda, de sutilezas da vida,
dos detalhes sutis de suas alegrias e tragédias. Shara se constrói nessa investigação
íntima da vida dessa comunidade, principalmente a partir da família de Shun, sem tentar
atestar ou fazer um recorte exato sobre a tristeza irreparável da perda ou a alegria
sublime de um renascimento. As situações são mostradas como se
acompanhássemos um outro personagem invisível que observa atento e investiga as
relações simples do cotidiano, do estado da vida dessas pessoas, dessa comunidade. Isso
acontece de maneira tão delicada que durante o filme somos totalmente imersos nessas
vidas, como se fossemos mais um deles.
Essa cena também é preciosa pela movimentação dos corpos e a energia que
esses corpos trazem. O momento da chuva, no qual todos são molhados e todos
vivenciam esse banho de chuva em meio a uma onda de calor traz essa energia da
renovação, da força da natureza que vai ser tão importante no desfecho do filme. É
interessante percebermos também que a esse ponto, o filme se revela como uma história
de renovação muito forte, mas também numa história marcada e feita por momentos
simples e cotidianos tanto familiares, quanto dessa comunidade.
O filme trata de um ciclo de perda e renovação da vida, da família, que não passa
pelo esquecimento do irmão que se foi, mas a partir de quando essa presença se anuncia
como concreta, material. Marcado por movimentos sutis de atuação, enquadramento,
construção de mise-em-scène, luz e sons que nos transportam a uma atmosfera intimista,
Shara acaba relacionando essas vidas às nossas, provocando uma análise bem mais
profunda sobre o movimento da vida e da morte, luz e sombra.