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Um dos fatos marcantes da história medieval francesa recebe nos livros o nome de
Cruzada Albigense. Foi um movimento armado organizado pela Igreja em princípios do
século XIII com o fim de extirpar uma das mais importantes heresias aparecidas na Idade
Média: o catarismo ou albigeísmo. Logo após o término das operações militares, foram
criados os primeiros tribunais de Inquisição, instituição que viria a ter influência decisiva
nos processos de perseguição religiosa dos séculos posteriores. Na presente exposição,
pretendemos apresentar com brevidade os traços gerais que definiram o catarismo, os traços
gerais do ideário cátaro e os testemunhos inquisitoriais relativos ao grupo de dissidentes
religiosos.
Para começar, cabe assinalar que o grupo em questão aparece nos documentos do
século XIII nomeados de albigenses. Trata-se de um desses equívocos difíceis de serem
abandonados, mas há muito qualquer medievalista tem ciência de que o rótulo “albigense”
(albigeois) decorre de uma generalização enganosa comum no século XIII. A expressão,
como se sabe, associa os dissidentes religiosos com as populações da cidade de Albi,
embora as idéias heréticas tenham circulado em todo o Sul da atual França - o Languedoc
ou Occitânia.
Além disso, sob o termo comum de “albigenses” os contemporâneos reuniram
indevidamente adeptos de movimentos heréticos muito distintos entre si. Os atuais
heresiólogos souberam distinguir naquele rótulo pelo menos duas grandes correntes de
dissidência teológica às premissas da Igreja. Com efeito, na Idade Média o termo em causa
designava tanto os adeptos da heresia valdense, disseminada a partir do século XII na
França e na Itália, e os adeptos do catarismo, doutrina dualista muito mais antiga e
complexa. Talvez por isso outros nomes mais específicos, como patarinos, publicanos,
maniqueus e principalmente catharos tenham também sido aplicados a esses últimos.
***
*
Conferência apresentada na VI Jornada de Estudos do Oriente Antigo: crenças, magias e doenças, na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no dia 19/05/2000.
2
1
Nachmann FALBEL. Heresias medievais (Coleção Khronos). São Paulo: Ed. Perspectiva, 1978, pp. 26-28..
3
morte como um prêmio, e inclusive apressar sua chegada por meio dos tormentos infligidos
ao corpo2.
Os sinais da dissidência coincidem com o amplo movimento existente no próprio
seio da Igreja em prol do ideal da pobreza evangélica. A riqueza e o poder da instituição
eclesiástica eram apontados como a causa de grandes males e os hereges extraíam disso
argumentos para suas principais acusações contra ela. Alguns desses homens que optaram
pela vida na pobreza mantiveram-se nos limites da ortodoxia, sendo de algum modo
enquadrados. É o caso de Roberto d’Arbrissel, que na segunda metade do século XI fundou
a Ordem de Fontevrault em Angers; de Norberto de Xanten, que em meados do século XII
fundou a Ordem Premonstratense nas proximidades de Laon; e de São Francisco de Assis
ou São Domingos de Osma, fundadores da Ordem franciscana e da Ordem dominicana no
princípio do século XIII, ambas calcadas na experiência da pobreza absoluta3.
Mas a maior parte dos adeptos da vida apostólica não puderam ser enquadrados nos
quadros da Igreja. Optaram pela pregação livre e pela contestação aos ensinamentos dos
padres. Foi o que aconteceu com Pedro de Bruys, originário da Itália e falecido em 1132 na
Provença, e com Henrique de Lausanne, seu seguidor, condenado pelo concílio de Pisa em
1135. Ambos colocavam em dúvida a autoridade de vários livros do Novo Testamento,
negavam a autoridade da hierarquia eclesiástica e a eficácia do batismo. Também punham
em dúvida o valor da eucaristia e o sacrifício da missa sob a justificativa de que o corpo e o
sangue de Cristo teriam sido oferecidos em sacrifício apenas uma vez, quer dizer, durante a
“Última Ceia”. Seu conceito de Igreja era destituído de toda materialidade. Tendiam a vê-la
apenas em suas manifestações espirituais e retiravam sua profissão de fé apenas dos quatro
evangelhos.
Foi também o que ocorreu com o rico comerciante da cidade de Lyon, Pedro Valdo,
inspirador da heresia valdense. Da leitura das Sagradas Escrituras em 1173 obteve
experiência mística ímpar. Ele próprio traduziu a Bíblia para o provençal e rompeu com os
vínculos do mundo, entregando parte de seus bens à esposa e distribuindo o que sobrou aos
pobres. Tornou-se pregador itinerante e passou a ser seguido por homens e mulheres
vestidos com roupas simples, praticando a penitência. Os valdenses, também conhecidos
2
Georges DUBY, O ano mil (Coleção Lugar da História). Lisboa: Edições 70, 1982, pp. 77-89.
3
Brenda BOLTON. A reforma na Idade Média(Coleção Lugar da História). Lisboa: Edições 70, 1985, pp.
28-32.
4
como “Pobres de de Lyon”, espalharam-se rapidamente por todo o Sul da França e pela
Lombardia. Na Itália foram denunciados e combatidos pelos representantes eclesiásticos ao
longo de todo os séculos XIII e XIV. Seus adeptos fundaram comunidades isoladas nos
Alpes, algumas das quais subsistem até o presente.
A heresia valdense declarava que a Igreja manteve-se pura e incorrupta até a época
de Constantino, quando o papa Silvestre ganhou a primeira possessão temporal para o
papado. Daí em diante teria existido uma Igreja rica, poderosa e temporal, a qual
colocavam em dúvida afirmando que a Igreja de Roma não era a Igreja de Cristo. Negavam
qualquer tipo de juramento com base nos evangelhos, negavam aos poderes temporais o
direito de executar a pena capital, defendiam a todo leigo o direito de consagrar o
sacramento do altar. Por fim, reconheciam em sua própria Igreja uma tríplice hierarquia de
diácono, presbítero e bispo, composta por letrados ou incultos, ricos ou pobres, a quem
competia toda a organização e difusão do culto. A ordenação consistia tão somente na
formulação de orações e na imposição das mãos sobre os evangelhos, sem qualquer outra
cerimônia complementar.
***
Quanto ao catarismo, embora tenha aparecido também no princípio do século XII,
constituiu em movimento heterodoxo até certo ponto distinto dos anteriores, cuja origem é
difícil de ser estabelecida com precisão. Para alguns estudiosos, poderia ser o
desdobramento de concepções gnósticas greco-romanas divulgadas em textos manuscritos
produzidos nos mosteiros desde a virada do milênio. Para outros, teria sido introduzida no
Ocidente por pessoas influenciadas pelas idéias de uma corrente religiosa existente nas
fronteiras do Império Bizantino denominada “bogomilismo”.
Data do final do século X as primeiras informações a respeito da existência nas
montanhas da Macedônia e na Bulgária de um amplo movimento de seguidores das idéias
do sacerdote Cosmas, os quais adotavam a rígida vida ascética, condenavam o batismo
cristão, tinham horror à carne, negavam o matrimônio e professavam a crença na existência
de dois princípios absolutos na constituição do mundo: o bem e o mal. Eram herdeiros do
maniqueísmo, heresia amplamente difundida no Oriente nos primeiros séculos cristãos. No
ocidente, os seguidores do catarismo espalharam-se pelas terras do Sacro Império romano
5
4
Marie-Humble VICAIRE, “Le catharisme: une religion”. In: Historiographie du catharisme (Cahiers de
Fanjeaux nº 14). Toulouse: Édouard Privat, 1979, pp. 385-388.
5
Jean DUVERNOY, Le catharisme: la religion des cathares. Toulouse: Édouard Privat, 1976, pp. 184-198.
7
6
J. M. VIDAL, “Les derniers ministres de l’albigéisme en Languedoc: leurs doctrines”. Revue des Questions
Historiques, tome LXXIX, 1906, pp. 102-105.
7
René NELLI, Os cátaros (Coleção Esfinge) Lisboa: Edições 70, 1980, pp. 22-39.
8
Aos crentes, essa cerimônia ocorria apenas por ocasião da extrema-unção porque esperava-
se que, depois da realização do ritual as portas para o outro mundo começavam a ser
abertas. Afora essa cerimônia, os cátaros tinham apenas dois sacramentos, a penitência e a
quebra do pão - espécie de comunhão -, e realizavam uma só oração, o Pater, variante do
“padre nosso” católico8.
Ao final do século XII, a ampla aceitação do catarismo nas terras do Languedoc era
descrita em tom bastante sombrio nos escritos dos sacerdotes da Igreja romana. A heresia
aparece nesses textos como um “câncer”, como um “tumor” no corpo da Cristandade. O
monge trovador Guilherme de Tudela inicia a composição de sua Chanson de la Croisade
Albigeoise afirmando que a “maldita” heresia dominava todo o território nas proximidade
de Albi, de Lauragais, de Bourdeaux e Béziers, onde pululavam “crentes”9. O cronista
Pierre des Vaux de Cernay mostrava-se mais enfático: “esses crentes se entregavam
livremente ao roubo e à usura, aos homicídios e aos prazeres da carne, ao perjúrio e a
outras perversidades. Pecavam com tal segurança e com tal frenesi porque acreditavam ter
a salvação garantida sem necessidade de confissão ou penitência, bastando-lhes recitar o
“pater noster” e receber de seus mestres a imposição das mãos”10. Aos homens de Deus,
não restava qualquer dúvida. Essa “gente desgarrada” deveria experimentar o “gládio” do
Senhor!
***
Frente aos progressos da propagação da heresia, a Igreja procurou intervir no
Languedoc e recuperar seu lugar junto aos fiéis. Desde meados do século XII, tentou
dissuadir os seguidores dos cátaros. Já em 1145 ninguém menos do que São Bernardo de
Claraval deslocou-se até o Sul do reino acompanhando o legado papal Albéric, bispo de
Óstia, pregou ativamente contra os adeptos do herege Henrique de Lausanne e exortou o
conde de Toulouse, Alfonso Jordain, a prestar o devido apoio à Igreja no combate aos
dissidentes. Na segunda metade do século, diversas missões chefiadas por legados papais
denunciaram os hereges em praça pública e advertiram sobre os riscos assumidos por seus
8
Jean GUIRAUD, Histoire de l’Inquisition au Moyen Age. Paris: Éditions Auguste Picard, 1935. Tome I, pp.
79-97.
9
La Chanson de la Croisade Albigeoise. Editée et traduite du provençal par Eugene MARTIN-CHABOT
(Les Classiques de l’Histoire de France au Moyen Age). Paris: Librairie Ancienne Honoré Champion,
1931. Tome I, estr. 2, vv. 5-9.
9
seguidores. Foi também recorrente a atuação de monges cisterciences, alguns dos quais
promoveram debates públicos com ministros cátaros com o fim de demonstrar os “erros” de
sua doutrina. O objetivo geral era que abjurassem de seus erros e se reconciliassem com a
Igreja.
Foi com esse intento que, em 1203 , uma missão de monges cisterciences chefiados
pelo próprio Abade de Cister, Arnaldo Amauri, acompanhou o legado papal Pedro de
Castelnau com o fim de pressionar o conde de Toulouse, Raimundo VI, a extirpar a
“pestilência herética” disseminada em suas terras e, ao mesmo tempo, de converter as
populações a ela simpáticas. No ano seguinte, dois importantes religiosos espanhóis, Diego,
bispo de Osma, e Domingos de Gusmão, vice prior do capítulo de Osma, juntaram-se aos
demais esperando converter as “almas desgarradas” do condado de Toulouse. Domingos,
posteriormente canonizado como São Domingos, foi o fundador do Convento de Prouille
em Toulouse, e da Ordem dos Predicadores, mais conhecida como Ordem dos
Dominicanos. Foi ele o primeiro a propor que na luta contra os hereges a conversão se
fizesse não apenas pelas palavras mas também pelo exemplo, adotando daí em diante o
voto de pobreza. Com efeito, os dominicanos tiveram atuação importantíssima durante todo
o período de conflito armado no Languedoc. De suas fileiras saíram os integrantes aos
primeiros tribunais de Inquisição.
A missão, todavia, não obteve sucesso imediato. Os cisterciences retornaram ao
Norte do reino em 1207. Um ano depois, o legado acusou Raimundo VI de conivência com
os hereges, excomungando-o. No dia 15 de janeiro de 1208 Pedro de Castelnau foi
assassinado por alguém supostamente a serviço do conde de Toulouse, motivo pelo qual
este passou a ser responsabilizado pelo crime. Enquanto o príncipe tentava inutilmente
provar sua inocência perante o papa e as autoridades eclesiásticas Inocêncio III mobilizava
bispos, arcebispos e abades de todo o reino e procurava convencer o próprio rei Filipe
Augusto a assumir a liderança militar de uma cruzada. A última tentativa de Raimundo para
provar sua inocência ocorreu em 1209: quando os contingentes do exército de cruzados
marchavam em direção às comunidades do Languedoc, ele próprio tomava parte da
10
PIERRE DES VAUX DE CERNAY. Histoire Albigeoise. Trad. par Pascal Guebin & Henri Maisonneuve
(L’Église et L’État au Moyen Age). Paris: Librairie J. Vrin, 1951, cap. 13, p. 7.
10
expedição. Mas a guerra já tinha sido declarada e seu desencadeamento provocou uma
reação em cadeia da qual nem o conde, nem seus vassalos, poderiam escapar11.
De resto, os desdobramentos da guerra são bem conhecidos. Em 22/07/1209 um
poderoso contingente de cavaleiros cruzados sitiou a cidade de Béziers, invadindo-a,
pilhando-a e massacrando parte de seus habitantes. Em seguida, o exército marchou contra
as fortalezas e cidades vizinhas até sitiar e conquistar Carcassonne, em agosto de 1209.
Raimundo Rogério Trencavel, sobrinho de Raimundo VI e visconde de Béziers e
Carcassone foi aprisionado e morreu alguns meses depois na prisão. Todas as terras de sua
família foram atribuídas a Simão de Montfort, conde de Leicester. Daí em diante, este
nobre da região de Ile de France assumiu a liderança militar do movimento, assediando
cidades e fortalezas dos domínios anteriormente pertencentes à família Trencavel.
Enquanto isso, Raimundo VI tentava em vão obter sua reconciliação no concílio de
Saint Gilles, em 1210, e no concílio de Montpellier, em 1211. Naquele mesmo ano
Toulouse, a capital do condado, foi sitiada pela primeira vez. No seguinte, o conde pediu
apoio ao rei de Aragão, Pedro o Católico, de quem era cunhado. Contando também com a
ajuda de importantes senhores feudais occitanos, entre os quais Bernardo de Comminges e
sobretudo o conde Raimundo Rogério de Foix, ele jogou todas as cartas numa grande
ofensiva armada no princípio de 1213. A grande coligação de cavaleiros dos dois lados dos
Pirineus foi contudo derrotada pelas tropas de Simão de Montfort na Batalha de Muret,
ocorrida em setembro de 121312. Toulouse foi então forçada a abrir suas portas ao novo
senhor. Dois anos mais tarde, Inocêncio III reconheceu os direitos de Simão de Montfort
em todo o Languedoc por ocasião do IV concílio de Latrão13.
Em 1216 Raimundo VI e seu filho, o futuro Raimundo VII, encontravam-se
exilados na Espanha enquanto Simão de Montfort e sua equipe de cavaleiros procuravam
manter sob controle as terras recentemente conquistadas. Foi então que, primeiramente na
cidade de Beaucaire, e depois em Toulouse, as populações rebelaram-se contra os
cavaleiros nortistas, abrindo suas portas aos príncipes espoliados. Desgastado por tantos
11
Charles MOLINIER, “L’Église et la société des cathares”. Revue Historique, Tome XCV, 1907, pp. 246-
248.
12
Charles HIGOUNET. “Les relations franco-iberiques au Moyen Age”. In: Les relations franco-espagnoles
jusqu’au XVII siècle (Bulletin Philologique et Historique du Comité des Travaux Historiques et
Scientifiques). Paris: Bibliothèque Nationale, 1972, pp. 9-10.
11
anos de conflito intermitente, sem apoio regular de novos contingentes de guerreiros, Simão
de Montfort tentou inutilmente quebrar a resistência meridional. Entre 1217 e 1218
manteve o longo cerco da cidade de Toulouse, vindo a morrer por ocasião dos combates em
25/06/1218. Seu lugar passou a ser ocupado pelo filho, Amauri de Montfort, mas pouco a
pouco os domínios anteriormente vencidos voltaram às mãos de seus senhores naturais. Em
1224, Montfort renunciou aos seus direitos, transferindo-os para Luís VIII, o rei da França.
Era o fim da “Cruzada baronial” e o início da “Cruzada real”14.
A atuação direta do rei na “questão albigense” aconteceu em 1226, e limitou-se ao
assédio e submissão da cidade de Avignon. A derrota daquela grande cidade, associada
com o prestígio da monarquia, levou a uma torrente de submissões. O monarca faleceu
naquele mesmo ano justamente quando retornava a Paris, mas teve tempo de designar
homens de sua confiança para administrar as regiões que lhe pertenciam. A Cruzada
Albigense terminou oficialmente em 12/04/1229, quando os representantes da Igreja e de
Luís IX (São Luís) estabeleceram em Paris um tratado de paz com Raimundo VII. A partir
da assinatura do tratado, os direitos da realeza foram assegurados e a ingerência dos
representantes da monarquia na administração local aumentaram paulatinamente.
Pelo Tratado de Paris, a Raimundo VII ficavam garantidas as terras do condado de
Toulouse, do Agenais, do Rouerge e do Quercy, mas, em contrapartida, o mesmo
comprometeu-se a combater a heresia, contribuir para a fundação de uma Universidade e
prestar o apoio inicial aos tribunais de Inquisição instalados em todo o Languedoc. O antigo
viscondado de Béziers e Carcassonne, assim como toda a parte oriental da Occitânia
doravante pertenciam aos territórios capetíngios. A cláusula mais funesta era a que previa o
casamento de sua filha de nove anos, Joana, com o irmão mais novo do rei, Alfonso de
Poitiers. Caso não tivesse sucessores do sexo masculino, suas posses seriam herdadas pelo
casal e se esses, por sua vez, não deixassem descendentes, elas passariam diretamente para
a coroa. Foi o que efetivamente aconteceu: o último conde de Toulouse faleceu sem deixar
filhos varões, sendo sucedido por Joana e Alfonso; ambos vieram a falecer em 1270,
13
Michel ROQUEBERT, L’Épopée cathare. Toulouse: Édouard Privat, 1977. Tome II – 1213-1216: Muret
ou la dépossession.
14
Monique ZERNER-CHARDAVOINE, La Croisade des Albigeois. Paris: Gallimard, 1979; Maria
Henriqueta FONSECA, “O catarismo e a Cruzada contra os Albigenses”. Revista de História (USP),
Volume VIII nº 17-18, 1954, pp. 79-117.
12
também sem deixar filhos. Pouco tempo depois, os representantes do rei Filipe o Ousado
tomavam posse oficial do que ainda lhes escapava do Languedoc15.
Nos últimos anos da tumultuada vida de Raimundo VII o derradeiro conde de
Toulouse passou por uma série de dificuldades mas manteve o empenho de recuperar o
prestígio de sua linhagem. Recorreu em vão ao papa Inocêncio IV e a São Luís na
esperança de reabilitar a memória do pai excomungado e enterrá-lo em solo consagrado.
Viúvo, esforçou-se por arranjar um casamento e ter afinal um filho que pudesse sucedê-lo.
As tratativas para o enlace com Beatriz, filha mais jovem do conde Raimundo Berengário
de Provença não deram resultados satisfatórios. O futuro sogro morreu em 1245 e a
pretendida foi entregue pelos tutores a Carlos de Anjou, outro irmão do rei! Pretendia
prestar voto de cruzado e seguir São Luís até o Oriente, mas foi acometido pela doença.
Morreu em 27 de setembro de 1249, com 52 anos de idade.
Sob o ponto de vista religioso, os desdobramentos da guerra e a derrota da nobreza
languedociana contra as hostes enviadas pelos papas, reis e senhores feudais do Norte do
reino implicou na exposição dos ministros heréticos e seus adeptos ou simpatizantes à
perseguição por parte das autoridades laicas e eclesiásticas. Paralelamente aos ataques
militares, integrantes das ordens monásticas (sobretudo os dominicanos) e do clero secular
tiveram a possibilidade de investigar, descobrir e punir os rebeldes da fé. Em 1229, o
mesmo da assinatura do Tratado de Paris e da capitulação dos senhores feudais do
Languedoc, uma assembléia de clérigos reunida por ocasião do concílio de Toulouse
lançou as bases para a criação dos primeiros tribunais do Santo Ofício e para a criação da
Universidade de Toulouse.
As reações armadas promovidas pelas populações occitanas, por outro lado, foram
diminuindo em importância. À ampla resistência organizada por ocasião da Cruzada dos
Montfort sucedeu rebeliões localizadas nos momentos iniciais da intervenção dos capetos.
Embora entre 1230 e 1240 diversos nobres meridionais despossuídos durante os conflitos
tenham atacado fortalezas e cidades, exigindo esforços permanentes dos oficiais da coroa,
eles foram esmagados um a um. A última grande rebelião, liderada por Raimundo
Trencavel na cidade de Carcassonne, foi duramente sufocada. Quatro anos depois, em
1244, um importante contingente de adeptos e simpatizantes do catarismo situados na
15
Paul LABAL. Los cátaros: herejia y crisis social. Barcelona: Editorial Crítica, 1984.
13
16
Zoé OLDENBOURG, Le bucher de Montségur. Paris: Gallimard, 1959.
17
Aspecto recentemente abordado por Linda Joenne Carvalho Granjense de Lima SARAIVA, “Laços de
sangue, laços de fé. Relações familiares e solidariedade no catarismo do século XIII”. Dissertação de
Mestrado no PPG em História – UnB, 1998.
18
Anette PALES-GOBILLIARD, “Le catharisme dans le comté de Foix des origenes au début du XIV
siècle”. Revue de l’Histoire des Religions, Tome CLIX-2, 1976, pp. 192-196.
14
19
Yves DOSSAT, “La découverte des textes cathares: le père Antoine Dondaine”. In: Historiographie du
catharisme (Cahiers de Fanjeaux nº 14). Toulouse: Éd. Privat, 1979, pp. 344, 352-355.
20
Yves DOSSAT, “Une figure d’Inquisiteur: Bernard de Caux”. In: Le credo, la morale et l’Inquisition
(Cahiers de Fanjeaux nº 6). Toulouse, Éd. Privat, 1971, pp. 264-265; Annete PALES-GOBILLIARD,
“Bernard Gui inquisiteur et auteur de la Practica”. In: Bernad Gui et son monde. (Cahiers de Fanjeaux nº
16). Toulouse, Éd. Privat, 1981, pp. 253-264.
15
21
Os textos foram editados por Celestin DOUAIS, Documents pour servir à l’histoire de l’Inquisition dans le
Languedoc. Paris: Librairie Renouard, 1900 (reimpressão Paris: Librairie Honoré Champion, 1977). 2 vols.
22
Charles MOLINIER, L’Inquisition dans le Midi de la France au XIII et au XIV siècle: étude sur les sources
de son histoire. Paris: 1880 (reimpressão New York: Burt Franklin, s.d.), pp. 105-161.
16
23
Elié GRIFFE, Le Languedoc cathare et l’Inquisition. Paris: Letouzey et Ané, 1980, pp. 270-283.
24
Emanuel Le Roy LADURIE, Montaillou: cátaros e católicos numa aldeia francesa (1294-1324). Lisboa:
Edições 70, s.d.