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TERRITÓRIOS PERCORRIDOS
ENTRE A FORMAÇÃO,
A PESQUISA E A INTERVENÇÃO
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE E A
CIÊNCIA DA MUDANÇA: REVOLUÇÃO
DAS COISAS E REFORMA DAS PESSOAS.
O CASO DA SAÚDE
G ASTÃO W AG N ER DE S OUSA C A M P O S
O homem morreu?
A humanidade teria sido aprisionada pela mídia, pelo mercado,
pelo poder institucional, perdendo, em decorrência, quase toda capa-
cidade de iniciativa? A ordem social estaria congelada pelos próximos
mil anos?
Nenhum serviço público conseguiria funcionar com eficiência e
equidade?
Todos os movimentos populares e entidades sindicais estariam
condenados à prisão do corporativismo e à paralisia decorrente da buro-
cratização?
E, principalmente, caberia ainda perguntar: — Na vigência real
de todos esses impasses, alguém ainda acreditaria na possibilidade de
mudanças, de reformas, ou de revoluções, com sentido humano e demo-
crático?
Andamos tão pessimistas e amargos que, de supetão, tenderíamos
a responder a essas questões com um certo cinismo velho e outrora já
bastante ridicularizado pelo humorista Henfil: — “Não sei de nada, só
sei que tenho de sobreviver”.
No entanto, hoje, próximo ao ano 2000, mais do que nunca há
necessidade de nos metermos em uma empreitada filosófica, teórica e
prática, que procurasse responder a esses desafios de maneira inovadora.
Como recuperar a vontade dos indivíduos, grupos e coletividades, de
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Quem persiste, quem insiste, salva-se da ignomínia ainda que nem sem-
pre do sofrimento, capacitando-se, contudo, para sobreviver, depois, com
um mínimo de saúde mental e autoestima. Nesse caso, que programa
libertário assumir? A totalidade estaria na destruição do Campo, um
objetivo que nunca deve ser completamente descartado, mas que por si
só não cria um projeto que assegure tanto a sobrevivência física quanto
a de algum grau de liberdade. Assim, que relações estabelecer com os
companheiros de dificuldade? De disputa feroz pelas migalhas, ou de
paternalismo, ou de parceria madura? Como relacionar-se com os po-
derosos donos do poder absoluto? Servilmente, arrogantemente, com
negaceios e táticas de disfarce e de combate? Enfim, nem sempre se
consegue a salvação em um inferno desse, mas sempre se pode tentar, e
no esforço da busca é que se constroem os sujeitos capazes de autono-
mia, de felicidade, de solidariedade, de gozar os prazeres e as belezas da
existência. Sujeitos saudáveis, ainda que cadavéricos, ante sujeitos doen-
tios, ainda que hígidos. São paradoxos que deveríamos considerar, não
para negar a higidez física, mas para também relativizá-la. De qualquer
maneira, a totalidade almejada é física, moral, mental, ética. . .
O exemplo do Campo de Concentração, guardadas as devidas pro-
porções, aplica-se a trabalhadores ou a usuários das instituições con-
temporâneas. Há muitas distorções, mas as pessoas degradam-se mais
ou menos conforme seus coeficientes de resistência, conforme sua capa-
cidade de engajar-se em projetos que os distingam da degradação domi-
nante, e isso acontece ainda quando os objetivos possíveis de serem leva-
dos à prática sejam muito reduzidos e parciais. Como diria Sartre, é
dado a cada pessoa possibilidades de progresso, de se constituir como
sujeito, pisando nas próprias contradições e deficiências dos esquemas
dominantes, sejam eles familiares, ou estatais, empresariais ou religio-
sos. É verdade, como mais tarde admitiu esse mesmo filósofo, que as
condições de existência, a história de vida, a época, condicionam as
possibilidades existenciais. Ampliando-as ou limitando-as, às vezes, a
um mínimo inimaginável, mas, sempre, sempre, restará ao indivíduo
alguns espaços de liberdade, algumas possibilidades de abrir-se ao mundo
e aos outros sem a perda de todas as condições para o exercício saudável
da própria subjetividade.
Outra diretriz fundamental a esse processo de revolução permanente
e progressiva, liga-se ao esforço para diminuir ao máximo a distância
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1
Gastão W. S. Campos. Reforma da reforma: repensando a saúde. São Paulo: Hucitec,
1991.
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2
Gastão W. S. Campos. Os médicos e a política de saúde. São Paulo: Hucitec, 1988.
3
Maria C. F. Donnangelo. Saúde e sociedade. 2.a ed. São Paulo: Duas Cidades, 1979.
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4
Maria C. F. Donnangelo. Medicina e sociedade. São Paulo: Pioneira, 1975.
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5
Michel Foucault. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
6
Jean Clavreul. A ordem médica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
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10
Emerson E. Merhy. Saúde pública como política. São Paulo: Hucitec, 1992.
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11
Eder Sader. Quando novos personagens entram em cena. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988.
12
Gastão W. S. Campos. A saúde pública e a defesa da vida. São Paulo: Hucitec,
1991.
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15
W. S. Campos. Reforma da reforma: repensando a saúde. São Paulo: Hucitec, 1991.
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18
G. Canguilhem. O normal e o patológico. 2.a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
19
Ibidem.
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20
Gastão W. S. Campos. Modelos de atenção em saúde pública. Saúde em Debate,
n.o 37, dez. 1992.
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