Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág.
5 - Diálogo Sobre Religião Humanística
Terceira Civilização - Diálogo Sobre Religião Humanística
(3) O estabelecimento do ensino de
Daishonin: nasce uma religião para toda a
humanidade
Esta é a continuação da terceira parte da série “Diálogo
sobre a religião humanística” publicada na revista de
estudo mensal da Soka Gakkai, Daibyakurengue,
edição de março de 2002. Neste diálogo, o presidente
da Soka Gakkai Internacional, Daisaku Ikeda, e o
coordenador do Departamento de Estudo de Budismo
da Soka Gakkai, Katsuji Saito, enfocam vários fatos
relacionados à história do budismo e à vida de Nitiren
Daishonin de forma abrangente e profunda. Com
certeza, este artigo contribuirá para facilitar
compreensão dos ensinamentos budistas e da filosofia
humanística que cada vez mais atrai a atenção das
pessoas do mundo inteiro.
Presidente Daisaku Ikeda: A questão
torna-se então saber o que exatamente
Daishonin declarou quando estabeleceu
seu ensino. É claro que não há dúvidas de
que sua declaração envolveu a recitação
do Nam-myoho-rengue-kyo. Há muitos
textos que atestam esse fato.1 Foi também
nesse momento que Daishonin abandonou
o nome de Zesho-bo Rentyo e passou a
chamar-se Nitiren.
Isso já foi discutido anteriormente, mas o
nome Nitiren inclui os significados de “sol”
e “flor de lótus”. Daishonin diz ter escolhido
esse nome porque atingiu a iluminação por
si próprio.2 Sem a ajuda de ninguém, ele
despertou para sua missão de dispersar a
escuridão da vida das pessoas, assim
como o Sol, e fazer a flor da Lei Mística
desabrochar na sociedade, assim como a
flor de lótus, que desabrocha num lago
lamacento.
Katsuji Saito: Daishonin diz: “O Sutra de
Lótus é o Sol e a Lua e a flor de lótus.
Portanto, é chamado de Sutra de Lótus da
Lei Maravilhosa. Nitiren também é como o
Sol e a Lua e a flor de lótus.” (The Writings
of Nichiren Daishonin [WND], pág. 186.)
Pres. Ikeda: O nome “Nitiren” encerra o
grande juramento de benevolência de
a Daishonin “por todas as pessoas pelos dez
mil anos e mais. A partir de 28 de abril, ele
começou a propagar o
Nam-myoho-rengue-kyo.
O Nam-myoho-rengue-kyo é o caminho
fundamental que permite a todas as
pessoas dos Últimos Dias a manifestarem
sua natureza de Buda. Considerando que
foi Daishonin quem estabeleceu esse
caminho, poderia ser dito que ele fundou a
“escola Nam-myoho-rengue-kyo do
budismo”. No entanto, seu ensino vai além
dos limites de uma simples escola, pois
suas portas são abertas para as pessoas de
todos os lugares. Em outras palavras,
Daishonin deu início a uma religião para
toda a humanidade.
Saito: O 65º sumo prelado Nitijun Shonin
(1898-1959) também declarou certa vez
que o Budismo de Daishonin não era uma
religião para uma única escola, mas para
todos os seres vivos.
Pres. Ikeda: Nesse sentido, o Budismo
Nitiren é realmente uma religião “humana,
uma religião mundial no verdadeiro
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 1.
 Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística
sentido da palavra. Creio que a declaração
do estabelecimento do ensino de
Daishonin foi o início de uma grande
batalha contra a fonte do mal oculto nas
profundezas da vida humana, contra a
natureza maligna e também contra toda
escuridão fundamental da vida. O próprio
Daishonin declara que a partir do momento
em que estabeleceu seu ensino, ele
empreendeu uma contínua batalha
espiritual contra a função negativa da vida
conhecida como o Rei Demônio do Sexto
Céu.
Saito: Ele disse estas palavras: “O Rei
Demônio do Sexto Céu convocou suas dez
forças e, no mar da vida e da morte,
combateu com o praticante do Sutra de
Lótus por este mundo impuro em que a
iluminação e a escuridão coexistem, para
ver quem ganharia e quem perderia. Eu,
Nitiren, conduzi neste lugar as poderosas
forças [do Buda] por vinte anos. [Em todo
esse tempo,] não retrocedi nem uma única
vez.” (Gosho Zenshu, pág. 1224.)
O significado das quatro sentenças
Pres. Ikeda: Dessa perspectiva, fica claro
que o objetivo de Daishonin não era em
absoluto atacar os seguidores de escolas
budistas específicas tampouco
simplesmente expandir sua escola. A
essência da prática de Daishonin
encontra-se na luta contra a natureza
maligna do poder e da autoridade que
trata as pessoas com menosprezo.
Fundamentalmente, essa é uma batalha
contra as forças que tentam impedir que
as pessoas ingressem no caminho da
iluminação. Creio que podemos dizer que a
declaração do estabelecimento do ensino
de Daishonin tenha sido uma proclamação
ativa, de uma vívida filosofia do
humanismo que abre o caminho para
atingir o estado de Buda.
Saito: Então, a base de sua prática não era
a exclusão de outras escolas, mas sim a
luta contra as forças malignas. Em sua luta,
Daishonin condenou duramente as escolas
Nembutsu, Zen, Verdadeira Palavra,
Preceitos, entre outras. Suas críticas
podem ser resumidas nas chamadas
quatro sentenças: 1- “A Nembutsu leva ao
inferno de incessante sofrimento”; 2- “A
Zen é uma invenção dos demônios
celestiais”; 3- A Verdadeira Palavra é uma
doutrina maligna que arruinará a nação”; e
4- “A escola Preceitos é uma traidora da
nação”. (cf. WND, pág. 1016.) Mas por causa
dessa crítica rigorosa, o Budismo de
Daishonin chegou a ser considerado uma
religião hipócrita e exclusivista.
Pres. Ikeda: As quatro sentenças foram
sendo gradativamente formuladas à
medida que Daishonin combatia as
funções malignas a fim de conduzir as
pessoas dos Últimos Dias à felicidade. Elas
eram a cristalização de sua benevolência e
sabedoria. Não eram comentários
hipócritas nem exclusivistas, mas ao
contrário, eram críticas fundamentadas em
argumentos lógicos. Considerar as quatro
sentenças como simples ataques a escolas
budistas da época seria o mesmo que
negar a verdadeira intenção de Daishonin.
Ele não era de forma alguma motivado
pela hipocrisia, pela exclusividade nem
pelo sectarismo.
Saito: Parece que a crítica ao ensino da
Nembutsu figura de forma preponderante
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 2.
 Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística
no sermão que Daishonin proferiu no
templo Seityoji ao declarar o
estabelecimento de seu ensino.
Pres. Ikeda: Na época, outras escolas
budistas reconheciam a Nembutsu com
um caminho “fácil de praticar”.3 Além do
mais, os seguidores de Honen propagaram
ativamente a prática exclusiva da
Nembutsu.4 Como conseqüência, o ensino
da Nembutsu obteve ampla aceitação.
Mas, naturalmente, por trás de sua
popularidade estava o pessimismo
arraigado, característico dos Últimos Dias
da Lei.
Saito: Creio que as razões pelas quais
Daishonin inicialmente dirigiu suas críticas
à escola Nembutsu podem ser resumidas
da seguinte forma:
Primeiro, ao defender que a salvação é
obtida com o renascimento em outro
mundo, a Nembutsu contradiz o Sutra de
Lótus, que ensina que todas as pessoas
podem atingir o estado de Buda neste
mundo. Segundo, a afirmativa de Honen,
de que somente a prática exclusiva da
Nembutsu que leva ao renascimento da
Terra Pura pode trazer a salvação nos
Últimos Dias, é um ensino que claramente
calunia o Sutra de Lótus.
Terceiro, ao viajar para o leste do Japão, os
discípulos de Honen e os seguidores
desses discípulos manipularam e correção de seus ensinos. Exatamente por
alteraram os ensinos da Nembutsu a fim
de conseguir apoio dos líderes do governo
Kamakura. No entanto, eles ainda
continuaram a defender de forma hipócrita
a prática exclusiva da Nembutsu.
Quarto, a fé na Nembutsu limitava a vida
de muitas pessoas, fazendo surgir na
sociedade um profundo sentimento de
pessimismo.
Pres. Ikeda: Há ainda outras razões para
Daishonin ter começado pela refutação da
Nembutsu.
Saito: O fato de que vários bonzos famosos
da Nembutsu terem o corpo coberto de
feridas, causando sofrimentos terríveis e a
morte, provavelmente deve ter reforçado
sua decisão.5
Pres. Ikeda: Outra razão pode ter sido o
fato de a Nembutsu ter florescido há muito
tempo no templo Seityoji, o local onde ele
pregou seu ensino pela primeira vez, e de
o senhor feudal, Tojo Kaguenobu, ser um
fervoroso seguidor da Nembutsu.
Saito: Kaguenobu era tão fanático em suas
convicções religiosas que pretendia impor
a Nembutsu aos sacerdotes.6
Pres. Ikeda: Parece que a Nembutsu, cujos
seguidores atuavam em conjunto com as
forças no poder, é que era hipócrita e
exclusivista. Daishonin deve ter distinguido
de muitas maneiras a natureza maligna
extremamente forte que estava
envenenando a mente das pessoas na
doutrina da Nembutsu daquela época.
Qualquer religião afirmará a absoluta
causa disso, é fácil para uma religião
assumir aspectos malignos que
desnorteiam as pessoas. E a influência
negativa mudará dependendo do quanto
essa correção for afirmada.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 3.
 Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística

Respondendo às circunstâncias mutáveis representantes da época com a finalidade

da época, Daishonin refutou uma por uma de cumprir a grandiosa missão de levar a
a forte natureza maligna das outras felicidade a todas as pessoas dos Últimos
escolas budistas. Dias da Lei.

Saito: Quando declarou o estabelecimento Saito: Talvez pudéssemos dizer que as

de seu ensino, ele quase que quatro sentenças são descrições dos
simultaneamente refutou a escola Zen sofrimentos impostos pelas principais
junto com a escola Nembutsu. Após escolas da época, com base em sua
retornar do exílio em Izu, ele verdadeira condição.
concentrou-se nas escolas Verdadeira
Palavra (esoterismo oriental) e Preceitos. E, Pres. Ikeda: Cada sentença ou refutação
por fim, enquanto vivia em retiro no Monte condensa em uma curta frase a essência
Minobu, refutou os ensinos esotéricos da patologia, a característica específica da
mantidos pela escola Tendai.7 doença e o prognóstico do tratamento.

Pres. Ikeda: Deixando para outra ocasião a
discussão dos detalhes de suas
refutações, em termos gerais, elas
poderiam ser comparadas ao diagnóstico
de um médico — um diagnóstico
embasado nos sintomas das patologias
fundamentais inerentes na vida. Pode-se
dizer portanto que Daishonin começou
tratando os sintomas superficiais e depois
passou para a causa da doença.
Saito: O bom remédio que ele prescreveu
para curar esses males foi, é claro, o
Nam-myoho-rengue-kyo.
Pres. Ikeda: Correto. O
Nam-myoho-rengue-kyo é o remédio
supremo e benéfico que nos permite
manifestar o estado de Buda.
As ações de Daishonin foram motivadas
acima de tudo pelo desejo ardente de
aliviar o sofrimento das pessoas. Também
se supõe que Daishonin identificou
rigorosa e metodicamente a natureza
maligna das escolas budistas
Saito: Se as aplicássemos hoje da forma
como foram aplicadas na época, quando
as circunstâncias eram totalmente
diferentes, estaríamos cometendo um
grande erro.
Pres. Ikeda: Exatamente. Embora o
remédio benéfico do
Nam-myoho-rengue-kyo seja imutável, as
outras coisas mudam com o tempo. Com
relação à enfermidade, há casos em que o
nome antigo de uma doença não
consegue transmitir sua essência.
Saito: Vamos examinar de que forma as
expressões das quatro sentenças foram
formuladas. Primeiro, a “Nembutsu leva ao
inferno de incessante sofrimento”. Assim
como discutimos anteriormente, a escola
Nembutsu, com sua afirmação exclusivista
de que somente se poderia obter o
renascimento na Terra Pura com a prática
de seu ensino, estava ganhando
popularidade. Ao dizer que a Nembutsu
levava as pessoas para o “inferno de
incessante sofrimento” e não para o

Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 4.

 Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística
“renascimento na Terra Pura”, Daishonin
refutou abertamente essa caluniosa
negação do Sutra de Lótus.
Pres. Ikeda: Ele fez isso porque o Sutra de
Lótus explica que as pessoas que
caluniarem o Sutra de Lótus cairão no
inferno de incessante sofrimento.8 A crítica
de Daishonin foi totalmente embasada nos
sutras e em seu discernimento sobre a
verdadeira natureza dessas escolas.
Saito: A “Zen é a invenção dos demônios
celestiais” foi um comentário acerca dos
bonzos da seita Zen que agiam como se
fossem sábios iluminados, sendo
reverenciados pelos integrantes da classe
guerreira e outros. Os bonzos da seita Zen,
tais como Doryu9 do templo Kentyoji, eram
muito solicitados pelo governo militar de
Kamakura.
Pres. Ikeda: Doryu recebia a proteção do
quinto regente de Kamakura, Hojo Tokiyori.
Daishonin identifica esse bonzo como um
dos líderes que estavam por trás das
perseguições que ele sofreu.
Saito: Daishonin chama abertamente os
bonzos da seita Zen de “demônios
celestiais” por causa de sua
desavergonhada arrogância em dizer que
o ensino de Sakyamuni não foi transmitido
por meio dos sutras,10 e por fingirem que
haviam atingido a iluminação, quando na
verdade não tinham. Ao chamar a
Verdadeira Palavra de “uma doutrina
maligna que arruinará a nação”, ele estava
refutando essa escola , cujo argumento
mais atrativo era que suas orações serviam
para proteger a nação. Como aumentava o
temor da invasão dos mongóis, a corte
imperial e o governo militar voltaram-se
exclusivamente para essas orações.
Portanto, Daishonin acusou a escola
Verdadeira Palavra de arruinar a nação em
vez de protegê-la, denunciando suas
práticas vazias e ocultas.
Pres. Ikeda: Essa crítica estava embasada
no fato de que as orações do Budismo da
Verdadeira Palavra, sem a base do
princípio segundo o qual um único
momento da vida contém os três mil
mundos, nada mais eram que meros rituais
formais.
A falta desse princípio na escola
Verdadeira Palavra significava a carência
de um discernimento amplo e filosófico
para compreender e poder mudar
fundamentalmente a vida humana. Mesmo
assim, suas práticas formalistas de oração
e misticismo desenvolveram-se, dando a
impressão de que deveria haver alguma
eficácia nelas. A confusão causada pela
Revolta de Jokyu11 mostra a derrota da
escola Verdadeira Palavra.
Saito: Daishonin criticou a escola Preceitos
como “traidora da nação”, pois seus
bonzos, tais como Ryokan12 do templo
Gokurakuji, fingiam seguir os preceitos e
eram reverenciados como budas vivos e
tesouros nacionais. Ele os chamava de
“traidores” em vez de “tesouros” para
enfatizar sua falsidade.
As escolas que foram o foco das quatro
sentenças exerciam uma considerável
influência entre os governantes da época e
também sobre a população japonesa.
Além disso, ao expor abertamente os
elementos populares ou demagógicos
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 5.
 Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística
dessas escolas, as quatro sentenças
atingiam direto sua essência e as
refutavam.
Essas críticas devem ter causado um
impacto considerável na época e devem
ter se difundido amplamente. No entanto,
se ignorássemos as condições específicas
da época e fôssemos aplicar essas
sentenças exatamente da forma como são
à época atual, correríamos o risco de
sermos chamados de hipócritas.
Pres. Ikeda: Concordo. As quatro sentenças
manifestam em essência a sabedoria de
Daishonin, que não se deixou enganar e
identificou rigorosamente a hipocrisia das
várias escolas da época, e também sua
falsidade em ocultar sua verdadeira
natureza por trás da autoridade religiosa.
Também nem é preciso dizer que as
quatro sentenças tem como base a
benevolência de Daishonin de querer
proteger as pessoas. Em outras palavras,
sustentar as quatro sentenças significa
manifestar a sabedoria para refutar as
filosofias e religiões que obstruem a
felicidade das pessoas em qualquer época.
Saito: Creio que isso hoje significaria expor
e refutar a verdadeira natureza da seita
Nikken.
Pres. Ikeda: Limitar-se a repetir as quatro
sentenças só porque foram ditas por
Daishonin, ignorando o sentimento das
pessoas e a mudança dos tempos, é o
mesmo que menosprezar o espírito de
Daishonin. Nesse caso, as quatro
sentenças nada mais são que dogmas. É
isso o que faz surgir os aspectos malignos
de uma religião. O que conta são as
pessoas e o coração. As quatro sentenças
são a manifestação da firme convicção de
Daishonin de combater as funções
malignas que servem para confundir as
pessoas. É um erro extremamente banal
perder de vista esse ponto importante e
interpretar as quatro sentenças de uma
maneira superficial e dogmática,
criticando, com base nisso, o Budismo de
Daishonin e tachando-o de exclusivista e
intolerante.
Saito: Em Valores Humanos num Mundo
em Mutação, o Dr. Bryan Wilson da
Universidade de Oxford, declara que há
“uma diferença entre a tolerância
consciente e ativamente promovida e a
indiferença que pode existir em uma
tradição politeísta ou sincretista”.13 Isso
parece muito complicado, mas significa
que, num clima espiritual como o do
Japão, a indiferença religiosa pode
facilmente ser confundida com tolerância.
Da mesma forma, a firme convicção
religiosa também pode ser erroneamente
estigmatizada como exclusivista ou
intolerante.
Pres. Ikeda: As quatro sentenças não são
exclusivistas tampouco intolerantes, pois
em sua essência está a razoável crítica
religiosa de Daishonin iluminada pela
sabedoria da Lei Mística.
Em outras palavras, essas quatro escolas
ilustram num certo nível quatro arquétipos
religiosos desequilibrados. A crítica feita a
elas proporciona portanto o vislumbre de
uma religião totalmente desenvolvida
como a que foi concebida por Daishonin.
Esse é um ensino perfeitamente
equilibrado que incorpora
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 6.
 Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística
harmoniosamente as características
fundamentais da religião sem preconceito
nem distorção. Em síntese, é uma religião
para os seres humanos.
As doutrinas dessas quatro escolas podem
ser resumidas da seguinte forma: 1-
salvação por meio do poder externo de um
ser absoluto (Nembutsu); 2- iluminação
somente por meio da percepção direta da
própria mente e se contentando com essa
iluminação (Zen); 3- obtenção de
benefícios nesta vida por intermédio de
meios ocultos (Verdadeira Palavra); 4- ser
controlado por meio de preceitos e
mandamentos (Preceitos).
O ensino perfeitamente equilibrado não
sucumbe a nenhum desses extremos, mas
sim expõe a fusão dos poderes externo e
interno como meio para transformar a vida
do indivíduo e também as circunstâncias
ao seu redor. A combinação dos poderes
externo e interno significa descobrir dentro
de si próprio uma força que é muito maior
que o próprio “eu”. É isso o que se chama
no ensino de Daishonin de estado de Buda
“inerente” e “manifesto”, e é também a
essência do Budismo de Nitiren Daishonin.
Saito: O “objeto de devoção para a
observação da mente” que os capacita a
revelar o mundo do estado de Buda em
nosso coração é a chave para essa religião
completa.
Pres. Ikeda: Vamos discutir sobre o objeto
de devoção em outra ocasião.
No Budismo de Daishonin, esses quatro
arquétipos religiosos assumem um
significado positivo uma vez que apóiam a
transformação do indivíduo pela
manifestação das seguintes qualidades: 1-
a capacidade de abraçar o fraco e doente
com o estado de vida de Buda e
proporcionar um sentimento de absoluta
paz de espírito; 2- a capacidade de crer e
realmente sentir que possuímos dentro de
nós o poder de nos transformar; 3- a
capacidade de desafiar com coragem
nossas circunstâncias; 4- a capacidade de
controlar os desejos mundanos e eliminar
o mal com nossa sabedoria interior.
O significado moderno das quatro
sentenças não limita-se à simples
refutação das escolas budistas japonesas,
mas em desenvolver totalmente a força
positiva da vida humana. Esta é a Lei
Mística da simultaneidade de causa e
efeito inerente na vida humana, e aceitá-la
é criar um valor ilimitado.
Ao estabelecer e anunciar este ensino
perfeito, Daishonin apresentou uma
religião para todas as pessoas. Ele revelou
assim o caminho eterno e fundamental
que conduz à iluminação de toda a
humanidade.
Notas:
1. Em “Admoestação ao Bodhisattva Hatiman”, Daishonin declara: “Durante os vinte e oito
anos desde o vigésimo oitavo dia do quarto mês do quinto ano de Kentyo, eu, Nitiren,
esforcei-me abnegadamente para colocar na boca de todas as pessoas do Japão os
cinco ou sete caracteres do Nam-myoho-rengue-kyo. Minha benevolência é como a de
uma mãe tentando amamentar seu bebê.” (Gosho Zenshu, pág. 585.) E em “A Tartaruga
de um Olho Só e o Tronco Flutuante”, ele diz: “Eu sozinho recitei primeiro o
Nam-myoho-rengue-kyo no Japão. Nos mais de vinte anos desde o verão do quinto ano
de Kentyo (1253), eu sozinho tenho recitado o Nam-myoho-rengue-kyo dia e noite, de
manhã e à noite. Mas aqueles que recitam a Nembutsu são dez milhões.” (WND, pág.
959.) 2. Em “Carta a Jakunitibo”, Daishonin diz: “O fato de dar a mim mesmo o nome
Nitiren (Sol-Lótus) deriva de minha própria iluminação relacionada ao veículo do Buda.”
(WND, pág. 993.) 3. Caminho fácil de praticar: uma das duas categorias de prática
budista ensinada pela escola da Terra Pura. Estabelecida para pessoas de capacidade
inferior, implica em invocar o nome dos budas, confiando em seu poder de salvação. A
outra categoria é o caminho difícil de praticar. 4. Prática exclusiva da Nembutsu:
Devotar-se unicamente à prática de invocar o nome do Buda Amida a fim de renascer na
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 7.
 Terceira Civilização - Edição 412 - 01/12/2002 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística

Terra Pura. Em sua obra Escolha Exclusiva da Nembutsu (Sentyaku shu), Honen, o

fundador da escola japonesa Nembutsu (Terra Pura), sustenta que se as pessoas

desejam renascer na Terra Pura do Buda Amida, devem praticar exclusivamente a

Nembutsu. 5. Em “Sobre os Seguidores da Nembutsu da Era Atual que Caem no Inferno”,

Daishonin diz: “O senhor deve considerar as várias doenças graves, incluindo as

dolorosas feridas, e a loucura que se manifestou nos sábios da Nembutsu na era atual e

entre os principais seguidores leigos no momento de sua morte .” (Gosho Zenshu, pág.

105.) 6. Em “Carta aos Bonzos do Seityoji”, Daishonin diz: “O perverso Tojo Saemon

Kaguenobu uma vez caçou gamos e outros animais criados pelo Seityoji e tentou forçar

os bonzos de vários templos-alojamento a se tornarem seguidores da Nembutsu.” (WND,

pág. 651.) 7. A escola Verdadeira Palavra, fundada por Kobo, costumava ser chamada de

esoterismo oriental, ao passo que a escola Tendai do Monte Hiei era denominada de

esoterismo Tendai. 8. O terceiro capítulo do Sutra de Lótus, “Parábolas”, descreve o efeito

que aquele que calunia tanto o Sutra de Lótus como a pessoa que o abraça enfrentará,

dizendo que “quando sua vida chegar ao fim / ele entrará no inferno Aviti”. (LS3, pág. 74.)

9. Doryu (1213-1278): Bonzo da escola Rinzai do Zen-Budismo, também chamada Rankei.

Nascido na China, foi para o Japão no ano de 1246. Quando Hojo Tokiyori construiu o

templo Kentyoji em Kamakura no ano de 1253, Doryu foi convidado a tornar-se seu

primeiro bonzo-chefe. Ele opôs-se a Nitiren Daishonin e conspirou contra ele junto a

Ryokan, do templo Gokurakuji, e a outros como Hei no Saemon, um oficial que serviu a

duas gerações de regentes do clã Hojo, Tokimune e Sadatoki. 10. Doutrina da escola Zen

que expõe que a iluminação do Buda e seu verdadeiro ensino foram transmitidos

separados dos sutras. A escola Zen afirma que a iluminação do Buda foi transmitida sem

o uso da palavra, por meio do pensamento, sendo passada de um patriarca Zen a outro.

Isso também é chamado de “transmissão especial independente dos sutras” e de

“transmissão separada das outras escrituras”. 11. Revolta de Jokyu: Batalha entre a corte

imperial e o xogunato de Kamakura ocorrida em 1221. As forças imperiais foram

derrotadas e o xogunato depôs o imperador, colocando outro em seu lugar, e exilou os

imperadores aposentados em ilhas remotas. 12. Ryokan (1217-1303): Também conhecido

como Ninsho. Bonzo da escola Preceitos da Verdadeira Palavra, contemporâneo de

Nitiren Daishonin. Ele recebeu os preceitos de Eizon, que era reverenciado como o

restaurador da escola Preceitos no Japão. Em 1261, Ryokan dirigiu-se para Kamakura e,

posteriormente, tornou-se bonzo-chefe do templo Gokurakuji, fundado por Hojo

Shiguetoki. Durante a seca de 1271, ele competiu com Nitiren Daishonin na oração pela

chuva, mas foi derrotado. Depois disso, ele inventou acusações contra Daishonin, as

quais resultaram na Perseguição de Tatsunokuti e no Exílio em Sado. 13. Bryan Wilson e

Daisaku Ikeda, Human Values in a Changing World: A Dialogue on the Social Role of

Religion (Valores Humanos num Mundo em Mutação: um Diálogo sobre o Papel Social

da Religião). Secaucus, NJ, EUA, Lyle Stuart Inc., 1984, pág. 315.

Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 8.