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Retórica e Oratória: apontamentos em torno da comunicação e da

linguagem

Prof. Me. Renato Marcelo Resgala Júnior1

Resumo: Este presente artigo tem como norteador as características da


Linguagem em relação às práticas de oralidade, retórica e processos de
oratória, voltadas para o discurso da verdade (legal) e da comunicabilidade
argumentativa. (visão administrativa). Para isso, é preciso analisar, pela história
filosófica, conceitos fundamentais que orientaram para uma interpretação, à luz
do pensamento filosófico e hermenêutico, do que é a Retórica, enquanto práxis
de linguagem –a qual, hoje, reconhecemos como parte de todo um processo
sociocultural inalienável do homem – com técnicas, estruturas de construção e
marcas específicas, tendo como base o pensamento crítico da obra de
Aristóteles (1996; 2005); vale considerar ainda a relação da concepção da
crítica da linguagem em Aristóteles com o pensamento contemporâneo de
grandes críticos e oradores, como as lições e orientações do professor
Reinando Polito(2009; 2014) acerca de técnicas de convencimento e de
oralidade no trato com as pessoas, sejam em situações de ordem jurídica ou
de gestão administrativa.

Palavras-chave: Comunicabilidade; Argumentação; Técnicas de oralidade;


Apresentação verbal;

Palavra e o ser – primeiras considerações

“Ai, palavras, ai, palavras,


que estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...”
(Cecília Meireles)

λόγος, Logos, Verbum, Palavra: tudo no homem se constrói em torno da


linguagem, sob o signo e sob os sentidos da Palavra. Sem palavra o homem
não é nada.

1
Mestre em Letras pelo Programa de Mestrado em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura
(Universidade Federal de São João Del Rei-MG). Professor de Literatura Comparada, Teoria
literária e Literatura Portuguesa do curso de Letras e de Literatura Brasileira do curso de Pós-
Graduação Lato-sensu em Estudos linguísticos e literários do Centro Universitário São José de
Itaperuna-RJ.

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Este mesmo logos se aresta em sua significância e simbolismo com o
saber, o conhecimento, a razão, a palavra em sua essência.
Foi pela voz, pela palavra que se oportunizou a relação humana, o
contato entre as pessoas: as consequentes complexidades das inter-relações
comunicacionais, discursivas, linguísticas e antropológico-culturais dessa
nossa contemporaneidade têm suas raízes no pensamento grego e na visão da
Língua enquanto instrumento de disputa e debate.
Retórica, palavra que encontra sua raiz em a „ArsRethorica‟
(Τέχνηρητορική) do pensamento clássico, é título essencial de uma obra de
Aristóteles para quem busca a aprendizagem das primeiras informações
históricas sobre o processo da dialética argumentativa (διαλεκτική) e das
técnicas de organização de um objeto textual validado na argumentação
dialógica.
Como arte, a Retórica tende a possuir toda uma estruturação, um
conjunto sistemático de elementos que se jogam e modulam a práxis do
pensamento a ser desenvolvido.

Entendamos por Retórica a capacidade de descobrir o que é


adequado a cada caso com o fim de persuadir. Esta não é
seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada uma das
outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da sua
competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saúde e a
doença, a geometria sobre as variações que afetam as grandezas, e
a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as
outras artes e ciências. Mas a retórica parece ter assim por dizer a
faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer
questão dada. (...) Das prova da persuasão, umas são próprias da
arte retórica e outras não (ARISTÓTELES, 2005, p. 95-96)

Neste trecho, infere-se que a Retórica é uma arte, a da persuasão pela


palavra. Enquanto arte, pois então, possui estruturas que a caracterizem como
arte (trabalho intelectual e percepção do belo artístico); enquanto técnica
(tekhné, também, arte, Τέχνη), há procedimentos, características, formas e
estilos que formatam, moldam e constroem o corpo da textualidade.
Para o filósofo grego, a Retórica é um instrumento de ordenação e
manutenção dos conceitos operacionais de Justiça e Verdade, pois, sem poder
defender a Ideia (ιδέα) e sem o bom uso da argumentatividade, toda a estrutura

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social grega (que era suplantada nos conceitos de Justiça e Verdade, sob a
égide do platonismo metafísico) sucumbiria.
O que se entende disso? Que Aristóteles vê na argumentação um
exercício para a manutenção do bem, belo, justo e verdadeiro, i.e., do Poder
em sua essência, do Poder que se efetiva pelo uso das técnicas de
argumentação.
Na linguagem jurídica, todo o processo de construção textual se dá sob
as bases da Retórica – busca pela Verdade através do uso da palavra.
É com a Palavra enquanto instrumento de consolidação das relações
humanas que a sociedade se desenvolve.
Se tivesse que ter um princípio para determinar o que acredito ser a
prática da retórica seria o da clareza argumentativa, pois toda produção textual
dissertativa tem em sua natureza o caráter da análise objetiva, portanto, de
caráter científico, crítico.
O historiador italiano, Carlo Ginzburg (2001), denominaria essa técnica de
certo „olhar de madeira‟, que é o distanciamento de modo a propiciar uma visão
abrangente, clínica, sistêmica, aprofundada sobre o problema, o tema ou a
situação fatual.
Observemos, agora, na nossa contemporaneidade, a importância das
capacidades de bem argumentar e dialogar. Acompanhe o que professor
Reinaldo Polito, referencial básico nos estudos da comunicação oral, gestão e
comunicação em vendas, além da excelência na comunicação jurídica, mostra-
nos, em suas considerações acerca de como a retórica pode ser usada, tanto
para o bem (que é também uma só perspectiva sobre o mundo) ou para o mal.
No texto abaixo, note-se como há técnicas usadas, inclusive, para ludibriar a
verdade – o discurso da verdade está sempre na mira do charlatanismo:

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Entendatruques de
retóricaquepolíticossuspeitosusamparanegar crimes:Com a
delaçãopremiada, a cada dia, nos últimos tempos, políticos e
empresários têm a difícil e nem sempre bem-sucedida tarefa de se
defender. Um conhecido advogado me confidenciou em uma das
aulas de oratória que ministrei a ele: 'Polito, nunca vi nada igual na
minha vida. Quando você pensa que o cliente já contou tudo o que
sabia, aparece um delator com novidades'.Como osacusados, de
maneira geral, são bons de oratória, quase sempre orientados por
advogados, são eles próprios que se posicionam nas tribunas, ou
vão para frente das câmeras e enfrentam os microfones. Usam a
eloquência e demostram indignação na tentativa de refutar as
acusações de que foram vítimas, procurando provar sua inocência.
Como veremos esses episódios com frequência cada vez maior,
observe quais as táticas mais comuns usadas pelos acusados e
tente avaliar, sem prejulgamentos, se estão dizendo ou não a
verdade. Não nos esqueçamos ainda de que, por trás das
acusações, pode haver também interesses políticos inconfessáveis.
Cabe aqui uma reflexão. Embora todos nós queiramos que bandidos
e malfeitores travestidos de representantes do povo fiquem
trancafiados atrás das grades, temos de tomar cuidado com as
injustiças. Alguns querem aproveitar a onda para enfraquecer
adversários e se beneficiar. É bom ter prudência. Em época de caça
às bruxas, o risco de excessos pode incluir inocentes no pacote dos
condenados.
O susto inicial: Assim que são acusados, a primeira reação é a de
se mostrarem surpresos, incrédulos, como se não entendessem os
motivos que levaram alguém a contar todas aquelas mentiras. Essa
seria a atitude de uma pessoa inocente. Portanto, tendo culpa ou
não, a reação será sempre a mesma. Alguns vociferam, outros
demonstram tranquilidade, mas o objetivo é o mesmo – passar a
imagem de inocente.
Baixada a adrenalina: Superado o primeiro momento, quase
sempre, o acusado procura desqualificar quem o acusou. Seja
alguém com culpa comprovada, atuando como delator. Seja um
adversário político, um órgão de imprensa. Seja uma autoridade
responsável pelo caso, um juiz, um delegado, um promotor.
Como o acusador nem sempre é muito conhecido, a intenção do
acusado é mostrar que ele não tem reputação, autoridade moral,
competência, imparcialidade, ou passado ilibado. Portanto, não tem
credibilidade, e suas palavras não devem ser consideradas.
O momento do contra-ataque: Se os fatos forem contundentes, o
próximo passo dos acusados é mostrar que são perseguidos por
interesses políticos. Afirmam que suas ações contrariam posições
adversárias, e por isso seus desafetos se valem de mentiras para
atacá-los. Geralmente o nome dos algozes não é citado. Quanto
menos identificado for o suposto grupo que o atacou, menores serão
as chances de que sejam contestados.
(...)
Assim, além das decisões judiciais, como os motivos e os detalhes
serão divulgados durante todos os processos, nós também
poderemos fazer o nosso próprio julgamento. Que seja feita a
justiça.(...) (grifos do autor)1

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Partindo das considerações acima do professor em comunicação,
Reinaldo Polito (2009; 2014), pergunta-se, então, o que é repensar a prática
da linguagem dentro do contexto cultural da contemporaneidade e de que
forma o estudante de Direito deve apreender essa perspectiva? De fato,
somente o DOMÍNIO das técnicas argumentativas de comunicação interacional
(textual, verbal, gestual, gráfica, oral) não traduz toda a verdade do que está
em questão. O orador, aquele que escreve, o autor, para apresentar todo um
trabalho de defesa ideológica, joga com suas identidades na construção:
somos o que escrevemos, nosso caráter e nossa conduta são reflexos e
refrações de nossa linguagem. Assim, como exemplo de que a linguagem lega
ao homem a possibilidade do convencimento pela palavra, seja observada, ad
exemplum, a corrupção política nacional, mesmo por parte daqueles que se
destacam como grandes oradores.
Pela linguagem, pela sua capacidade de expressar-se, pelo domínio
vocabular e pelo sentido de contextualização, o homem construiu o mundo,
este verdadeiro palco onde jogam os as palavras com significados em seus
significantes. A linguagem, a prática da linguagem oral possibilita a
comunicação e a expressão da alteridade em tempo real, seja para o bem ou
para o mal2.
Muito de nossas habilidades comunicativas nos forma enquanto cidadãos,
possibilitando-nos sermos reconhecidos, identificados e compreendidos em
nossas relações históricas. Pense-se o seguinte caso: imagine-se, num
escritório de advocacia; um senhor com seus 50 anos, será atendido. Nesse
momento, o jogo das relações contratuais e da prestação dos serviços inicia-
se: tudo é válido para o entendimento do outro e do um que estão ali presentes
(é preciso ver como o senhor percebe o advogado e como o advogado entende
perceptivamente o senhor); prevaleça-se, antes de tudo, ao advogado, uma
postura laica, humanizada e coerente com as nossas realidades
contemporâneas (o respeito ao modo de se vestir de falar do cliente, v.g., deve
prevalecer, sempre).
Saber argumentar, saber aproximar-se pela palavra às pessoas é prática
para o bem convívio e para o sucesso na vida profissional de um advogado, um
professor etc.

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Dominar as técnicas é dominar apenas uma parte de todo conhecimento
de uma apresentação oral. Não basta ter ciência de como introduzir,
desenvolver e fechar um determinado assunto sem ter o envolvimento, a
crítica, a participação de si dentro da problemática levantada.
Os gestos, os olhares, a vestimenta e todo o entendimento do ambiente
contextual (perpassando pelo vocabulário, pela tonalidade, pela busca dos
sentidos, pelo reconhecimento do público ouvinte-leitor) são partes
fundamentais de toda a construção do corpo discursivo e da estrutura artística,
social e pragmática (observe-se como as técnicas de vendas são essenciais
para o aprimoramento e do crescimento das vendas em si, quando pensamos
no comércio varejista, por exemplo) da Retórica.
Aprender a falar, a dominar a arte de se expressar bem é uma tomada de
consciência das capacidades e habilidades cognitivas do próprio pensar. Para
o pensador alemão Nietzsche, acerca do que é consciência, afirma que

A consciência desenvolveu-se apenas sob a pressão da necessidade


de comunicação (...). Consciência é, na realidade, apenas uma rede
de ligação entre as pessoas (...). Em suma, o desenvolvimento da
linguagem e o desenvolvimento da consciência (não da razão, mas
apenas do tomar-consciência-de-si da razão) andam lado a lado.
Acrescente-se que não só a linguagem serve de ponte entre um ser
humano e outro, mas também o olhar, o toque, o gesto; o tomar-
consciência das impressões de nossos sentidos em nós, a
capacidade de fixá-las e como que situá-las fora de nós, cresceu na
medida em que aumentou a necessidade de transmiti-las a outros
por meio de signos. O homem inventor de signos é, ao mesmo
tempo, o homem cada vez mais consciente de si (...) (NIETZSCHE,
2011, p. 248-249)

Além disso, dominar as técnicas verbais, gestuais e comunicacionais


significa fazê-las dar o que são de verdade: potências significativas pela
Palavra.
O bom uso retórico é aquele que não só persuade, convence, mas que,
também, delineia um caminho: o do belo, o do dizer com propriedade, o de
falar com elegância, dicção e entonação.
Voltemos à construção retórica, à invenção do discurso com fins
argumentativos-persuasivos. Aristóteles, questionando o valor do sentido de
proceder me busca da persuasão, elenca, dentro do ato de comunicação

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retórico, práticas de persuasão (práticas argumentativas) que são de três
categorias:
a) As que residem no caráter moral, através do reconhecimento do
nome de quem emitirá, de todo conhecimento envolta da argumentação
discursiva;
b) As que residem no modo de disposição do ouvinte, i.e., na
predisposição do público ao autor e ao seu trabalho, que se deixaram
envolver, o que Aristóteles nos fala “em ser levados a sentir emoção”
(ARISTÓTELES, 2005, p.97)
c) As que residem dentro da discursividade (coerência, coesão
intertextualidade, objetividade, clareza, elegância, situacionalidade etc.), que
objetiva senão a representação da VERDADE do discurso, com fins e
objetivos definidos e que precisam ser estruturados para tal.

A Retórica é o trabalho em exercício do raciocínio pela linguagem. É a


arte de refutação, averiguação, contestação, apelação, motivação, julgamento
e correção dos – socraticamente – maus costumes que constroem a prática do
direito na vida humana. Pela palavra atinge-se ao outro, em suas esferas
emotivas e racionais. Por isso, o professor, o Advogado, aquele que trabalha
com a palavra, mais do que todos, deve continuamente estar em renovação,
estudo e pesquisa, em busca de aprimoramento de suas capacidades
cognitivas.
Preso em sua rede do estrito pensar dialético-silogístico, Aristóteles nos
fala em argumentos irrefutáveis, em probabilidade, em sinais, símbolos etc.,
elementos categóricos da realização de uma argumentação textual, que, por
sua vez, coordenam toda a prática da construção retórica de um determinado
texto.
Segundo o grego, três gêneros da discursividade retórica remontam à
prática da elaboração da argumentação jurídica (pois Aristóteles vê na Dialética
o embate pela Justiça, o diálogo pela verdade):
a) Deliberativo: prática de argumentação que procura o senso, o
equilíbrio opinativo, percebendo as variadas posições sobre um determinado
tema, indicando a relativa necessidade de se analisar os lados envolvidos
numa situação específica;

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b) Judicial: prática de argumentação judicial segue duas vertentes: a
de defesa e a de acusação. O que oportuniza o bom resultado entre um e
outro é o uso da linguagem, a postura; na escritura, a organização, a
estruturação coerencial e coesiva.
c) Epidíctico: é o momento de uma prática argumentativa conclusiva,
quando elogiava-se ou se censurava uma determinada dialética, um
determinado debate. Hoje, falamos na conclusão como fundamento para a
crítica, a resolução e a busca de questionamentos e, se possível, respostas,
no discurso científico das Ciências e da Filosofia.

Vale ainda pontar os quatro tipos comuns de construção (à época do


grego) de elaboração argumentativa:

Os argumentos utilizados na polêmica são de quatro espécies:


didascálicas, dialéticas, críticas e erísticas. São didascálicos os
argumentos que razoam a partir de princípios próprios de cada disciplina,
e não a partir das opiniões de quem responde, pois importa que o
discípulo deles esteja persuadido; são dialéticos os argumentos que
concluem, a partir de premissas prováveis, a contradição da tese dada;
críticos são os que razoam a partir de premissas que parecem
verdadeiras a quem responde, e que deve conhecer necessariamente o
tema que nelas se acha implícito (...); enfim, são eurísticos os
argumentos que concluem, ou parecem concluir, a partir de premissas
prováveis na aparência, mas na verdade improváveis (ARISTÓTELES,
1996, p. 63)

Em relação aos estudos e teoria sobre a linguagem e a argumentação


(como os estudos de Leonor Fávero, M. Bakhtin, Ingedore G. V. Koch, Sírio
Possenti etc.), a visão aristotélica sobre a prática argumentativa proporciona o
reconhecimento da escrita enquanto ARTE em suas instâncias criativas. Com
toda uma estruturação (introdução, desenvolvimento, conclusão), com todas as
categorias que são inerentes ao gênero discursivo, a prática de produção
textual argumentativa perpassa pelo entendimento e reconhecimento do
problema, pela conjugação das ideias, dos sentidos, das verificações,
constatações, dados, fatos, comprovações científicas, citações e todo o
desenvolvimento crítico, até, enfim, chegar às resoluções (resultado, a síntese
dialética) quantitativas (como ocorre nas Ciências Exatas, da Saúde e Médicas)
ou qualitativo-reflexivas (no caso, das Ciências Humanas aplicadas, como a

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área da Administração e Gestão de Pessoas, assim como as Ciências
jurídicas).
Traduzindo para nosso entendimento do processo de construção retórico,
com os argumentos didascálicos construímos a abertura, o início de nosso
discurso, texto etc. Para isso há inúmeras formas, como “apresentação do
tema”, “iniciar com uma citação emotiva e crítica”, “narrar um fato, dado
histórico”, “ler, com dicção, clareza, determinados trechos no eixo temático”, se
for o caso de uma apresentação oral etc.
Já quando se fala em argumento dialético está nos abrindo um leque de
interpretações, pois o escopo para a discussão sobre Dialética e o processo
metodológico dialético é complexo, deveras.
Ainda, assim, Aristóteles nos deixa a certeza de que a prática da
construção argumentativa deve ser a de confrontar, fazer falar, dialogar os
diferentes, buscar o inter-relacionamento discursivo entre as ideias, entender o
jogo das relações simbólicas em quaisquer marcas textuais. A dialética
argumentativa é o pressuposto, não só para acepções silogísticas, mas para o
enredamento da elaboração, sequenciação, estruturação e validação de um
discurso, texto, exposição oral entre outras formas de apresentação.
Os argumentos críticos são, por sua vez, a elaboração, a partir da
apresentação de dados, fatos, argumentos que dialogam entre si, de análises
(com caráter subjetivista, mas crivadas de ideologias em jogo), de modo a
promover o valor de VERDADE de uma produção argumentativa.
Toda a dialética argumentativa apresenta e colore um terreno de
pesquisa; já a crítica argumentativa procura validar, dar o juízo de Bom ou
Ruim sobre um determinado tema (imaginemos, um júri popular e a defesa de
um crime hediondo; não só o promotor deverá comprovar com dados, fatos,
cronologia, aparatos, técnicas científicas, mas, também de argumentatividade
para sustentar e coordenar todo o discurso de acusação).
Os argumentos eurísticos são os argumentos que promovem o
fechamento de toda uma produção argumentativa. Na eurística argumentativa,
a práxis volta sua atenção para uma retomada SINTÉTICA de toda a análise
argumentativa e de todo processo de raciocínio lógico-argumentivo3 envolvido.
É o momento da análise final, da crítica – severa, organizada, científica – de
um problema tratado na produção textual. Em outras palavras, é a

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consideração final do processo argumentativo, os resultados possíveis obtidos
ou ao menos aproximados; as falhas contabilizadas e os acertos valorizados4.
Ao final, a ArsRethorica é um livro que é, em si, ferramenta e instrumento
para o aprimoramento das qualidades de comunicação. Muito pode-se ainda
dizer quanto à prática da escrita e oralidade, em face à práxis retórica. No
entanto, a formação de leitura, a qualidade das leituras e o hábito de leitura e
escrita moldam a escritura e o conhecimento de cada ser. Isso é uma coisa a
se considerar.

Algumas breves orientações sobre a prática de oralidade

O que move a humanidade é a sua capacidade de se expressar, de se


comunicar, de se fazer valer a vida em suas intermitências e multiplicidades é a
Linguagem.
Sem a linguagem não haveria civilização.O homem por ser o que
comunica ele fala. A fala é um ato (enquanto prática científica e experimental),
um acontecimento biológico (pois compreende todo o nosso aparelho fonador),
físico (pois envolve a dinâmica do ar) e linguístico (uso dos fonemas, dicção,
volume de voz, adequação verbal-semântico-contextual).
Falamos, todos, indiscriminadamente, de uma forma ou de outra. Falamos
porque é nossa forma de interação com o outro e com o mundo que nos cerca.
Mas que se entenda que a linguagem não se faz somente de sons, mas
de gestos, palavras escritas, imagens, símbolos, ritos sociais, religiosos e
manifestações culturais.
Falamos porque procuramos a união, a integração com o corpus social,
com a comunidade. Procuramos todas as identidades comuns, que se
dialoguem, que se integrem. Pela linguagem, a humanidade constrói seus
alicerces da memória, suas estruturas de vivência social (como as práticas de
comércio, varejista e atacadista).
Falar para alguém algo que seja importante não é fácil. Exige carinho,
vocalização, volume de voz adequado, jeito para com o outro. Todo ato de falar
traz consigo necessárias condições e orientações para sua efetiva e boa
consolidação.

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O que apresentarei, nesta parte destas lições, são algumas dicas,
orientações e observações acerca do uso ORAL da linguagem: como usar das
palavras em si (escolha lexical, raciocínio, análises e comparações), a escolha
do vestuário, a voz (volume de voz, tonicidade, ritmo, leitura), equilíbrio,
emotividade e postura (social e cultural), pensando em apresentações
acadêmicas, no trato com o cliente, em casos de lide legal.
Primeiramente, falemos sobre a palavra: toda apresentação oral se dá
pela palavra ORAL, i.e., falar na frente dos outros, o que pode ser assustador e
intimidador – não duvido -, mas que pode ser superado com estratégias,
esforço, estudo e treino. Comecemos, então, com um tema: pela palavra,
introduzirá o assunto, apresentando os conceitos referentes, a ideias centrais a
ser discutidas; daí, qual linguagem usar?
Em quaisquer ocasiões, primeiramente, tenha o conhecimento, por
dedução, pela palavra do seu ouvinte, interlocutor o nível de linguagem. No
caso de apresentações acadêmicas, espera-se que a linguagem seja formal e
com objetividade; e é o caso de um júri popular, uma audiência, cuidado com
os pronomes de tratamento5, com a postura, a vestimenta e, claro, com a
linguagem que é formal e jurídica, ad aeternum.
Seguem, pois, algumas dicas para a condução da apresentação oral:

a) Organize-se: estude, com perseverança, organização, paciência e


afinco, o que irá apresentar;
b) Procure estar ciente dos conceitos envolvidos, pesquisando e
esclarecendo pontos de dúvida;
c) Repense as situações possíveis, os contra-argumentos, os prós e
contras possíveis;
d) Prepare uma argumentação que esteja organizada sob a tríade
organizacional de um texto argumentativo: uma introdução lógica do tema; o
desenvolvimento argumentativo, comprobatório e analítico; uma conclusão
ou análise crítica das ideias, sentidos e conhecimento apresentado,
revelando seu posicionamento, sua consideração final, seu parecer sobre o
problema discutido, enfim, os resultados possíveis e prováveis;
e) Sempre seja FORMAL, com toda clareza e objetividade possíveis;

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f) Acalme-se: esta é a mais complexa dica, pois exige demasiado do
acadêmico. Para se eliminar o medo, o nervosismo, é preciso que se
prepare bem, que treine em casa, que use de suas práticas do dia a dia pra
se expressar melhor, assim como use da linguagem como instrumento de
interação e adequação à vida social. A sua linguagem e a sua forma de se
expressar devem se tornar o seu cartão de visitas para as pessoas.
g) Deu branco: respire fundo, retome o tema, (utilize de expressões
que sejam remissivas, que retomem ideias anteriores: “como falávamos; em
suma; como afirmei anteriormente; recapitulando etc.”) e dê novo fluxo à
ideia da apresentação.
h) Mantenha-se sempre em postura visível aos seus ouvintes, de
modo que eles percebam a linguagem corporal, gestual, vestuário, porque
são peças importantes em quaisquer apresentações orais. Falamos com o
corpo, com os gestos e nosso nível de linguagem de posição e de valor dado
à própria apresentação se medem, também, pela vestimenta da ocasião;
i) Equilíbrio: procure sempre discutir, apresentar, dissertar, mas em
coerência com todo o discurso contemporâneo de entendimento, inclusão
social, respeito às diferenças, de reconhecimento dos direitos humanos
como direitos ESSENCIAIS da humanidade. Sabemos que temas vários
possuem seus graus e níveis de discussão que podem chegar a
desentendimentos de proporções incalculáveis, mas, sabemos, que, com
Coordenação, Organização e Objetividade tudo pode ser feito e realizado
com resultados positivos. Evite, portanto, temas que se abram para
discussões impróprias (qual time é o melhor, qual partido político é o melhor,
qual religião está certa e por aí vai!)!
j) Dê vida à sua apresentação: toda prática de produção
argumentativa oral pede, exige e ordena de seu apresentador uma pré-
disposição para o LÚDICO na construção do saber a ser realizado. O que
isso significa? Que a prática de apresentação oral solicita uma participação
EMOTIVA do apresentador. e como se dá essa carga emotiva na fala do
apresentador? Primeiramente, com a escolha de argumentos que comovam,
de frases que provoquem, de citações com caráter lírico-reflexivo etc.; em
segundo, com a tonacidade, o volume da voz; em terceiro, da postura no ato
da leitura, da postura no ato da prática de ler em voz alta e comentar em voz

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alta o que se leu (com relação à prática de leitura, treine as pronúncias das
palavras de modo a dar-lhes coesão fonética);
k) Credibilidade: a credibilidade não é algo miraculoso, não se dá
por magia (hocus-pocus e, shazam, surge uma técnica comunicativa!). É o
caminho e a caminhada para se obter bons resultados de toda uma vida
profissional, psicológica e afetiva. Credibilidade demanda, por sua vez,
tempo, conduta, caráter. Transmitir credibilidade, isso é possível, numa
apresentação oral. Reinaldo Polito apresenta, em seu livro “Oratória para
advogados e estudantes de Direito”, seis quesitos que formam a
credibilidade: naturalidade; emoção e envolvimento; imagem bem
construída; conhecimento e autoridade sobre o assunto; confiança;
coerência e conduta pessoal exemplar. Todos os seis quesitos já dizem por
si só os conteúdos teórico-críticos de cada qual, mas, ainda assim, vamos
discuti-los: a naturalidade refere-se à capacidade de ser natural, mesmo que
isso soe tautologicamente. Nesse caso, é preciso entender que cada
contexto de fala é um contexto de uso de linguagem. O acadêmico deve
entender que a linguagem é adaptável (ora mais formal, ora mais informal).
No entanto, para ser natural, numa demonstração argumentativa, é
demonstrar DOMÍNIO e CONHECIMENTO do assunto de modo a
desenvolvê-lo com clareza. Já emoção e envolvimento nos remetem à
prática da postura, dos gestos, do volume de voz (que deve ser cambiável
dependendo do momento), da eloquência, da dicção das palavras, do saber
conduzir uma narrativa, do usar elementos simbólicos dentro do tema que
sejam atrativos ao ouvinte. Imagem bem construída e conduta pessoal
exemplar só se adquirem com toda uma vida de formação; portanto, vale
lembrar que a sua carreira pode ser sempre colocada em xeque por um ato,
um pensamento exposto, uma ideologia mal intencionada, além é claro da
responsabilidade na exposição da autoimagem em redes sociais.
Conhecimento e confiança, por outro lado, desenvolvem-se no „aqui e agora‟
da linguagem, pois dependem de todo um processo de construção e
VONTADE DE SABER do acadêmico, na sua necessidade de querer
aprender. A confiança vem com o DOMÍNIO das ideias, da ordenação do
que se dirá.

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Os objetivos das apresentações e comunicações orais são para defender
e posicionar-se. Um líder de empresa, um chefe tem que saber lidar com todos
os setores, usando das práticas de linguagem como meios para exercer sua
função de chefe e, ao mesmo tempo, chefe justo e coerente. Toda
comunicação tem objetivos, que em Polito são definidos sob quatro
posicionamentos (2009, p. 28):

O que você de fato deseja obter com sua apresentação? Quais as


verdadeiras causas que o motivaram a falar? Não é incomum alguns
oradores se apresentarem sem clara noção de seus objetivos. Se
você não souber onde deseja ir, dificilmente saberá, também, os
rumos que deverá tomar.(...) Alguns objetivos de uma apresentação:
- informar;
-persuadir e motivar;
-entreter;
-promover-se.
Esses objetivos podem aparecer separadamente, ao mesmo tempo,
ou, ainda, de forma alterada numa mesma apresentação.

Toda prática de apresentação oral constitui-se como uma defesa de


pensamento, i.e., promove a manifestação ordenada e organizada, por meio de
uma linguagem específica (formal científica, acadêmica) de ideologias.

Considerações Finais

É em face à mecanização das práticas orais de comunicação que o


exercício da Oratória, enquanto saber direcionado para a formação linguística
do homem em suas práticas de linguagem, este exercício vem estabelecer
suas diretrizes, vem coordenar e dar novas possibilidades de se construir uma
boa argumentação.
A Oratória, um dos galhos da árvore da ArsRethorica, refere-se ao
conhecimento que coordena as práticas de produção textual oral e práticas de
apresentação oral.
Falar em voz alta, expressar-se oralmente em meio aos outros, dizer em
público alguma coisa, reger uma reunião, presidir uma mesa-redonda,
organizar uma palestra, todas essas atividades práticas do uso oral da
linguagem podem trazer medo, a quem nunca tal conhecimento foi ofertado.

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O medo de expressar-se oralmente em público tem suas exatas raízes na
nossa má formação educacional: nossas escolas não têm ou possuem
condições para atender essas necessidades, essas preparações para a
formação profissional, da autoestima do educando, além de, claro, a escola
sempre preterir a escrita à fala, damos valor à redação, mas não a
apresentação oral. Isso é comum nas nossas escolas. No entanto, no mundo
real, o domínio das técnicas de argumentação, de conversação, de explicação,
de exposição são técnicas, práticas e exercícios que se tornam vitais para a
boa formação profissional do homem, para o aprimoramento das técnicas de
vivência – digamos – linguística na sociedade contemporânea.

Notas
1 –Texto extraído de
http://www.polito.com.br/portugues/artigo.php?id_nivel=12&id_nivel2=155&idTo
pico=1478. Acesso em Agosto de 2015
2 - No mesmo tempo emquevisualizamos a retóricaartística e filosófica de
Martin Luther King, de Miguel Reale, de F. Niezstche, grandesoradores,
mestresemsuasáreas, aoolharmos a história, no século XX, vemosque o
domíniolinguístico e das técnicas de oratóriaforamfundamentaispara o
discursonacionalista sob váriasperspectivas (Vargas, no Brasil; Churchill,
naInglaterra; Lenin, nanaantiga URSS; Hitler, naAlemanhanazista; Mussolini,
naItáliafacista).
3 - Para os Advogados, estudantes de Direito e curiosos que vejam no discurso
da lei uma práxis da verdade, recomendo a leitura de Edmundo Dantès
Nascimento, “Lógica aplicada à Advocacia: técnicas de persuasão”, em
específico aos capítulos IV, XII e XVIII, dentro dos quais tratará da Lógica, da
base do raciocínio lógico, das questões metodológicas e da inter-relação entre
a linguagem, o discurso da lei e a verdade.
4 - Para averiguar como se dá uma análise crítica em que a COMPREENSÃO,
a INTERPRETAÇÃO e CRÍTICA se desenrolam no processo de construção
argumentativa, confiram o artigo do professor doutor Cláudio Chequer, sobre o
Caso Romário: ele abrirá definindo conceitos e localizando o problema a ser
tratado (são os argumentos didascálicos); seguirá com a elaboração,
sequenciação, explanação, exemplificação e crítica (são os argumentos

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dialéticos e críticos); ao final, chegará a uma crítica (lúcida e corajosa) em face
ao tema central (é assim a argumentação eurística).
Cf.: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-liberdade-de-
informacao-e-o-homem-publico-romario-versus-revista-veja/15667
5 - Para maiores esclarecimentos, cf.:
http://www.pucrs.br/manualred/tratamento.php

ReferênciasBibliográficas
ARISTÓTELES.Poética. In: Ospensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1996. P.
28-116.
_______. Retórica.Lisboa: Imprensa-Casa da Moeda, 2005. TextoExtraído de:
http://www.obrasdearistoteles.net/files/volumes/0000000030.PDF.
AcessoemAgosto de 2015.
GINZBURG, C. Olhos de madeira: novereflexõessobre a distância. São Paulo:
Cia. dasLetras, 2001.
NASCIMENTO, E. D. Lógica aplicada à Advocacia: técnicas de persuasão.
São Paulo: Saraiva, 2013.
NIETZSCHE, F.W. Gaia Ciência. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.
POLITO, R. Assim é que se fala: Como organizer a fala e transmitirideias. São
Paulo: Saraiva 2009.
POLITO, R. Oratória para advogados e estudantes de direito. São Paulo:
Saraiva, 2014.

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