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Março 2, 2019
3. A terceira comparação põe lado a lado a árvore boa e a árvore má (Lucas 6,43-45). À
primeira vista, parece que Jesus coloca o acento nas obras, no que se faz, e não nas
palavras, no que se diz. A pequena parábola aponta, porém, ainda outra direção: é de
dentro, do interior, do coração, que provêm as obras, boas ou más. Pelo que o verdadeiro
problema consiste em mudar o interior, o coração, a nascente. Na verdade, na cultura
semítica e bíblica, o coração é comparado a um depósito, de onde se retiram os
pensamentos, as palavras e as ações. Por isso, conclui Jesus no v. 45, o homem bom, do seu
bom coração tira coisas boas; o mau, do seu mau coração tira coisas más; e a boca fala da
abundância do coração. É, portanto, necessário manter o coração puro e limpo de mato e de
silvas, para o encher de bondade, pois só um coração bom pode e sabe amar os inimigos,
perdoar os irmãos, indicar aos errantes o caminho certo. O teólogo alemão Dietrich
Bonhoeffer (1906-1945), pastor luterano, morto nos campos de concentração nazis, escrevia
na sua Ética que «a bondade não é uma qualidade da vida, mas a própria vida, e que ser
bom significa viver». Não admira, pois, que Jesus tenha definido os hipócritas como
«sepulcros caiados», cadáveres ambulantes, que se iludem pensando que estão vivos; na
verdade, como têm o coração impuro, estão mortos e deambulam às escuras. As pessoas
como as árvores: não se conhecem as pessoas pela sua folhagem, isto é, pelas aparências;
conhecem-se, antes, pelos seus frutos, isto é, pela sua generosidade e pelo seu amor. E
ainda: uma pessoa egoísta, egocêntrica, egolátrica e autorreferencial apega-se ao tesouro
ilusório e falso do seu orgulho, e mal abre o tesouro do seu coração, vem logo fora a
malvadez, os juízos cruéis, o ódio.
4. A lição do Livro de Ben-Sirá 27,5-8 que hoje nos atinge é bela, pedagógica e incisiva, e
procede por constatações paralelas. Assim, em cada versículo, o sábio coloca diante de nós
um dado retirado da experiência quotidiana, assentando logo sobre ele uma luminosa
aplicação ao homem. Aproximemos a objetiva: no v. 5, o dado da experiência quotidiana é a
peneira, que retém o lixo, do mesmo modo que o homem, no ato de falar, expõe os seus
defeitos; no v. 6, o dado da experiência é o forno, que põe à prova a qualidade das vasilhas
de barro nele introduzidas, do mesmo modo que, no ato de falar, também é posta à prova a
qualidade do homem; no v. 7, o dado da experiência é o fruto, que mostra a qualidade da
árvore, do mesmo modo que as palavras proferidas pelo homem mostram o bom ou mau
estado do seu coração. O fecho destes paralelismos surge no v. 8, em que somos advertidos
a não julgar ninguém antes de ele falar. Convenhamos que se trata de uma instrução cheia
de sabedoria, que ataca a permanente tentação que nos sobrevém de antecipar os juízos,
que não passam, portanto, de pré-juízos, tantas vezes errados, e, por isso, danosos para nós
e para os outros. Esta bela e incisiva instrução, direitinha ao coração, deixa-nos, em termos
de conteúdo e de linguagem, longe da folhagem, na estrada do Evangelho de hoje.
5. É-nos dada a graça de escutar hoje o final do Capítulo XV da Primeira Carta aos Coríntios
(15,54-58), em que o Apóstolo fala aos fiéis de Corinto de então, mas também de todas as
proveniências e tempos, do «mistério» da Ressurreição da carne, que Paulo anuncia «que
é», mas não «como é» (v. 51), sendo sempre, porém, consequência direta, e a mais alta, da
Ressurreição do Senhor. A discrição de Paulo faz o necessário contraponto com as infinitas
fantasias e especulações que, acerca da ressurreição da carne, circulavam no ambiente de
então. Basta dizer, na sua essência e sobriedade, que o nosso corpo será transformado,
transfigurado (allagêsómetha), o que se deve, não à nossa capacidade, mas unicamente à
ação do Espírito Santo (vv. 45 e 49), que vem para nós unicamente através da Humanidade
Glorificada de Jesus (João 7,39; 19,34; Atos 2,33). Por isso, recomenda o Apóstolo: «Graças
sejam dadas a Deus, que nos dá a vitória por Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 57).
6. O belo Salmo 92 continua a fazer vibrar em nós a música da semente, das árvores, das
aves e dos dias breves e belos, da eternidade. O orante realça a imagem vegetal, fresca e
verdejante, da palmeira e do cedro, verdadeiro brasão do justo. Quer a palmeira quer o
cedro evocam uma vitalidade contra a qual em vão atenta o deserto. Além disso, o cedro,
com a sua altura, simboliza a longevidade: pode durar um milénio. E a palmeira, phoínix no
texto grego, com o seu duplo significado de palmeira e fénix, a ave da imortalidade, servirá à
tradição cristã para celebrar a vitória da vida nova e eterna. No culto sinagogal, este Salmo é
cantado à entrada do Sábado, ao pôr-do-sol de sexta-feira. Lê-se na Mishna: «Ao sábado
canta-se o cântico do dia de sábado (Salmo 92), cântico para o tempo que há de vir, para o
dia que será inteiramente sábado e repouso para a vida eterna. Mas é o Senhor que está por
detrás de tudo isto. É por isso que é bom e belo louvá-lo!
As coisas do mundo
Ao léu,
António Couto