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COM JESUS NO CORAÇÃO OU O RETRATO DE ANA E SIMEÃO

Fevereiro 1, 2019

1. A Igreja Una e Santa celebra no dia 2 de Fevereiro, quarenta dias depois do Natal, a Festa
da Apresentação do Senhor, que as Igrejas do Oriente conhecem por Festa do Encontro
(Hypapantê) e dos Encontros: Encontro de Deus com o seu Povo agradecido, mas também
de Maria, de José e de Jesus com Simeão e Ana. Também connosco.

2. Quarenta dias depois do seu nascimento, sujeito à Lei (Gálatas 4,4), Jesus, como filho
varão primogénito, é apresentado a Deus, a quem, sempre segundo a Lei de Deus, pertence.
De facto, o Livro do Êxodo prescreve que todo o filho primogénito, macho, quer dos homens
quer dos animais, é pertença de Deus (Êxodo 13,11-13), bem como os primeiros frutos dos
campos (Deuteronómio 26,1-10).

3. É assim que, para cumprir a Lei de Deus, quarenta dias depois do seu nascimento, Jesus é
levado pela primeira vez ao Templo, onde, também pela primeira vez, se deixa ver como a
Luz do mundo e a nossa esperança.

4. O Evangelho a escutar, amar e admirar é Lucas 2,22-40. Compõe a cena um velhinho


chamado Simeão, nome que significa «Escutador», que vive atentamente à escuta, em Hi-Fi,
alta-fidelidade, alta frequência, alta definição, amor novo, e que o Evangelho apresenta
como um homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel. Ora, esse velhinho
que vivia à espera e à escuta, com extremosa atenção e coração vigilante, veio ao Templo
sob o impulso do Espírito (en tô pneúmati). Fica aqui declarada a qualidade da energia e da
alegria que move o velho e querido Simeão: não é movido a carvão, nem a água, nem a
vento, nem a petróleo e seus derivados, nem a eletricidade, nem sequer a energia nuclear.
Simeão é movido pelo Espírito Santo. Maneira novíssima de viver, pausa e bemol na nossa
impetuosidade, na nossa vontade de aparecer e de fazer, pausa e bemol nos nossos
protagonismos e vontade de poder. Falamos quase sempre antes do tempo, e não chegamos
a dar lugar à suave voz do Espírito. Na verdade, adverte-nos Jesus: «Não sois vós que falais,
mas o Espírito Santo» (Marcos 13,11; cf. Mateus 10,20; Lucas 12,12). Portanto, é urgente
esperar! Regressemos, pois, à beleza de Simeão. Ao ver aquele Menino, recebeu-o
carinhosamente nos braços. Por isso, os Padres gregos dão a Simeão o título belo de
Theodóchos [= «recebedor de Deus»]. É então que Simeão entoa o canto feliz do entardecer
da sua vida, um dos mais belos cantos que a Bíblia registra: «Agora, Senhor, podes deixar o
teu servo partir em paz, porque os meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante
de todos os povos, Luz que vem iluminar as nações e glória do teu povo, Israel!» (Lucas
2,29-32).

5. E, na circunstância, também uma velhinha chegou carregada de Graça e de Esperança.


Chamava-se Ana, que significa «Graça». É dita «Profetisa», isto é, que anda, também ela,
sintonizada em Hi-Fi, alta-fidelidade, com a Palavra de Deus escutada, vivida e anunciada.
Diz ainda o texto que era filha de Fanuel, nome que significa «Rosto de Deus», e que era da
tribo de Aser, que quer dizer «Felicidade». Tanta intimidade com Deus! Também esta
velhinha, serena e feliz, com 84 anos, número perfeito de números perfeitos (7 x 12), teve a
Graça de ver aquele Menino. E diz bem o texto do Evangelho que Ana «falava daquele
Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém» (Lucas 2,38). Outra vez a
beleza inteira do díptico do Evangelho de Lucas: Simeão e Ana. Simeão esperava e Ana
anunciava. Eis aqui presente, nestes dois maravilhosos velhinhos, a inteira Escritura dos dois
Testamentos, e o retrato a corpo inteiro do Consagrado, que, na Bíblia hebraica, se diz Nazîr,
um nome passivo e recetivo, totalmente dedicado a Deus, conduzido por Deus, «compondo»
com emoção os acontecimentos de Deus.
6. Esta é a Festa da Alegria e da Esperança acumulada e realizada. É a Festa da Luz. Simeão
e Ana viram a Luz e exultaram de Alegria. Hoje somos nós que nos chamamos Simeão e
Ana. Somos nós que recebemos esta Luz nos braços, e que ficamos a fazer parte da família
da Felicidade e a viver pertinho de Deus, Rosto a Rosto com Deus, Escutadores atentos do
bater do coração de Deus, movidos pelo Espírito de Deus, Recebedores de Deus,
Anunciadores de Deus. Rezamos hoje para que, nesta sociedade de coisas e de números (cf.
Isaías 5,8), os Consagrados vivam cada vez mais Rosto a Rosto com Deus, e deem
testemunho no mundo deste Dom maravilhoso.

7. Por isso e para isso é que Ele vem, conforme a lição de Malaquias 3,1-4 e Hebreus 2,14-
18. Vem de Deus, mas senta-se connosco. Em tudo semelhante aos seus irmãos. Lava-nos
os pés e a alma. Apaga os nossos pecados. Põe-nos em comunhão com Deus. Tanta
proximidade faz deste Dia a Festa do Encontro.

8. Não nos conformemos, pois, com as pedras e as pautas deste mundo (Romanos 12,2).
Experimentemos viver em Hi-Fi, alta frequência, alta-fidelidade, alta dedicação, amor novo.
Anda por aí uma música nova à nossa espera. É como um som que nunca se ouviu, como um
silêncio que nunca se calou! Que Maria, a Mãe da Alegria, nos leve pela mão e nos ensine a
subir e a descer a escadaria do coração.

9. Por isso, cantemos e aclamemos, com o Salmo 24, o Senhor do Universo e Rei da Glória,
que vem e entra no seu Templo e na nossa frágil humanidade, que Ele glorifica. No último
andamento deste Salmo (vv. 7-10), justamente a parte Hoje cantada, as portas do Templo e
as da nossa vida, personificadas, são convidadas a abrir-se e a levantar-se, para que possa
entrar em nossa Casa o Rei, Senhor dos Exércitos, um título que a Bíblia registra por 279
vezes. Gerhard Ebeling (1912-2001) comenta assim este Salmo arcaico: «São três os
pressupostos fundamentais do texto. O primeiro é que Deus criou o mundo, e é o seu
Senhor. O segundo é que devemos comparecer junto de Deus e ser interrogados sobre o que
fizemos. O terceiro é que Deus vem para o que é seu, e deseja ter livre acesso. Estas são
três formas elementares da experiência de Deus e da relação com Deus: nós vivemos por
obra de Deus, diante de Deus, e podemos viver com Deus». E o poeta francês Paul Claudel
(1868-1955), recolhendo o último tema, o da vida com Deus, exclamava: «Aqui, Deus! Aqui,
o nosso Deus, o Senhor dos Exércitos, que está empenhado, através dos séculos, em
transferir-nos para a sua eternidade».

Toda a vida consagrada

É uma vida com dedicatória

Obrigatória

Ao autor de cada madrugada

Perfumada,

Senhor de mim

E do meu sim.

Desde sempre pensado e amado,


É-me dado um segmento de tempo

Para responder ao Amor,

E a eternidade inteira

Para viver à tua beira,

À tua maneira.

Ó mar imenso do Amor,

A que eu chamo Senhor,

Obrigado por olhares por mim e para mim,

Tão humano e pequenino,

E por me dares por destino

O teu coração divino.

Que eu seja, então, sempre Amor em cada dia,

Ao teu dispor,

Senhor da minha alegria.

António Couto

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