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Nerize Portela Madureira Leôncio 1

Resenha: COLI, Jorge. O que é arte. Ed. Brasiliense: Sao Paulo, 1995.

A busca da defnição do que é Arte é um problema complexo, atualmente, e que


exige, além de uma refexão aprofundada do tema, certa fexibilização na denominação de
certas correntes, valores e conceitos. Conceitos estes que, com frequência, utilizamos
arbitrariamente na tentativa de resposta a esta pergunta. Jorge Coli procura, inicialmente,
através de seu texto O que é Arte, a resposta a esta questão, um tanto ambígua, mas que
se mostra presente em nosso cotidiano, através das várias manifestações de arte
contemporânea. “Mesmo sem possuirmos uma defnição clara do conceito, somos capazes de
identifcar algumas produções da cultura em que vivemos como sendo arte” (COLI, 1995, p.8).
Segundo ele nossa apreensão da arte e cultura se dá pelo conhecimento – a princípio
superfcial – do que chamamos artes clássicas, e seus “gênios”, como Michelangelo, e a
admiração que sentimos, apesar de todas as inovações contemporâneas, constituindo-se
esta vertente, ainda, nosso principal referencial do que seja a obra de arte.
Há uma infnidade de atividades humanas englobadas, hoje, no campo artístico,
provando assim seus limites imprecisos, atividades estas, que muitas vezes fazem parte de
nossas vidas, passando despercebidos por nós, como histórias em quadrinhos, cartazes
publicitários (que envolvem a idéia de criação) ou um objeto artesanal de certa região. O
instrumento utilizado na defnição do que se enquadra como arte é o discurso feito por
autoridades, peritos, críticos e historiadores: “São eles que conferem o estatuto de arte a
um objeto” (COLI, 1995, p.11). Vale lembrar que estes instrumentos são construídos
culturalmente, dentro de uma sociedade, e não utilizam um conceito ou teoria específca
para o seu embasamento. Sua principal função não é defnir o que se intitula arte ou não
e sim, criar uma hierarquia dos objetos constituídos como arte. Além disso, o juízo de um
crítico, por exemplo, está ligado a idéia de análise a partir de critérios próprios, sendo,
portanto, uma opinião relativa, e não absoluta.

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Graduanda em Artes Visuais, pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Fica fácil perceber, a partir destas considerações iniciais, que os critérios utilizados
na avaliação de uma obra de arte são construídos historicamente, a partir de concepções
diversas. Um exemplo disto está no signifcado de obra-prima que no passado “era julgada
a partir de critérios precisos de fabricação, por artesãos que dominavam perfeitamente as
técnicas necessárias.” (COLI, 1995, p.15), e atualmente está mais ligada a idéia de
construção do objeto do que apenas o saber fazer, e às vezes relacionada a uma ruptura
de paradigmas. Além disto, os critérios, muitas vezes relacionados a fatores externos,
como a afnidade do crítico com certa cultura, de conhecimento profundo ou não de
determinada obra, são mais arbitrários do que as avaliações técnicas, o que acaba
trazendo um impasse na própria determinação dos críticos. O fato é que, mesmo em
casos onde há certa unanimidade na consagração de obras, existe uma tendência em
medir o valor das mesmas a partir de concepções, sociais culturais validadas num
determinado contexto histórico. “Nossa época parece interessar-se tão pouco pela ternura
do sublime mestre de Parma ou pelo rigor de Guido, que quantos somos capazes de lembrar
sequer um de seus quadros?” (COLI, 1995, p.20). O universo das artes torna-se, assim, um
campo sujeito a ambigüidades, visto que as autoridades do discurso artístico utilizam
critérios inseguros e futuantes.
Entretanto, o rigor utilizado na escolha dos critérios, e na atribuição de valor aos
objetos, justifca-se através da defnição de categorias estilísticas, ligadas às inter-relações
constantes e formais dentro da obra de arte: a escolha de certos tipos de montagem de
cenas em um flme, os efeitos musicais, etc. O estilo do artista muitas vezes pode
permanecer imutável durante toda sua obra, porém, na maioria dos casos tende a
modifcar-se ou mesmo adaptar-se com o tempo a novas tendências, determinando as
fases do artista, a partir de concepções ou percepções modifcadas. Assim sendo, mesmo
com a possibilidade de identifcar na maioria das vezes o estilo do artista, este critério
não é sufciente para a classifcação das obras, pois está longe de possuir um caráter puro.
Assim como as hierarquias de valor, as defnições estilísticas “não são lógicas, são históricas,
viveram no tempo e tiveram caminhos e funções diferentes.” (COLI, 1995, p.30). Isto leva a
concluir que, o emprego destes instrumentos, deve ser feito de forma cautelosa, visto que
suas avaliações são por vezes inexatas, e a formação de agrupamentos por estilo é feita
parcialmente e não forçosamente. Devido a complexidade dos objetos, suas signifcações
muitas vezes nos escapam, enquanto categorias formais.
COLI utiliza como exemplo o historiador de arte, Wolffin, cujas defnições de
categorias estilísticas se fez em favor, basicamente, de parâmetros formais dentro da obra.
Ele o fez com intuito de defnir claramente os aspectos distintos - quanto à linha, forma,
luz, aspectos pictóricos - dentro das manifestações artísticas de dois períodos,
Renascimento e Barroco, com o propósito de diferenciá-los. Apesar de suas categorias
de distinção terem se tornado referências para muitos estudiosos, devido sua riqueza de
detalhes, a sua tentativa de rigor no exame, o instrumento de análise não dá conta da
multiplicidade e complexidade da produção, algumas vezes devido a modifcações dos
artistas dentro da sua própria produção, ou mesmo outros aspectos relevantes e
determinantes, que não são defnidos por aspectos formais e sim como expressão de
sentimentos, valores de uma determinada época. Focillon, seguindo os passos de Wolffin,
analisa a evolução da obra de arte, através da forma: “a especifcidade das artes encontra-se
nas formas, são elas que permitem um sistema classifcatório estático ou evolutivo.” (COLI,
1995, p. 59). Poucos historiadores deram importância a uma análise mais profunda das
obras de arte, Panofsky, para quem a análise dos aspectos formais da obra de arte
constituía-se apenas de uma etapa da análise, através de seus estudos de iconologia,
preocupa-se com as signifcações da obra, e seu contexto histórico.
As nossas defnições de arte, porém, estão muito aquém de uma verdade
universal, estando ligada antes, à nossa forma de percepção construída dentro de um
sistema cultural. O que aceitamos muitas vezes como objeto de arte pode não ser para
um indivíduo que vive na África. Esta atribuição de valor artístico tem um signifcado para
nós, enquanto objeto de apreciação, em outras culturas estes mesmos objetos podem ter
um signifcado ritual, mágico, ou mesmo uma fnalidade cotidiana. “Criamos a perenidade, a
eternidade, o em si da arte, que são apenas instrumentos com os quais dispomos, para nós
mesmos, uma confguração de objetos.” (COLI, 1995, p.66). A percepção artística
contemporânea ampliou os seus terrenos da visão artística, a partir da introdução de
novos elementos. A arte conceitual, de Marcel Duchamp e seus ready-mades, é um
exemplo desta ampliação ou mesmo, ruptura, baseados numa atitude provocativa,
destinada a gerar reações no público, e mesmo desafar os limites impostos pela arte
clássica, reconhecendo em objetos cotidianos o seu valor artístico a partir da aceitação
deste com tal. Esta postura “denuncia o aspecto convencional da atribuição do estatuto de
arte pelos instrumentos da cultura.” (COLI, 1995, p. 68).
Uma questão relevante abordada por COLI, diz respeito, a existência frágil da
arte, e sua crise, devido atribuições de nossa cultura ora como objeto funcional
econômico, ora com função e prestígio unicamente artísticos. Por isso ela necessita
muitas vezes, de instrumentos de proteção através de governos ou iniciativa privada.
Neste ponto não há clareza nas observações, pois o autor distingue duas formas distintas
de arte: a supérfua e a de funções sociais e econômicas, como duas formas de arte
distintas e não comunicáveis. Ora, as supérfuas que, segundo ele, são aquelas que
necessitam de estímulos (p. 94) para sobreviver, não estão também, ligadas a interesses
econômicos, cujas avaliações distinguem-nas, como aceitáveis ou não, como boas ou ruins,
devido aos períodos históricos diferentes, nas quais suas funções foram atribuídas? E
como se, as que possuem um valor ou função econômica não fossem considerados
inferiores ou mesmo supérfuas em determinados momentos. Como ele mesmo defende
em seu texto, estas atribuições de valor a uma obra devem ser no mínimo feitas com
cuidado.
A partir daí ele elabora uma evolução histórica, das diversas funções sociais
dentro do campo artístico, como a função do marchand, as vanguardas artísticas e
introdução de novas percepções, pra desembocar numa conclusão no mínimo precária:
“A institucionalização das vanguardas não pode ser vista apenas como um processo assumido
de renovação cultural. (...) Queiram ou não, as vanguardas são cúmplices dos marchands.”
(COLI, 1995, p.99). É claro que como, ele cita no texto, o marchand, usa sua infuência
com propósitos lucrativos, e como negociante vale-se, muitas vezes de falcatruas e
malandragens. No entanto, a questão das vanguardas artísticas e de sua afrmação no
mercado, está ligada um complexo processo, que envolve várias esferas sociais e de
interesses, que na maioria das vezes está muito mais ligado a construção de novas
demandas estéticas ou afrmação de uma identidade nacional, como no caso da Semana
de arte moderna em São Paulo, na década de 20, do que servir aos interesses do
marchand. São movimentos, no mais das vezes, constituído por grupos de intelectuais, e
artistas, que ligados a manifestações modernas da cultura, pretendem se desvincular dos
cânones, provocando uma ruptura com valores preestabelecidos, e não simplesmente
servir de cúmplices. Portanto as mudanças de fases do artista, mais do que vinculadas a
interesses econômicos, estão ligadas a interesses sociais seja através da provocação
refexiva, do conhecimento e enriquecimento do nosso contato com o mundo. Como cita
o próprio autor, sua importância fundamental, está em: “despertar em nós, em nossas,
emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos
servimos para apreender o mundo que nos rodeia.” (COLI, 1995, p.110).
O fato de que, a maioria das vezes a reação de indivíduos perante a arte
conceitual e contemporânea se mostra extremamente reativa ou preconceituosa, está
geralmente vinculada ao processo de aprendizado no decorrer da vida, sempre vinculado
a imagens de artistas e gênios clássicos. Em primeiro lugar é necessário, a inserção do
âmbito artístico, no lugar que lhe é de devido, o cultivo em nossa sociedade da
importância e valor da arte, como atividade profundamente transformadora e
enriquecedora tanto espiritualmente quanto socialmente. Para então, em seu devido lugar,
buscar uma nova concepção na educação artística voltada para utilização de ferramentas
mais modernas, valorizando mais as idéias artísticas, do que propriamente a beleza
estética das mesmas.

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