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ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
NATAL-RN
2016
Valdier Ribeiro Santos Junior
NATAL-RN
2016
A FORMAÇÃO DO MÚSICO POPULAR: perspectivas a partir da trajetória cultural-
musical dos instrumentistas Eduardo Taufic e Jubileu Filho.
BANCA EXAMINADORA
NATAL/RN
2016
Dedico este trabalho (In memorian) ao meu grande mestre e amigo Manoca
Barreto, que tanto contribuiu com a formação dos músicos da cidade do
Natal-RN. Certamente, dedicar o trabalho a Manoca Barreto é transpor as
homenagens aos músicos potiguares que, direta ou indiretamente,
carregam consigo a semente musical plantada pelo professor.
AGRADECIMENTOS
Os diversos espaços em que os músicos transitam em busca da sua formação são assuntos em
debate na atualidade. Diante disso, a Educação Musical, pensada como a área que contempla
o estudo e os processos de formação em música, certamente está atenta em perceber os
distintos ambientes em que acontece a aprendizagem musical. Com foco nessa busca, o
presente trabalho tem o objetivo de aprofundar a compreensão acerca das distintas dimensões
formativas dos músicos populares. Nesse sentido, proponho compreender a formação musical
dos instrumentistas Eduardo Taufic e Jubileu Filho, sujeitos da pesquisa. O trabalho traz uma
revisão de literatura com o fito de evidenciar o estado do conhecimento sobre o tema. A
fundamentação teórica proporciona uma mediação no debate, apontando as inferências dos
autores em constantes interlocuções com o campo. O estudo de caso com a abordagem
qualitativa é o procedimento metodológico proposto. Na fase de coleta de dados, foram
usados o questionário eletrônico, a observação direta, o caderno de campo e a entrevista
semiestruturada. A organização e, posteriormente, a análise dos dados foram materializadas
sob a ótica da análise textual discursiva. A construção textual das análises foi objetivada a
partir de três pontos centrais: formação musical inicial, formação musical em distintos
espaços e formação musical em contextos de profissionalização. Diante disso, a categorização
oportunizou a compreensão sobre os diversos espaços formativos em que músicos populares
transitam desde os seus primeiros contatos espontâneos com a música até a fase da atuação
profissional. Os resultados obtidos revelam que os músicos populares estão imersos em
diferentes espaços formativos, assumindo características sazonais. Esses espaços estão
acessíveis desde os primeiros contatos com o material sonoro até a fase formativa.
The diverse environments that musicians transit when in search for their formation are
subjects debated nowadays. Considering that the Music Education thought as an area that
contemplates the study and the process of music graduation certainly perceives the different
environments in which the musical learning occurs. Focusing on it, this paper aims to deepen
the understanding about the formative environment of popular musicians. In that sense, I
submit to understand the musical formation of the instrumentalists Eduardo Taufic and
Jubileu Filho, both subjects of this study. This paper brings a literature revising that aims to
highlight the knowledge about the subject. The theoretical foundation provides a mediation on
the debate, pointing the authors’ inferences in constant interlocutions with the field. The case
study with qualitative approach is the methodological procedure used. During the data
collection, electronic questionnaires, direct observation, a notebook and an open-ended
interview were used. The organization, and eventually, the analysis of the data were
materialized under the discursive textual analysis. The textual analysis construction was
thought from three central points: initial musical formation, musical formation in different
environments and musical formation in professionalization contexts. In light of this, the
classification allowed the understanding about the different formative environments in which
popular musicians transit through from their first spontaneous contact with music to their
professional performance. The results reveal the complexity of the formation of popular
musicians. That formation is utterly connected to the practice in different environments. In
this case, the social environment revealed itself as a strong motivating agent, especially for
the spontaneous treatment that music assumed in those spaces. In addition, family, friends,
teacher, technological resources, work environment, musical tests were certainly the great
responsible for the musical formation of the popular musicians studied in this paper.
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................13
2 MÚSICA POPULAR E OS PROCESSOS FORMATIVOS......................................20
2.1 Um debate sobre a música popular..............................................................................20
2.1.1 Discutindo os conceitos...................................................................................................20
2.1.2 Gêneros e momentos musicais: um debate histórico.......................................................25
2.2 Formação musical: contexto formal, não formal e informal.....................................33
2.3 O aprendiz inserido nas práticas de aprendizagem informal....................................36
2.4 Contribuições tecnológicas à música popular: contexto histórico.............................38
2.5 O tirar de ouvido: escuta focal......................................................................................42
2.6 Sobre a música popular instrumental brasileira.........................................................43
2.7 A interação coletiva do músico instrumentista popular.............................................45
2.8 A motivação na formação autônoma............................................................................46
2.9 Sobre a autoaprendizagem............................................................................................47
3 DIMENSÕES METODOLÓGICAS DA PESQUISA................................................50
3.1 Trajetória de vida: minha aproximação com o tema..................................................50
3.2 Participantes da pesquisa..............................................................................................53
3.2.1 Eduardo Taufic.................................................................................................................53
3.2.2 Jubileu Filho....................................................................................................................55
3.3 Questões éticas da pesquisa...........................................................................................56
3.4 O estudo de caso e a abordagem qualitativa................................................................58
3.5 Instrumentos de coleta de dados...................................................................................59
3.5.1 Questionário eletrônico....................................................................................................59
3.5.2 Observação direta.............................................................................................................60
3.5.3 Pesquisa bibliográfica......................................................................................................60
3.5.4 Entrevistas semiestruturadas............................................................................................61
3.6 Organização e análise dos dados..................................................................................61
4 COMPREENDENDO O CAMPO: UM OLHAR NAS PRÁTICAS.....................................67
4.1 Ensaio do show “Entre amigos”................................................................................................67
4.2 Apresentação do show “Entre amigos”....................................................................................74
4.3 Ensaio do show “Nara Costa e o show Gonzaguinha 70 anos”..............................................76
4.4 Ensaio da banda Perfume de Gardênia....................................................................................79
4.5 Atuação profissional no Studio Promídia.................................................................................83
5 ESPAÇOS FORMATIVOS DOS MÚSICOS POPULARES.....................................89
5.1 Formação musical inicial...............................................................................................89
5.1.1 O brincar com os sons......................................................................................................90
5.1.2 Motivação familiar...........................................................................................................91
5.1.3 A consciência formativa...................................................................................................94
5.1.4 O escutar e tocar numa concepção informal....................................................................95
5.2 Formação musical em distintos espaços.......................................................................97
5.2.1 Formação musical a partir do contexto social dos amigos...............................................97
5.2.2 O papel dos professores na formação musical.................................................................99
5.3 Formação musical em contextos de profissionalização............................................103
5.3.1 Espaços de atuação profissional.....................................................................................104
5.3.2 O papel da partitura na atuação dos músicos.................................................................110
5.3.3 Autoprodução em contextos mercadológicos................................................................111
6 CONCLUSÃO..............................................................................................................115
REFERÊNCIAS...........................................................................................................118
ANEXOS.......................................................................................................................123
ANEXO A: Imagens do músico José Eduardo Hasbum................................................124
ANEXO B: Imagem do músico José Eduardo Hasbum e os professores......................125
ANEXO C: Imagem da Banda Maestro Santa Rosa......................................................126
ANEXO D: Atuação profissional do músico Jubileu Filho – banda Terríveis..............127
APÊNDICES.................................................................................................................128
APÊNDICE A: Termo do uso de imagem.....................................................................129
APÊNDICE B: TCLE assinado por Eduardo Taufic.....................................................137
APÊNDICE C: TCLE assinado por Jubileu Filho.........................................................139
APÊNDICE D: Roteiro da entrevista semiestruturada..................................................141
13
1 INTRODUÇÃO
Os músicos pesquisados neste trabalho são José Eduardo Hasbum, que tratarei aqui
pelo o nome artístico de Eduardo Taufic, e o músico Jubileu Filho. O foco é compreender o
relacionamento de ambos os instrumentistas com os contextos formativos. Para isso,
direcionei as minhas buscas em três momentos distintos: a formação musical inicial, a
formação musical em distintos espaços e a formação musical em contextos de
profissionalização.
Os músicos pesquisados têm em suas atuações profissionais um grande leque de
ambientes musicais. A partir dos dados coletados, posso oferecer uma visão bem mais
aprofundada sobre as relações desses músicos com seus espaços de formação musical.
Entendo que os espaços de atuação são o ponto crucial de identificação para a compreensão
de como acontece a formação dos profissionais inseridos nas práticas de aprendizagem por
meio da música popular.
Escolhi o estudo de caso com a abordagem qualitativa para a condução metodológica
da pesquisa. A partir disso, a coleta de dados deu-se por meio dos seguintes recursos:
questionário eletrônico, pesquisa bibliográfica, observação direta, entrevista semiestruturada e
anotações no caderno de campo. Além disso, a captura das imagens foi importante para
delinear os espaços físicos.
A organização e análise dos dados foram realizadas de acordo com a Análise Textual
Discursiva (GALIAZZI; MORAES, 2011), pois me permitiu criar unidades de análise,
categorias iniciais e finais, oportunizando-me conclusões mais coerentes acerca da formação
dos músicos populares.
Diante de minhas buscas por referenciais teóricos, compreendi que o debate acerca da
música popular apresenta até uma boa literatura. Contudo, quando o assunto é a formação
musical dos músicos populares, há poucos trabalhos publicados. Os trabalhos encontrados
estão em discursos correlatos, como os títulos que atribuem ao músico o “dom divino”, a
alcunha de o “bom de ouvido” ou acerca dos processos de autoaprendizagem. Não consegui,
em boa quantidade, trabalhos os quais fossem mais específicos em seus títulos em relação à
formação dos músicos populares.
Em minha revisão de literatura, explorei diversos periódicos nacionais entre revistas e
anais, dos quais destaco os Anais da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM),
Anais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Música (ANPPOM), Revista
da ABEM. Além disso, busquei diversas dissertações e teses no Banco de Teses e
Dissertações da CAPES e na Biblioteca Nacional. Também transitei pelos espaços da
Biblioteca Central Zila Mamede e na Biblioteca Pe. Jaime Diniz, localizada na Escola de
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Música, ambas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Diante de minhas
pesquisas pela Internet, adquiri os textos a partir da busca, incluindo os seguintes termos
“formação musical”, “música popular”, “formação de instrumentistas” e “autonomia na
formação”.
Como já abordado neste trabalho, os achados revelaram que há, de fato, uma certa
escassez quando o tema é “a formação dos músicos populares”. Contudo, encontrei diversos
trabalhos os quais se aproximam dos contextos formativos dos músicos populares. Como, por
exemplo, os trabalhos que refletem sobre as mídias, tecnologias, autoaprendizagem,
autodidatismo, músico “bom de ouvido”, aprendizagem na família, aprendizagem dos
músicos de rua, “aprender entre os amigos”, entre diversos outros. Muitos desses trabalhos
estão contidos na minha fundamentação teórica, outros apenas colaboraram, no sentido de
indicações bibliográficas. Não seria possível proclamar aqui todos os trabalhos, mas, nas
linhas seguintes, aponto algumas pesquisas as quais entendo como fundamentais à temática da
formação dos músicos populares.
A dissertação de Simone Lacorte (2006), intitulada Aprendizagem do músico popular:
um processo de percepção através dos sentidos?, buscou compreender a aprendizagem dos
músicos populares a partir da pesquisa com dez músicos que atuam profissionalmente em
Brasília-DF. Os músicos atuavam em casas noturnas, bares, shoppings, o chamado músico
free lancer. A autora concluiu que a aprendizagem dos músicos populares, cujas habilidades
se baseiam nas práticas em diferentes contextos, os quais transitam tanto por espaços
escolares como não escolares, é bastante complexa.
Um trabalho, base para outras leituras, certamente é Violão sem professor: um estudo
sobre processos de auto-aprendizagem com adolescentes, de Marcos Kroning Corrêa (2000).
O autor objetivou investigar a aprendizagem extraescolar de alunos de violão por meio de
cinco estudos de caso realizados com adolescentes. Discutiu a motivação que leva os jovens a
procurarem estudar o instrumento sem o auxílio do professor. Debateu bastante sobre os
processos de autoaprendizagem, concluindo que, nessa relação,
século XXI não há como abordar música fora das reflexões acerca do modelo de produção
capitalista. Destacou também a pouca produção acadêmica que trata sobre o músico produtor.
Outro trabalho que destaco é a Formação e prática musical de DJs: um estudo
multicaso em Porto Alegre. A autora Juciane Araldi Beltrame (2004) buscou compreender a
formação e a prática musical dos DJs atuantes na cidade de Porto Alegre-RS. Apoiou-se no
referencial teórico por três aspectos: aprendizagem e formação, educação musical – com
abordagem sociocultural – e música e tecnologia. O trabalho concluiu que a prática musical
dos DJs consiste em grandes períodos em que trabalham sozinhos, mas que, diante dos
avanços tecnológicos, aconteceram momentos de socialização de aprendizagem musical.
Com o foco em refletir acerca dos avanços tecnológicos, Agnes Schmeling (2005)
produziu o seguinte trabalho: Cantar com as mídias eletrônicas: um estudo de caso com
jovens. Investigou sobre o canto intermediado pelas mídias eletrônicas, pesquisando o
processo de aprendizagem de cinco jovens. Evidenciou que as mídias eletrônicas têm
diferentes funções na atividade músico-vocal dos jovens e que, nesse ambiente midiático,
incluem, de certo modo, a autoaprendizagem, a identificação e autonomia nas escolhas
musicais. Concluiu que o ouvir música, diante das mídias, é uma tarefa comum entre os
jovens, principalmente nos momentos de lazer. Além disso, a música está presente no
momento em que executam outras tarefas, como por exemplo no trajeto da escola, em
viagens, na própria escola, e em diversos outros contextos.
Já com o foco mais na música instrumental popular, o trabalho de Giovanni Cirino
(2005) – Narrativas musicais: performance e experiência na música popular instrumental
brasileira – visou perceber o trânsito do conteúdo da música popular instrumental brasileira
(MPIB), reconhecendo questões referentes à semântica. O autor infere que os músicos
populares têm a característica de pegar um material musical e transformá-lo em outro,
ressignificando. Debate sobre a significação da música erudita e da música popular,
apontando características, onde discute acerca dos momentos de aproximação entre os dois
contextos, quando a improvisação entra em cena como elemento mediador. O autor concluiu
que a MPIB abrange diversos ritmos e estilos, sendo consolidada no meio urbano, onde são
naturais as disputas e conflitos. Defende que, nessa relação, há uma linguagem não-verbal,
construindo significados e experiências.
O trabalho de Paula Agrello Nunes Oliveira (2011), Cover: performance e identidade
na música popular brasileira, pretendeu investigar a formação dos músicos Covers. A autora
lançou o olhar científico sobre duas bandas brasileiras que fazem cover da banda inglesa de
rock Beatles, objetivando observar se essa prática contribui para a construção da identidade
18
Filho; reflito sobre as questões éticas da pesquisa e, por fim, apresento as etapas de
organização e análise dos dados.
No quarto capítulo, apresento as observações oportunizadas no campo, compreendidas
como os primeiros passos metodológicos da pesquisa. A partir das descrições do campo, pude
perceber diversos aspectos importantes os quais estavam presentes no diálogo profissional dos
músicos pesquisados. As observações foram realizadas nos seguintes momentos musicais:
ensaios, show e estúdio de gravação.
O quinto capítulo traz os resultados e as análises dos dados à luz da análise textual
discursiva. Com o objetivo de construção textual, transitando entre as descrições e
interpretações, oportunizo compreensões acerca da formação musical dos músicos Eduardo
Taufic e Jubileu Filho. Diante disso, o debate é construído em três momentos distintos:
formação musical inicial, formação musical em distintos espaços e formação musical em
contextos de profissionalização. A partir desse diálogo, é possível compreender diferentes
contextos formativos onde os músicos populares transitam, como na família, entre os amigos,
com os professores e a partir da própria prática profissional e das exigências mercadológicas.
20
1
The configuration of this space varies historically and in accordance with ideological
assumptions, and hence the character of "the people" is variably delineated too—as a social
body, a political actor, a cultural voice—with implications for interpretation of its musical
manifestations.
22
editoras, casa de espetáculo, etc). Defende que, apenas a luz dessa identificação, relacionando
esses aspectos, é que podemos projetar uma reflexão mais madura sobre os conceitos.
Proponho aqui, diante do que já foi abordado no presente trabalho, levantar a
discussão sobre a música popular em estreitamento com os objetivos mercadológicos. A partir
dos avanços tecnológicos e a popularização dos veículos midiáticos, os objetivos da indústria
cultural se mostraram bem definidos a todas as camadas sociais da população. Esse cenário
musical, atrelado as propostas dos grandes empresários, trouxe representações da música
como um objeto de consumo. A música que pode ser degustada e descartada sem que haja um
envolvimento reflexivo pelo seu receptor. Segundo Theodor Adorno (1994) em seu texto
“sobre música popular”, essa relação de subordinação da música com os objetivos
mercadológicos, retira do cenário a possibilidade de uma criação musical inovadora, na
medida que o comercio musical traz fórmulas prontas, não oportunizando uma possibilidade
de escolha, uma vez que os “gostos” estão nas intenções dos grandes empresários. Nessa
relação, os veículos midiáticos, como o rádio e a televisão criam um cenário de repetição das
músicas que, geralmente, tem características bem acessíveis a grande massa populacional,
conduzindo a estética musical de milhões de pessoas.
Segundo José Ramos Tinhorão (1998), em seus relatos históricos, esse conceito sobre
a música popular, arquitetado em meio a expansão tecnológica, foi espaço significativo para
os grandes mercados que, no intuito de gerar capital, ditou as regras sobre os rumos da música
popular. O autor esclarece que,
Compreender que a música popular é algo inerente a categoria “povo” mas que essa
categoria tem uma dependência das influências mercadológicas, certamente é um ponto de
reflexão. Uma questão me intriga: o povo é autônomo, de fato, para criar a sua cultura? Ou
apenas reproduz as intenções mercadológicas? Penso que Adorno, apesar do olhar crítico
sobre a música popular, tem suas verdades. Há conflitos conceituais em tentar deixar claro
essa questão. Percebo que há toda essa dependência, mas também temos diversas outras
relações as quais configuram a música que representa o popular.
Outra definição ainda bem presente nos dias atuais, é acerca da música popular em
oposição a música erudita. Arroyo (2001), debruçou-se numa pesquisa etnográfica sobre a
música popular em um conservatório de música, tratando sobre as representações da música
popular inserida em um espaço predominantemente e historicamente regido pela batuta da
música erudita europeia. Para a autora, no espaço do conservatório, há as representações de
que tudo que não é erudito, é popular.
Essa visão, cristalizou-se no senso comum e, durante séculos, gerou-se a rivalidade
entre a música popular e erudita, compreendendo o campo popular como algo vestido de
“facilidade” em contraposição à “complexidade” das músicas eruditas. Segundo Moscovici
(2015, p. 95), “O senso comum está continuamente sendo criado e re-criado em nossas
sociedades, especialmente onde o conhecimento científico e tecnológico está popularizado”.
Napolitano (2005) aborda a respeito da visão de superioridade que a música erudita
tem sobre a música popular, mantendo ambas em dois blocos bem distantes. Nessa relação,
socialmente construída, germinou-se “a crença de que a teoria musical ocidental não só dá
conta de explicar a música, como através dela podemos compreender qualquer música”.
(LUEDY, 2006, p. 104). Green (2012, p. 76), argumenta que “os significados inerentes da
música popular têm sido bem distorcidos por uma pedagogia que tem sido lenta em
reconhecer as demandas das práticas de aprendizagem informal da música popular”.
Diante do debate, ficou claro que os conceitos sobre a música popular estão em
disposição de distintos significados, mediante o seu envolvimento histórico-social. Silva
(2010, p. 28) explica essa complexidade com o uso do termo, inferindo que
Sendo assim, parece árdua a intenção de uma definição exata sobre a “música
popular”. Contudo, mais que buscar por definições, é preciso compreender os contextos onde
o termo esteve presente em seu tempo e espaço. Para os encaminhamentos desta pesquisa,
assumo o conceito de música popular de maneira ampla, a partir do olhar investigativo sobre
o “sujeito músico aprendiz” em seus diversos espaços de aprendizagem e, consequentemente,
durante todo o seu processo formativo. Como já mencionado antes, o músico popular é um ser
com traços de personalidades altamente mutáveis em detrimento das oportunidades
ocasionadas pelo conhecimento. Apoio-me em Pereira (2011, p. 119) quando diz que,
Nesse sentido, absorvo a “música popular” como aquela que está acessível nos
espaços sociais dos próprios músicos. Música que transpassa por todas as fases formativas,
desde os seus primeiros envolvimentos espontâneos e não intencionais com o material sonoro
até a fase em que assume a consciência e intencionalidade, quando os músicos, de maneira
geral, objetivam a profissionalização. É a “música popular” compreendida por meio das
relações com a própria comunidade e também aquela música da indústria cultural que dura
poucos meses, mas que traz a motivação dos músicos em se relacionar com o material sonoro.
É a música popular oportunizada pelo envolvimento com os gêneros e momentos musicais,
como o samba, a bossa nova, o baião, dentre outros que complementam o cardápio da nossa
MPB.
Em suma, assumo o conceito de música popular com características amplas e
variáveis, as quais viabilizam as possibilidades de aprendizagem. É aquela que, aos olhos do
aprendiz, tem uma característica de ser acessível, envolvente e motivadora. Sendo assim, não
25
seria errôneo defender que até a música, tradicionalmente, definida como “erudita” pode ser
enxergada como popular, por meio das metodologias de aprendizagem dos músicos populares.
Diante deste cenário heterogêneo, destaco aqui o ritmo da modinha e do lundu, formas
musicais que no final do século XVIII e início do século XIX apontaram para os primeiros
movimentos sobre a perspectiva de uma música popular.
O lundu, originalmente era uma dança considerada indecente, trazida pelos escravos.
Entrou no “gosto” das camadas médias da corte e “[...] geralmente tinha o andamento mais
rápido que a modinha e uma marca rítmica mais acentuada e sensual, sendo uma das
primeiras formas culturais afro-brasileiras reconhecidas como tal”. (Ibidem, p. 41).
O Samba, considerado o primeiro gênero de música popular brasileira, em princípio
esteve presente nas “classes baixas”, representando o som do campo inserido nas músicas das
cidades. Contudo, já no século XX – considerado por Tinhorão (1998) como a “era da música
popular” – o ritmo empolgou os empresários, transformando assim as músicas das classes
baixas em produtos de consumo nacionalmente popularizados por meio das ondas dos rádios,
incentivando a venda de discos. Tinhorão aponta características políticas em relação a este
movimento transitório
Em sua gênese, o samba mencionava as festas de dança dos negros escravos baianos.
Napolitano (2005, p. 49) aponta o contexto histórico, inferindo que
mudo, viram-se desempregados, vitimados pela nova tecnologia que chegava no Brasil.
Segundo Cabral (2011, p. 27),
Contudo, Severiano (2013), em seu livro Uma história da música popular brasileira,
identifica João Teixeira Guimarães2, pernambucano, como sendo o primeiro músico a
apresentar a cultura nordestina aos cariocas, bem antes do estouro do Baião. Segundo o autor,
João Teixeira foi um personagem de forte influência entre os apreciadores da cultura do
Nordeste, apresentando os cocos, emboladas e as toadas de sua terra.
Mas, certamente, foi na música de Luiz Gonzaga e seus parceiros que a cultura
nordestina ganhou projeção. Severiano (2013, p. 273) definiu o sanfoneiro como “um matuto
encabulado que só gravava música instrumental [...]. A citação a seguir delineia bem toda a
influência do “matuto encabulado”, quando diz que,
É Luiz Gonzaga quem de fato torna pública a música nordestina para todo o
país. Não só a música, enquanto suas características harmônico-melódicas e
rítmicas, como também, junto com ela, todo o estereótipo físico que passaria
a simbolizar a figura do artista nordestino – sua indumentária, o gibão de
couro, o chapéu de cangaceiro. Da mesma forma, os timbres e a formação do
grupo musical considerado tipicamente nordestino – triângulo, sanfona e
zabumba, os trios de forró. É através dessa formação, atrelada à (re)criação
2
Foi integrante por dois anos do grupo Oito Batutas.
29
Ruy Casto (1990), em seu livro Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa
Nova, desenha bem o cotidiano desses jovens cariocas. Justamente, a “música diferente”, foi a
Bossa Nova, em oposição ao Samba e suas características sociais e musicais. Esse novo estilo,
em princípio, manteve o ritmo do samba, mas com o material harmônico mais próximo dos
discursos jazzísticos (CASTRO, 1990). Mas, em 1958, os jovens resolveram “[...] romper
definitivamente com a herança do samba popular, para modificar o que lhe restava de
original, ou seja, o próprio ritmo” (TINHORÃO, 1998, p. 310). O autor aponta as
modificações:
[...] os impulsos dos ritmos dos negros, seria representado pela substituição
daquela intuição rítmica, de caráter improvisativo, por um esquema cerebral:
o da multiplicação das síncopes, acompanhada da descontinuidade do acento
rítmico da melodia e do acompanhamento. A essa espécie de birritmia,
originada pelo desencontro dos acentos, se daria o expressivo nome de
violão gago, e sobre esse esquema iria repousar, basicamente, o
acompanhamento dos sambas de bossa nova. (Ibidem, p. 310).
O baiano João Gilberto foi o criador do “violão gago”. Em meio a essa nova rítmica,
configurou-se, de fato, o movimento da bossa nova, elegendo o “samba de bossa nova” como
o símbolo da juventude da classe média. (CASTRO, 1990). Cabral (2011, p. 131) diz que,
João Gilberto foi decisivo para o aparecimento da bossa nova. Desde o seu
primeiro disco de 78 rotações (Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinícius
de Moraes, de um lado; Bim bom, do próprio João, do outro), lançado em
julho de 1958, qualquer pessoa de ouvido mais sensível à música percebia
que a MPB caminhava por novos rumos.
Menescal (1937) foram importantes para a configuração dessa nova MPB. Contudo, “[...]
quem atuava soberanamente no reino da ‘música diferente’ era o compositor, pianista e
violonista carioca Antônio Carlos Jobim (1927-1994)”. (CABRAL, 2011, p. 127). Na
verdade, três personagens foram essenciais à gênese e popularização da bossa nova, formando
uma tríade perfeita: Tom Jobim, João Gilberto e Vinícius de Moraes. Nessa configuração,
muitos músicos imitavam a batida do violão de João Gilberto, as melodias e harmonias de
Tom Jobim e a poesia de Vinícius de Moraes.
Em relação a influência do jazz à Bossa Nova, Oliveira (2011) identifica que o gênero
representava o cenário da música popular sofisticada que foi globalizada por meio do cinema
e das Big Bands. Segundo a autora, mediante toda a influência do Jazz,
Segundo Tinhorão (1998), a motivação de conhecer e executar o jazz foi algo bem
intenso:
Em relação a Música Popular Brasileira, conhecida pela sigla MPB, sua configuração
teve o marco a partir do surgimento das cidades, das múltiplas culturas e da popularização das
tecnologias (TINHORÃO, 1998). Segundo Napolitano (2005, p. 32) o surgimento da MPB
“[...] expressou um momento de aliança social e política entre diversas classes sociais em
torno de um ideal de nação, defendida, primordialmente, por setores nacionalistas da
esquerda”. Complementa, identificando que “[...] a sigla nasceu na época, justamente a partir
da obra de duas intérpretes, Nara Leão e Elis Regina, que sintetizaram duas leituras iniciais da
moderna MPB, que no final dos anos 60 transformou-se numa verdadeira instituição cultural
brasileira”. (Ibidem, p. 83).
Segundo o autor, na possibilidade de maior compreensão sobre a MPB, é preciso
entender três momentos históricos: seus primeiros passos, na tentativa de florescer uma
Música Popular Brasileira, a partir de nomes como Ataulfo Alves, Pixinguinha, Noel Rosa,
Lamartine Babo, Orlando Silva, Francisco Alves e Carmem Miranda onde o samba foi
considerado o gênero específico da MPB, além das marchas de carnaval. O segundo momento
foi em 1959 com o gênero da Bossa Nova, caracterizado pelo ambiente promissor com
imenso incremento social, consolidado em 1964 por meio dos circuitos dos shows
universitários. E o terceiro momento, compreendido a partir do tropicalismo, sob o regime
ditatorial, a MPB transforma-se movimento de resistência do militarismo.
33
É nessa perspectiva, onde a MPB assume-se como símbolo de resistência, é que o “[...]
tropicalismo propunha-se a representar, em face da linguagem ‘universal’ do rock, o mesmo
que a bossa nova representara em face da lingual ‘universal’ do jazz”. (TINHORÃO, 1998, p.
323). Por meio de letras voltadas as denúncias, os cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso,
entre outros, pregavam
músicos que têm acesso à instrução formal são os que estabeleceram vínculos educativos a
partir dos conservatórios de música. Além desses espaços, na atualidade, considerando a
obrigatoriedade da aula de música na Educação Básica frente à lei 11.769/2008, (BRASIL,
1998) também acontece a aprendizagem musical nas escolas regulares. Todavia, a ênfase
nesses ambientes – diferenciando-se da intencionalidade pedagógica dos conservatórios – não
é a formação profissional dos indivíduos, mas, sim, oportunizar diversas vivências musicais
capazes de contribuir com a formação integral dos seres.
Já a educação não formal, segundo o autor, é a “[...] atividade educativa estruturada
fora do sistema escolar convencional” (LIBÂNEO, 1994, p. 18). O autor identifica que nesses
espaços de aprendizagem, apesar de não ter o controle dos órgãos reguladores da educação
brasileira, há uma intencionalidade pedagógica, ou seja, um direcionamento com foco no
ensino/aprendizagem. A formação musical oportunizada nas ONGs, igrejas, associações e
centros comunitários são exemplos de aprendizagem não formal.
A educação informal, diferenciando-se das outras formas de educação anteriores,
corresponde “[...] a processos de aquisição de conhecimentos, experiências, ideias, valores,
práticas, que não estão ligados especificamente a uma instituição e nem são intencionais e
conscientes” (LIBÂNEO, 1994, p. 17). Aqui estão contidos, por exemplo, os profissionais da
música que adquirem os conhecimentos por meio do envolvimento espontâneo com o próprio
material sonoro em desenvolvimento com o meio social a que pertencem. As relações sociais
adquirem grande importância nessa forma de educação, pois é a partir dessas trocas que
acontece a aquisição dos conhecimentos musicais.
Apesar das definições, é preciso a clareza na concepção de que nos espaços informais
pode haver intenções pedagógicas, mas é necessária a compreensão de que essa intenção não
é compartilhada por todos os membros envolvidos nesse meio. Ou seja, o músico, por
exemplo, quando assiste a uma performance com a intenção de aquisição de conhecimentos
musicais, não está sendo enxergado do mesmo modo pelos agentes que integram o meio no
qual ele está inserido.
No artigo Performance musical: o olhar do aprendiz, apresentado no II Congresso
Nacional de Educação (RIBEIRO, 2016), abordo essa relação a partir de uma pesquisa
realizada no Parque das Dunas, Natal/RN, no evento intitulado Som da Mata. Nesse trabalho,
sublinho a relação que há entre as performances musicais e os seus diversos públicos. Os
resultados, dentre outros, apontaram para a relação de intencionalidade pedagógica por parte
da audiência dos músicos, enquanto que o performer não demonstrou a sua motivação nesse
direcionamento. Nessa relação, o executante da performance não objetiva um diálogo
36
pedagógico com a sua audiência, ele simplesmente quer apresentar a sua música sem pensar
que esta pode postular aprendizagem a outros músicos.
A formação do músico popular abaliza para uma problematização desses conceitos.
Cada vez mais as práticas de aprendizagem dos músicos contemporâneos revelam que esses
contextos de aprendizagem formais, não formais e informais estão se aglutinando. O músico
popular é o indivíduo que pode ao mesmo tempo estar sentado numa sala de aula formal, mas
acessando um site para aprender a tocar alguma música por meio das cifras. O músico popular
é o ser que estuda num conservatório, mas que nos intervalos adquire conhecimentos por meio
de trocas musicais com os colegas. O músico popular está inserido em meio completamente
heterogêneo, onde a própria formação é a base central de seus objetivos. Queiroz (2013)
esclarece que há um cruzamento de mundos musicais onde os espaços formativos assumem
características amplas, impossibilitando pensar num músico com uma formação estanque.
Segundo o autor,
A aquisição dos conhecimentos por meio desses contextos informais, pelo menos na
fase inicial da aprendizagem dos músicos populares, está intrinsecamente ligado às relações
musicais espontâneas, para as quais não há uma consciência de obrigatoriedade no que se
refere à prática para com os estudos. Prass (2004) defende que as primeiras vivências
musicais ocorrem no seio familiar, entre os parentes e amigos próximos. Os músicos
simplesmente se envolvem de forma prazerosa com os sons e, a partir dessa aproximação,
“durante todo o processo de aprendizagem informal, existe uma integração entre apreciação,
execução, improvisação e composição, com ênfase na criatividade” (GREEN, 2012, p. 68).
Nessa relação, propícia à autonomia, acontece a aquisição das habilidades musicais onde “a
aprendizagem ocorre, muitas vezes, de forma natural, quase que lúdica, em meio a festas,
churrascos e práticas informais entre amigos” (LACORTE, 2006, p. 23). A autora reforça o
argumento, destacando que
[...] temos muito que aprender com os processos informais praticados nos
diferentes espaços e contextos da sociedade, não no intuito de transplantá-los
para as instituições formais, mas sim com o objetivo de, a partir deles,
entender diferentes relações e situações de ensino e aprendizagem da música.
globalizado e presente no cotidiano das pessoas e nas diferentes mídias, podendo ser
vivenciado de inúmeras maneiras, seja nos LPs, CDs, DVDs, no rádio, na televisão ou em
softwares mais avançados, por meio do uso da internet. Schmeling (2005), em sua pesquisa a
respeito do envolvimento dos jovens com as mídias, evidenciou a importância desses recursos
no cotidiano das pessoas, esclarecendo que, nesses espaços, há um imenso envolvimento
musical. Segundo sua pesquisa, para os jovens,
Em 1888, foi a vez do Gramofone, inventado por Émile Berliner. Nesse recurso, o som
era gravado em discos metálicos e duplicados. Em 1925, a “Columbia americana efetuava a
primeira sessão de gravação elétrica comercial, com o pianista Art Gilham” (SEVERIANO,
2013, p. 99). No Brasil, a gravação elétrica foi em 1927 com a empresa Oden. O primeiro
40
disco elétrico foi gravado por Francisco Alves interpretando duas músicas: a marcha
“Albertina” e o samba “Passarinho do má”. (SEVERIANO, 2013).
Tinhorão (1998, p. 250) argumenta que a gravação, em seus ritos iniciais, ponderava
os empresários, devido ao alto custo dos aparelhos. Segundo o autor, “os discos ou cilindros,
e os aparelhos de gramofone de corda indispensáveis para ouvi-los, constituíam um luxo fora
do alcance das maiorias [...].”. Certamente que nessa fase, os avanços tecnológicos não
alcançavam a grande massa dos cidadãos.
Em 1951 chegou ao mercado brasileiro a gravação de 33 rotações, oferecendo maior
possibilidade de registro sonoro. Até então, a gravação era em 78 rotações por minuto e
oferecia a possibilidade de gravar apenas duas músicas. Segundo Sérgio Cabral (2011, p.
122), “Os primeiros long-plays, de 33 rotações, tinham 10 polegadas e ofereciam o máximo
de oito faixas. Cinco anos depois, saíam os discos com doze faixas, já consagrados pela sigla
LP, que comandaram o mercado até o aparecimento do CD laser”
A Philips Company produziu a fita cassete em 1963 e em 1977, chegamos à era digital
da música com a fabricação e comercialização do CD. (GOHN, 2003). Esses recursos
possibilitaram maior acesso e envolvimento dos músicos populares com os materiais sonoros,
sobretudo pela possibilidade de barateamento dos preços e a facilidade de reprodução dos
áudios.
O século XX caracterizou-se pela chegada dos primeiros instrumentos a utilizar a
energia elétrica. Destaco o Dynamophone, construído por Thaddeus Cahhil em 1906, sendo
substituído pelo Theremin, apresentado por Teon Theremin em 1920 e comercializado em
série pela RCA em 1929. Contudo, o primeiro instrumento musical elétrico a gerar lucro e se
consolidar no mercado foi o órgão Hammond, criado por Laurens Hammond, introduzido no
mercado em 1935. (GOHN, 2003).
O rádio, certamente, proporcionou grande revolução no que diz respeito à
popularização e acesso a diversas músicas. Segundo Severiano (2013), foi em 07 de setembro
de 1922, em alusão aos festejos comemorativos do centenário de independência do Brasil, que
aconteceu a primeira transmissão de rádio. O autor destaca que a transmissão teve
pedagógico presente nesse meio, tornando-se numa “[...] ferramenta essencial no dia-a-dia das
pessoas em todo o mundo e, associada às novas tecnologias e ao avanço da telefonia móvel,
provoca grandes mudanças nos hábitos de se consumir música”. (BERTUSSI, 2015, p. 54).
Segundo Messias Bandeira (2001, p. 209),
A prática e profissionalização dos músicos que têm suas atuações nos contextos da
música popular trazem a característica marcante de aprender a partir do processo de “tirar a
música de ouvido”. Apesar da constatação de que existem outras ferramentas musicais
imersas nas relações de trabalho, é visível a premência que tais profissionais têm em relação à
escuta focal. (UCAR, 2015). Para esses profissionais da música, é natural escutar trechos
musicais e, em seguida, repeti-los com grande grau de precisão, estabelecendo uma
comunicação ativa entre os sons, gerando uma linguagem capaz de validar suas atuações no
mercado musical.
Essa naturalidade com que os músicos circulam pelos sons pode ser atribuída, em
princípio, a uma linguagem simples e sem regras pré-estabelecidas. O aprendiz musical
simplesmente se envolve com os sons de maneira natural e busca reproduzir a música que
escuta. Progressivamente, surgem as motivações geradas a partir do ato de ouvir e copiar,
propiciando assim o aprimoramento dessa habilidade musical. Gohn (2003, p. 87), tratando
da interação no ato de escutar, diz que
A Música Popular Instrumental Brasileira (MPIB) “[...] surge como uma espécie de
subgênero dentro da música popular brasileira (MPB) e possui atualmente um prestígio
nacional e internacional, apesar da dificuldade de uma inserção mais ampla no mercado e na
indústria fonográfica” (CIRINO, 2005, p. 3).
Sendo assim, a MPIB posiciona o instrumentista em espaços diversos onde há uma
gama de conhecimentos necessários à sua atuação profissional. É necessário que o músico
esteja antenado com as habilidades musicais inerentes a esse espaço de atuação, como os
diversos ritmos e estilos, conhecimento de variadas progressões harmônicas, mergulhar em
contextos tecnológicos, conhecer as preferências do público, dominar bem o seu instrumento,
dentre diversos outros conhecimentos.
Nessa prática, segundo Cirino (2005), há uma interlocução entre as bases de
conhecimentos da música erudita e da música popular, colocando o músico em espaço tanto
44
3
Segundo Oliveira (2011, p. 30), “Brega é um gênero musical brasileiro. Inicialmente, o termo designava um
tipo de música romântica, com arranjo musical sem grandes elaborações, bastante apelo sentimental, fortes
melodias, letras com rimas fáceis e palavras simples. Uma música supostamente de ‘mau gosto’ ou ‘cafona’.
45
Diante das discussões já tratadas neste capítulo, está nítido que os músicos populares
objetivam práticas autônomas quando tomam suas próprias decisões sobre quais os caminhos
a transitar em busca dos conhecimentos pertinentes a sua formação musical. Segundo
Hentschke e Cernev (2012, p. 90),
trabalho, o desejo de aprender é algo que surge e é motivado a partir dos próprios contextos
sociais dos aprendizes, sem a interferência de organizações com esse propósito. Não há uma
relação de pressão por instituições acadêmicas, pois, mesmo quando os músicos populares
estão inseridos nos conservatórios, de maneira geral, isso é o resultado de uma decisão deles.
Essa motivação é resultado das primeiras experiências musicais, de como acontece a
exposição do aprendiz diante do universo sonoro. Diante disso, a família e o contexto social
são os principais agentes motivadores para o envolvimento ou não com a música. Quando
essa relação se configura em algo motivador às aprendizagens musicais, surge o senso de
responsabilidade onde o sujeito aprendiz torna-se autor de sua formação musical.
O senso de responsabilidade surge no momento em que o aprendiz autônomo assume a
consciência de refletir sobre a sua própria formação. Segundo Woody (2004, apud
CAVALCANTI, 2015, p. 191) “a prática torna-se eficiente quando envolve planejamento,
habilidades para diagnosticar falhas e corrigi-las, estabelecimento de metas e estratégias
adequadas”. Ou seja, o músico, nesse prisma, deve ser encarado como um agente ativo no
processo de reflexão e avaliação sobre a própria aprendizagem.
A fundamentação exposta colabora com o entendimento de que os músicos populares
assumem uma automotivação em participar e aprender sob a perspectiva das mais diversas
metodologias, as quais, por muitas vezes, são criações dos próprios músicos. Diante disso, é
preciso compreender melhor como funciona esse processo de autoaprendizagem que será
exposto no ponto a seguir.
Com isso, o processo é efetivado de fato pela autonomia dos alunos em relação às suas
decisões. Gohn (2003, p. 31) trata a autonomia percebida na autoaprendizagem como uma
característica intrínseca do aprendiz, dizendo que
Contudo, percebo que o termo mais usado coloquialmente entre os músicos que
aprendem por conta própria é o autodidatismo, quando eles sentem o prazer em dizer que são
músicos “autodidatas”. Assim, para Podestá (2013, p. 62), o autodidatismo
pois, mesmo quando os músicos estão sendo instruídos a partir dos direcionamentos das
instituições acadêmicas, sempre acontece momentos em que, por iniciativa própria, buscam os
conhecimentos em diferentes contextos.
Diante disso, a autoaprendizagem assume o caráter diverso e ocorre nos lugares mais
inusitados, seja através do acesso a uma vídeo-aula, em conversas com amigos, ou pela
imitação de uma performance a partir da apreciação de shows. A autoaprendizagem transita
por caminhos motivacionais, focando, primordialmente, nas relações de envolvimento entre o
aprendiz e os conhecimentos pertinentes a sua formação.
50
Traço aqui momentos sobre a minha aproximação com a música, sobretudo com as
práticas de aprendizagem a partir da música popular. Com aproximadamente dez anos de
idade, numa “fugida” de casa para assistir a um evento político, deparei com uma grande
estrutura de som arquitetada para um comício. Naquela ocasião, o que me chamou a atenção
foi o impacto sonoro que vivenciei através do show da “banda zoom” que se apresentava no
evento. Fiquei estático e não conseguia mais perceber nada além da performance dos músicos.
Já naquele primeiro contato, surgia a vontade e a projeção em ser um músico, um tecladista, e
tocar em bandas.
Com o passar do tempo, na rua em que eu residia, começaram a aparecer os vizinhos
e, com isso, surgiram as primeiras formações musicais. Instrumentos feitos de lata e muita
brincadeira revelava o cenário artístico da minha rua. O brincar de “biloca”, “esconde-
esconde” e “futebol de rua” foram substituídos pelos ensaios dos grupos musicais. Passou-se
algum tempo e também deixei a bicicleta de lado. Troquei-a, com o auxílio financeiro de
minha mãe, por um pequenino teclado. A partir disso, o envolvimento musical convergiu-se
em algo mais sério, pois eu já dispunha de um instrumento musical de verdade.
A partir dessas vivências iniciais com a música popular, foi que busquei as primeiras
aprendizagens. Nessa relação, de maneira espontânea aprendia o que era necessário para tocar
ou brincar de tocar com meus amigos do bairro. Porém, mesmo deixando, neste texto,
transparecer uma certa ludicidade a respeito do meu envolvimento musical, sempre tive
clareza a respeito de meus objetivos com o meu envolvimento musical. Desde os primeiros
contatos com a música, já sabia onde eu poderia chegar a partir dessas experiências.
Meu primeiro anseio musical foi em ser componente de alguma banda de forró, pois,
na época, era o estilo musical veiculado nas rádios e que me influenciou fortemente. Sendo
assim, foi a partir da observação das performances dos músicos em atuação nos palcos que
comecei a tentar fazer o que muitos músicos populares fazem: “tirar de ouvido”. No início,
essa prática era bastante incipiente porque eu só dispunha dos LPs. Lembro-me ainda das
diversas vezes em que arranhava os discos na tentativa de conseguir reproduzir determinado
trecho musical. Não demorou muito tempo e vivenciei a modernidade na música: fitas
cassetes, CDs, MP3, entre outros recursos tecnológicos. Essa nova forma de escutar música
impulsionou-me radicalmente em relação à minha aprendizagem musical.
51
O resultado das muitas horas tentando aprimorar a minha percepção auditiva foi
conseguir ser integrante de uma banda de forró (Grupo Show Via Brasil). Mas antes disso,
tive muitas outras participações em bandas iniciantes e pequenos grupos musicais entre os
amigos. Para a concretização desse objetivo, foi necessária uma busca por outras
competências musicais. Nessa nova procura, o teclado deveria imitar o som da sanfona e ter o
“gingado” dos sanfoneiros. Tentei adquirir esses conhecimentos estudando com músicos
reconhecidos da época, mas diante da pouca condição financeira, o envolvimento sonoro foi a
principal forma de aprendizagem musical.
Após essa concretização, o próprio universo da música popular apontava para outros
objetivos, como tocar outros estilos, aprofundar-me em outros instrumentos, entender as
regras harmônicas com mais profundidade. O meu entrelaçamento com as práticas da música
popular me conduziu para os diversos espaços de aprendizagem, sempre na busca de
responder a questões inerentes a minha atuação enquanto músico.
Em determinado momento, senti a necessidade de, para além da prática de “tirar a
música de ouvido”, ter outras formas de aprender, surgindo assim, a minha aproximação com
as partituras. A partir do acesso à Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (EMUFRN), consegui aprender as regras básicas para executar uma música através
da partitura. Contudo, apesar da apreensão dos conhecimentos pertinentes à prática da leitura
de partitura, eu nunca deixava de lado o auxílio da percepção auditiva, sobretudo porque essa
intersecção entre a partitura e o “tirar de ouvido” apontava para executar o instrumento com
mais facilidade. Também estudei as regras harmônicas com o professor Manoca Barreto
através do curso de harmonia funcional oportunizado na EMUFRN. Nesse momento, meu
alvo já era ser um músico envolvido com a MPB.
Após o curso com o professor Manoca Barreto, cheguei a estudar com o professor
Eduardo Taufic por três anos, com quem tive momentos importantes de entendimentos sobre
o universo da música, em especial sobre as técnicas do piano e as possibilidades harmônicas.
Os estudos foram oportunizados de maneira informal uma vez que eu frequentava a casa do
professor Eduardo Taufic para ter as lições.
De fato, o auxílio da partitura foi muito importante, principalmente quando
acompanhei artistas já reconhecidos nacionalmente, tais como Gilliard, Moacir Franco, Perla
e Odair José, entre outros. Sentia-me bem em conseguir “tirar as músicas de ouvido” e
produzir as partituras. Metodologicamente, a prática na partitura foi de grande valor, tendo em
vista que, geralmente, eu participava apenas de um pequeno ensaio antes dos shows o que,
certamente, não seria possível caso não tivesse em mãos as músicas escritas na partitura.
52
Em outro momento de minha atuação profissional, fui convidado para ser arranjador e
maestro da Orquestra Petrobras de Guamaré, que atuava em todo o Rio Grande do Norte e
tinha as interpretações do repertório da MPB como campo de atuação. Essa experiência
profissional trouxe novamente um aspecto desafiador no sentido de conseguir mais
conhecimentos. Apesar de já saber ler e escrever partituras e também de conhecer bem as
regras harmônicas da música popular, eu não sabia como fazer isso com o uso do computador.
Até então, não estava familiarizado com as questões tecnológicas e escrevia os arranjos na
mão. Diante da nova fase profissional, tinha que conseguir aprender a manobrar a máquina
para que os arranjos fossem impressos, apoiando-me nos conhecimentos dos amigos, os quais
eu indagava sempre que surgiam as dúvidas.
Ainda no projeto da orquestra, por muitas vezes me via despreparado para lidar com
os integrantes desta. Percebia a necessidade de uma graduação e, diante disso, ingressei no
curso de Educação Artística com habilitação em Música na UFRN em 2003, concluindo em
2007. Essa foi uma fase acadêmica muito proveitosa, pois os conhecimentos propiciaram-me
um novo entendimento sobre as diversas relações pertinentes a minha atuação profissional
enquanto regente, arranjador, músico e também professor.
Paralelamente aos estudos da universidade, estudei outros instrumentos com o objetivo
de melhorar os meus arranjos, tais como: percussão, violino, sax, flauta doce, violão erudito e
popular, sanfona e baixo elétrico. Em 2009, cursei a pós-graduação em Psicopedagogia na FIP
(Faculdades Integradas de Patos), pesquisando o meu próprio espaço de trabalho com os
alunos que participavam das oficinas de Música do Programa de Criança Petrobras da cidade
de Guamaré/RN. O resultado foi o trabalho intitulado Ambiente Musical na Perspectiva
Psicossocial, o qual teve o objetivo de compreender o poder socializante da música em
estreitamento com as questões da psicologia.
Em 2010, fui aprovado em concurso público para professor da Prefeitura do Natal. Em
2012, prestei concurso para o IFRN (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Norte), sendo convocado em 2014 e atuando até os dias atuais.
Diante de todos esses relatos transcritos de forma resumida aqui, fica claro a minha
motivação em trabalhar com a temática da pesquisa escolhida, pois em diversos momentos de
minha formação, a música popular esteve presente. Severino (2007, p. 214-215) aponta que,
4
http://www.eduardotaufic.com/
54
5
A imagem em anexo traz além do professor Waldemar de Ernesto, também o irmão Roberto Taufic e o
professor Manoca Barreto.
55
O resumo sobre a trajetória musical de Jubileu filho foi adquirido por meio do
questionário eletrônico enviado em 06/04/2015.
O músico Jubileu filho começou a sua vida musical a partir da influência do rock,
motivado pelos solos rápidos dos guitarristas da época. Foi influenciado pelo pai Jubileu
Francisco da Silva, o qual tocava diversos instrumentos, como violão, clarinete, saxofone,
sendo também um sanfoneiro bem conhecido na região do Seridó Norte-riograndense.
Segundo Jubileu, a sua mãe era uma mulher que apreciava bastante a música e sempre
comprava LP’s para que os filhos escutassem em casa. O irmão Beethoven também é músico
com imenso prestígio no cenário da música brasileira.
O seu primeiro contato com a aprendizagem musical foi “tirando as músicas de
ouvido”, imitando as posições dos acordes a partir das revistinhas com as cifras e praticando
exercícios de coordenação motora na guitarra, os quais aprendia com os colegas mais
experientes da cidade de Currais Novos-RN.
Com sete anos, começou a estudar na escola Suetônia Batista, que foi uma musicista
consagrada na região do Seridó. Os estudos tinham como objetivo aprender a tocar um
instrumento de sopro e conseguir ingressar na banda de música do município, chamada Banda
Maestro Santa Rosa. (ANEXO C). Com essa intenção, teve o maestro José Carlos como o seu
primeiro professor de música. Jubileu esclareceu que o estudo tinha um direcionamento
totalmente informal.
Diversas influências alicerçaram o seu trânsito musical, tais como: Armandinho,
Pepeu Gomes, Carlos Santana, George Benson, Ricardo Silveira e Victor Biglione. Jubileu
vivenciava esse universo sonoro por meio do acesso aos LP’s que a sua mãe comprava por
indicação de músicos conhecidos da família. Além disso, o rock dos anos 1980, veiculado nas
rádios, também foi uma das suas principais influências musicais.
Jubileu Filho começou a se envolver em grupos musicais em 1985, ainda na cidade de
Currais Novos – RN com a idade entre oito e noves anos. Iniciou tocando no grupo do músico
conhecido como Nonato. Segundo seus relatos, Nonato gostava de formar os músicos de seu
56
grupo em diversos instrumentos, colocando Jubileu, inicialmente, para tocar trompete e violão
e, com o tempo, executando também contrabaixo elétrico e cavaquinho. Declarou que nessa
fase começou a aflorar o seu lado de músico multi-instrumentista.
Já morando em Natal, e em contato com outros músicos experientes da capital, teve
outras influências, como: Pat Metheny, Scott Henderson, John Scofield, Joe Pass, Joe
Satriani, Steve Vai, entre muitos outros. Jubileu destacou o mestre Manoca Barreto como uma
das principais pessoas que o mostrou bons músicos e o indicou materiais importantes para o
seu aperfeiçoamento técnico como guitarrista.
Com onze anos, começou a tocar profissionalmente em diversos grupos e bandas baile
do Rio Grande do Norte. Aos treze anos, integrou-se ao “Grupo Show Terríveis”, que era uma
banda reconhecida em todo o cenário musical nordestino. (ANEXO D). Nesse período, teve
ao seu lado diversos parceiros musicais experientes, a exemplo da cantora Solange Almeida e
do sanfoneiro Dorgival Dantas. Também estudou música no Instituto de Música Waldemar
de Almeida com o professor de violão erudito Paulo Tito.
Em seu percurso musical, Jubileu Filho chegou a tocar com artistas do calibre de
Pedrino Mendes, Núbia Lafayette, Nelson Gonçalves, Trio Irakitan, Ademilde Fonseca,
Joana, Rosimere, Beto Barbosa, Jair Rodrigues, Benito di Paula, Saulo Fernandes,
Armandinho Macedo, Fafá de Belém, Daniela Mercury, Chico César, Jorge Vercillo, Spok,
Leila Pinheiro, Valeria Oliveira, Arthur Maia, Rildo Hora, Dominguinhos, Alcimar Monteiro,
Waldones, Elino Julião e Marinês.
Atualmente, o músico continua trabalhando em vários grupos musicais como multi-
instrumentista, atuando como compositor, arranjador e produzindo trabalhos fonográficos de
diversos artistas.
A pesquisa traz o estudo de caso como método de investigação por tratar de todas as
fases: definição do problema, delineação da pesquisa, coleta de dados, análise de dados e
apresentação dos resultados. (YIN, 2001). Com isso, utilizei diversas fontes de coleta de
dados, tais como: questionário eletrônico, observação direta, análise em documentos e
entrevistas.
O estudo de caso aponta para a delimitação que busco nesta pesquisa, que é focar no
caso específico da formação autônoma a partir do olhar sobre dois músicos da cidade do
Natal/RN. Eles estão inseridos em práticas de aprendizagem da Música Popular. A
contribuição teórica de Ludke e André (2013, p. 17) espelha bem os meus objetivos, frente a
escolha do método, quando esclarecem que o estudo de caso é “[...] sempre bem delimitado,
devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser
similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular”.
Segundo Severino (2007, p. 121), “O caso escolhido para a pesquisa deve ser significativo e
bem representativo, de modo a ser apto a fundamentar uma generalização para situações
análogas, autorizando inferências”. Ainda complementando o entendimento, YIN (2001, p.
20) esclarece que,
Diante disso, na perspectiva de entender “como” e “por que”, é que este estudo assume
a abordagem qualitativa. Ludke e André (2013, p. 18), definem o estudo qualitativo como
sendo “[...] o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um
plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa contextualizada”. Segundo
Gaskell e Bauer (2001, p. 496), os dados na pesquisa qualitativa são “dados não estruturados,
por exemplo, transcrições de entrevistas abertas, anotações de campo, fotografias,
documentos ou outros registros”.
Mediante a escolha do estudo de caso e da abordagem qualitativa, lancei o olhar de
investigador sobre a formação musical autônoma dos pesquisados Eduardo Taufic e Jubileu
Filho no sentido de obter evidências as quais puderam nortear os direcionamentos dessa
pesquisa. O método escolhido trouxe grande variedade em relação à coleta dos dados, cujos
procedimentos serão expostos a seguir.
6
Enviado o link pelo WhatsApp no dia 06/04/2015.
7
Como surgiu o seu interesse em estudar música? Onde conseguia os materiais para a sua aprendizagem
musical? Quais as suas referências musicais e como elas chegaram ao seu conhecimento? Quais os seus
campos de atuação profissional?
60
Segundo YIN (2001, p. 115), a observação direta pode ser conduzida em diversos
espaços, onde
A organização dos dados foi possível por meio da categorização. Segundo Galiazzi e
Moraes (2011, p. 23), o processo de categorização “[...] além de reunir elementos
semelhantes, também implica nomear e definir as categorias, cada vez com maior precisão, na
medida em que vão sendo construídas”.
A partir das primeiras observações no campo, abordadas em parceria com os
pressupostos teóricos, surgiram as unidades de análise as quais, no decorrer da pesquisa,
8
<http://bancodeteses.capes.gov.br/bando-teses/>; <http://abemeducacaomusical.com.br/>;
<http://www.anppom.com.br/>; <https://bndigital.bn.br/>
62
convergiram-se nas categoriais iniciais e finais. Esse processo que cria as unidades de análise
é denominado unitarização. Segundo Galiazzi e Moraes (2011, p. 69),
Nesse sentido, “a análise textual discursiva opera com significados construídos a partir
de um conjunto de textos. Os materiais textuais constituem significantes a que o analista
precisa atribuir sentido e significados”. (GALIAZZI, MORAES, 2011, p. 13).
A análise do material coletado foi direcionada em consonância com quatro etapas:
9
Para este trabalho, o conceito de partitura está em consonância com a forma difundida por meio das regras
da música erudita europeia.
69
diretor musical, encontrava total liberdade em registrar suas ideias, porém, sempre ao final de
suas inferências, perguntava a opinião de todos os músicos.
Quero deixar transparecer um pouco do diálogo, enaltecendo a questão do respeito ao
violonista Roberto Taufic a partir do discurso do diretor musical. No término da primeira
música, Eduardo Taufic fez o seguinte questionamento para o grupo: “E aí? O que acharam?”
(informação verbal)10. Roberto apontou um caminho: “Dudu, podemos introduzir novos
compassos de improviso no meio da música” (informação verbal)11. Eduardo Taufic, diante
da ideia do irmão, passou as observações para o restante do grupo os quais aceitaram sem
questionamentos. Em minhas percepções sobre este canário, ficou claro que não era apenas a
presença de um músico ou de um irmão, mas sim de um ídolo para todo o grupo, uma pessoa
que a sua história impõe respeito e autoridade em debater sobre as questões musicais.
Eduardo tem um respeito profundo pela pessoa que o apresentou a profissão. Essa
informação foi dita pelo próprio músico antes do ensaio, esclarecendo que até o nome artístico
“Taufic” vem do irmão. Em outro diálogo entre os irmãos, o respeito ficou nítido: “A
velocidade da música está boa Dudu?” (informação verbal)12. “Está boa. Você achou muito
rápida?” (informação verbal)13. “Não, está boa, vamos conduzir assim”. (informação
verbal)14. Enxergo, a partir do meu olhar de pesquisador, que Eduardo Taufic percebia no
irmão distintas possibilidades de buscar melhorar a sua performance e a do grupo.
Neste momento, já estava claro a relação de admiração. A partir disso, surgiu diversas
dúvidas e possíveis inferências a respeito da formação musical de Eduardo com o
envolvimento do seu irmão mais velho. Nessa perspectiva, a primeira categoria de análise da
minha dissertação começava a brotar, já pensava em pesquisar sobre a formação musical a
partir do contexto familiar. Diante dessa possibilidade, comecei a buscar trabalhos os quais
convergissem nesse debate.
Alicerçado pela vivência na observação dos sujeitos e de autores os quais abordam a
formação musical em contextos familiares, posso lançar proposições as quais identificam o
sujeito músico popular inserido em famílias onde os conhecimentos musicais estão sendo
assimilados durante as gerações. Os músicos, sujeitos desta pesquisa, são exímios exemplos
disso, pois cresceram em ambiente recheado de exemplos musicais. Nessa linha de raciocínio,
10
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, 10/02/2016.
11
Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
12
Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
13
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
14
Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
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a vontade de ser valorizado enquanto alguém que está seguindo os passos do irmão mais
velho, certamente, trouxe uma motivação capaz de impulsionar a vontade de ser um músico
respeitado entre os pares da própria família. Um trabalho que considero importante sobre a
aprendizagem musical na família, enaltecendo a música que transpassa as gerações, é o do
autor Celso Henrique Sousa Gomes (2009), intitulado “Educação musical na família: as
lógicas do invisível”.
Durante o ensaio, outras questões foram sendo minimizadas e compreendidas. O uso
da partitura, por exemplo, foi esclarecido pelas atitudes dos próprios músicos. Eles usavam
como um guia inicial que pudesse trazer maior fluidez ao grupo, na perspectiva
organizacional, mas não seguiam fielmente. Nesse sentido, o seu uso configurou-se como uma
ferramenta de trabalho, cujas as regras poderiam ser quebradas em detrimento das
interpretações. Isso ficou esclarecido a partir de um diálogo do diretor Eduardo com o baixista
Airton Guimarães: “o que acharam dessa ideia de finalização?” (informação verbal)15. “mas
Dudu, o compasso é quaternário e ficará com apenas três tempos? Vai ficar aberto?”
(Informação verbal)16. “Pode sim, não tem problemas, se todos acham que o trecho ficou
bom, pode deixar apenas três tempos” (informação verbal)17. Quer dizer, a partitura tem o seu
papel organizacional bem definido naquele espaço, porém o carro chefe que conduziu as
decisões sobre o ensaio foi o consenso dos músicos acerca do que eles percebem como sendo
mais musical.
Sendo assim, o “ouvir atento” as interpretações assumem grande importância neste
meio dos músicos. A oralidade tornou-se o fio condutor das relações musicais. Sempre o
“escutar” estava em primeira mão e as interpretações no centro das decisões, podendo até
quebrar as regras impostas pela partitura em detrimento de uma boa interpretação. Os gestos
mostravam que, no término das músicas, os músicos eram imbuídos numa atmosfera de
celebração, deixando transparecer o bem-estar com as frases musicais.
Durante a performance das músicas, os instrumentistas ficavam bem atentos para as
observações que Eduardo Taufic, no decorrer da própria execução, direcionava sobre
determinados trechos musicais. Os integrantes do grupo privilegiavam bastante o escutar,
tocando em volume baixo, permitindo, com isso, conversas durante a própria execução. Um
diálogo entre os irmãos Eduardo e Roberto mostrou essa prática de conversar durante a
15
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
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Informação proferida pelo músico Airton Guimarães em Natal-RN, em 10/02/2016.
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Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
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Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
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Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
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Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
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Queiroz (2013) aborda acerca dos mundos musicais.
22
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
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Durante o ensaio, Eduardo Taufic teve que interromper a passagem das músicas e
conceder uma entrevista para a rádio através de uma ligação telefônica. Após isso, tirou da
bolsa uma máquina fotográfica e fez diversas fotos do grupo para enviar ao jornal local. Esta
ação revelou uma ação de protagonismo acerca dos aspectos inerentes à produção do show.
Ou seja, na prática musical destes profissionais é comum que eles procurem os meios de
produção dos próprios shows, trazendo atitudes para além dos aspectos iminentemente
musicais. A partir dessa percepção, surgiu mais uma categoria inicial do meu trabalho que é a
formação a partir das exigências mercadológicas a qual tratarei no próximo capítulo.
Como já mencionado, ao término do ensaio, consegui eleger algumas categorias
importantes as quais nortearam os caminhos da minha dissertação. A observação deste ensaio,
conduziu-me a uma nova consciência, enquanto pesquisador. A minha vivência naquele
espaço abriu diversas dimensões a serem pesquisadas nesta pesquisa, como: a aprendizagem
oportunizada a partir da interação social dos músicos, as relações de protagonismo na
condução da carreira musical, o respeito como um agente motivacional, o uso de linguagem
própria e também da partitura, a busca pela qualidade sonora, inclusive com bons
instrumentos musicais. Certamente, os primeiros contatos com os sujeitos da pesquisa são de
suma importância para qualquer pesquisador. Abaixo seguem as fotos as quais delineiam este
meu primeiro mergulho no campo.
23
Reportagem veiculada em 11/02/2016.
74
Figura 02: Roberto Taufic, Figura 03: Airton Figura 04: Eduardo Taufic,
EduardoTaufic. Guimarães, Darlan Marley. Airton Guimarães.
ficava improvisando, finalizando com todos os músicos entrando também nessa brincadeira
musical.
Tenho a convicção de que o público jamais teve a noção que algo soava fora do
planejado. Eu mesmo só consegui entender tudo aquilo porque estava na posição de
pesquisador e tinha acompanhado todo o ensaio anterior ao show. Este momento único e de
grande riqueza para a minha pesquisa, fortalece ainda mais a minha crença de que os músicos
populares têm ferramentas práticas nas resoluções dos problemas. Nessa perspectiva, o que
poderia ser considerado um erro na música erudita, por exemplo, nos espaços da música
popular, revelou-se como uma ótima chance de deixar a criatividade revelar-se perante os
olhos do público.
A criatividade, aspecto tão presente na construção do texto do músico popular
instrumentista, revelou-se como algo constituído de imensa maturidade. Nesse sentido, a
atmosfera de brincadeira, revelada a partir dos gestos, deixa por trás das cortinas todas as
informações que o instrumentista deve acessar em momento de improviso. Na verdade,
alicerçado por vivências próprias, devo explicar que o músico instrumentista disponibiliza
grande tempo de estudos para as diversas escalas as quais compreendem os recursos
necessários aos improvisos. Lógico que há outras habilidades necessárias aos momentos de
improviso, mas considero as escalas como uma poderosa “arma musical” capaz de
transformar os aspectos preocupantes do show em momentos recheados de criatividade.
Diante disso, a criatividade pode ser enxergada como resultado de longas horas de
dedicação e estudos musicais. O resultado de todo o empenho transforma as informações
musicais em verdadeiros conhecimentos, vislumbrado no transcorrer da observação do show
por meio do diálogo entre os músicos com a habilidade em criar os improvisos. Diante disso,
defendo que no momento da apresentação os assuntos são rapidamente acessados, sem a
necessidade de pensar sobre o resultado do seu uso.
Nesse sentido, as longas horas de prática, a partir dos estudos e do envolvimento com
o trabalho musical, enaltece a ação dos músicos, possibilitando o rápido acesso aos
conhecimentos musicais nos momentos de criação. Ou seja, o músico instrumentista não
assume a preocupação de como agir no instante do improviso, pois isso é uma ação
inconsciente escondida por uma consciência, conquistada por meio da dedicação aos estudos.
O show caminhou através do diálogo musical entre os músicos no palco. O público, ao
término da apresentação, aplaudiu de pé e pediu o já famoso “bis”, o qual foi atendido,
causando imensa euforia entre os presentes. A imagem abaixo, por si só, revela o momento de
descontração entre os amigos músicos no palco.
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24
O Soul é um gênero musical dos Estados Unidos que nasceu no final da década de 1950 entre os negros.
25
O funk originou-se nos Estados Unidos na segunda metade da década de 1960.
26
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 02/02/2016.
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Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 02/02/2016.
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pois naquele momento estava planejado um envolvimento maior com o público e isso exigia
uma outra dimensão para os aspectos harmônicos da música. Este fato deixou transparecer a
preocupação que o profissional assume enquanto produtor. Ou seja, Eduardo não estava
colocando o seu nome apenas como um músico, mas sim como alguém que assina e é
responsável por todas as questões musicais e até não musicais do show. Diante daquele
momento, surgia mais uma categoria importante à minha pesquisa: a formação musical em
contextos de profissionalização. Nessa perspectiva, o músico, enquanto assume a posição de
produtor, necessita de diversos outros conhecimentos que o valide em sua posição.
Enquanto o diretor Eduardo fazia as modificações na tonalidade da música, sugeriu
um intervalo para os integrantes do grupo. Apesar da música estar no formato de uma
partitura – melodia e o acompanhamento com as cifras – na transcrição para a nova
tonalidade, modificou apenas as cifras. Observei diversos outros momentos em que as
músicas tiveram mudanças drásticas. Contudo, não foi comum a reescrita destas, mas sim a
gravação final após todos os encaminhamentos e acordos musicais entre o diretor musical, a
intérprete Nara Costa e os outros integrantes do grupo.
Também aconteceu a escuta de trechos musicais no momento do ensaio. A intérprete
Nara Costa, com o auxílio de seu celular, requereu aos músicos que ouvissem trechos de uma
determinada música. O músico Jubileu Filho escutou o áudio e, logo após a apreciação, já
executou na guitarra. Eduardo, enquanto escutava o áudio, já emitia o parecer sobre os trechos
da música e como o grupo poderia tocá-la. Segue o discurso dele, deixando mais nítido este
momento:
Olha amigos, acho que essa música está muito lenta. Essa gravação foi
retirada de um disco e deve estar com a rotação baixa. Acho melhor
acelerar o ritmo e pensar em um solo de baixo para ela. Tentar trazer um
toque de modernidade, mudando alguns trechos, mas sem retirar os
aspectos essenciais que é o que vai fazer com que as pessoas reconheçam
ela quando começarmos a tocar. (informação verbal)28.
28
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 02/02/2016.
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Figura 06: Eduardo Taufic, Jubileu Filho. Figura 07: Jubileu Filho, Airton
Guimarães.
Figura 08: Darlan Marley, Nara Costa. Figura 09: Jubileu Filho.
Observei o ensaio que ocorreu no dia 28 de janeiro de 2016, no Studio Atelier Sonoro,
de propriedade de Silvio Franco Freire Neto, localizado na Rua Raimundo Chaves, nº 1892,
Candelária, Natal-RN.
O meu foco nessa observação foi compreender o envolvimento musical do músico
pesquisado na minha dissertação, o multi-instrumentista Jubileu Filho. A banda Perfume
Gardênia é resultado de uma sociedade entre Jubileu e seu irmão Beethoven. Na ocasião desse
ensaio, Jubileu assumia a posição de diretor musical, conduzindo o grupo. Os músicos
ensaiavam um repertório para uma apresentação no Carnaval da cidade do Natal.
Beethoven deu início ao ensaio “passando” as frases melódicas das músicas no
saxofone para que os outros músicos pudessem executar. Os músicos não dispunham de
partitura e conseguiam tocar apenas escutando e depois repetindo. Beethoven tocava saxofone
e também assumia o papel de vocalista.
80
Achei este ensaio mais inserido no formato que eu já era acostumado, justamente pelo
o uso da “audição” e da “memória” como ferramentas de trabalho. Jubileu identificou que o
repertório já era conhecido, quando relatou: “todos já conhecem bem esse repertório, vamos
passar apenas as introduções e o final de cada música, fazendo a colagem” (informação
verbal)29. Como os músicos populares, em suas atuações profissionais, têm algumas datas do
ano como momento em que há uma razoável remuneração financeira, como o réveillon, o
carnaval ou o São João, eles, certamente, têm arquivados na memória diversas músicas
reconhecidas nestes momentos. Essas músicas sempre voltam a moda quando começa a
aproximação com as datas. Um exemplo disso é música “vassourinha”30 a qual não pode estar
de fora dos repertórios carnavalescos.
Então, perceber toda aquela habilidade auditiva e a grande diversidade em relação a
memória foi importante e ao mesmo tempo desafiador, pois tinha que estranhar o familiar.
Necessitava retirar significados a partir do meu olhar de pesquisador sob a atuação daqueles
músicos, sobretudo em relação ao sujeito da pesquisa.
Em determinado momento do ensaio, foi preciso parar a música ainda em sua
execução. O fato ocorreu porque Jubileu Filho percebeu que o seu irmão Beethoven, enquanto
assumia o papel de vocalista, desentoava em determinada nota. O relato a seguir delineia este
momento: “A voz está fora do acorde. Não percebeu Beethoven?” (informação verbal)31.
Segundo o seu irmão Beethoven “a voz não está fora porque isso é apenas um charme”
(informação verbal)32. Neste momento, o clima ficou nebuloso, pois Beethoven não
concordava em modificar a nota. Argumentava que a nota fora do acorde trazia mais brilho à
música. Jubileu, enquanto diretor musical, decidiu modificar o acorde e mostrou para os
músicos, por meio do braço da guitarra. Quando acabou a música, trouxe a seguinte
explicação:
29
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
30
Composição de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos.
31
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
32
Informação proferida pelo músico Francisco Beethoven em Natal-RN, em 28/01/2016.
81
Beethoven, veja só, eu sei que você percebeu a nota fora e sei que você
talvez tenha seus motivos para não querer modificar, mas a questão é que o
nosso contratante não entenderá esse brilho que você defende neste trecho.
Como eu sei que você não vai mudar mesmo, então coloquei o acorde com a
“nona bemol”, assim inclui a sua voz. (Risos). Espero que não mude
novamente. (informação verbal)33.
33
Informação verbal do músico Jubileu Filho, proferida do ensaio em Natal-RN, em 28 de janeiro de 2016.
34
Músico e cantor baiano com performances no axé music, considerado um gênero que surgiu na Bahia na
década de 1980 durante o carnaval de Salvador.
82
do outro. Observei apenas o movimento que Jubileu fez, colocando a mão na cabeça,
querendo dizer que os músicos deveriam executar a música novamente, a partir do início.
Percebi que a objetividade estava bem presente, pois tinham um repertório grande a
ser cumprido no ensaio. Muitas das músicas não eram “passadas” todas, apenas o início e o
fim. Quando acabava alguma música e os músicos queriam discutir algo, Jubileu já indicava
as harmonias para o tecladista, otimizando assim o tempo. Diversas vezes percebi essa
preocupação em relação ao uso do tempo. O trecho a seguir denota isso:
Beethoven, é melhor você passar logo este trecho e deixar para conversar
depois. [...] Vamos passar logo tudo porque só temos agora pela manhã
para concluir todo o repertório [...] é melhor nem passar todas as músicas,
vamos tentar apenas o início e fim e colar com os blocos. (informação
verbal)35.
35
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
83
Cheguei até a pensar sobre a possibilidade do “ouvido absoluto” o que foi descartado pelo
músico. Jubileu definiu a percepção dele como “um ouvido bem treinado e que sempre
escutou de tudo um pouco” (informação verbal)36.
No término do ensaio, pude perceber diversas habilidades presentes no contexto dos
músicos, tais como: a memória, demonstrada a partir da execução de um grande repertório
sem a necessidade do auxílio de uma forma escrita das músicas; a capacidade de escutar
trechos musicais e repeti-los quase que em mesmo tempo; as explicações verbais, usando uma
linguagem comum entre todos os envolvidos; o uso visual do próprio instrumento, na
perspectiva de socializar com o grupo as ideias pensadas. Essas habilidades e trocas durante o
envolvimento social, certamente aponta para momentos formativos onde cada músico tem a
oportunidade de conseguir informações musicais pertinentes a sua atuação profissional. A
imagem abaixo traz maior percepção sobre o ensaio da banda Perfume de Gardênia.
Figura 10: Jubileu Filho, Carlos Sergio, Emerson Jean, Erick Firmino.
36
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
84
Eduardo Taufic como produtor musical do trabalho. Por questões éticas, procurei logo
explicar o meu objetivo naquele espaço ao cantor.
Já nas primeiras músicas, percebi que pairava sobre o produtor uma grande
preocupação em relação à qualidade do produto que estava sendo construído. A parte
instrumental da música já estava gravada, então, diante disso, a minha observação voltava-se
para a colocação da voz, o diálogo entre eles e o entrelaçamento tecnológico.
Diversas vezes, aconteceram intervenções do produtor no sentido de consertar
determinados trechos das músicas. Em alguns momentos, o próprio Eduardo Taufic cantava o
trecho musical, indicando como poderia ficar melhor a colocação da voz. Buscava o
aprimoramento a partir das possibilidades físicas do próprio cantor, contudo, quando não
conseguia dessa maneira, usava o recurso tecnológico com o objetivo de melhorar a afinação.
Neste momento em que ele usou o auxílio do computador, explicou em quais situações fazia
isso:
Eu gosto de tirar o melhor do cantor, de fazer com que ele consiga chegar
na afinação, conseguir os objetivos. Então, eu volto o trecho musical muitas
vezes, peço para gravar novamente e, apenas após tentar todas as
possibilidades é que uso o programa para consertar as desafinações. Na
verdade, o mais comum é repetir e consertar, mas temos este auxílio e acho
que algumas vezes podemos usar. (informação verbal)37.
37
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016.
86
quando o cantor Claudio estava colocando a voz em um trecho musical, lendo a letra com o
auxílio do celular. Neste instante, Eduardo disse: “lembrar de cantar, viu Claudio!”
(informação verbal)38. Após a gravação o cantor perguntou: “e ai Dudu? Comecei a
cantar?(Risos)” (informação verbal)39. Eduardo Taufic permanecia bem atento e fazia gestos
na hora da gravação. Os gestos, a oralidade, os olhares de repreensão, os sorrisos, as
entoações motivadas funcionavam como uma verdadeira regência na construção do produto
musical.
38
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016
39
Informação proferida pelo músico Gilmar Bezerra em Natal-RN, em 23/02/2016
40
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016
87
41
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016
42
Steinberg Cubase é um programa de gravação, produção e mixagem na produção de CDs.
43
É um editor digital de áudio que oferece suporte com diversos canais de gravação.
88
Essa observação foi de grande valia, pois o campo de atuação no estúdio de gravação
revelou outra faceta do pesquisado. Colaborou na compreensão de que, naquele espaço, é
preciso outras formas de conhecimentos. Diante disso, surgiu uma questão bem pertinente que
me debrucei em compreender, sobretudo quando estava nos momentos da entrevista: Será que
o envolvimento dos músicos, enquanto profissionais que gravam e produzem em estúdios,
pode diferenciar a qualidade sonora deles quando estão atuando numa performance? Essa
questão será tratada no capítulo seguinte e, certamente, será retomada nos momentos
conclusivos.
89
Eu nunca brinquei muito não, acho que se eu brinquei foi até quando eu
comecei a me envolver com a música. A música era como se fosse uma
brincadeira, fazia banda de brincadeira com os amigos lá da rua, entendeu?
Fazia bateria de lata, a gente se divertia assim. Mas brincar, brincar
(Risos). Para você ter uma ideia, nem de bicicleta eu sei andar (Risos),
verdade! No início era aquela coisa, eu me divertia tocando e aprendendo,
eu sempre gostei muito, sempre (silêncio) acho que eu nasci para ser músico
mesmo! (informação verbal)44.
Diante das brincadeiras musicais, constato um cenário onde surge o primeiro espaço
de aprendizagem e, consequentemente, pedagógico dos músicos populares: o próprio
cotidiano. Os primeiros passos formativos desses músicos aconteceram a partir da influência
espontânea dos elementos musicais presentes no contexto social. O brincar com as
brincadeiras não musicais perdeu a motivação diante da atração que a música exerceu sobre
os músicos investigados. Eduardo (2016) evidencia bem isso, quando diz que:
Meu espaço familiar era de muita música. Isso era como um brinquedo
interessante na minha infância. Quando eu não tinha obrigação de estudar
para a escola, ia brincar de tocar porque a música para mim era uma coisa
muito atraente. (informação verbal)45
44
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
45
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, 17/03/2016.
91
Dessa forma, a família assumiu um imenso papel motivador quando, além de não
trazer a obrigatoriedade e a rigidez para com os estudos musicais, também deixou os músicos
experimentarem diversos espaços sonoros, os quais eram compartilhados por todos os
membros da família.
Segundo (GOMES, 2009, p. 195),
A indução do autor colabora com a compreensão acerca dos músicos desta pesquisa os
quais, sem dúvida, foram enormemente influenciados pelos familiares. A motivação familiar
para a música estava presente nos lares dos músicos investigados e, naturalmente, estimulou o
apreço musical.
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Silva Filho (2016) relatou como a sua mãe apresentava diversas músicas para ele e seu
irmão Beethoven, que também é músico:
Minha mãe era o seguinte, tinha uma coleção de discos em casa. Ela sempre
investiu muito na nossa formação, sempre quis que a gente fossemos
músicos. Durante a semana ela comprava a coleção de música Clássica,
Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim, Ivanildo do sax
de ouro. Então ela fazia audições comigo e meu irmão Beethoven. Quando
ela chegava do trabalho, pela noite, a gente se deitava no tapete da sala e
ficava ouvindo música Clássica. No outro dia, era Caetano Veloso e assim
escutamos muitas coisas. (informação verbal)46.
Esse discurso denota o importante papel pedagógico desempenhado pela sua mãe
quando trazia diversos gêneros musicais para a apreciação da família. O interessante é que,
apesar do instrumentista dizer que sua mãe objetivava que ele fosse um músico, não constato
um ambiente de opressão nessa relação. Isso ficou bem evidente, a partir das anotações do
caderno de campo:
Outro aspecto que destaco, em relação à apreciação dos diversos gêneros musicais, foi
a possibilidade de ampliação dos repertórios. Esse conhecimento inicial, onde Jubileu Filho
mergulhou em diversos gêneros musicais, sem que houvesse um juízo de valor sobre os
mesmos, certamente colaborou com a amplitude de sua formação e reverberou em sua prática
profissional. Isso ficou bem evidente quando me propus a observar os contextos profissionais
dos pesquisados, pois toda essa diversidade musical inicial estava presente nas ações do
músico.
Eduardo (2016) traz o discurso, enaltecendo a influência da família, quando destaca
que,
Meu pai tocava violão e incentivou meu irmão mais velho que é Roberto
Taufic a tocar. Minha irmã também e meu outro irmão do meio, Geraldo e
Gisele. O meu pai nos incentivou muito para a música e, apesar de somente
eu e meu irmão mais velho ter seguido a carreira como músicos, mas os
outros irmãos também tiveram experiências com instrumentos. Então, eu
acho que o ponto de origem foi realmente o nosso pai porque outro, como
46
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
93
avô, a gente não tem notícia que tenha tido contato com a música.
(informação verbal)47.
[...] foi uma coisa de geração para geração, meu pai passou toda essa coisa
da música para meu irmão Roberto Taufic que aí eu fui totalmente
influenciado por ele. Vendo ele tocar, então eu diria que ele foi a minha
primeira grande influência na vida musical, ou seja, o que ele ouvia eu
passei a ouvir, o que ele gostava eu passei a gostar. (informação verbal)48.
Segundo Eduardo Taufic, seu primeiro grande ídolo foi o próprio irmão. Relatou que
Roberto Taufic era a “autoridade máxima da música” para ele (informação verbal)49. Nesse
contexto, o instrumentista queria imitar a sonoridade do irmão mais velho. Destacou que, com
apenas nove anos, buscava entender a musicalidade do irmão Roberto Taufic, que na época
estava com dezenove anos e já era músico profissional. O trecho a seguir evidencia bem o
respeito pelo irmão músico:
Meu irmão já tocava e isso para mim foi um choque muito grande porque eu
presenciava o que ele fazia e, de certa forma, se relacionava com o que eu
estava buscando. Mesmo criança ainda, mas já era a fase da associação
onde eu percebia o que ele fazia no instrumento, que já era uma música
muito bem construída, muito madura. [...] ele já tocava profissionalmente
nos grupos e com os artistas locais, e era aquilo que eu estava querendo.
(informação verbal)50.
47
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
48
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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Informação proferida na oportunidade do ensaio do show “Entre amigos”, em Natal-RN, em 10/02/2016.
50
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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A presença dos ídolos é muito forte na formação dos músicos populares. Na formação
musical de Eduardo Taufic, isso se deu de forma bem mais acentuada, pois o seu primeiro
grande ídolo era o próprio irmão, o qual estava acessível, podendo indicar materiais
pertinentes à formação musical. O imenso respeito pelo violonista Roberto Taufic foi
vivenciado em minha observação realizada no ensaio do show “Entre amigos”. Naquele
momento, percebi que sobre as indicações de Roberto em relação às músicas ensaiadas
pairava uma atmosfera a qual, de fato, confirmava uma “autoridade máxima”.
Diante do exposto, ficou claro a importância dos membros familiares dos músicos
pesquisados, no sentido de motivar e colaborar com a formação musical. Nesse sentido,
podemos expor, no caso desta pesquisa, o cotidiano familiar como sendo o primeiro grande
espaço de aprendizagem dos músicos, sobretudo em relação à forma de deixar que a música
assumisse uma posição lúdica e espontânea, valorizando o brincar a partir dos diversos
elementos musicais.
[...] meu tio me ensinou uns acordes e como eu era muito curioso comprava
as revistas que tinha as cifras das músicas que tocava no rádio. Dessa forma
a gente ia aprendendo a tocar as músicas de sucesso da época. [...] o que
tocava nos rádios, saia nas revistinhas e eu era viciado em comprar as
revistinhas para aprender as músicas. (informação verbal)51.
51
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
95
[...] eu fui atraído pelos sons e sem técnica nenhuma eu fui buscando me
aproximar daqueles sons e comecei a usar o ouvido como ferramenta. Eu
52
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
53
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum realizada no dia 17/03/2016.
96
não sabia se esse dedo era aqui, se a digitação do piano estava correta, mas
eu comecei a buscar aquela melodia e acabava achando. [...] através do
ouvido, da pura intuição, eu conseguia fazer com que o instrumento tocasse.
Eu apertava e saia o som, então eu queria reproduzir as músicas que eu
ouvia na época. (informação verbal)54.
O “tirar de ouvido” não representou a busca por técnicas ou regras musicais, sendo
uma habilidade totalmente inerente ao contexto de cumprir o objetivo de reproduzir o som
escutado, não importando se os dedos estavam “errados”. O discurso do pesquisado sugere a
sua consciência atual sobre o que é, musicalmente, errado ou certo. Contudo, o que de fato
demonstra a cena é que naquele ambiente formativo não havia essa maturidade de entender os
“erros” ou “acertos”. Quando um músico, em seus primeiros momentos de aprendizagem,
escuta alguém questionando acerca “do dedo que está errado” ou “do ombro caído”,
certamente que esse contexto não reflete as práticas de aprendizagem dos músicos populares.
Já Jubileu Filho começou a ambicionar a percepção auditiva a partir do seu
envolvimento com o campo profissional. Como já discutido, em princípio, conseguia aprender
a partir do escutar as músicas veiculadas nas rádios, reproduzindo os sons através do auxílio
das cifras das revistas. Apenas com o ingresso na banda “Arco Íris”, da cidade de Currais
Novos-RN, foi que o “tirar de ouvido” começou a ser importante para o músico. A partir
daquele momento, aos onze anos, começou a treinar a sua habilidade auditiva. Relatou que,
Silva Filho (2016) explica porque a partir de seu ingresso na banda a metodologia de
aprendizagem por meio das revistinhas não funcionava mais:
54
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
55
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
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A formação musical dos pesquisados foi evidenciada por meio de diversos espaços de
aprendizagem. Como já discutido, a formação inicial aconteceu de forma totalmente
espontânea e mergulhada na inconsciência acerca das aprendizagens. Contudo, na medida em
que havia uma consciência e até uma visão de que poderiam ser músicos, as buscas por
espaços formativos foram surgindo.
O meio social dos amigos músicos foi decisivo em relação à formação musical dos
pesquisados. Eduardo Taufic acabou herdando do irmão Roberto o ciclo de amizades de
grandes músicos da cidade do Natal-RN. Com o passar dos tempos, esses músicos não seriam
56
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, Em Natal-RN, em
28/03/2016.
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apenas amigos, mas sim grandes parceiros musicais em diversas produções e shows. Eduardo
(2016) relata que,
No momento em que ele relatou sobre os amigos, fiz anotações no meu caderno de
campo, as quais julgo importante descrever:
Quando questionado acerca dos amigos da escola, ele não mostrou entusiasmo e,
simplesmente, disse que as relações eram estritamente para assuntos da própria escola. Em
relação aos amigos da escola, Silva Filho (2016) relatou que,
Os amigos da escola eu conto nos dedos! Eu tive dois amigos que não são
músicos, aliás, um deles é que é o André. Era André e mais uns dois que se
perderam no tempo! Não há muitas lembranças. Eu era muito tímido, então
tinha problemas em se relacionar. (informação verbal)58.
57
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
58
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
59
“Dudu” é a forma carinhosa como os músicos potiguares e amigos referem-se a Eduardo Taufic.
99
Rapaz, Dudu, é um cara fora de sério. Eu não teria nem como explicar o que
ele representa como meu amigo e o que ele representa para a música.
(Silêncio). Há poucos “Dudus” pelo mundo. (informação verbal)60.
Tive diversos amigos musicais, como Valeria Oliveira, Babal, Leão Neto,
Sueldo Soares, Pedrinho Mendes, entre outros que não lembro agora. Eu
encontrava sempre Dudu nas bandas para acompanhar os cantores e aí a
amizade foi tomando forma, de vez em quando eu ia para a casa dele
escutar discos, estudar, tocar juntos, entendeu? (informação verbal)61.
Diante dos relatos, a rede de amigos configurou-se como algo bem significativo para
os pesquisados, enquanto possibilidades formativas por meio dos envolvimentos. Constatei
que os amigos dos pesquisados já eram nomes de referência no cenário da música da cidade
do Natal-RN, proporcionando, com isso, uma excelente oportunidade de aquisição dos
conhecimentos musicais. Nesse sentido, o agente motivador estava presente na medida em
que todos discutiam as mesmas coisas, falavam a mesma língua: a linguagem musical.
Nessa relação, a formação musical não é mais algo tão inconsciente, assim como
ocorreu nos primeiros contatos espontâneos com a música. Contudo, apesar da consciência
acerca das possibilidades de aprendizagens musicais, percebo que o aspecto da
espontaneidade continuou presente diante das relações entre os amigos. Ou seja, há uma
intenção de aprender música a partir das trocas dos amigos, mas não há uma pressão de ter
que aprender, pois a formação acontece naturalmente em meio aos ciclos de amizades.
60
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
61
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
100
A minha vida acadêmica com a música foi três anos que eu estudei com o
professor Waldemar e não foi um estudo metódico! Eu não fui aquele aluno
que começou a estudar o Hanon, as escalas e tinha obrigação de passar 8
horas por dia. Enfim, eu estudei tudo isso, mas de forma muito espontânea,
muito autodidata mesmo, de querer buscar. Então, seguia em busca de uma
técnica porque eu queria fazer uma coisa, não porque eu fui obrigado a
fazer os exercícios, entende? Eu queria tocar aquela música, então eu fazia
de tudo para tocar aquela música. Eu precisava de técnica, precisava de
conhecimento e assim eu fui na minha cabeça criando as minhas próprias
teorias e ferramentas próprias de aprendizagem. (informação verbal)62.
A partir do meu grifo, busco relacionar o que está por trás das aparências iniciais do
discurso do entrevistado. Quando este caracteriza a sua formação a partir dos “conselhos de
Manoca”, é porque assume uma posição de autonomia para escolher o envolvimento com o
professor e até seguir ou não os seus “conselhos”. De fato, a liberdade de escolha
caracterizou-se como uma forte tônica em todas as fases formativas dos músicos pesquisados.
62
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
101
Os músicos populares escolhem os seus espaços formativos, mas a questão cerne de reflexão é
o que lhes chama a atenção em transitar por esses espaços.
Nesse contexto, vale ressaltar que Jubileu Filho não estudou com Manoca na
academia, apesar do fato de que o professor também atuava nos conservatórios. O estudo foi
totalmente informal. Questionei porque ele não procurou estudar nos conservatórios. Ele
esclareceu, dizendo:
Como bem definiu o músico, a rivalidade entre a música erudita e a música popular,
que o senso comum estabeleceu durante décadas, está, de fato, enfraquecida. Certamente que
as ações pedagógicas de muitos professores foram fundamentais para a quebra desse
paradigma. Na atualidade, já constatamos um envolvimento amigável entre os músicos
eruditos e populares. Nas minhas observações, a partir dos ensaios, ficou nítido isso, quando o
professor da EMUFRN, Airton Guimarães, atuou como músico na formatação de shows de
música popular65.
Silva Filho (2016) teve na figura do seu professor Manoca Barreto uma elevada
estima, que vai bem além de uma relação de emissão e recepção de conteúdo. Os relatos
delineiam isso:
O meu grifo mostrou toda a afetividade que o aluno demonstrou para com o seu
mestre. Nesse momento, descrevi no caderno de campo o estado emocional pelo qual o
entrevistado foi tomado:
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Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
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Atuou tocando contrabaixo acústico nos ensaios dos shows: “Entre Amigos” e “Nara Costa e o show
Gonzaguinha 70 anos”.
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Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
102
Quando ele disse “acho que ninguém fez por mim o que ele fez” a atmosfera
foi tomada pela emoção e o entrevistado se mostrou bastante nervoso em
prosseguir com a entrevista. Percebi que ele tem na figura do professor
Manoca como um ser bem especial, um verdadeiro pai musical. (CADERNO
DE CAMPO, 28/03/2016).
67
“Manoquinha” era o nome carinhoso que os alunos se referiam ao professor Manoca Barreto.
68
O curso de Harmonia Funcional era voltado para o público dos músicos populares da cidade do Natal-RN na
EMUFRN. Vale salientar que Jubileu fez este curso de maneira totalmente informal com Manoca Barreto
enquanto que Eduardo Taufic fez o curso na instituição.
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Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
103
Tinha coisas que eu já sentia intuitivamente, mas não sabia porque que
aquilo acontecia, entendeu? Por exemplo: eu estava tocando uma música
numa cadência I, IV, V, em Do maior. Tocava ali - Do, Fa e Sol. Na minha
cabeça, eu tinha que tocar a escala de cada acorde, você está entendendo?
(Risos). Se eu tivesse em Do, era escala de do maior, quando eu mudava
para Fa, escala de fa maior, só que quando eu tocava o sib, quando estava
em fa, soava estranho. Eu dizia, pô, mas se eu estou tocando um acorde de
fa e tocando a escala de fa porque é que não dá certo? (Risos). Ai eu já
sentia que, sabe, algo estava errado. Mas, após o curso de harmonia
funcional minha relação com a música mudou completamente. Aí eu dizia:
oh, por isso que não dava certo! porque na realidade você tinha que tocar o
modo do quarto grau. Então, foi onde deu uma abertura na minha cabeça.
(informação verbal)70.
Diante dos relatos, está clara a relação de crescimento dos músicos a partir dos
momentos de aprendizagem com os professores. Nessa relação, não constatei indícios da
“pedagogia tradicional”, a qual foca no “[...] o uso de exercícios repetitivos e a centralização
do poder nas mãos dos professores”. (RIBEIRO, 2015, p. 4). Bem distante disso, a relação
professor/aluno configurou-se em um ambiente completamente motivador, propício à
liberdade de escolhas. Os pesquisados, diante das ações dos professores, aumentaram os
conhecimentos, não negando as habilidades adquiridas anteriormente.
Portanto, a didática do professor colaborou com a motivação e aproximação dos
músicos, pois não trouxe os conhecimentos musicais como algo vestido de obrigatoriedade.
Seja na formação inicial ou na fase de profissionalização, jamais os músicos demonstraram
que aprender música fosse algo obrigatório ou que não trouxesse um bem-estar pessoal.
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Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
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acerca dos músicos que atuam nas noites, esclarecendo a necessidade de um vasto “cardápio”
de conhecimento necessário nesse trânsito: [...] ter conhecimento de alguns padrões ou clichês
de estilos musicais, como o samba, rock, baião, pop. Da mesma forma, é importante que ele
tenha vasto repertório de músicas [...].
Então, diante dessa complexidade, proponho compreender a formação dos músicos
populares diante dos diversos espaços de atuação profissional.
Eduardo (2016), desde muito cedo, iniciou seu envolvimento profissional com a
música:
Silva Filho (2016) descreveu como foram os seus primeiros contatos profissionais:
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Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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[...] tudo foi muito natural. Inclusive, foi a mesma época, com 13 ou 14
anos, eu já era chamado pelos estúdios para fazer jingles, porque eu
dominava muito bem o teclado, as programações. Nessa época,
naturalmente, eu já fui entrando no mercado publicitário. (informação
verbal)73.
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Informação proveniente da entrevista com José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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Eduardo Taufic foi formado musicalmente para os estúdios por meio da pressão que o
ambiente provocou. Uma coisa importante de destaque que grifei é a consciência segundo a
qual o profissional que necessita chegar ao resultado de qualidade não tem escolhas, tem que
persistir até alcançar esse objetivo. Na atuação profissional, a música perde grande parte das
configurações espontâneas dos primeiros envolvimentos quando o brincar com o ambiente
sonoro era algo que não trazia a obrigatoriedade. Nessa relação, há a questão financeira e os
músicos precisam conseguir atingir os objetivos do cliente que paga pelo serviço.
De maneira geral, o leque de informações pertinentes às práticas profissionais dos
músicos permite um fácil ajustamento destes a diversas práticas musicais. Isso ficou
evidenciado quando Silva Filho (2016) identificou a sua melhora, enquanto músico
instrumentista, a partir do envolvimento com as gravações:
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Nesse sentido, certamente que a convivência profissional nos grupos ou bandas, além
de gerar maiores pressões as quais conduzem à motivação para com os estudos, também
funcionam como ambiente propício às chamadas “trocas musicais”. Isso ficou bem evidente a
partir das minhas observações no campo, pois os ensaios configuraram-se em riquíssimos
ambientes formativos, por meio da aprendizagem musical conquistada a partir das discussões
dos músicos no momento da formatação dos shows.
Os músicos pesquisados podem ser definidos como instrumentistas bem ecléticos, no
sentido de conhecer o “sotaque” de cada ambiente musical. Outro espaço profissional que
apontou enormes possibilidades formativas foi o envolvimento com a música instrumental.
Questionei, especificamente, sobre a influência do Jazz na formação musical deles. Perguntei
aos pesquisados acerca desse envolvimento, querendo saber se eles seriam os músicos com o
reconhecimento que têm hoje, caso não tivessem o contato com esse gênero. Silva Filho
(2016) respondeu que,
Acho que não! O Jazz foi fundamental na minha formação. Eu posso dizer
para você que eu não sou um jazzista, como também não sou roqueiro, como
também não sou um blues man! Eu sou um pouco de tudo, eu tenho uma veia
roqueira, mas também tenho uma do Jazz, do Choro, da música brasileira.
Então, a linguagem do Jazz foi fundamental na minha formação, assim como
as outras.(informação verbal)77.
Como instrumentista foi decisivo passar pelo Jazz! Mas, como artista eu
diria que talvez eu não precisasse ter passado pelo jazz! Está entendendo a
diferença? Por exemplo, minhas músicas, tem tema, tem improvisação, tem
tudo isso, mas eu não tento encarar como puramente Jazz. Eu diria que,
como instrumentista, o Jazz me deu virtuosidade nos solos e muita gente me
segue por causa disso, por causa do instrumentista que eu sou. Mas como
artista o Jazz assume o mesmo espaço que o forró, que o bolero.
(informação verbal)78.
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seria abalada caso não tivesse o contato com o Jazz; que o gênero está mais ligado a ele como
instrumentista. Contudo, há uma contradição no discurso, pois assumiu que o gênero do Jazz
foi fundamental para adquirir os conhecimentos que o transformou em um instrumentista
virtuoso e que, diante disso, muitas pessoas o seguem. No caso dos pesquisados, surge a
questão: podemos separar o músico artista do músico instrumentista? Ou uma coisa não seria
consequência da outra? Penso que, justamente, foi a habilidade instrumental que deu
visibilidade aos pesquisados enquanto artistas.
Nesse sentido, os pesquisados, desde muito cedo, foram influenciados pelo discurso do
Jazz. Os conhecimentos jazzísticos são como “ferramentas mestras” usadas em diferentes
situações durante a performance musical. De maneira geral, conhecer as técnicas e
possibilidades de criação e improviso aumentam as possibilidades de atuação dos músicos
populares, adquirindo maior prestígio profissional.
Em minhas observações, constatei que os conhecimentos jazzísticos foram
fundamentais para a prática dos músicos, pois funcionaram como importantes “saídas”, no
sentido de consertar, quando algo fugia do planejado. A ideologia da “liberdade” que paira
sobre o Jazz postula um significado musical no qual os instrumentistas não veem o “erro
musical” da mesma maneira que em outros gêneros musicais. Silva Filho (2016) esclarece
isso, quando diz que,
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110
É porque muita gente confundi, inclusive (Risos) tem muita gente querendo
improvisar e simplesmente acha que o jazz é livre pra você fazer o que
quiser porque tem gente que começa a improvisar fazendo qualquer nota,
batendo fora do ritmo! Quer dizer, isso não soa música, entendeu? Então
isso pra mim é um erro... você confundir liberdade com desleixo.
(informação verbal)80.
Apesar dos relatos de Eduardo Taufic acerca do gênero, de fato, minhas inferências
acerca dos conhecimentos jazzísticos é que foram de grande importância na formação musical
dos pesquisados, enquanto músicos instrumentistas virtuosos.
Desse modo, está claro que a fase de profissionalização colabora significativamente
com a formação dos músicos populares, haja vista o imenso arsenal de conhecimentos que são
adquiridos. O músico popular vai conquistando muitos conhecimentos a partir da sua atuação
profissional, motivado pela própria pressão e consciência de que há uma relação profissional,
um produto que está sendo vendido: o produto musical. Diante disso, os espaços profissionais
configuraram-se em espaços motivacionais onde os músicos sentem-se pressionados e
conduzem, muitas vezes por processos de autoaprendizagem, a própria formação musical.
Eduardo (2016) começou a sua aproximação com a partitura a partir das necessidades
impostas pelo mercado de trabalho, quando assumia a função de arranjador.
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O senso comum de que o músico popular apenas toca de ouvido está cada vez mais
degastado. De fato, o músico popular tem uma grande percepção musical, mas há outras
ferramentas colaborativas à sua prática profissional. Na verdade, o músico popular busca
compreender o porquê das coisas, identificando a funcionalidade dos conhecimentos em
estreitamento com as suas intenções musicais. O uso da partitura, assim como revelou
Eduardo Taufic, tem uma função bem específica nos seus contextos profissionais,
proporcionando maior organização na hora da formatação de um show. Quando o músico não
assumia essa posição de arranjador, ou seja, quando era apenas músico instrumentista, não
havia a motivação em aprender os conhecimentos acerca da partitura.
É o seguinte, meu site está tudo organizado. O realise está em cinco línguas
diferentes. Os clipes sempre são atualizados. Quer dizer, tudo que o cliente
precise saber, poderá acessar quando abre o site, entendeu? Sei que não é
todo músico que faz isso porque dá muito trabalho, mas isso é
imprescindível para divulgar o meu trabalho. (informação verbal)83.
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Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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Silva Filho (2016) identifica que sentiu necessidade de se preocupar com a sua
imagem a partir do momento em que se tornou proprietário da banda Perfume da Gardênia:
O mercado exige que o músico divulgue a sua imagem, pois nessa trama há uma
pressão financeira. Os músicos populares, de maneira geral, não têm vínculos profissionais
que os propiciem a estabilidade financeira. Geralmente, abraçam diversas responsabilidades,
onde deixar os canais de comunicação atualizados configuram-se num pequeno exemplo
acerca das diversas exigências que o mercado impõe.
A formação dos músicos pesquisados, diante desse prisma, aconteceu em meio a esses
espaços. Ou seja, com o tempo, foram adquirindo os conhecimentos os quais respondiam às
exigências do mercado. Um exemplo disso, foi quando Eduardo (2016) explicou que teve que
melhorar a sua oratória, pois deveria apresentar o seu show:
Quando tinha que apresentar o meu show para o público, no início foi um
grande problema. Acho que os músicos instrumentistas geralmente são bem
tímidos e eu fui assim também. Quando eu tocava com os cantores, não
tinha problemas porque eu não precisava falar, porque para tocar, nunca
tive timidez. (Risos). Agora, para falar! (Risos) para você ter ideia, no início
eu escrevia o texto porque não conseguia de outra forma. Mas com o tempo
eu fui adquirindo essa habilidade e acho que hoje falo até bem. (informação
verbal)86.
O discurso a seguir delineia bem as habilidades que o músico deve ter, as quais estão
bem mais além do que os conhecimentos estritamente musicais.
Cada show é uma história, você tem que ter um atrativo, um tema ou um
lançamento de um disco ou uma homenagem. Enfim, é bom ter um título.
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Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
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Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
113
Tem que ver como será a questão dos custos, como é a logística! Tudo eu me
preocupo, desde a produção de levantamento de custos, da formação do
grupo, do repertório, dos arranjos, como também da parte da divulgação.
Eu tenho uma boa relação com a mídia e sempre há uma boa divulgação
nos jornais, nas TVs. Tem também a questão que eu tenho que correr atrás
dos cachês, do desenho de luz, do som, tudo eu me preocupo. (Risos). É uma
produção geral. Acho que por último é que eu me preocupo em tocar, é o
mais fácil. (Risos). (informação verbal)87.
Essa relação ficou bem evidenciada na minha observação do show “Entre Amigos”
quando Eduardo Taufic precisou parar o ensaio para ser entrevistado por uma equipe de rádio
e depois já tinha em suas mãos uma máquina fotográfica profissional para registrar as
imagens do grupo e enviar aos jornais locais. Naquele momento, ficou claro que o músico
popular, na atualidade, é um indivíduo que deve estar, de fato, conectado às exigências do
mercado.
Silva Filho (2016) comentou acerca da busca por financiamentos dos seus shows:
[...]o ideal seria que eu ensaiasse e subisse no palco tranquilo, mas até o
último minuto antes do show você está preocupado se tem troco para dar no
ingresso, quem vai vender o disco, qual a hora que você começa, você tem
que fazer a gravação e enviar pra rádio, tem que ir atrás de apoio! Tudo
isso eu faço, tenho que fazer. (informação verbal)89.
Todas essas habilidades são peças fundamentais na configuração desse músico popular regido
sob a batuta do mercado musical.
115
6 CONCLUSÃO
Durante todo o processo de construção desta pesquisa, fui motivado pelas intensas
leituras acerca da formação dos músicos populares. Tive acesso a um vasto material: artigos
científicos, revistas, livros, além de navegar por sites, como o da ABEM e da ANPPOM.
Contudo, a literatura, por muitas vezes, não evidenciava em seus títulos a relação
direta com a minha pesquisa. Um exemplo disso foi quando eu comecei a ler acerca das
revoluções tecnológicas, mas os textos não relacionavam as tecnologias com a possibilidade
de formação dos músicos populares. Apenas após perceber o próprio campo, foi que consegui
fazer os links e enxergar que era preciso correlacionar os contextos no sentido de conquistar
um conhecimento mais holístico sobre o tema.
Diante disso, observar o campo foi a solução para conseguir perceber as relações com
a literatura, pois o próprio campo mostrou como é importante problematizar as revoluções
tecnológicas para compreender um dos caminhos formativos dos músicos populares. Estar na
posição de pesquisador foi um percurso de imensas descobertas e incertezas. Sempre surgiu a
dúvida de como conduzir a pesquisa de uma forma organizada a qual, de fato, trouxesse uma
contribuição científica à Educação Musical.
Os músicos Eduardo Taufic e Jubileu Filho proporcionaram-me livre acesso em
relação à busca dos dados. Em todas as situações de coleta dos dados, foram bem solícitos.
Por outro lado, também tive o cuidado de observar as questões éticas, explicando todas as
informações para os pesquisados. Além disso, escolhi justamente eles, como os sujeitos da
minha pesquisa, pelo fato de que atuam em diversos contextos profissionais como produtores,
arranjadores, compositores e instrumentistas. Mediante isso, busquei compreender como
ocorreu a formação musical também a partir das dimensões profissionais.
Usei o estudo de caso na perspectiva de compreender o caso da formação dos músicos
populares a partir do olhar científico sobre os sujeitos da pesquisa. A coleta de dados seguiu
da seguinte maneira: Questionário eletrônico – usado para acessar as primeiras informações a
respeito dos sujeitos da pesquisa; pesquisas bibliográficas – realizadas em todos os momentos
da pesquisa; observação direta – quando eu tive a oportunidade de sentir a prática profissional
dos músicos nos ensaios, show e estúdio de gravação; entrevistas semiestruturadas – na
perspectiva de conseguir extrair dos pesquisados as suas impressões acerca da formação
musical.
Diante dos resultados, entendo que este trabalho é apenas um primeiro passo na minha
busca em compreender a formação dos músicos populares, mediante toda a complexidade que
116
paira sobre o tema. Perceber os espaços pelos quais o músico popular transita e refletir como
acontece a formação musical, mediante as diversas exigências da contemporaneidade, é
certamente uma tarefa bem mais ampla que exige o trabalho de muitos pesquisadores.
Mas, assumindo a consciência de que esta pesquisa é apenas o meu primeiro passo,
enquanto pesquisador que busca a compreensão acerca do tema, proponho deixar a minha
contribuição na perspectiva de que é preciso ainda muito mais trabalhos acerca da formação
dos músicos populares.
A pesquisa delineou o músico popular contemporâneo, identificando as diversas
etapas de sua formação. Certamente, diante das análises dos textos produzidos a partir do
campo e também da literatura, constatei que o músico popular é um ser totalmente autônomo
no sentido de escolher os caminhos formativos. Eu diria que a palavra chave para o músico
popular seria “liberdade”. Em todas as fases da formação, desde as primeiras apreciações
musicais até a profissionalização, a liberdade de escolha foi conjeturada como algo bem forte
para os pesquisados.
A pesquisa revelou a família e os amigos como sendo os primeiros professores dos
músicos pesquisados. O papel da família, na exposição do ambiente musical, de maneira
totalmente espontânea e sem gerar pressões, foi de suma importância no sentido de motivar os
músicos. Já os amigos também foram fundamentais, pois tinham valiosos conhecimentos
musicais os quais, a partir do convívio social, possibilitaram gerar formação aos pesquisados
nesses primeiros passos de envolvimento com a música.
O acesso às tecnologias como CDs, DVDs, rádio, TV, vídeo-aulas, materiais da
internet, programas de gravação e mixagem, entre diversos outros, contribuíram com a
formação dos pesquisados. Tanto Jubileu Filho como Eduardo Taufic são músicos resultado
das revoluções tecnológicas.
Outra característica foi a relação que os espaços de atuação tiveram com a formação
musical dos pesquisados. Nessa lógica, os músicos foram formados diante dos próprios
contextos de atuação. Na medida em que transitavam pelos grupos musicais, buscavam as
informações musicais as quais respaldassem a atuação naqueles espaços. Do mesmo modo,
quando os músicos assumiam a posição de produtores, os espaços dos estúdios foram os seus
professores.
Destaco a relação formativa que os músicos tiveram com os professores Waldemar de
Ernesto e Manoca Barreto. Os músicos se envolveram com os docentes de forma espontânea,
em que a liberdade de escolha esteve presente. Não foi um envolvimento pedagógico nos
modelos tradicionais. Os professores contribuíram com a formação dos músicos, mas, ao
117
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Curitiba: Editora Prismas, 2015.
ZIMMERMANN, Nilsa. A música através dos tempos. São Paulo: Paulinas, 3. ed. 2007.
ANEXOS
124
ANEXO A
Eduardo Taufic, brincando com a música Eduardo Taufic com o seu primeiro piano
ANEXO B
ANEXO C
ANEXO D
APÊNDICES
129
APÊNDICE A
130
131
132
133
134
135
136
137
APÊNDICE B
138
139
APÊNDICE C
140
141
APÊNDICE D