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Oftalmologia - Vol. 33: pp.

29 - 32

Oftalmia Simpática:
A Propósito de Um Caso Clínico
Mário Neves 1, S. Freire 2, R. Campos 1, F. Trindade 1, S. Prazeres 1, A. Barbosa 2
1 – Interno do Internato Médico de Oftalmologia
2 – Assistente Hospitalar de Oftalmologia
Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E.
Director: Dr. Roque Loureiro

mbneves@gmail.com

RESUMO
Objectivo: A Oftalmia Simpática é uma uveíte granulomatosa, que tem início após
traumatismo penetrante prévio de um olho. A incidência estimada é de 0,3-0,5% após
traumatismo acidental e de 0,015% após cirurgia ocular. O tratamento inclui o uso de
imunossupressores. O prognóstico é reservado e depende do início precoce e agressivo
da terapêutica. Material e Métodos: Os autores apresentam o caso clínico de uma
Oftalmia Simpática, após vitrectomia, em doente com antecedentes de traumatismo ocular
penetrante há 20 anos. Foi instituída terapêutica imunossupressora com corticoesteróides
e ciclosporina A. Houve melhoria significativa da acuidade visual e sintomatologia
oftalmológica. As características clínicas, diagnóstico, fisiopatologia, e os aspectos
terapêuticos serão discutidos. Conclusão: A Oftalmia Simpática representa um desafio
para o oftalmologista em todos os aspectos: no diagnóstico, que deve ser de exclusão;
na severidade do quadro, e na terapêutica, que deve ser precoce e agressiva. O caso
apresentado ilustra a gravidade que esta afecção pode assumir, e a dificuldade em tratar
estes pacientes.

ABSTRACT

Sympathetic Ophthalmia: Case Report


Introduction: Sympathetic ophthalmia is a granulomatous uveitis that occurs after a
penetrating injury to one eye. The estimated incidence is of 0,3-0,5% following acidental
trauma, and 0,015% following intraocular surgery. The treatment included the use of
immunosuppressive medication. The prognosis is reserved and depends of prompt and
agressive treatment. Methods: The autors present a case of a sympathetic ophthalmia
following vitrectomy in patient whit antecedent penetrating ocular trauma 20 years ago.
Was established immunosupressive therapy whit corticoesteroids and ciclosporin A.
There was a significant improvement of visual acuity and ophthalmic symptoms. The

Trabalho apresentado como comunicação oral no 50.º Congresso Português de Oftalmologia, Dezembro de 2007,
Porto

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Mário Neves, S. Freire, R. Campos, F. Trindade, S. Prazeres, A. Barbosa

clinical features, diagnosis, physiopathology, and therapeutic aspects will be discussed.


Conclusion: Sympathetic ophthalmia is a challenge for the ophthalmologist in all aspects:
in the diagnosis that shoud be of exclusion; the severity of presentation, an in therapy that
should be prompt and agressive. This case illustrates the severity of this entity and the
difficulty in the treatment of these patients.

Palavras Chave: Oftalmia Simpática; Uveíte; Imunossupressão; Enucleação; Vitrectomia.

Key Words: Sympathetic Ophthalmia; Uveitis; Immunosuppression; Enucleation; Vitectomy.

Introdução estudos sugerem que o traumatismo penetrante


do olho induz a libertação de antigénios uveais

A oftalmia simpática é uma uveíte granulo-


matosa bilateral secundária a um trauma-
tismo penetrante do globo ocular. É caracterizada
na circulação sistémica, que desencadeiam uma
resposta auto-imune de linfócitos T contra uma
das proteínas solúveis associada à membrana dos
por um início insidioso, com um período de fotorreceptores da retina, denominada antigénio
latência entre o traumatismo no olho excitante S da retina 4, 5, 6.
e o início dos sintomas no olho simpatizante No diagnóstico secundário devem ser conside-
raramente inferior a 2 semanas, e uma evolução rados a síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, a
progressiva. uveíte facoantigénica bilateral e outras causas
O traumatismo inicial é acidental (ferida per- de uveíte granulomatosa (fungos, bactérias).
furante; contusão; rotura da esclera) em cerca O único tratamento preventivo conhecido é a
de 70% dos casos, sendo a cirurgia intra-ocular enucleação do olho traumatizado antes do olho
(victrectomia/cirurgia retina; cirurgia filtrante; simpatizante ser envolvido. A enucleação após o
extracção catarata) responsável pela quase totali- início da uveíte simpática mantém-se um tópico
dade dos restantes 30% 1. A incidência estimada de considerável controvérsia.
é de 0,3-0,5% após traumatismo acidental e de Os corticóides tópicos, perioculares e sisté-
0,007-0,015 após cirurgia ocular 2,3. micos, constituem a terapêutica de eleição após
A apresentação clínica da oftalmia simpática o início do processo inflamatório, podendo ser
quase sempre se inicia no segmento anterior com associados agentes imunomoduladores como a
a característica uveíte anterior granulomatosa ciclosporina A, clorambucil, ciclofosfamida.
crónica (nódulos de Koeppe; precipitados querá- O prognóstico desta entidade clínica é reser-
ticos em «gordura de carneiro»; espessamento vado e está relacionado com o início precoce do
da íris; sinéquias posteriores). Ocasionalmente tratamento. As sequelas mais frequentes são a
pode ter início no segmento posterior. A uveíte catarata, o glaucoma, o descolamento da retina,
posterior cursa com vitrite de grau variável, a atrofia óptica e a phthisis bulbi.
nódulos de Dälen-Fuchs em 1/3 dos casos, edema
da papila e descolamento exsudativo da retina.
As manifestações sistémicas são muito raras, ao Caso Clínico
contrário da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada
(VKH). Doente do sexo feminino, 33 anos, que
A patogénese exacta é desconhecida. Pensa-se recorre ao serviço de urgência em Julho de 2007
que a oftalmia simpática representa uma resposta por diminuição acentuada da acuidade visual
auto-imune a um, ou vários componentes da do olho direito, com cerca de uma semana de
retina, epitélio pigmentar da retina ou coróide. Os evolução, sem história de traumatismo.
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Oftalmia Simpática: A Propósito de Um Caso Clínico

Como antecedentes pessoais apresentava his-


tória de traumatismo penetrante do olho esquerdo
há 20 anos, tendo ficado afáquica. Em Março de
2007 apresentou descolamento da retina do olho
esquerdo, regmatógeno, com cerca de um mês
de evolução, tendo sido submetida a vitrectomia
mecânica posterior + endolaser + tamponamento
com C3F8, sem sucesso, com hemovítreo e
hifema no pós-operatório.
Em Junho de 2007 foi submetida a lavagem
terapêutica da câmara anterior por hifema.
À observação o olho direito apresentava
AV inferior a 1/10, hiperémia conjuntival de
predomínio ciliar, Tyndall +/++ e íris regular.
Fig. 2 – Angiografia fluoresceínica.
A PIO era de 18mmHg. À fundoscopia apre-
sentava vitrite moderada e intenso edema na área
macular e retina periférica com perda do reflexo
rosado (Fig. 1). O olho esquerdo apresentava AV
sem percepção luminosa com hifema de metade
da câmara anterior. À fundoscopia apresentava
proliferação vítreo-retiniana severa, não se
visualizando a retina.

Fig. 3 – Angiografia fluoresceínica.

oral 5 mg/kg/dia e terapêutica tópica com atro-


Fig. 1 – Retinografia. pina e prednisolona.
A doente evoluiu favoravelmente, com aumento
progressivo da acuidade visual do olho direito e
O exame objectivo geral era normal. diminuição do edema macular.
Foi realizada angiografia fluoresceínica do Actualmente, 3 meses após o início do qua-
olho direito que revelou múltiplos pontos hiper- dro, apresenta AVOD 9/10 sem correcção, e à
fluorescentes na área macular com derrame fundoscopia observa-se alterações pigmentares
tardio (Figs. 2 e 3). da mácula (Fig. 4). A angiografia não apresenta
A doente foi internada no Serviço de Oftal- alterações de relevo (Fig. 5). Mantém terapêutica
mologia e instituída terapêutica com predniso- de manutenção com prednisolona oral 20 mg id e
lona endovenosa 2mg/kg/dia e Ciclosporina A ciclosporina A 100 mg id.

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Mário Neves, S. Freire, R. Campos, F. Trindade, S. Prazeres, A. Barbosa

Algumas questões se colocam acerca da etio-


logia da oftalmia simpática: Qual a importância
do traumatismo inicial há vinte anos? E da
vitrectomia mecânica posterior?
De acordo com estudo recentes, a oftalmia
simpática pode ser vista após vitrectomia, mesmo
sem história prévia de traumatismo, sendo o
risco superior em doentes com traumatismo
prévio 8, 9. Neste caso, o traumatismo inicial terá
sido responsável pela sensibilização imunitária,
representando a vitrectomia um estímulo antigé-
nico adicional, embora a etiologia definitiva não
possa ser estabelecida.
Todas as uveítes atípicas ou persistentes após
Fig. 4 – Retinografia 3 meses depois. vitrectomia devem alertar para a possibilidade
do desenvolvimento de oftalmia simpática.

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clínica. Para além disso deve ser preconizada a retinal operations. 2005 Sep-Oct; 121(5): 38-41
enucleação do olho esquerdo (excitante), uma
vez que se trata de um olho amaurótico, sem
qualquer viabilidade.

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