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dossier técnico

CABEÇA

Evolução e aplicação da mecatrónica


em máquinas agrícolas Luís Alcino Conceição . Escola Superior Agrária de
Elvas, Instituto Politécnico de Portalegre
Pilar Barreiro, Constantino Valero . Escola Técnica
Superior de Engenheiros Agrónomos, Universidade
Em Ciências Agronómicas, a constante adoção de novas tecno- Politécnica de Madrid
logias, faz com que cada vez mais se alargue o conhecimento
em torno de novas áreas técnicas e científicas. Hoje, a incorpo-
ração de sistemas mecatrónicos na arquitetura de conceção de tratores e máquinas agrícolas,
além de tornar a máquina mais amiga do operador, tem permitido a otimização da sua utilização
e rentabilidade de operação. O significado de Mecatrónica e algumas considerações sobre a sua
aplicação em máquinas agrícolas são descritas neste artigo.

Evolução e interdisciplinaridade
da mecatrónica
Longe vai o tempo em que no posto de con-
dução de uma máquina agrícola apenas exis-
tiam alavancas e pedais de funcionamento
meramente mecânico em que a força de
atua­ção e rigor dependiam integralmente do
operador. A adoção de comandos assistidos
tornou o trator um instrumento de trabalho
mais cómodo, seguro e preciso. Pode mesmo
afirmar-se que o aumento desta funcionali-
dade permitiu não só o aumento de horas de Figura 1 – Evolução histórica e interdisciplinaridade do conceito de mecatrónica
trabalho em prestadores de serviço como o
leque de utilizadores em empresas familia- zação das operações. A introdução desta tec- em máquinas de distribuição; o controlo
res. Para isso contribuiu a tecnologia meca- nologia iniciou-se pela utilização de compo- remoto por wireless é hoje o que permite a
trónica. Mecatrónica é um termo que surge nentes assistidos eletricamente, como seja transmissão de informação do peso medido
no Japão na década de 60 do século passado a assistência elétrica dos comandos eletro- pelas células de carga instaladas no eixo de
e resulta da combinação de diferentes áreas -hidráulicos de um sistema de transmissão um reboque unifeed e o respetivo monitor
da engenharia, fundamentalmente: mecâ- ou da tomada de força em tratores agrícolas. de comando instalado no interior da cabine
nica, eletrónica e informática ao nível dos Posteriormente surgem os componentes as- do trator e os robots de ordenha um exemplo
sistemas de controlo computorizados. Na sistidos e controlados por computador, os de máquinas completamente autónomas. A
figura 1 é possível ver um resumo do proces- componentes controlados de forma remota e partir de 2008 praticamente todos os equi-
so evolutivo do conceito de mecatrónica a por ultimo o desenvolvimento de máquinas pamentos automotrizes dispõem de con-
partir de um sistema mecânico e a interdis- completamente autónomas – robotização. troladores eletrónicos do motor, requisito
ciplinaridade que o constitui. Em 1970 é in- Exemplo da assistência por computador é indispensável para que sejam cumpridas as
corporada a teoria de controlo, a eletrónica o controlo de um débito ou densidade pro- metas de emissões poluentes cada vez mais
e os microprocessadores, na década de 80 os porcional a velocidade de avanço presente rígidas e atualmente regulamentados pelas
sistemas de desenho assistido normas TIER IV.
por computador e os princí- Em 1991 a ASABE (American
pios de diagnóstico de falhas, Society of Agricultural and
na década de 90 a internet e Biological Engineers) publica
os sistemas de transmissão de a Norma EP455 que estabelece
dados sem fio (wireless) e a as condições ambientais em
partir de 2000 o processamen- que devem ser avaliados os
to digital de sinal em sistemas componentes eletrónicos apli-
embebidos e as tecnologias de cados a máquinas agrícolas de
informação. modo a garantir a sua adequa-
Numa máquina agrícola a me- ção e fiabilidade. De acordo
catrónica é hoje determinante Figura 2 – Exemplos de aplicação da tecnologia mecatrónica no comando de funções num trator agrícola com esta Norma, a severida-
para o controlo e ou automati- e esquema da possível transmissão de dados por wireless do sistema de pesagem de um reboque unifeed de do efeito ambiental é rela-

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cionada com a localização do componente em voltagem ou intensidade.


eletrónico na máquina, sendo o ensaio rea- A partir daqui, e de acordo
lizado sob condições extremas ambientais com uma calibração pré-
de temperatura, altitude, poeira, radiação -estabelecida a informação é
solar, imersão, humidade, vibração, com- tratada por um micro contro-
patibilidade eletromagnética, entre outros lador e é originada uma res-
fatores, em tudo idêntico à de componen- posta enviada a um atuador.
tes instalados em equipamento militar. Por De acordo com o princípio de
este facto o nível de proteção internacional transdução, os sensores ana-
(IP) dos equipamentos eletrónicos instala- Figura 3 – Diagrama de funcionamento do sistema hidráulico de um trator com lógicos podem classificar-se
dos em máquinas agrícolas é frequentemen- regulação eletrónica e representação do sistema de controlo de um distribuidor pendular como resistivo, capacitivo,
com distribuição proporcional à velocidade de avanço
te o de IP67 correspondente a um nível de indutivo ou eletromagnéti-
proteção total contra o pó e imersão até 1 m co. Atualmente é frequente a
de profundidade. e automatização do funcionamento do sis- utilização de sensores digitais cuja princi-
tema hidráulico; em máquinas um exemplo pal vantagem relativamente aos analógicos
Sensores, atuadores clássico é o do controlo de distribuição de é a sua maior imunidade ao ruído elétrico.
e sistemas de controlo produtos sólidos ou líquidos. Genericamen- A avaliação do comportamento estático e
aplicados a máquinas agrícolas te entende-se por sensor, um dispositivo dinâmico de um sensor com base nas suas
São vários os sistemas que recorrem à uti- capaz de interpretar o meio externo, geral- diferentes características, nomeadamente, a
lização de sensores ou captores para o seu mente constituído por um sensor primário, sua amplitude de medida, compatibilidade
funcionamento (figura 3). Ao nível do utili- um transdutor e um condicionador de sinal. com outros componentes associados, imu-
zador, em tratores são exemplos os sistemas Uma vez detetada uma magnitude física nidade ambiental e precisão, determina a
de controlo da taxa de patinagem das rodas pelo sensor primário, o transdutor trans- sua escolha. No caso de máquinas agrícolas,
motrizes, do controlo do funcionamento forma-a numa grandeza elétrica e o condi- por exemplo, a precisão dos sensores utili-
dos sistemas de transmissão e do controlo cionador de sinal converte o sinal elétrico zados é habitualmente de 0,05 a 1%. Os atua­

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dores podem ter diferentes princípios de ção da norma ISO 11783 ou ISOBUS. O obje- tornaram-se mais ágeis o comando de fun-
funcionamento, sendo os mais comuns os tivo inicial da tecnologia de dados ISOBUS ções e a automatização de operações, antes
elétricos, hidráulicos e pneumáticos. é padronizar a comunicação estabelecida difíceis de conseguir com as clássicas ar-
Os sistemas de automação e os sistemas de entre tratores e alfaias, ao mesmo tempo quiteturas mecânicas de construção. Ainda
controlo têm como objetivo supervisionar que se assegura a compatibilidade total de assim, pena é, que o ciclo de vida dos com-
uma determinada tarefa sem a intervenção transferência de dados entre sistemas mó- ponentes eletrónicos não acompanhe em
humana. A criação de um sistema de con- veis e software de gestão da exploração, regra o de uma máquina agrícola (10 000
trolo é determinada em função de um obje- neste caso pela criação de ficheiros em for- horas para um trator e 3000 para uma al-
tivo principal: mato XML. A utilização deste protocolo de faia) e assim a necessidade tantas vezes de
• conferir precisão, exatidão e qualidade ao comunicação permite a troca de informação fornecer suplentes 15 a 20 anos depois de
procedimento, nomeadamente quando há entre trator e máquina que lhe esteja aco- terem terminado os respetivos ciclos. Esta
repetibilidade do mesmo, como é o caso plada, sendo particularmente importante pode ser uma situação a rever na logística
do controlo de débitos e densidades de para a utilização de sistemas de agricultura de muitos fabricantes se pensarmos que na
distribuição; de precisão. Deste modo, um único terminal arquitetura de construção de uma ceifeira
• melhorar o conforto de operação em ta- ISOBUS substitui vários terminais específi- debulhadora podem existir mais de vinte
refas monótonas, como é o caso dos siste-
mas de condução assistida por GPS;
• assegurar condições de segurança elimi-
nando riscos, por exemplo pela ativação
de sinal sonoro em trabalhos em planos
declivosos;
• controlar potenciais desperdícios energé-
ticos por otimização da performance do Figura 4 – Exemplos de terminais, ligação entre centralinas e conectores ISOBUS: ligação das centralinas e atuadores dada pelos 4 pinos
motor de unidades automotrizes; superiores em forma de cruz e transferência de informação pelos 5 pinos inferiores alinhados
• desenhar sistemas que sem um controlo
automatizado não seriam viáveis, como cos para cada alfaia no trator, permite a sua centralinas de comando com centenas ou
é o caso dos sistemas que recorrem às utilização como monitor de barra de luzes milhares de componentes eletrónicos. Pela
tecnologias de aplicação de taxa variável em condução assistida por GPS e a utiliza- importância que a mecatrónica assume hoje
conhecidas por VRT (Variable Rate Tech- ção de máquinas com tecnologias de apli- na constituição e funcionamento de tantos
nology) em agricultura de precisão. cação de taxa variável ou mesmo a ligação sistemas mecanizados em Ciências Agrá-
de câmaras de vídeo para monitorização de rias e pela sua constante evolução, última
Normalmente distinguem-se dois tipos de imagens. Na prática a utilização desta nor- nota, para a necessidade de maior comple-
processos, contínuos como é o caso de um ma estabelece o protocolo necessário para mentaridade na formação destas duas áreas
sistema de cruise control numa máquina de que as caixas de controlo eletrónico ou cen- de conhecimento tanto ao nível da formação
colheita e discretos como é exemplo a auto- tralinas entre dois ou mais equipamentos de operadores como dos curricula das res-
mação da sequência de operações realizada ligados possam transferir dados entre sen- petivas licenciaturas.
numa cabeceira por um trator: “baixar ro- sores, atuadores, controladores, sistemas de
tação do motor — levantar alfaia — revirar armazenamento de informação e monitores Bibliografia
alfaia — baixar alfaia — acelerar rotação do de rendimento. Torna-se assim possível ao ASABE. 1996-2011. AE50 annual awards on outstanding
motor”. No primeiro exemplo utilizam-se agricultor ou prestador de serviço partilhar innovations. http://www.asabe.org/resource/ae5011­
sensores analógicos ou digitais de alta re- equipamentos de diferentes fabricantes sem entry.html
solução e atuadores contínuos, no segundo ocorrerem os tradicionais problemas de ASABE. 2008. Environmental considerations in develop-
exemplo é frequente a utilização de autóma- compatibilidade. Do ponto de vista técni- ment of mobile agricultural electrical/electronic com-
tos programáveis do tipo PLC (Programma- co, um aspeto importante na constituição ponents. ANSI/ASAE DEC 1990 (R2008).
ble Logic Controller). Contribuindo para o deste tipo de ligação é o facto de prever um Barreiro, P. & M.Ruiz-Altisent. 2002. Bio-mecatrónica.
conforto da operação, os sistemas de con- conjunto de 4 cabos para alimentação tan- VIDA RURAL n.º 161 50-53.
trolo permitem uma rápida intervenção de to das centralinas como dos atuadores que B.P. (1982). Tracteurs de grande puissance. La documen-
calibração ou reparação pelos mecanismos permite salvaguardar o funcionamento das tation agricole 138: 1-24.
de deteção de falhas que incorporam. Em segundas no caso de uma avaria dos primei- CEMAGREF (1991). Les tracteurs agricoles. Antony. CE-
caso de avaria de conceção ou operação, os ros. Terminais no posto de condução de tra- MAGREF.
sistemas de diagnóstico de falhas registam tores de diferentes fabricantes, o esquema Conceição, L.A. & Dias S. (2010). Novas Tecnologias em
as ocorrências numa centralina cuja leitura de ligação entre duas centralinas (ECU) e Mecanização. Agri – Revista de Agricultura. Nº1. Con-
pode ser feita posteriormente por via remo- os respetivos conectores ISOBUS são mos- federação dos Jovens Agricultores e do Desenvolvi-
ta ou por ligação física da mesma a um leitor trados na figura 4. mento Rural.
de diagnóstico. Em resumo pode dizer-se que a incorpora- Is ISOBUS Really Plug and Play. http://www.agcanada.
ção de sistemas mecatrónicos na arquite- com/grainews/2009/04/20/is-isobus-really-plug-
A norma ISO 11783 tura de conceção de uma máquina agrícola -and-play/ consultado em 10/02/2013.
Talvez que o mais recente passo da meca- é hoje uma realidade à qual não devemos Tomizuka, M. (2002). “Mechatronics: from the 20th to 21st
trónica em máquinas agrícolas seja a ado- ser alheios na sua utilização. Desta forma century.” Control Engineering Practice 10(8): 877‑886.

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