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LUZIANO PEREIRA MENDES DE LIMA AATUACAO DA ESQUERDA NO PROCESSO CONSTITUINTE: (1986-1988) Dissertagéo de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciéncia Politica do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob orientagdo do Prof. Dr. Armando Boito Jénior. Este exemplar corresponde 4 redagao final da Dissertago defendida_ e aprovada pela Comisso Julgadora em 27/08/2002. BANCA 7 Prof. Dr. Armando Boito Jinior (Orientador) | (WU. \"O 3 U ! Prof. Dr. Caio Navarro de Toledo << fry > Prof. Dr. Jodo Quartim de Moraes (i / i AGOSTO/2002 UNICAMP Unt BIBLIOTECA ¢ uwioae BO Ne cHaMa0a T/ JR CMP (fe v a rowbo 801 55% FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP IL628a Lima, Luziano Pereira Mendes de A atuacio da esquerda no processo constituinte : (1986-1988) / Luziano Pereira Mendes de Lima - Campinas, SP : Orientador: Armando Boito Jénior. Dissertagio (mestrado) — Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas. 1. Direita e esquerda (Ciéneia politica). 2. Poder constituinte. 3. Brasil - Constituicao. I. Boito Janior, Armando. Il. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia € Ciéneias Humanas. I11.Titulo. RESUMO Esta dissertagdo analisa a atuagio das esquerdas brasileiras no processo constituinte ocorrido entre 1986-1988. A andlise prende-se ao aspecto politico e nio juridico do processo e dos resultados. Fundamenta-se na perspectiva marxista, tomando a produgdo da legislagdo como efeito do proceso de luta de classes. Nesta perspectiva, discutem-se algumas abordagens sobre os conceitos de Constituinte e Constituigo, analisa-se 0 processo constituinte, desde a crise da ditadura militar & aprovagio da Carta, assim como a avaliagdo sobre a mesmna realizada pelos partidos de esquerda. ABSTRACT This thesis analyzes the behavior of Brazilian leftist parties during the procedures of last Constituent Congress, which took place from 1986 until 1988. Framed under a Marxist perspective, the thesis focuses on the political rather than juridical aspects and results of the process, taking law making as a byproduct of the process of the class struggle. The analysis discusses some approaches to the concepts of Constitution and Constituent Congress and examines the political process since the crisis of the military dictatorship until the Constitution approval, as well as its evaluation by the leftist parties. Ti ‘Aos meus pais: Luiz Pereira de Lima ¢ Maria Luiza Mendes Lima (in Memoriam). In Memoriam aos meus amigos ¢ companheiros de luta: Clévis da Costa Campello ¢ Gregorio Bezerra. AGRADECO Ao amigo ¢ professor Cleto da Costa Campello Neto pela indicagfic nas primeiras leituras das obras de Marx e Engels e por me ampliar os horizontes no campo do conhecimento. Ao prof. Dr. Armando Boito Jinior por me aceitar como orientando, pelo didlogo, os comentétios, os estimulos ¢ as criticas sempre criteriosas, na perspectiva do rigor cientifico. Aas professores Dr. Caio Navarro de Toledo e Dr. Sebastidio C. Velasco ¢ Cruz por suas criticas e sugestdes no exame de qualificagao. Ao professor Dr. Jotio Quartim de Moraes pela convivéncia teérica e por ter aceitado compor a Banca examinadora. A minha tia Maria Licia Pereira de Lima, que muito torceu pelo sucesso dessa pesquisa. ‘Ao Senador Carlos Wilson que me enviou todos os Didrios da Assembléia Nacional Constituinte (DANC), possibilitando assim o acesso as fontes primétias. ‘Aos amigos e companheiros Diercio Ferreira Filho e David Lopes, que fizeram 0 contato com o Senador Carlos Wilson para a aquisi¢ao dos DANC. ‘Aos funciondrios do Centro de Pesquisa « Documentagio Vergueiro (CPV). ‘Aos colegas do CEMARX pelas discussées teéricas ¢ pela convivéncia Aos colegas de curso, pela convivéncia, pela troca de experiéncia e pelos debates, em especial: Marcio, Silvana, Sandra, Dalton e Samira. VIL Ao Flavio Castro pela convivéncia, pelas indicagGes e estimulo. Ao amigo ¢ companheiro Geraldo Barroso Filho pela leitura e sugestdes aos primeiros capitulos. A amiga e companheira Vera Gomes pela disponibilizagdo de documentos do Partido dos Trabalhadores. A familia Campello, em especial: Vania, Glaucia, André, Liicia e Thales, que torceram pelo sucesso desse projeto. A Monica pelo estimulo, pelo apoio nos momentos mais dificeis, pela leitura ¢ revisdio de parte do texto ¢ pela paciéncia com minhas auséncias presentes. Ao Diego pelo tempo necessério furtado a sua convivéncia. Ao Jairo Nunes pela ajuda na tradugdo do Resumo para a lingua inglesa. Aos amigos: Itamar, Ulysses Tavares, Ana Elizabeth Pires, Gildasio, Rejane Medeiros, Marcelo, Judite Gongalves de Albuquerque, Edna André Soares Melo, Neuza Benedita da Silva Zattar, Taisir Mahmudo Karim, José Leonildo Lima, Tereza Pazos, Romualdo Dias ¢ Onice Payer, Walter Matias Lima e Adriana Almeida Sales, que me deram apoio e estimulo para a realizagao da pesquisa. E aos demais, que contribuiram de certa maneira para que esta dissertagao chegasse a bom termo. A CAPES que me proporcionou uma bolsa de estudo durante parte do Mestrado. INDICE INTRODUCAO CAPITULO I osssssssssssssesee CONSTITUINTE E CONSTITUIGAO: BREVE INTRODUCAO TEORICA srsesssnonenseee CAPITULO I: O CaMINHO PARA O CONGRESSO NACIONAL CONSTITUINTE A CRISE DA DITADURA MILITAR... A CONJUNTURA PRE - ELEITORAL DO CONGRESSO CONSTITUINTE A CONVOCAGAO DO CONGRESSO CONSTITUINTE CAPITULO IIT... AS ELEICOES D! CAPITULO IV... COMPOSICAO POLITICA DO CONGRESSO CONSTITUINTE DISTRIBUICAO DAS FORCAS POLITICAS NO CONGRESSO CONSTITUINTE-. POLOS DE AGLUTINACAO IDEOLOGICA. CAPITULO V.... O INICIO DO PROCESSO CONSTITUINTE 5.1 - A APROVACAO DO REGIMENT: 5.2 -A VOTACAO DO REGIMENTO INTERNO. 5.3 — A COMPOSICAO DAS CoMISSOES E SUBCOMISSOES ... 5.4—A LUTA POLITICA NAS SUBCOMISSOES. 5.5 -A LUTA NAS COMISSOES CAPITULO VI... 6.1 =O RESULTADO FINAL cevsssesessenes 6.2 - A AVALIACAO DOS PARTIDOS DE ESQUERDA SOBRE A CARTA PRODUZIDA 6.3 - ALGUMAS AVALIACOES SOBRE 0 PROCESSO CONSTITUINTE 6.4 - CONSIDERAGOES FINAIS... BIBLIOGRAFIA ANEXOS. ANEXO I - FOLHA DE SAO PAULO — Anexo Il... DISTRIBUICAO IDEOLOGICA NO INTERIOR DOS PARTIDOS PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO. PARTIDO DA FRENTE LIBERAL. PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHIST. PARTIDO DEMOCRATICO SOCIA! PARTIDO DOS TRABALHADORES PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO PARTIDO SOCIALISATA BRASILEIRO... PARTIDO DEMOCRATA CRITAO.. PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO .. PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL PARTIDO LIBERAL .. PARTIDO MUNICIPALISTA BRASILEIRO.. PARTIDO TRABALHISTA RENOVADOR - PTR Ideologia dos Parlamentares.. Partido Comunista Brasileiro - PCB. Partido Comunista do Brasil PC do B... Partido Democrata Cristao - PDC Partido Democratico Social - PDS.. Partido Democratico Trabalhista - PD’ Partido da Frente Liberal. Partido Libera! Partido do Movimento Democratico Brasileiro. Partido Socialista Brasileiro. Partido dos Trabalhadores. Partido Trabalhista Bra: Distribuigao dos Congressistas nas Comissdes e Subcomisses la ANEXO VI. Distribui¢do Politico-ideolégica dos Congressistas nas Comissdes e Subcomissées... INTRODUCAO Esta dissertagao tem por objetivo principal analisar a participago parlamentar das esquerdas no proceso constituinte ocorrido entre 1986-1988. Procuraremos demonstrar no transcorrer da anilise que a legislagiio de cardter social e econémico (aprovadas no processo constituinte), incluindo-se neste iltimo a definigfio de empresa nacional, monopélios estatais, além de questées de organizaglio do Estado e dos direitos dos cidadaos, ¢, fundamentalmente, fruto da luta politica das classes sociais, tendo como protagonista especial a atuagéo da esquerda parlamentar aliada a pressio dos movimentos populares (sindicatos, associagées de moradores, movimento pela saide, etc.) Os estudos de que temos conhecimento mencionam o tema em anilise apenas de forma en passant ou o tratam de forma insuficiente. Exemplos disto so os textos de René Dreifuss (1989) e Celso Frederico (1994) respectivamente, que discutiremos no desenvolvimento da dissertagao. Todavia, gostaria de j& demarcar algumas diferengas quanto as anilises desenvolvidas por estes textos. No caso de Dreifuuss, a esquerda nao € 0 objeto da sua pesquisa € exposigdo, ele analisou detidamente a atuago da direita no processo constituinte, desenvolvendo a anilise a partir da formago das bancadas, isto é, financiamento de campanha, apoio, aliangas constituidas no periodo pré-constituinte etc. chegando até 0 resultado final que foi a votacao da Carta, bem como 0 quadro politico imediatamente posterior. No caso do ensaio de Celso Frederico, consideramos que a argumentag3o por ele desenvolvida no toma em conta, entre outros elementos para anilise, as diversas lutas operdrias e mobilizagées desenvolvidas pelos movimentos populares no periodo do processo constituinte e o eco dessas sobre o mesmo. Nossa andlise se prende ao aspecto politico e néio juridico do proceso ¢ dos resultados. No capitulo primeiro tratamos dos pressupostos tedricos no qual se ancora e fundamenta-se nossa anélise, isto ¢, como se articula num sistema capitalista a Iuta travada pela classe trabalhadora e uma Constituinte burguesa; da relagio dialética entre direito e luta de classes procurando enfocé-los segundo uma ética marxista. No segundo capitulo tratamos da conjuntura que precedeu a eleigdio do Congresso Constituinte. No terceiro, discutimos 0 processo eleitoral de 1986 do qual resultou a conformagdo do Congresso Constituinte. No quarto, trataremos da composigao politica do Congresso Constituinte, da distribuig&o das forgas politicas, dos pélos de aglutinagdo ideolégica. No quinto capitulo analisaremos 0 inicio do proceso constituinte em si, ou seja, a aprovagdo do Regimento, a composigéo das Comissdes e Subcomissdes ¢ as lutas travadas no interior de algumas delas. No sexto, discutiremos 0 jogo politico no interior da constituinte, as aliangas pontuais ocorridas entre setores da direita e os grupos de esquerda, as avaliagbes do processo Constituinte e do seu resultado, produzidas pela esquerda, apés as quais teceremos algumas consideragées finais. CAPITULO! Constituinte e Constitui¢ao: Breve Introdu¢ao Teérica Neste capitulo discutiremos 0 que entendemos por Constituinte ¢ Constituigtio e alguns outros conceitos a partir dos quais estaremos informando nossa pesquisa sobre “4 Atuagdo da Esquerda no Processo Constituinte de 1987-1988". Procuraremos tratar estes conceitos fundamentados no marxismo, considerando © processo de produgio da lei como efeito do processo de luta de classes. Estamos tomando aqui 0 conceito de classe social como formulado em Poulantzas (1975: 13-14) que afirma: As classes sociais sdo conjuntos de agentes sociais determinados principalmente, mas exclusivamente, por seu lugar no processo produgdo, isto é, na esfera econémica. (...) marxismo, © econémico assume o papel determinante em um modo de produgdo e numa formacdo social: © politico e o ideolégico, enfim a superestrutura desempenham igualmente um papel muito importante De fato, todas as vezes que Marx, Engels, Lénin e Mao procedem a uma andlise das classes sociais, se limitam somente ao critério econémico, mas se referem explicitamente a critérios politicos ideolégicos. E a partir desse entendimento do processo de produgdo da lei como eftito do processo de luta de classes que buscaremos fundamentar os conceitos de Constituinte e Constituigao. Entendemos que hé diversas maneiras de se conceber 0 que é um processo Constituinte e 0 que seja uma Constituicdo, 0 que de um modo geral, corresponde as diversas maneiras de se conceber 0 direito, como faz notar o jurista Dalmo de Abreu Dallari(1985:20), Nao pretendemos reproduzir aqui todas as concepgdes de direito nem todas as formas de se conceber 0 que é uma Constituinte ou o que é uma Constituigio, pois fugiria a0 nosso objetivo. No entanto, faremos uma breve discusséo sobre o tema, objetivando diferenciar algumas posigées da nossa que serd aqui expressa. Dallari por exemplo, elenca, sem citar autores, uma série de posigdes que, segundo ele, por se preocuparem apenas com um ou alguns aspectos, definem de modo parcial, incompleto, 0 que ¢ uma Constituigdo. Essas posigdes consideram como essencial que uma Constituigaio: a) expressa os fatores reais de poder; b) € expresso do plano puramente econémico ou sociolégico; °) expressa_um conjunto de prineipios e valores que devem condicionar a vida dos individuos e da sociedade; d € um conjunto de regras fundamentais que condicionam todas as demais; ©) €a lei de organizagao do poder do Estado; F) € a lei que reconhece os direitos fundamentais dos seres humanos e prevé suas garantias. Apés proceder uma critica suméria da incompletude e da parcialidade dessas definigdes, Dallari(1985: 21-22) propde uma definigdio de Constituig&io, que considera ser mais completa e que é a seguinte: A Constituigdo é a declaragao da vontade politica de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que 6 superior a todas as outras e que, visando @ protecdo e a promogéo da dignidade humana, estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos individuos, dos grupos sociais, do povo e do governo. Mais adiante, dissecando seu conceito de Constituigao, Dallari define os termos ai utilizados. Por vontade politica afirma entender a expressio do “(...) que se deseja como organizagao social ¢ vida social. E como a sociedade é 0 conjunto dos individuos e nenhum destes vive sozinho (...) a constituigao torna expresso em que tipo de sociedade as pessoas querem viver” (gtifos nosso). Vontade politica de um povo, neste sentido, diferencia-se da vontade politica de alguns individuos ou de uma parte seja ela maior ou menor do povo. Por solenidade necessdria, entende esse autor que essa vontade politica deve ser obtida por meio de formalidades previamente estabelecidas. Por Lei superior, entende que a Constituigio coloca-se acima das demais, nio podendo ser contrariada por nenhuma lei, nenhum tratado, nenhuma decisGo judicial, nenhum acordo de particulares, enfim, por nenhum ato que pretenda produzir efeitos juridicos no pais. Por protecdo e promocéo da dignidade humana, promocio dos direitos fundamentais de todos os seres humanos. Por timo, por direites e responsabilidades dos individuos, do povo, dos grupos sociais e do governo, o autor entende que “(...) para ser aplicavel a todos os que devem estar sujeitos a ela e para ter a possibilidade de durar por longo tempo, a Constituigio deve limitar-se ao estabelecimento dos direitos fundamentais, sem descer a pormenores secundarios e sem incluir regras que podem ou devem ser diferentes em cada lugar ou precisam ser modificadas ffeqiientemente” (Dallari, 1985: 27). Assim sendo, uma Constituieao deve falar dos direitos e deveres individuais; os direitos e deveres dos grupos sociais; da predominancia da vontade do povo acima de qualquer outra vontade, além disso, 0 povo, numa sociedade democritica, cuja vontade deve ser livremente formada, teria o dever de participar, devendo ser “(...) prevista na Constituigo essa fungao do povo, com a responsabilidade correspondente” (Dallari, 1985: 29). O governo deve ter fixado os seus direitos e suas limitagSes juridicas por regras gerais que disponham fundamentalmente sobre a organizagio fundamental e a distribuigdo das competéncias, dos limites permitidos ¢ das responsabilidades que acompanham cada agiio ou omissio. Embora seja possivel considerar que Dallari tenha razio sobre muitos aspectos € que sua definig&io de Constituigao € realmente mais completa que as anteriores por ele criticada, ele nao consegue escapar da posigdo te6rica e politica defendida pelos teéricos por ele criticado, pois, embora discordando deles, discute no Ambito do mesmo quadro de referéncia teérica e de conceitos compartilhados por aqueles. Talvez por isso, sua critica se refira, fundamentalmente, a incompletude das outras definigdes sem ir a fundo quanto aos pressupostos destas. Como ele mesmo afirma, as diversas formas de definir uma constituigtio corresponde a diversas maneiras de conceber o direito. E, portanto, de conceber o Estado. Entilo, poderiamos questionar: de que maneira o jurista Dallari concebe o direito? Pela forma como apresenta sua definigo de Constituiglio e observando os conceitos de que ele faz uso e os textos nos quais apdia e fundamenta suas teses (entre outros: a Declaragdo Universal dos Direitos do Homem, as enciclicas Mae e Mestra e Paz na Terra), podemos afirmar que ele 0 concebe do ponto de vista liberal c, também, como os jusnaturalistas do século XVII e XVII', assenta o fundamento das leis, como leis iguais para todos, num acordo politico que evitaria a lei dos mais fortes (Dallati, 1985: 47), Como os liberais, Dallari vé também na Constituigéo um instrumento politico juridico superior, que declara os direitos fundamentais de todos os individuos e que, ao mesmo tempo, estabelece as regras de organizagdo social e as limitages ao uso dos poderes politico e econdmico, impedindo assim, segundo ele presume, que a sociedade se componha de dominantes e dominados (Dallari, 1985: 14). Como se pode observar, a definigao do jurista Dallari se utiliza de diversas nogdes: vontade politica; dignidade humana, individuos, povo, etc. que se articulam em consonancia com atradigdo do pensamento burgués ilustrado” e liberal, bem como, com o jusnaturalismo. Ciente das dificuldades geradas pelo emprego da nogo de povo’, que poderia significar para os leitores de sua definigéo de diferentes maneiras, Dallari procura definir mais adiante o que entende por povo. Segundo ele, “(...)0 povo € unidade heterogénea, ou seja, embora " Bobbio em seu ensaio sobre Thomas Hobbes (1991:8-9.) chama a atengo para o fato de que tem-se observado com freqiéncia na historiografia do jusnaturalismo, que @ formacio, a perpetuagao e aperfeigoamento desse modelo, acompanha o nascimento ¢ o desenvolvimento da sociedade burguesa, da qual seria seu reflexo tedrico. Afirma ainda que, o Estado oriundo da Revolugao Francesa, transformado a partir do “... século XIX em protétipo do Estado burgués( enquanto Estado constitucional, liberal, parlamentar, representativo, etc.) inspira-se nos principios fundamentais da escola do direito natural.” ? Uso o termo ilustrado ao invés de iluminista. Para tal diferenciagdo tomo por base as reflexses de Sérgio Paulo Rouanet (1987: 28) que considera o termo Ilustragdo como servindo para designar 0 conjunto de idéias que se desenvolveu no século XVIII, enquanto [uminismo € tomado para designar uma tendéncia intelectual trans-epocal gue combate o mito ¢ as formas de dominagio a partir da razio. * Conforme Bierrenbach (1986:28-31): *(..) Sob o enfoque da Antropologia, povo significa o mesmo que etnia ou ‘ago, ou seja, uma populagéo definida por uma origem cultural ou racial idéntica. Para a Filosofia, a despeito das inevitaveis controvérsias resultantes da multiplicidade de correntes de pensamento, é classica a definigao de CICERO, em sua Repiblica, retomada por SANTO AGOSTINHO: ‘povo ¢ a reuniao da multidio associada pelos interesses comuns ¢ pelo consenso do direito”. No ambito da Teoria Geral do Estado, povo ¢ apenas 0 conjunto de cidadaos ou siditos de um mesmo Estado. Bierrenbach mostra ainda na seqtiéncia de seu texto que, no entendimento de algumas correntes politicas o termo povo é tomado como correspondente a trabalhadores, produtores de bens ‘materiais, 08 operarios. Outros utilizam povo para se referir aos mais humildes. Para os movimentos populares a

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