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RESENHA
Jean Francesco*1
BENOIT, André. A Atualidade dos Pais da Igreja. São Paulo: ASTE, 1966, 105p.
Igreja Primitiva
Já no século II a expressão “pais” era usada para referir-se aos bispos. O autor
cita exemplos como Policarpo, bispo de Esmirna, Cipriano, bispo de Cartago,
mostrando que até o século IV o uso de tal expressão já era perfeitamente habitual.
Contudo, usado no plural, os Pais não eram o conjunto de todos os bispos do
passado, senão alguns dos bispos que tiveram importância peculiar dentro da Igreja,
especialmente no que tange a matéria doutrinária. Às vezes alguns homens que nem
eram bispos recebiam o título de pais, de acordo com o relato de Basílio de Cesaréia.
Nas controvérsias do século V, o recurso aos Pais se tornava cada vez mais
recorrente, não sendo utilizado somente aos bispos reunidos em concílio, mas muito
mais tomados isoladamente como referências em matéria de fé. Por causa disso, pouco
a pouco, o título de Pai da Igreja foi ficando apenas nos ombros daqueles que eram
conhedidos por defender a ortodoxia com base nas Escrituras e com argumentação
teológica. No mesmo século, Vicente de Lérins, em seu Communitórium, consolidou
mais ainda o apreço e recurso aos pais em tempos de confusão doutrinária, referindo-
se a eles como exemplo de doutrina verdadeira e católica.
No século seguinte, Gelásio ofereceu a lista de Pais que eram meritórios do
título e os que não eram. Por esse tempo, os Pais passaram a ter importância
fundamental, ao lado das Escrituras para qualquer assunto de importância doutrinal.
Por causa disso, Benoit defende a tese de que o principal recurso aos pais feito pela
Igreja Primitiva era fundalmentalmente dogmático.
Em Eusébio de Cesaréia, manifesta-se pela primeira vez interesse pelos Pais
que não fosse apenas dogmático, mas também histórico. Após ele, São Jerônimo,
concretizou tal preocupação escrevendo sobre 135 escritores cristãos esmiuçando suas
obras e também a relevância de suas vidas.
Para Benoit é, então, na própria patrística que se encontra a distinção
posteriormente feita entre patrística e patrologia. Em primeiro lugar, recorre-se aos
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Idade Média
De acordo com o autor, a Idade Média não trouxe inovações ao recurso feito
aos Pais da Igreja em relação à Igreja antiga. Até o século XII, os Pais eram citados
constantemente, até mesmo pelas vias de “plágio”. São Tomás foi uma exceção à essa
regra no século XIII, mas no século seguinte o hábito de mencionar os pais continuou
sendo constante, com uma utilização mecânica, pouco importando o seu autor, o
contexto e à obra que foi extraída a citação. Assim, no período medieval, o grande
interesse pelos pais limitou-se à teologia e ao dogma, em detrimento da história de
cada um deles.
Humanismo e Reforma
A importância dos Pais sofreu alteração na época do Humanismo e Reforma.
Quanto ao humanismo, a antiguidade foi redescoberta como fonte de cultura. Assim,
diferente da Idade Média, compilações mais específicas dos Pais foram produzidas ao
lado de um interesse profundo em conhecer tais obras.
Erasmo foi um entusiasta pela releitura dos pais, e junto ao número de
impressores que o ajudaram em tal empreendimento, teve contato a Lactâncio,
Cipriano, Agostinho, Jerônimo, Eusébio, Atanásio, Orígenes e Crisóstomo. E,
diferente da Igreja antiga e na Idade Média, a preocupação dos humanistas era quase
sempre histórica, ao invés de dogmática. Isso fez com que a patrologia se tornasse uma
disciplina cada vez mais autônoma dentre as demais.
Por outro lado, a Reforma renovou seu interesse pela patrística, isto é, no
recurso aos pais pelas vias teológicas. Benoit destaca que, embora os reformadores
tivessem renovado seu interesse pelos Pais, permaneceram defendendo a soberania
absoluta da Escritura Sagrada em todas as matérias teológicas. "Recebe-se tudo aquilo
que os Pais disseram que está em acordo com a Escritura", salienta Benoit como a
regra que Lutero defendia com vigor.
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Portanto, na Reforma, o estudo dos Pais foi altamente posto em cena, mas
sempre de uma forma crítica, à luz da Escritura; uma crítica teológica, não histórica.
Para Lutero, na sua crítica positiva e negativa aos Pais, Agostinho se sobressai,
considerando-o o melhor intérprete da Escritura entre os antigos. Benoit faz as devidas
ressalvas de que Lutero conhecia mal os Pais, razão esta que o fez ser tão crítico deles.
Por outro lado, os reformadores mais associados com o Humanismo fizeram
uma leitura diferente de Lutero, demonstrando maior concordância entre os Pais e a
Escritura. Melanchton é um deles, uma vez que tece vários comentários na Confissão
de Augsburgo aos Pais para referendar doutrinas e rejeitar heresias. Segundo este, a
Igreja Antiga interpretou bem a Escritura e assim os Pais passaram a ser nas mãos de
Melanchton um instrumento para mostrar o rompimento da Igreja Romana com os
Pais.
Calvino associou-se a Melanchton em suas referências aos Pais e de forma
ainda mais acentuada. Contudo, menciona que após os cinco primeiros séculos, os Pais
foram degenerando sua visão teológica e se afastando rapidamente da Escritura. Na
Carta ao Rei escrita por Calvino torna-se evidente a defesa que este faz em relação aos
Pais e em oposição a Igreja Romana.
Novamente, o escritor patrístico preferido por Calvino é Agostinho. Ele tinha
grande interesse também pelos demais Pais. Mostra-se então que afirmar a suficiência
da Escritura em nada desabona ou nega a positiva influência patrística.
coleções dos Pais foram surgindo. Ao passo que os luteranos, anglicanos e reformados
continentais também tiveram sua importância, mas de maneira mais restrita.
O Século XIX
De acordo com o Benoit, o séxulo XIX é o século da História, pelo fato de ter
se tornado a ciência mais importante do período. Essa foi a grande época das edições
Patrísticas, obras monumentais, que são indispensáveis nos dias atuais. Em paralelo, as
obras a respeito dos Pais ganharam maior aporte filosófico, científico e críticos,
especialmente por estarem desvinculadas a teologia.
Nesse tempo, o estudo dos Pais passou totalmente a ser desvinculado da tutela
teológica para apenas restringir-se ao conhecimento do passado da Igreja, sem que
esse passado pudesse oferecer quaisquer normas para a Igreja. Foi assim possível
definir melhor a personalidade dos Pais, suas fontes, o desenvolvimento das diferentes
doutrinas, e a evolução do dogma cristão no decorrer da história.
Benoit ressalta que a libertação teológica em relação aos Pais fez com que
processos inversos achassem lugar entre teólogos protestantes liberais, a ponto de
escreverem que a Teologia seria uma ciência dependente da História. Portanto,
somente a História seria capaz de encontrar a verdade, sendo a teologia de caráter
puramente secundário. Embora adotada somente em alguns meios, esse foi um sintoma
da total separação entre história e teologia.
Situação atual
Aualmente, o estudo a respeito dos Pais dialoga sem restrições com os estudos
históricos das religões, da antiguidade, filologia, e demais literaturas. A disciplina
Patrística é, portanto, autônoma e recebe atenção de cristãos e não cristãos apenas
como história do passado. Como a Teologia reage diante disso?
Segundo o autor, a teologia recuperou seu status independente da sua tentação
historicizante que o racionalismo havia lhe imposto. A teologia, portanto, segue seu
caminho independente da história. Seria ideal aceitar esse divórcio completo? Para
Benoit isso é um erro, pois tanto o teólogo ganha se for um historiador, quanto o
historiador ganhará se analisar a história teologicamente.
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Além disso, Orígenes pode ser uma inspiração no que tange os métodos
exegéticos para entender a Escritura, os mencionados são o literal, cristológico e
escatológico.
Quando à patrística e a dogmática, o autor salienta que as decisões de Nicéia e
Calcedônia possuem uma atualidade de caráter negativo, pois ao rejeitar as heresias da
época, mostraram as falsas vias de reflexão pelas quais não deveria penetrar o
pensamento teológico. O autor acredita que, a fim de obtermos respostas para as
questões atuais, não deveríamos abrir mão das principais verdades do Cristianismo.
O caráter positivo da atualidade dos Pais está no esforço em que debruçaram
para compreender o mistério da Trindade, a encarnação de Cristo, entre outros
assuntos. A tarefa atual do teólogo, inspirado nos Pais é ter essa intuição de tornar o
conhecimento de Deus inteligível, fazendo as transposições necessárias de acordo com
a mudança das palavras em cada contexto.
A patrística também incentiva o teólogo à humildade, pois jamais será o
primeiro a elaborar qualquer doutrina. Quem lê o que Agostinho escreveu a respeito de
livre-arbítrio, soberania de Deus e predestinação pode ter um pouco essa noção. Ao
mesmo tempo ela move o teólogo presente ao trabalho, já que ainda há coisas por
pensar e viver.
Quanto à liturgia, os Pais viveram a vida no culto e nos sacramentos.
Basicamente, a liturgia que hoje conhecemos foi elaborada no período dos Pais. Eles
submeteram sua piedade e culto à Escritura. Segundo Benoit, a liturgia dos Pais outra
coisa não era senão a expressão de uma piedade moldada pela Escritura e nutrida por
sua leitura.
O autor salienta que as Igrejas oriundas da Reforma não fizeram caso das
contribuições litúrgicas dos Pais. Pelo contrário, a liturgia protestante ficou reduzida
praticamente a nada. Para Benoit os reformadores foram longe demais alienando a
Igreja de sua época às formas litúrgicas primitivas e dos Pais.
Atualmente, reconhecendo tal lacuna, os protestantes tentam rever o passado.
Para o autor, toda renovação litúrgica deve levar em conta a sua tradição. Ele diz mais,
que o retorno a algumas práticas litúrgicas pode ser um grande esforço em busca da
unidade das Igrejas.
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Considerações finais
A obra de Andre Benoit é muito válida para a reflexão histórico-teológica do
nosso tempo. Em primeiro lugar, porque supre uma lacuna de escritos em língua
portuguesa para a reflexão acerca da patrística. Em segundo lugar, porque propõe um
método próprio para a compreensão histórica e teologicamente embasada do passado.
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Em terceiro lugar, porque faz uma relação dos materiais recolhidos em pesquisa para
um desafio com o leitor cristão contemporâneo.
É uma obra de indispensável valor para a teologia e produção histórica a
respeito dos Pais, ainda que suas conclusões a cerca dos desafios para o presente
possam ser variadas. Sem dúvidas, a maior virtude da obra está na proposta que faz em
seu título, resgatar a relevância dos Pais da Igreja para a Igreja cristã em todas as
épocas, especialmente na sua lida com a Escritura Sagrada.