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A Grande Comissão – Michael Horton

Publicado em 29/11/2014 por Cauê Oliveira

“Não há missão sem a igreja, e nem igreja sem missão.”

O livro de Michael Horton tem como objetivo levar-nos a uma compreensão adequada da
Grande Comissão, com vistas a corrigir alguns problemas contemporâneos que decorrem,
em grande parte, do desconhecimento acerca do real significado do “Ide” de Cristo em Mt.
28.18-20. Como toda prática errada possui no fundo inúmeras falsas pressuposições a
direcionando, o autor apresenta em todo o livro uma exegese detalhada dessa passagem.

O texto inicia com uma declaração que demonstra a importância e o alcance da mensagem
a ser apresentada, além de ilustrar a singularidade e importância dos termos da missão da
Igreja:

“Deus não vem para fortalecer-nos para os nossos projetos de transformação pessoal e
social. Deus não se fez carne e não sofreu a ignominiosa morte pelas nossas mãos para que
pudéssemos ter propriedades, programas e grandes orçamentos para a igreja. Está em
andamento algo mais profundo – mais radical.” (p. 9)

O que é esse algo mais profundo? Mais radical? O que está em andamento? Qual a missão
de Deus para a igreja? Essas e outras perguntas serão respondidas ao longo dos 10
capítulos desse livro.

Em caráter introdutório, o autor apresenta o contexto para o qual somos enviados, no qual
iremos cumprir a nossa missão. Tal contexto, denominado comumente de “pós-moderno”
(ou “mais moderno”)*, é extremamente amigável com a espiritualidade pessoal e vazia,
mas não tolera os absolutos da religião cristã ortodoxa. Em meio a isso, a igreja tem sido
cada vez mais conduzida em um processo de secularização, tanto por influências externas
como mesmo por um enfraquecimento interno – uma crise na pregação evangélica,
segundo o autor.

Outro ponto importante apresentado na introdução é a caracterização daqueles que são os


enviados em missão: os que Deus chamou para serem seus embaixadores, aqueles que
devem proclamar as boas-novas da salvação para o mundo. Esses homens são
representantes de Deus, seus arautos, os cristãos, remidos pelo sangue de Cristo.

A GRANDE PROCLAMAÇÃO
imagesA mensagem apresentada nessa primeira parte é central e fundamental. Sem ela
não existe missão e nem missionários, a Igreja perde seu conteúdo e os cristãos o seu
sentido. Conforme o autor expressa: “Antes de haver uma missão, é preciso que haja uma
mensagem. […] O evangelho antecede a evangelização.” (p. 25). Com isso em mente,
apresenta nos dois capítulos um resumo da mais bela e poderosa mensagem que existe: o
evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo.

Acredito que o ponto alto dos dois capítulos está no “grande resumo” feito do evangelho
ao compará-lo e relacioná-lo com a narrativa do Êxodo, demonstrando como os inúmeros
tipos, figuras e momentos relatados nessa história do Antigo Testamento relacionam-se e
tem seu significado mais pleno quando vistos com lentes cristocêntricas.

O autor demonstra como a grande comissão “começa” com o fato de que toda a autoridade
nos céus e na terra foi dada a Cristo – essa é sua base racional. Isso nos dá confiança para
ir ao mundo e cumprir nossa missão, pois sabemos que é a missão daquele que tem toda a
autoridade. Sem isso, a grande comissão seria uma tarefa vã, sem sentido e impossível.
Com isso, sabemos que a missão não falhará, mas será cumprida nos termos decretados. O
coração do arauto descansa na consumação certa da mensagem a ser proclamada.

Nesses capítulos, somos ensinados que o missionário original é Deus. A Bíblia nos fala
sobre a missão de Deus. Deus envia Cristo para encarnar e promover, por sua vida
perfeita, morte na cruz e ressurreição, a salvação daqueles que Ele escolheu. Deus e Cristo
enviam o Santo Espírito para que a palavra de Deus não volte vazia e para que ela
promova transformação de vida. A santa Trindade envia a sua igreja para fazer discípulos
em seu nome. Como a declaração acerca da identificação de Cristo com seu povo em sua
humanidade (Hb. 4.15), a percepção acima conduz o cristão a ir confiante proclamar a
mensagem da cruz, posto que aquele que nos envia não só tem toda a autoridade, mas ele
mesmo se entregou no cumprimento de sua missão.

Por fim, e talvez um dos pontos mais urgentes a observarmos hoje, Horton critica a idéia e
apresentação de Cristo como aquele que é o Senhor e Salvador do indivíduo meramente
em termos pessoais. O autor demonstra de forma bem clara como essa não é uma
mensagem escandalosa em nosso contexto, assim como também não era na época da
igreja primitiva. Nosso amigo pós-moderno, relativista por excelência, aceita-a sem
grandes crises. Ele diria: “ela funciona para você… o que não quer dizer que funciona para
mim… mas tudo bem, vamos viver em paz e tranquilidade, sem tentar impor a visão de um
no outro…”. O cristão desatento deixa passar o fato de que aceitar essa idéia sem
questioná-la representa a própria imposição que seu colega afirmou não querer – da
opinião dele sobre a do cristão. Horton nos ensina que não podemos perder de vista o fato,
politicamente incorreto em nossos tempos, de que Cristo é o único Senhor e Salvador do
mundo! Ele tem toda a autoridade nos céus e na terra – autoridade sobre tudo e sobre
todos!

OS TERMOS DA MISSÃO
Na segunda parte do livro, Michael Horton entra no cerne do seu conteúdo: os termos da
missão que foi dada por Cristo para os cristãos. Nessa parte, somos levados de uma análise
acerca da necessidade e urgência da missão, passando pela polêmica e sensível discussão
acerca da contextualização da mensagem cristã e terminando com o que seria o objetivo
central da Grande Comissão.

O autor começa questionando se a igreja tem realmente entendido o que significa a vida
cristã: “Hoje, a vida cristã é descrita menos em termos de uma batalha espiritual e mais em
termos de uma transformação pessoal e social” (p. 92). Com isso, ele nos alerta para o
movimento de “deixar a nossa vida falar por nós”, a falsa idéia de que a principal forma de
apresentação do evangelho é o testemunho pessoal e não a proclamação de uma
mensagem. Sem dúvidas isso está extremamente presente em nosso contexto, que prefere
considerar Cristo como um paradigma de vida ou um modelo pessoal do que o perceber
como Senhor do universo. Deixamos de olhar para o que Cristo fez por nós e passamos a
pensar no que podemos fazer pelos outros imitando a Cristo.

Essa noção de Cristo como modelo desvia a visão de muitos da realidade de que,
conquanto Cristo tenha vindo com humildade e tenha sofrido para buscar e salvar o
perdido, ele vai voltar em juízo. A realidade do juízo demonstra como é urgente o nosso
comprometimento com a missão que Cristo deixou para nós. Entretanto, mesmo sendo
urgente e tendo sido uma ordem de Cristo para que nós fôssemos, o autor nos faz perceber
que a Grande Comissão não inicia com um imperativo, mas com o anúncio de que Cristo
venceu o pecado e a morte. Tendo isso em vista, podemos falar acerca da profundidade e
do alcance da Grande Comissão. Sua profundidade decorre de nosso chamado não
simplesmente para fazer convertidos, mas para fazer discípulos. Sua amplitude diz
respeito ao fato de que ela não alcança somente os judeus, mas todos os indivíduos que
foram separados por Deus, de todas as nações.

No capítulo seguinte, Horton trabalha o tema “Um só evangelho e muitas culturas”. Ele
defende, acredito que muito acertadamente, que a preocupação exagerada da Igreja na
contextualização da mensagem tem feito com que ela deixe de se questionar se realmente
entende a mensagem! A tendência tem sido dar mais ênfase a forma em detrimento do seu
conteúdo. Horton aponta um fato que passa desapercebido de muitos que costumam
afirmar “Nunca antes na história da igreja tivemos que lidar tanto com a necessidade de
moldar a mensagem aos que a ouvem, pois nossa cultura globalizada é extremamente
pluralista.”. Será mesmo? Horton diz, comentando e criticando a postura acima:

“Dificilmente nossa era é a primeira na qual os cristãos têm tido de dedicar séria reflexão
ao evangelho e ao contexto cultural deles. A tensão causada pela proclamação do
evangelho num ambiente pluralista é tão velha como a própria igreja. […] Uma fé comum é
uma ameaça maior às nossas queridas localizações do que são as teologias contextuais. […]
A unidade produzida pelo evangelho no corpo de Cristo é desconfortável. Cada qual tem de
desistir do seu ‘direito’ de privilegiar sua cultura, sua geração, sua política ou o perfil
consumista em favor do evangelho.” (p. 137-139)
O contraponto de Horton ao excessivo labor em torno da contextualização é justamente a
noção – tão antiga quanto a Igreja – acerca de sua catolicidade. Essa sua característica nos
pinta a bela imagem de um povo unido por um laço sanguíneo mais denso que a parentela,
a aliança decorrente do espesso sangue do Senhor Jesus Cristo! A igreja, sem dúvidas,
precisa lembrar-se de tão belas e velhas verdades.

Por fim, o autor fala acerca do objetivo da grande comissão: fazer discípulos. Esse aspecto
fala sobre a profundidade da missão dos cristãos. Não somos chamados para conduzir as
pessoas a fazerem a “oração de entrega” de suas vidas a Cristo. O chamado é para que
façamos discípulos, indivíduos que por mais que desobedeçam seus mestres, por mais que
tenham dificuldades em entender o que está sendo ensinado, os seguem constantemente.
Isso demonstra que a evangelização e o discipulado não são coisas diversas, mas uma coisa
só e um processo que leva toda a vida.

Além desse ponto, uma correta compreensão do objetivo da missão nos livra de uma vida
incorreta diante de Deus. O fato, alertado pelo autor, é que muitos vêem o evangelho e a
graça a partir de uma perspectiva antinomiana, ou seja, não entendem que “O evangelho
nos liberta para a obediência e não da obediência” (grifos no original – p. 150). Outros,
diminuem o espaço do discipulado focalizando toda a vida cristã na adoração – talvez algo
mais comum no evangelicalismo brasileiro. Com isso, a história da redenção e a doutrina
bíblica perdem seu espaço devido. Horton nos apresenta como no processo de fazer
discípulos precisamos perceber e viver de forma adequada todos esses aspectos: o drama,
a doutrina, a doxologia e o discipulado!

O PLANO ESTRATÉGICO

CommandmentA última parte do livro é dedicada a questão do método. Muito interessante


essa abordagem, pois ela considera o fato de que não somente Deus determinou o
conteúdo da missão, mas a forma da missão. De início, já podemos destacar o fato de que o
autor, diferentemente de muitos contemporâneos, não acredita na neutralidade do
método. É comum encerrar discussões sobre esse item com a simples, e falsa, afirmação:
“Não vamos discutir como faremos, interessa é o que faremos”. O fato, ilustrado por alguns
exemplos relatados nessa parte, é que o método não é neutro, ele é calcado por diversos
pressupostos que podem ser verdadeiros ou não, bíblicos ou anti-bíblicos e que possuem
conseqüências relevantes.

Nada mais lógico que começar respondendo “Como fazer discípulos”? O autor defende
uma posição bastante conservadora, afirmando que o meio de fazer discípulos está
claramente estabelecido na Grande Comissão: proclamação do evangelho, batismo e
ensino – nesse último insere-se a ceia do Senhor. Esses são os meios que Deus utiliza para
nos ressuscitar da morte espiritual, ratificar publicamente a promessa pactual conosco e
nos manter diariamente debaixo e sua graça.
Dentre os pontos apresentados, ficou bastante destacada a importância da pregação e seu
lugar central na vida cristã. Com uma compreensão verdadeiramente bíblica da pregação,
conforme apresentada no livro, o leitor é conduzido a uma postura de solenidade e
respeito diante dela. O pregador é, ao mesmo tempo, chamado a perceber a necessidade de
preparação e dedicação ao Senhor de forma integral – pois a palavra pregada é a voz de
Deus para as suas ovelhas – e a depender dele em todo esse processo, pois ele também é
um pecador necessitado da graça. Horton afirma:

“Na pregação o ministro não dá somente instrução doutrinária e moral (embora isso esteja
envolvido), mas Deus de fato está nos matando e nos fazendo viver, riscando-nos da
história marcada ‘em Adão’ e nos inscrevendo no seu roteiro da nova criação. […] É uma
palavra que vem de Deus, por meio de um mensageiro autorizado, que destranca portas de
prisões. Não é uma palavra interior que brota de dentro de nós na solidão espiritual ou de
uma conversa comunitária, mas uma estranha voz do céu por intermédio de outro pecador
como nós.” (p. 184-185)

Nesse contexto, o autor passa a tratar acerca da relação entre discipulado e disciplina.
Novamente, o autor toca em um tema central e, ao mesmo tempo, extremamente ignorado
em nossa época. Nesse ponto percebemos que a Igreja não é simplesmente chamada para
cumprir a Grande Comissão, mas também ela é fruto da Grande Comissão. Em virtude
disso, Deus nos deixou registros escriturísticos para nos direcionar no governo da igreja.

Um dos aspectos apresentados é a questão da disciplina. A disciplina consiste no


julgamento da igreja por ela mesma. Ela ocorre por intermédio de seus pastores e mestres
que, movidos pelo Espírito Santo, trabalham para completar/aperfeiçoar o corpo de Cristo.
A disciplina visa a manutenção da pureza da Igreja e a santidade tanto de indivíduos como
de comunidades.

Um dos capítulos mais extensos do livro vai tratar justamente da relação entre a Grande
Comissão e o Grande Mandamento. Em síntese, o autor apresenta o fato de existirem duas
visões mais comuns e extremas: a alienação total dos cristãos e da igreja de todo o
processo social e político; a confusão total entre a missão da Igreja e o envolvimento em
tais processos. Em crítica aos extremos Horton defende que o cumprimento do Grande
Mandamento não é o evangelho, mas a resposta justa a ele. Enquanto um reflete o contexto
e a mensagem nas quais os discípulos são formados, o outro indica o caminho por onde o
discipulado segue.

Aos que falham em perceber o impacto de compreender incorretamente tudo o que fora
apresentado no livro (o conteúdo, os termos e o método da missão), Horton “dedica” certo
tempo, demonstrando como “o problema não é tanto que a igreja está preguiçosa, mas sim
que está desviada” (p. 277 – grifos no original), ou seja, o problema não é falta de fazer,
mas fazer sem conhecer. Horton demonstra essa verdade analisando como algumas
dicotomizações inadequadas e falsas feitas pelos evangélicos tem impactado e distorcido o
cumprimento e a compreensão da Grande Comissão. Ele analisa as seguintes: contrato
versus aliança, interior versus exterior, viver o evangelho versus proclamar o evangelho,
as marcas da igreja versus a missão dos santos e igreja versus reino.

Finalmente, Michael Horton conclui voltando ao ponto inicial. O cumprimento da Grande


Comissão é certo, pois aquele que nos comissionou é o detentor de toda a autoridade nas
terras e nos céus. Não há dúvidas de que ela não falhará. Hoje vivemos a tensão constante
entre o “já” e o “ainda não”, mas descansamos na certeza tanto pessoal (Fp. 1.6) como
universal (Rm. 8.18-21) de que a obra que foi iniciada por Cristo será cumprida
plenamente.

CONCLUSÃO

New_York_City_14414268XLargeEm vistas de tudo o que fora dito, não há dúvidas acerca


da importância de buscarmos uma compreensão mais bíblica da Grande Comissão. Essa
compreensão impacta não somente o movimento missionário da Igreja, mas sua própria
constituição. O livro de Michael Horton pode ser um instrumento importante nessa
direção, ao nos apresentar parâmetros bíblicos para delinearmos a missão da Igreja de
forma mais assertiva. Unindo isso com uma compreensão adequada do evangelho,
podemos dar andamento a nossa missão de pregá-lo do outro lado da rua e do outro lado
do mundo, fazendo discípulos e batizando-os em nome da Santíssima Trindade.

___________

*O autor faz constantemente um trocadilho que não conseguimos perceber no português.


Ele coloca a expressão “pós-moderno” seguida da expressão “mais-moderno”. Isso indica
tanto a posição de muitos estudiosos de que a pós-modernidade, na realidade, seria uma
exacerbação da modernidade (por isso alguns a chamam de hiper-modernidade), como
para fazer um jogo de palavras entre tais expressões em inglês, que são muito parecidas:
post-modern e most-modern.

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