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Mariana França Gouveia

Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Curso de

RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS

2011
2

À Carmo, também porque nasceu depois do último

À minha mãe, a melhor


3

Frésias são flores com cheiro a chá

e ela, aos trinta e sete anos, preferi-as

às flores que se vendem por aí

admitia a beleza mas não o esplendor

porque são tristes as repetições

num instante se tornam saberes

e ela, aos trinta e sete anos,

prezava apenas os segredos que mesmo ditos

permanecem segredos

José Tolentino Mendonça, Frésias

A nossa Castália não deve ser apenas uma selecção, deve antes de mais ser uma
hierarquia, um edifício no qual cada pedra apenas ao todo deva o seu significado.

Hermann Hesse, O Jogo das Contas de Vidro


4

Abreviaturas

AAA – American Arbitration Association

CC – Código Civil

CCI – Câmara de Comércio Internacional (Paris)

CIRDI – Centro Internacional de Resolução de Diferendos relativos a Investimentos


(International Centre for Settlement of Investment Disputes)

CJ – Colectânea de Jurisprudência

CPC – Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa

Directiva – Directiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos


aspectos da mediação em matéria civil e comercial

IBA – International Bar Association

LAV – Lei da Arbitragem Voluntária, Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto

LAV/APA – Projecto de Lei de Arbitragem Voluntária apresentado pela Associação


Portuguesa de Arbitragem, disponível em http://arbitragem.pt/projectos/index.php

LCCG - Lei das Clausulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro

LCIA – London Court of International Arbitration

LJP – Lei de Organização, Competência e Funcionamento dos Julgados de Paz, Lei


78/2001, de 13 de Setembro

LMP – Lei da Mediação Penal – Lei n.º 20/2007, de 12 de Junho


5

LOFTJ – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º


52/2008, de 28 de Agosto

RCAC – Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de


Lisboa (versão aprovada em 2008)

RE – Tribunal da Relação de Évora

RG – Tribunal da Relação de Guimarães

RL – Tribunal da Relação de Lisboa

ROA – Revista da Ordem dos Advogados

RP – Tribunal da Relação do Porto

RPE – Regime Processual Experimental, Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho

SMF – Despacho n.º 18778/2007, de 22 de Agosto (DR-2ª Série) do Gabinete do


Secretário de Estado da Justiça relativo ao sistema de mediação familiar

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law

ZPO – Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil alemão)


6

Nota sobre jurisprudência

Todos os Acórdãos sem indicação de fonte, poderão ser consultados em www.dgsi.pt. É


citada a referência «número de processo», o primeiro termo de pesquisa na base de dados
mencionada. No fim do livro, encontrará uma lista dos casos jurisprudenciais mais
citados (por ordem alfabética das suas designações).
7

Nota prévia

No ano lectivo de 2006/2007, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa


introduziu no seu catálogo de disciplinas a Resolução Alternativa de Litígios. Desde
então até agora essa disciplina tem feito parte do curso de Direito, primeiro na
licenciatura e, após a reforma de Bolonha, na parte lectiva do 2º ciclo (mestrado).

No ano seguinte, em 2007, é criado o Laboratório de Resolução Alternativa de Litígios


pela Faculdade de Direito UNL1, com o fito de desenvolver, investigar e formar nesta
matéria. O Laboratório tem desenvolvido cursos em arbitragem, mediação e introdução
aos meios de resolução alternativa de litígios. Tem promovido a investigação através de
dissertações de mestrado e trabalhos de pós graduação.

Tenho tido a felicidade de participar nestes projectos da Nova, trabalhando, investigando


e ensinando esta nova área de conhecimento, em boa parte por descobrir no mundo
jurídico. A publicação deste Curso resulta assim deste investimento e com o intuito de
contribuir para o aprofundamento e difusão dos meios de resolução de alternativa de
litígios em Portugal.

O desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios em Portugal é um facto


incontestável. Os diversos Governos desde os anos 90, em particular desde o início do
milénio, têm investido na criação de centros de arbitragem institucionalizada
(essencialmente na área do direito do consumo, mas também no direito administrativo, na
1
http://laboratorioral.fd.unl.pt/
8

propriedade industrial e na acção executiva), na instalação de Julgados de Paz (em


Janeiro existiam já cerca de 20) e na implementação de serviços de mediação (laboral,
familiar e penal).

Os juristas são, tradicionalmente treinados para, perante um caso (concreto ou


imaginado) encontrarem a solução que melhor se adeqúe aos conceitos apreendidos num
determinado ramo do Direito (ou em vários), sempre de acordo com as regras próprias da
metodologia do Direito. O raciocínio é fundamentado em critérios exclusivamente
jurídicos, num exercício argumentativo que permita alcançar a melhor solução de acordo
com o espírito da lei e, mais importante, de acordo com o sistema jurídico.

A abordagem da Resolução Alternativa de Litígios é muito ou totalmente diferente. Nesta


área não se procura a solução, mas o método mais adequado à resolução do problema,
independentemente da solução jurídica adequada. Daí que seja muito diferente do
tradicional Direito Processual (Civil, Penal. Administrativo ou Constitucional), que é
meramente adjectivo do direito material. Isto significa que o Direito Processual deve ser
neutro em relação à consagração da solução do direito material respectivo. O Direito
Processual deve ser invisível no que à solução de direito material diz respeito.

Ora, a Resolução Alternativa de Litígios começa precisamente por questionar a


hegemonia do direito material legislado, pretendendo, portanto, encontrar soluções
diversificadas para os problemas. O que é alternativo, antes de tudo o mais, é
precisamente a abordagem ao litígio, a percepção das suas características não jurídicas -
sociais, psicológicas até, históricas, antropológicas. Não nos esqueçamos que estes
métodos são transversais a todas as áreas do direito e da sociedade, tendo aplicação desde
o conflito de vizinhança ou de irmãos até ao conflito internacional mais complexo.

O conhecimento dos diferentes modos de tratamento do litígio é, na minha perspectiva,


tão importante quanto a tradicional aprendizagem do direito processual. Não só porque o
investimento e incentivo público tem sido constante e gradualmente maior, mas ainda e
sobretudo porque se trata de um instrumento de melhoria da qualidade do nosso sistema
público de Justiça.
9

O ensino e a divulgação desta matéria assumem, assim, um objectivo missionário – o de


desmistificar juntos dos actuais e futuros profissionais do direito os meios resolução
alternativa de litígios. Conhecendo-os e sentindo com eles familiaridade, poderão os
juristas aconselhá-los e utilizá-los. Só assim se criará a verdadeira convicção de que o
tribunal é um dos vários recursos disponíveis para a solução de um litígio.

A importância da matéria é, assim e também, metodológica. Usando as palavras de


António Hespanha, o que “se procura é olhar o direito de mais sítios e de sítios mais
improváveis do que se tornou habitual.”2

2
António Manuel Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 5.
10

INTRODUÇÃO

1.1. Noção

Os meios de resolução alternativa de litígios, tradução livre da designação inglesa


alternative dispute resolution (ADR), podem definir-se como o conjunto de
procedimentos de resolução de conflitos alternativos aos meios judiciais. 3 A definição é
vaga e pretende sê-lo, na medida em que não existe qualquer tipologia fechada. Tem
vindo lentamente a firmar-se uma tipologia padrão de meios que compõem a resolução
alternativa de litígios, mas não é, nem pretende ser definitiva. Daí que a inserção de um
método nos meios de resolução alternativa de litígios se faça pela negativa (não é
judicial).

Esta distinção não é, porém, suficiente para enquadrar como meio de resolução
alternativa de litígios a conciliação judicial, tal como prevista no artigo 509.º CPC. A
tentativa de conciliação aí prevista é, evidentemente, conduzida por um juiz no âmbito de
um processo judicial. Não se trata portanto de um meio de resolução de litígios não
judicial, embora se funde ainda no consenso, apartando-se da clássica forma de resolver o
litígio através do tribunal. Ainda sendo em ambiente judicial, faz sentido, no meu
entender, estudar a conciliação judicial ao lado dos outros meios de resolução alternativa
3
A utilização desta denominação não tem sofrido grande contestação, tendo entrado no léxico
jurídico sem reservas. Recentemente, porém, Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009,
p. 34-37, propôs a sua substituição para a de meios extrajudiciais de resolução de controvérsias. A
Autora entende que a utilização da palavra «alternativa» não faz sentido em termos teóricos e
práticos. Parece-me porém preferível manter a designação que já fez escola no nosso sistema.
11

de litígios, primeiro porque se trata de uma resposta alternativa ainda que em ambiente
judicial, segundo porque em mais nenhum lado se estuda e o seu exame é importante em
termos de oferta de Justiça.

A definição de resolução alternativa de litígios deve, assim, ser alargada a todos os meios
de resolução de conflitos que sejam diferentes da decisão por julgamento em tribunal
judicial. É uma definição com uma aparência pouco científica, mas o leitor terá a
paciência de perceber que as definições são meros exercícios de racionalização do caos,
não transformando a sua natureza.

Pode fazer-se uma distinção entre os meios de resolução alternativa de litígios consoante
três diferentes critérios: voluntário ou obrigatório; adjudicatório ou consensual; centrado
nos interesses ou nos direitos.4

Os meios de resolução alternativa de litígios são, por regra, voluntários – depende


unicamente da vontade das partes aderir ou não a um mecanismo alternativo. Esta sua
característica permitia diferenciá-los dos meios judiciais de resolução de litígios, sempre
obrigatórios. No entanto, ainda dentro dos meios de resolução alternativa de litígios
podemos encontrar meios obrigatórios. Desde logo a arbitragem necessária, imposta por
lei. Em segundo lugar, os Julgados de Paz, se entendermos que a sua jurisdição não está
na disponibilidade do autor. Conforme se verá à frente5, o Supremo Tribunal de Justiça
decidiu, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 24 de Maio de 2007 6, que a
competência dos Julgados de Paz é alternativa, estando na disponibilidade do autor a
opção entre estes tribunais ou os tribunais judiciais. Se se optar por este entendimento, os
Julgados de Paz serão um meio voluntário de resolução de litígios.7

Noutros países, que não no nosso, têm sido experimentados sistemas de mediação
obrigatória, não sendo portanto impossível teoricamente a sua existência. Mas esta é
também uma questão controvertida que abordaremos mais à frente.8
4
Robert Niemic, Donna Stienstra e Randall Ravitz, Guide to Judicial Management of Cases in
ADR, 2001, p. 9-10.
5
Capítulo VI.1.
6
Acórdão 11/2007, publicado no Diário da República de 25 de Julho.
7
Se esta disponibilidade é uniltaral (só do autor) ou se de ambas as partes é matéria que
trataremos no capítulo respectivo.
8
Cfr. Infra ponto 3.2..
12

São, assim, voluntários a negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem


voluntária. É obrigatória a arbitragem necessária. Os Julgados de Paz serão voluntários
ou obrigatórios conforme a posição que se tome sobre a sua competência.

Os meios de resolução alternativa de litígios podem ainda ser adjudicatórios ou


consensuais. Os mecanismos adjudicatórios, de que a arbitragem é o exemplo típico, são
aqueles que atribuem o poder de decisão a um terceiro. Os consensuais aqueles que visam
a solução através da obtenção de um acordo, permanecendo nas partes, portanto, a
capacidade de decisão do litígio.

Por fim, os meios de resolução alternativa de litígios podem ter duas perspectivas
completamente diferentes: a dos direitos ou a dos interesses. A perspectiva dos direitos é
claramente a tradicional, a dos tribunais judiciais. É a que surge na arbitragem e em regra
na conciliação. Baseia-se na discussão dos argumentos legais de cada parte (incluindo
evidentemente a prova). A outra óptica de tratamento do problema é verdadeiramente
nova para os juristas – e por isso de difícil percepção. Tem como ponto de vista os
interesses das partes, individualmente consideradas, desconsiderando o que o Direito
determina sobre o seu caso. Tenta conciliar interesses e não direitos, procurando a
pacificação do conflito em detrimento da solução juridicamente correcta. A mediação na
sua vertente facilitadora é claramente um meio de resolução alternativa de litígios
baseado nesta perspectiva.

Há doutrina que utiliza esta distinção, acrescentando ainda outra categoria: a baseada no
poder. Poder é a capacidade de coagir alguém a fazer algo que voluntariamente não faria.9
São exemplos de exercícios de poder a agressão física (desde individual até às guerras) e
a greve. O poder é também forma de resolução de conflito quando existe uma relação de
dependência entre as partes, quer se trate de relações familiares, laborais, comerciais ou
internacionais. O detentor do poder tentará sempre coagir a parte dependente (ou mais
fraca) a tomar determinada decisão que é favorável à primeira. A lógica é: se não fazes o
que quero, não trabalho/negoceio/vivo contigo mais.10

9
Ury, Brett e Goldberg, Resolução de Conflitos, 2009, p. 40.
10
Stephen Golberg in Segunda Conferência Meios Alternativos de Resolução de Litígios, 2005, p.
89.
13

Este meio de resolver conflitos não é, obviamente, motivo de estudo neste trabalho,
embora seja necessário por vezes referir a sua possibilidade de aplicação. Não é, claro,
um instrumento legítimo de resolução de conflitos, porque não parte de uma situação de
igualdade, pressupondo antes desigualdade. Mas, por exemplo, na negociação, há
momentos de poder (de «braço-de-ferro») que são utilizados sem que se coloquem
problemas de maior.

Fui falando de alguns meios de resolução alternativa de litígios como a negociação, a


mediação, a conciliação e a arbitragem. Há, porém, muitos mais, indicados pela doutrina,
por vezes sem exacta correspondência terminológica ou conceptual. A Resolução
Alternativa de Litígios não se quer fechada em tipologias estritas, pelo que esta indicação
é a que hoje vale, mas não limita, nem exclui outras formas de resolução de litígios. Há,
aliás, alguns mecanismos conhecidos de outras ordens jurídicas que aí são normalmente
tipificados.

Podemos fazer referência a alguns que parecem ser bastante interessantes: o mini-
julgamento (minitrial e o summary jury trial), a avaliação neutral prévia (early neutral
evaluation), a decisão não vinculativa (non binding ex arte adjudication).11

O mini-julgamento foi um procedimento criado em 1976 num litígio complexo de


patentes e marcas. Implica um painel neutral que ouve as alegações de cada uma das
partes e lhes coloca as questões que julga importantes. Após as alegações, as partes
reúnem-se para tentar chegar a um acordo. Se tal não acontecer, então o terceiro neutral
dá a sua opinião sobre o que será a decisão judicial do caso. Em função dessa opinião as
partes reiniciam a negociação com vista à obtenção de um acordo. Na variação de júri o
painel é substituído por um conjunto de pessoas, simulando um júri. Por regra tal
procedimento é feito antes da produção da prova, nos casos em que ela é muito
complexa.12

11
Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 21-24; Fernando Horta Tavares,
Mediação e Conciliação, 2002, p. 42 e seguintes;
12
Robert Niemic, Donna Stienstra e Randall Ravitz, Guide to Judicial Management of Cases in
ADR, 2001, p.9; Stephen Golberg in Segunda Conferência Meios Alternativos de Resolução de
Litígios, 2005, p. 92, relata um mini-trial em que pode não existir terceiros neutrais, mas apenas
os advogados e os directores executivos das empresas em litígio.
14

A avaliação neutral prévia foi desenvolvida nos tribunais federais da Califórnia, como
forma pré-judicial de resolução de litígios. Numa sessão confidencial, as partes e os seus
advogados apresentam o caso perante um terceiro. Esse terceiro, que por regra é um
advogado com experiência na matéria, informa-as, então, dos pontos fortes e fracos das
suas posições, iniciando-se de seguida a negociação do caso. O avaliador neutral pode
ainda assistir às tentativas de negociação. Este procedimento é também utilizado numa
fase inicial da arbitragem, com o fim de organizar o caso para a sua entrada em tribunal.13

Estes são meios híbridos, entre jurisdição e mediação, entre arbitragem e conciliação,
entre formas adjudicatórias e formas consensuais de resolução de litígios. Não são
métodos conhecidos em Portugal e não têm sequer uma construção teórica definitiva.
Mas não deixam de ter bastante interesse e podem até funcionar como inspiração para
ensaios de novos métodos de resolução de conflitos.

Há algumas questões teóricas sobre o conceito e a extensão dos meios de resolução


alternativa de litígios sobre as quais importa tecer introdutoriamente algumas
considerações.

A primeira delas diz respeito ao lugar da negociação na resolução alternativa de litígios.


A autonomização da negociação como um meio de resolução alternativa de litígios não é
pacífica. Há quem entenda que a negociação não é um meio de resolução alternativa de
litígios, mas antes uma componente de um qualquer dos processos de resolução.14
Entendo, porém, que a negociação deve ser autonomizada enquanto meio extra-judicial
de resolução de conflitos sem intervenção de terceiros. Trata-se de um modelo de resolver
conflitos ainda interno, entre as partes. É realmente um instrumento importante inserido
em outros métodos de resolução, em especial a mediação. O modelo cooperativo de
negociação, desenvolvido pela Escola de Harvard15, teve uma grande influência no
nascimento e teorização da mediação facilitadora.16 Mas a negociação tem importância

13
Robert Niemic, Donna Stienstra e Randall Ravitz, Guide to Judicial Management of Cases in
ADR, 2001, p. 8; Frank Sander e Lukasz Rozdeiczer, Selecting an appropriate Dispute Resolution
Procedure, 2005, p. 394.
14
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 12.
15
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003. Cfr. infra capítulo II.
16
Cruyplants, Gonda e Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p. 7.
15

para além da mediação, enquanto método autónomo de resolução de litígios. Deve ser
encarada como um método de resolução de conflitos extra-judicial que pode ser utilizado
na sua forma simples, sem terceiros, ou em conjunto com outros métodos de resolução de
litígios. A mera constatação do vasto desenvolvimento teórico sobre o tema é já
justificação suficiente para se explicar, ainda que brevemente, os seus pontos essenciais.

A segunda questão prende-se com a distinção entre mediação e conciliação. Há quem as


veja como opostos, há quem defenda que não se distinguem. Na minha perspectiva, que
desenvolverei mais à frente, só faz sentido distinguir conciliação e mediação quando a
primeira é feita por quem tem poder adjudicatório, isto é, pelo juiz ou pelo árbitro.

O capítulo relativo à conciliação trata, assim e apenas, a conciliação judicial, deixando de


fora formas de resolução de litígios que hoje são apelidadas, no nosso ordenamento
jurídico, de conciliação. Nos centros de arbitragem de conflitos de consumo, por
exemplo, a seguir à fase da mediação há uma fase de conciliação presidida pelo director
do centro17 ou por um jurista especialmente designado 18. Com a restrição da conciliação à
judicial, teríamos de enquadrar estas figuras na mediação. O certo é, porém, que a
mediação em Portugal, designadamente a dos sistemas públicos, tem adoptado um
modelo de mediação – designado de mediação facilitadora – que exclui estas conciliações
não judiciais. E parece-me que a mediação facilitadora tem alguns princípios básicos que
exigem a sua distinção de outros modelos de mediação ou conciliação. Daí que, estas
conciliações não judiciais não se encaixem em nenhum dos capítulos. Serão meios
híbridos, a meio caminho entre uma coisa e outra, cujo estudo não se efectuará, mas que
nenhum mal ao mundo vem por existirem. Como se disse já, a Resolução Alternativa de
Litígios tem de ser flexível, viva, dinâmica. Não me preocupa de todo que haja peças que
não encaixam num perfeito puzzle dogmático.

17
Assim se faz no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa
(www.centroarbitragemlisboa.pt) e no Centro de Arbitragem do Sector Automóvel
(www.centroarbitragemsectorauto.pt).
18
Assim se fazia no CIMASA – Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros
Automóveis (www.cimasa.pt), mas já não no seu substituto, o CIMPAS – Centro de Informação,
Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (www.cimpas.pt).
16

Uma terceira nota diz respeito à arbitragem. A arbitragem diferencia-se dos restantes
meios de resolução alternativa de litígios por ser adjudicatória e ter uma tradição já
bastante antiga. A característica da voluntariedade só se verifica no princípio (na
convenção arbitral). A produção dogmática é abundante, inserindo-se no discurso jurídico
tradicional. A história, o fim, o ambiente da arbitragem colocam-na muito mais perto da
tradição judicial do que dos meios de resolução alternativa de litígios. Poderia, pois,
optar-se por não a incluir nestes mecanismos. No entanto, enquadra-se na definição
ampla adoptada de meios de resolução alternativa de litígios, na medida em que não é
judicial. Este aspecto é suficiente para se integrar nesta disciplina, uma vez que não se
procura aqui a homogeneidade de métodos de resolução de conflitos, mas antes e
precisamente a variedade.

Por último, a inserção dos Julgados de Paz no âmbito dos meios de resolução alternativa
de litígios pode ser questionada, essencialmente porque se trata de um instância de
resolução de conflitos, não propriamente de um meio alternativo e diferente dos outros de
resolver os casos. Os Julgados de Paz, na sua versão actual, terão tido inspiração nos
tribunais multi-portas, instituição de justiça imaginada por Frank Sander nos anos 70, na
qual existiriam várias opções para resolver os litígios, oferecidas em função da natureza
concreta dos mesmos.19 Assim, um processo num Julgado de Paz pode ser resolvido por
mediação, por conciliação ou por julgamento.

Não são, portanto, meios de resolução de litígios diferentes destes, antes uma forma de
organização numa única instituição destes meios. O seu estudo autónomo – enquanto
instituição - numa disciplina como esta justifica-se porque se inserem em termos de
linguagem e teleologia com os meios de resolução alternativa de litígios. São verdadeiros
centros de resolução alternativa de litígios pelo que este é o local certo do seu estudo.20

1.2. Antecedentes
19
Carrie Menkel-Meadow, Roots and Inspirations, 2005, p. 19.
20
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 15, defende a não integração dos
Julgados de Paz numa disciplina de Resolução Alternativa de Litígios por se tratar de instâncias
de decisão que aplicam o Direito, semelhantes, portanto, aos tribunais judiciais. Entende, assim,
que a matéria deve ser leccionada na disciplina de Direito Processual Civil.
17

Os meios de resolução alternativa de litígios são geralmente apontados como uma das
suas possíveis respostas à crise da justiça portuguesa.21 Fala-se em retirar processos dos
tribunais como objectivo, fim e indicador de sucesso. Não partilho esta ideia: a crise da
justiça é também (ou sobretudo) uma crise de qualidade da justiça – e não de quantidade
ou de morosidade - e os meios de resolução alternativa de litígios pretendem ser uma
resposta no âmbito da qualidade e não da quantidade. Isto é, os meios de resolução
alternativa de litígios postulam uma abordagem diferente do conflito, procurando a
solução mais adequada ao litígio. O que pode passar pela não aplicação da lei.

O sistema de justiça oficial que hoje temos em Portugal surge após a revolução liberal,
como parte do seu programa político. Até às revoluções liberais, o sistema vigente
assentava no poder absoluto do monarca. Era este que ditava a lei, geralmente justificado
por uma legitimidade divina. Era este que dizia o direito e aplicava a justiça. Detinha,
como se sabe, o poder absoluto. Ao seu lado, porém, conviviam diversos poderes,
assentes numa sociedade socialmente muito estruturada e localizada. O poder do rei
fazia-se sentir, mas o poder dos senhores locais era uma realidade tão ou mais presente. O
ordenamento jurídico pré-oitocentista era, então, essencialmente pluralista, correndo a
maior parte da vida à margem do direito escrito.22

O advento da democracia liberal pretendeu alterar esta realidade, atribuindo ao povo a


legitimidade e o monopólio de construir o Direito. À vontade do rei deveria substituir-se
a vontade do povo, só sendo Direito aquilo que o povo determinasse. O modo de
concretizar este novo princípio democrático era, evidentemente, a atribuição do poder
legislativo a assembleias eleitas pelos cidadãos. E assim foi decidido: o Direito passou a
ser feito exclusivamente pelas cortes eleitas pelo povo.

Esta decisão não correspondeu, porém, à realidade dos factos, não só porque o sistema
político não era uma verdadeira democracia, mas ainda porque as fontes locais e
costumeiras de poder não se extinguem por decreto.

Retomaremos de seguida esta ideia da falência do sistema liberal no que à concepção de


Direito diz respeito. Mas antes disso, é decisivo referir que esta tentativa monopolizadora
21
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 21.
22
António Hespanha, Lei e Justiça: História e prospectiva de um paradigma, 1993, p. 13-19.
18

do Direito, esta sua conquista pelo poder central e civilizado, implicou a criação de um
corpo de tribunais que aplicasse pelo país fora esta concepção do Direito. O poder
central, monopolizador, criador da nova ordem de igualdade, necessitava de um braço
amplíssimo que o fizesse chegar ao mais recôndito canto de Portugal.

Este novo poder judicial seria reduzido à função da boca que pronuncia as palavras da
lei, na célebre expressão de Montesquieu, o teórico da separação de poderes. Os juízes
não teriam autonomia interpretativa ou de aplicação do Direito, limitando-se, quais
máquinas de soluções jurídicas, a proferir a decisão.

A identificação do Direito com a lei ficou conhecida como o legalismo ou o estadualismo


ou, ainda, como o positivismo. 23 A concepção legalista do Direito tem, então, cerca de
200 anos e, apesar de não ter hoje sustentação teórica ou prática, continua a dominar
amplamente quer a formação dos juristas, quer ainda o modo de decidir e aplicar o
Direito (porque, evidentemente, uma coisa não anda desligada da outra).

O legalismo (a identificação do Direito com a lei) foi desde a primeira hora posto em
crise, pelo simples facto de o seu fundamento legitimador – a democracia – não
corresponder à realidade. Os cidadãos com acesso ao voto eram em número muito
inferior à população, estando reduzido aos homens com determinadas características
sociais e financeiras. Era, como se sabe, um regime muito elitista, com fraco índice de
participação. Acresce que havia um grande alheamento das populações em relação à vida
política e ao Estado, permanecendo ligadas a práticas sociais geralmente aceites como
certas e válidas localmente.

O legalismo foi, assim, rapidamente substituído por outras formas de criação de Direito,
desde o reconhecimento das tais práticas sociais dominantes (o costume), até à criação de
um Direito tecnicamente perfeito a cargo de um corpo de juristas de elite. Expoente desta
última concepção é a construção jurídica de Savigny, autor da divisão actual do Direito
Civil.

As considerações históricas que acabámos de descrever não merecem grande contestação


no século XIX e, em Portugal, em boa parte do século XX. Porém, poderia perguntar-se
23
António Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 20.
19

se hoje, com uma democracia verdadeiramente representativa, em que cada cidadão tem a
possibilidade de votar livremente, não estarão reunidas as condições para que a lei,
elaborada pelas assembleias representativas, seja a expressão directa da vontade popular.
Se assim fosse, o legalismo seria o melhor modelo para o nosso mundo actual e o tribunal
judicial adstritos à lei o mais adequado método de solução de qualquer conflito.

O certo é, porém, que nos dias que correm se verifica continuamente um afastamento do
cidadão perante o Estado e, em consequência, em relação à lei. Se perguntarmos a
qualquer pessoa se entende que é a si que lhe compete a feitura da lei e que delega esse
poder através do voto, a reacção será, no mínimo de estranheza. A distância entre Estado
e cidadão tem vindo a aumentar, para o que há diferentes e variadas justificações. A isto
acresce ainda a circunstância de o Direito ser uma realidade muito técnica, característica
notada por qualquer teorizador e pecha sempre presente de uma concepção democrática
do Direito.24

O pluralismo jurídico está aí com plena força, obrigando os juristas a consciencialização


social na interpretação e aplicação do Direito e, em consequência, a um conhecimento de
diversas realidade sociológicas, antropológicas ou históricas, que até há bem pouco
tempo considerava alheias às suas necessidades.

As normas jurídicas têm como função estabilizar de forma consensual e duradoura as


relações sociais, reduzindo a complexidade, criando segurança, valor tão ou mais
importante socialmente que a justiça. No Direito ideal do Estado Nação esta redução da
complexidade era feita através da lei, criadora, com a doutrina e a jurisprudência, de um
sistema jurídico coeso e organizado. Hoje, a complexidade social, económica e política é
obstáculo permanente à coerência, impedindo que a lei seja a única fonte do Direito. Na
sociedade pluralista da pós-modernidade, o Estado é obrigado a suportar múltiplas
concorrências normativas.25

Em síntese, e citando António Hespanha, “No direito, tem-se evoluído da ideia da certeza
dos princípios e das soluções jurídicas (modernismo) para a de uma mera solução

24
António Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 154.
25
António Hespanha, Ideias sobre Interpretação, 2009, p. 39.
20

razoável, exigida pela indeterminação, complexidade e necessidade de contextualização


das sociedades de hoje (pós-modernas).”26

De entre estes novos conhecimentos e abordagens, uma delas é a da resolução alternativa


de litígios. E é hora de a ela voltarmos, contextualizando a sua aparição nesta perspectiva.

O surgimento dos meios de resolução alternativa de litígios em Portugal e no mundo está


relacionado com a crise do Direito (com a crise da identificação do Direito com a lei) e
da Justiça. Assim como a ideia de que o Direito se identificava com a lei levou à criação
de um sistema estatal e monopolizador de Justiça, também a ideia de que o Direito surge
de várias fontes (pluralismo) implica que haja instâncias diversificadas de aplicação das
soluções jurídicas.

A resolução alternativa de litígios está ligada aos Critical Legal Studies, um movimento
crítico da lei que surgiu nos Estados Unidos da América no fim dos anos 60. O
movimento tem uma origem essencialmente política, querendo com isto dizer que surgiu
da constatação de que o Direito não era um saber neutral (como a Física ou a
Matemática), mas carregado de ideologia e programa. Era a expressão de uma vontade –
todas as opções jurídicas constituíam escolhas políticas.27

Afirmar isto era afirmar que valores que estavam no centro da ideologia dos juristas
desde o séc. XVIII – como a racionalidade dos seus procedimentos – não tinham
fundamento, constituindo apenas uma máscara de argumentos favoráveis à defesa de
certas posições dominantes na vida social ou na vida académica.28

Esta constatação revolucionária tem consequências importantes ao nível do acesso ao


Direito e à Justiça. Reconhece-se a insuficiência dos mecanismos oficiais de aplicação do
Direito (legislado) e promove-se o conhecimento e a reintegração de mecanismos
comunitários de justiça. A auto-composição e os meios para a alcançar são analisados e
valorizados, procurando-se colocá-los em plano de igualdade face à justiça tradicional.

26
António Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 213.
27
António Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 229 e seguintes.
28
António Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 231.
21

Em 1976, numa conferência sobre administração da justiça, Frank Sander, professor da


Universidade de Harvard, defendeu a ideia da diversidade dos meios de resolução de
litígios, lançando a ideia da criação de um tribunal multi-portas, um centro de resolução
de litígios com diversas ofertas. O tribunal multi-portas teria diversos serviços de
resolução de litígios, como a mediação, a conciliação, a arbitragem ou a investigação dos
factos. A proposta de Sander atraiu várias pessoas e movimentos, quer aqueles que
procuravam uma solução para a falta de eficiência da justiça, quer aqueles que, em crítica
ao direito oficial, buscavam vias alternativas de resolução de litígios.29

Assim se transpunha finalmente o pluralismo jurídico para o plano processual, assim se


fundava o pluralismo processual.

O movimento não parou de ganhar adeptos nos Estados Unidos da América e na Europa.
Em Portugal chega também, embora em tempos já mais recentes.30

É neste contexto, de crítica e de crise do Direito, que a resolução alternativa de litígios


deve ser primeiramente colocada. A resolução alternativa de litígios é, antes de tudo, o
reflexo processual do pluralismo jurídico. É um instrumento de diálogo entre as pessoas e
as tradições e, por isso, uma via de aprofundamento a nossa democracia.

Mas há ainda outras razões, para além da evolução do pensamento jurídico e da crise da
justiça, que contribuem para o aparecimento e desenvolvimento recente dos meios de
resolução alternativa de litígios.

O esquema tradicional de Justiça é, por regra e assumidamente, um sistema afastado do


cidadão. Em regra, este necessita de um interlocutor para fazer valer os seus direitos, na
medida em que há obrigatoriedade de constituição de advogado em casos de valor não
muito considerável (actualmente acima dos 5.000€). Este patrocínio judiciário
obrigatório31 justifica-se por diversas razões históricas e antropológicas, mas nos dias de
hoje a justificação é antes de mais uma necessidade: dada a complexidade do sistema
jurídico é praticamente impossível a um não jurista defender a sua posição. Assim,

29
Carrie Menkel-Meadow, Roots and Inspirations, 2005, p. 19.
30
João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias, Por caminhos da(s) reforma(s) da Justiça,
2003, p. 32.
31
Erigido aliás em pressuposto processual geral.
22

mesmo nos casos em que o patrocínio judiciário não é obrigatório, verifica-se cada vez
mais a representação por advogado.

Repare-se que as partes, em processo civil, não podem sequer falar. A única possibilidade
de dirigirem a palavra ao tribunal é através do depoimento de parte, cuja exclusiva
finalidade é a obtenção de confissão. Ou seja, em processo civil apenas tem valor aquilo
que as partes dizem contra si próprias (os factos que lhes são desfavoráveis).32

A consequente marginalização do cidadão tornou-se insustentável com a evolução social


– os donos dos conflitos pretendem dominá-los, controlando quer o processo, quer a
solução. O mundo em que hoje vivemos terá seguramente defeitos, mas tem a vantagem
de ter trazido às pessoas a legitimidade de decidir e a possibilidade de discordar. A
autoridade já não é suficiente para a aceitação de uma decisão. O cidadão exige a
explicação e exige ser convencido por ela.

Ora, estes novos modelos sociais recebem resposta através de alguns meios de resolução
alternativa de litígios, em especial da mediação, onde as partes são colocadas no domínio
do litígio. Não apenas quanto ao seu desfecho (a obtenção do acordo), mas também e
sobretudo quanto ao processo que a ele conduz.

A adesão das pessoas a sistemas de mediação ou similares tem precisamente a ver com
esta possibilidade de dominar o conflito. Uma das características essenciais da mediação
– a atribuição de plenos poderes às partes (empowerment) – é justamente produto disto.

Assim, em conclusão, deve buscar-se a razão do nascimento dos meios de resolução


alternativa de litígios em dois lugares diferentes. Em primeiro lugar, na crise do direito e
da justiça oficial e, em segundo lugar, no crescente desejo do cidadão em participar na
resolução dos seus conflitos.

Tendo isto como assente é importante referir que não se pretende com estas palavras
defender a substituição do sistema tradicional de justiça pela resolução alternativa de
litígios. Acredito que a oferta pública de justiça, o serviço público de justiça deve ser
complementar, ou seja, deve conter diversas ofertas de justiça. A sociedade é hoje
complexa, diversificada. Dá origem a conflitos completamente diferentes que exigem
32
Artigos 552.º e seguintes CPC e 352.º CC.
23

respostas diferenciadas. Uma dessas respostas – e a mais importante – será sempre a


judicial. Neste sentido, deve pensar-se a sério numa reforma do direito processual
nacional (essencialmente o civil), substituindo o actual Código por outro que permita ao
cidadão compreender e rever-se na Justiça do seu país.

O serviço público de Justiça, pilar do Estado de Direito democrático, deve procurar


conter respostas diversas para problemas distintos, aproximando-se do cidadão a quem
serve. O que parece ser o futuro é um sistema complementar de Justiça em que as várias
respostas são partes de um todo e a ele apenas devam o seu papel e significado. Julgo que
para esse fim se têm vindo a dar significativos passos.

1.3. Em Portugal

Há que fazer, ao nível dos meios de resolução alternativa de litígios, uma distinção
importante em termos históricos. A arbitragem comercial, designadamente a arbitragem
internacional, tem uma história diferente dos restantes meios que tratamos neste estudo. A
história da arbitragem está intrinsecamente ligada à história do comércio. A arbitragem
surge no período medieval como forma de resolução de conflitos entre comerciantes nas
feiras europeias. A arbitragem tinha uma dupla vantagem: era rápida (como as feiras) e
permitia o julgamento através de regras comerciais diferentes das estatais. Estas duas
características fomentavam intensamente o comércio.33

Em Portugal, os primeiros sinais documentados de arbitragem aparecem precisamente no


século XIII, tomando aí os árbitros a designação de juízes alvidros.34

O cumprimento das decisões privadas era sustentado por um número relativamente


pequeno dos comerciantes, interessados em manter as relações e trocas comerciais. No
entanto, o crescimento do mercado e a sua internacionalização progressiva a partir do
século XIX trouxe alguma dificuldade na imposição de sanções pelo incumprimento das
decisões arbitrais. É apenas neste momento que os diversos Estados começam a intervir

Cole e Blankley, Arbitration, 2005, p. 320.


33

34
Francisco Cortez, A Arbitragem voluntária em Portugal, 1992, p. 372; Armindo Ribeiro
Mendes, Balanço de 20 anos de vigência da LAV, 2008, p. 14; José Duarte Nogueira, A
Arbitragem na História do Direito Português, 1996, p. 15.
24

na arbitragem, através da aprovação de diplomas que a regulam. A intenção é claramente


no sentido do seu reconhecimento.

A arbitragem comercial internacional aparece, assim, no período liberal como uma


espécie de jurisdição privada dos grandes comerciantes. As duas maiores instituições
europeias de arbitragem internacional institucionalizada, a London Court of International
Arbitration e a Câmara de Comércio Internacional, são fundadas precisamente em finais
do século XIX, inícios do século XX. Em Portugal, a Associação Comercial de Lisboa foi
fundada em 1834, embora o seu centro de arbitragem, a instituição mais reconhecida na
arbitragem comercial portuguesa, só tenha sido criado em 1986 (logo após a aprovação
da Lei de Arbitragem Voluntária).

A importância da arbitragem comercial internacional não parou, desde então, de crescer,


tendo como marco decisivo a aprovação da Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre
reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, verdadeiro passaporte
internacional das decisões arbitrais. Em muitos casos é mais fácil o reconhecimento
internacional de uma sentença arbitral do que de uma sentença judicial.

Estima-se hoje que cerca de noventa por cento dos contratos internacionais contêm
convenções de arbitragem.35

Em termos nacionais, sente-se também um crescimento da arbitragem comercial. É,


todavia, um puro sentimento porque carece de comprovação científica, dada a falta de
estatísticas. Refiro-me à arbitragem ad hoc, relativa portanto a casos exclusivamente
nacionais. Percebe-se o crescimento deste meio de resolução alternativa de litígios
através de alguns indícios, sendo de destacar o maior número de decisões jurisprudenciais
sobre a matéria. Fenómenos como a crise da justiça (morosidade e qualidade)
justificariam este crescimento.

Esta é, portanto, uma crónica à parte daquela que enquadra os restantes meios de
resolução alternativa de litígios. Nesta outra história também entra a arbitragem. Aliás,
terá começado por aí este movimento novo de desenvolvimento público desta área. Mas a
arbitragem de iniciativa pública tem sido dirigida aos pequenos conflitos, com especial
35
Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 24.
25

incidência nos litígios de consumo. Não deixa de ser interessante que um mesmo meio de
resolução alternativa de litígios – a arbitragem - tenha a virtualidade de, em simultâneo,
se adequar a litígios com características tão diferentes.

Os meios de resolução alternativa de litígios têm conhecido um desenvolvimento brutal,


impulsionado pelo poder público. Desde pelo menos o início do milénio essa linha
programática tem sido constante, independentemente da força política que está no
Governo. Podemos dividir o desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de
litígios em três grandes momentos: em primeiro lugar, a criação de centros de arbitragem;
segundo, a criação e desenvolvimento dos Julgados de Paz; terceiro, a aposta em sistemas
de mediação.

Podemos dizer, embora sem comprovação científica, que o desenvolvimento dos meios
de resolução alternativa de litígios em Portugal se iniciou na área do consumo, através da
criação de centros de arbitragem de conflitos de consumo e de centros de informação
autárquica ao consumidor. Os centros de arbitragem de consumo são, em 2010, dez, oito
de âmbito geral e dois de âmbito sectorial, prestando serviços de informação e de
mediação. Os Centros de Informação Autárquica ao Consumidor (CIAC), criados por
iniciativa das autarquias, no âmbito das suas competências específicas, com o apoio do
então Instituto do Consumidor36, realizam a nível local a informação sobre as temáticas
da defesa do consumidor e promovem a mediação de conflitos de consumo surgidos na
sua área territorial de actuação.37

Um dos primeiros centros foi o de Lisboa, que iniciou a sua actividade em 1989, e está
hoje implantado como um organismo de sucesso na resolução de conflitos de consumo.
Em 2009, foi criado o Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de
Consumo (CNIACC) que é gerido pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de
Lisboa, funcionando nas suas instalações. Com a entrada em funcionamento deste Centro,
está disponível em termos nacionais a arbitragem de consumo às empresas e
consumidores que a ela queiram aderir.

36
Actualmente, Direcção-Geral do Consumidor.
37
Mais informação em www.consumidor.pt, ver em Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
26

A mediação realizada por estes centros era tecnicamente incipiente, essencialmente


devido à falta de formação especializada dos mediadores.

O forte impulso à mediação surgiu com a criação dos Julgados de Paz. Nas diversas
actividades que precederam a sua criação, tornou-se clara a importância da mediação
enquanto meio de resolução alternativa de litígios.38 E é nessa altura, em 2000/2001, que
começa a entrar no ordenamento jurídico português a mediação enquanto meio técnico,
científico, até, de resolução de conflitos. Surgem os primeiros cursos de mediadores e
exige-se a sua frequência e a certificação pelo Ministério da Justiça para que os
mediadores possam exercer a sua acção nos Julgados de Paz.

Tendo em conta que os primeiros Julgados de Paz iniciaram a sua actividade em 2001, é a
partir desta data que o mundo da mediação se desenvolve, através de mediadores
devidamente formados e credenciados. É provável que a profissão, mantendo-se o seu
sucesso e a aposta pública nela, se venha a organizar através de uma associação de
interesse público. Para já, existe uma associação de mediadores 39, mas a inscrição não é
obrigatória para que a profissão possa ser exercida. Importa destacar que fora dos
Julgados de Paz e dos sistemas públicos de mediação não é obrigatória a frequência de
curso certificado pelo Ministério da Justiça para realizar mediações.

Os Julgados de Paz deram, portanto, um impulso grande à mediação em Portugal, assim


como consagraram, agora na vertente adjudicatória, uma nova forma de conceber o
processo e o litígio. Retomarei estas suas características quando deles tratar. Para já é
importante referir que existem 21 Julgados de Paz em funcionamento em Portugal,
abrangendo cerca de 50 concelhos. 40 Em 2007 foi divulgado um estudo para a extensão
da sua rede ao longo de 20 anos 41, a que voltarei adiante, que tem vindo a ser cumprido

38
Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 91 e seguintes.
39
Associação de Mediadores de Conflitos, mais informação em www.mediadoresdeconflitos.pt
40
A lista actualizada dos existentes pode ser consultada no sítio do Gabinete de Resolução
Alternativa de Litígios do Ministério da Justiça (www.gral.mj.pt) ou no sítio do Conselho de
Acompanhamento dos Julgados de Paz (www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt).
41
Estudo do ISCTE intitulado “Alargamento da Rede dos Julgados de Paz em Portugal”,
disponível em www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt.
27

pelo Ministério da Justiça. No essencial, sugere a criação de 2 Julgados de Paz por ano
até à criação de uma rede nacional de Julgados de Paz, em número que ronde os 100.42

Por último, e mais recentemente, têm sido criados sistemas de mediação em áreas
específicas, com características próprias. Falo da mediação laboral, da mediação penal e
da mediação familiar. A primeira é fruto de um protocolo com sindicatos e associações
patronais, a segunda objecto de legislação específica 43 e em regime experimental desde
Janeiro de 2008 e a terceira constitui um desenvolvimento do anterior Gabinete de
Mediação Familiar. A Mediação Penal está ainda em fase experimental e em âmbito
territorial limitado44, prevendo-se o seu alargamento paulatino a todo o território
nacional.45

As últimas alterações implementadas pelo poder público dirigiram-se agora à inserção


dos meios de resolução alternativa de litígios em diplomas substantivos ou adjectivos já
existentes.

Assim foram inseridas no Código de Processo Civil duas importantes alterações: uma
delas na regra das custas e outra através da inserção de preceitos específicos sobe
mediação no Código.

Em matéria de custas, o n.º 4 do artigo 447.º-D estabelece que o autor que pudesse
recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios e tenha optado peva via judicial,
suporta as suas custas de parte, independentemente do sucesso da acção judicial. De
acordo com o n.º 5, as estruturas de resolução alternativa de litígios serão definidas por
portaria. À data em que se escreve, Janeiro de 2011, ainda não foi publicada essa portaria.

De acordo com o preceito, o autor poderá afastar a aplicação da norma se demonstrar que
a parte contrária inviabilizou a utilização dessas estruturas. Tal prova poderá ser feita
através, por exemplo, do envio de cartas à parte contrária propondo a utilização da
mediação ou da arbitragem, seguidas de recusa ou de não obtenção de resposta.

42
Para uma cronologia da instalação, cfr. Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz,
2005, p. 52.
43
Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho.
44
Conferir localização dos serviços em funcionamento em www.gral.mj.pt
45
Cfr. infra 3.7. as especificidades de cada um dos sistemas de mediação.
28

Em Maio de 2008 foi aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho a Directiva
2008/52/CE relativa a certos aspectos da mediação em matéria civil e comercial. A
Directiva foi já transposta para o nosso ordenamento jurídico, através do Decreto-Lei
29/2009, de 29 de Junho, que introduziu no Código de Processo Civil quatro novos
artigos: o artigo 249.º-A cuja epígrafe é mediação pré-judicial e suspensão de prazos; o
artigo 249.º-B, que trata da homologação de acordo obtido em mediação pré-judicial; o
artigo 249.º-C sobre confidencialidade e o artigo 279.º-A relativo à suspensão da
instância.

Sem prejuízo da sua análise posterior no capítulo da mediação, interessa desde já focar a
inserção de normas sobre mediação no Código de Processo Civil, uma vez que se trata de
mais um passo importante na construção de um sistema de justiça plural. Ainda que a
inclusão no Código seja criticável do ponto de vista sistemático – é mais um golpe na sua
coerência interna – o certo é que dá relevância à mediação, muito maior do que se
estivesse regulada em lei extravagante.

Por outro lado, já anteriormente a Lei do Divórcio46, havia alterado o Código Civil,
introduzindo no artigo 1774.º uma norma sobre mediação, nos seguintes termos: “Antes
do início do processo de divórcio, a conservatória do registo civil ou o tribunal devem
informar os cônjuges sobre a existência e os objectivos dos serviços de mediação
familiar.”

E ainda mais recentemente, o Decreto-Lei 317/2009, de 30 de Outubro, estabelece no seu


artigo 92.º a obrigatoriedade de os prestadores de serviços de pagamento ofereceram aos
seus utilizadores acesso a meios de resolução alternativa de litígios quando o seu valor
seja inferior a 5.000€.47

É fácil de ver como o crescimento recente dos meios de resolução alternativa de litígios
tem sido enorme. Este desenvolvimento tem sido feito essencialmente pelo poder
46
Lei 61/2008, de 31 de Outubro.
47
É este o teor da norma: “Sem prejuízo do acesso, pelos utilizadores de serviços de pagamento,
aos meios judiciais competentes, os prestadores de serviços de pagamento devem oferecer aos
respectivos utilizadores de serviços de pagamentos o acesso a meios extrajudiciais eficazes e
adequados de reclamação e de reparação de litígios de valor igual ou inferior à alçada dos
tribunais de 1.ª instância, respeitantes aos direitos e obrigações estabelecidos no título III do
presente regime jurídico.”
29

político, através de entidades públicas, nuns casos em colaboração com entidades


privadas, noutros não. Não podemos, porém, esquecer que também há iniciativas
exclusivamente privadas, designadamente centros que efectuam arbitragem e mediação.
É difícil medir o maior menor sucesso dessa actividade, na medida em que os seus
resultados não são públicos e as suas origens são muito diversificadas. Mas parece
evidente que o sucesso dos organismos privados e dos organismos públicos andará a par.

Os meios de resolução alternativa de litígios são parte integrante do nosso sistema de


Justiça, sendo impensável pensá-lo hoje sem os incluir. No entanto, o seu sucesso só
acontecerá plenamente quando fizerem parte da cultura social portuguesa. O que não
sendo para já uma realidade, começa sem dúvida a dar os seus primeiros passos.
30

II

NEGOCIAÇÃO

2.1. Noção

A negociação pode ser definida como um processo de resolução de conflitos através do


qual uma ou ambas as partes modificam as suas exigências até alcançarem um
compromisso aceitável para ambas.48

De acordo com esta definição, todos somos negociadores: sempre que queremos alguma
coisa que está sob controlo de outro, negociamos ou tentamos negociar. Quando um casal
escolhe um restaurante para jantar ou decide com os filhos a hora de deitar; quando um
trabalhador discute um aumento com o chefe ou o preço de uma casa com um vendedor,
está a negociar. Quando dois advogados tentam chegar a um acordo sobre o valor de uma
indemnização ou um grupo de empresas planeia um exploração conjunta de uma reserva
de petróleo; quando o ministro da educação procura um entendimentos com o sindicato
dos professores sobre o novo estatuto dos professores ou o presidente dos Estados Unidos
da América conversa com o presidente da Rússia sobre segurança, tudo isto é negociação,
todos são negociadores.49

48
Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 49.
49
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 15.
31

A negociação, como dizem Fisher, Ury e Patton, é uma indústria em crescimento, porque
cada vez há maior interesse dos cidadãos em participar nas decisões que lhes dizem
respeito.

Este trio de autores pode considerar-se o fundador da abordagem científica da negociação


ao criar o modelo cooperativo de negociação. 50 A Universidade de Harvard assumiu o
pioneirismo através do Harvard Program on Negotiaton51, hoje um verdadeiro instituto
de formação e investigação dedicado aos meios de resolução alternativa de litígios.

A definição de negociação aplica-se a qualquer meio de resolução de litígios não


adjudicatório, quer seja mediação, conciliação ou outro.52 Em todos estes mecanismos se
tenta chegar a um acordo através do diálogo. Na realidade, a diferença entre negociação e
mediação pode estar apenas na existência do terceiro imparcial. 53 Enquanto na mediação
é essencial a existência de um mediador, terceiro imparcial que conduz as partes no
caminho do consenso, na negociação as partes podem estar sozinhas a negociar. As
próprias partes em conflito podem utilizar as técnicas da negociação, sem intervenção
exterior.

Há quem defenda, por esta razão, que a negociação não passa de uma mera, embora
essencial, componente destes outros meios de resolução de litígios. E que, por isso, não
deveria ser autonomizada como um meio autónomo de resolução de conflitos.54 Mas,
mesmo alguns autores que assim pensam entendem que o conhecimento de técnicas e
estilos de negociação é essencial a qualquer profissional.55

Parece-me, assim, importante dar a conhecer, ainda que de forma muito introdutória,
alguns conceitos básicos de negociação, porque podem ser utilizados autonomamente ou
no âmbito de outro mecanismo de resolução do litígio. A razão de ser desta necessidade

50
Cruyplants, Gonda e Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p 6.
51
www.pon.harvard.edu
52
Bruce Patton, Negotiation, 2005, p. 279.
53
Cruyplants, Gonda e Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p 7; Jorge Correia
Jesuíno, A Negociação, 2003, p. 16; Silvia Barona Vilar, Solución extrajurisdiccional de
conflictos, 1999, p. 74.
54
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, não inclui a matéria da negociação na sua
proposta de programa para uma disciplina nesta área.
55
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 104.
32

prende-se, ainda, com uma ideia pessoal de que os juristas, em especial os advogados,
participam frequentemente em negociações a diversos níveis e que é da maior utilidade
conhecerem perspectivas, modelos e técnicas de negociação.

2.2. Modelos de negociação

A negociação pode seguir modelos diversos, já longamente estudados pela doutrina. A


abordagem dos modelos ou teorias de negociação varia em função de critérios de áreas
científicas diversas. Preferimos uma arrumação clássica e mais voltada para o método,
para o processo, e não para a análise económica ou comportamental.56

Nesta perspectiva, há essencialmente dois modelos de negociação: competitiva e


cooperativa.57 A diferença entre um e outro está no resultado pretendido e
consequentemente na atitude assumida para o alcançar. Enquanto no modelo competitivo
o negociador pretende ganhar a discussão, no modelo cooperativo o foco está na
resolução do problema. É este último o célebre modelo de Fisher, Ury e Patton,
verdadeiramente inovador quando surgiu no início dos anos 80. Este método foi
designado de negociação de princípios, centrando-se no mérito do problema, “evitando
um processo de discussão centrado no que ambos os lados pretendem e não pretendem
fazer.”58

O método dos princípios centra-se em quatro grupos de ideias: pessoas, interesses, opções
e critérios.

Quanto às pessoas, o método defende a separação destas do problema, isto é, que se tome
consciência de que o problema em discussão é diferente da pessoa que discute, de que os
aspectos estritamente pessoais não devem ser mais importantes que o assunto sobre o
qual se negoceia.59 Mas, para conseguir esta separação deve, primeiro, perceber-se o
ponto de vista do outro. A capacidade de olhar a situação sob o ponto de vista alheio,
56
Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 85 e seguintes.
57
Jorge Correia Jesuíno, A Negociação, 2003, p. 15; Silvia Barona Vilar, Solución
extrajurisdiccional de conflictos, 1999, p. 71.
58
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 16.
59
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 35-40; Jorge Correia Jesuíno,
A Negociação, 2003, p. 60; José Vasconcelos-Sousa, O que é negociação, 1996, p. 131.
33

por mais difícil que seja, é uma das mais importantes competências que um negociador
pode ter.60 O essencial é perceber-se que a «verdade» não é suficiente para resolver o
problema, na medida em que cada uma das partes escolhe da verdade aquilo que lhe
interessa. As partes podem concordar que um perdeu o relógio e que o outro o encontrou,
mas divergirem quanto a quem deve ficar com o relógio. A percepção do outro, o que se
consegue através da comunicação e da descentralização da sua posição, é essencial neste
separar as pessoas do problema. Sem comunicação, não há negociação. Ouvir, tentar
fazer-se perceber, não interpretar o que os outros dizem, tentar ser objectivo e não
preconceituoso quanto aos outros, falar com um objectivo são aspectos que facilitam a
comunicação e devem ser utilizados em abundância no modelo de negociação defendido
por Ury, Fisher e Patton.61

A grande inovação do método norte-americano foi, à época, a focagem nos interesses, em


detrimento das posições.62 Esta característica, como veremos, é a pedra de toque da
mediação. Os interesses estão subjacentes às posições. Uma posição, ou, numa linguagem
mais jurídica, uma pretensão tem uma história e uma motivação, é o resultado de uma
reflexão (mais ou menos consciente) sobre determinado interesse. Um exemplo clássico,
usado também na mediação, é o do limão e dos cozinheiros. Dois cozinheiros disputavam
um limão, cada um dizendo que este lhe pertencia. Esta era a sua posição: quero o limão,
é meu. Se perguntarmos, porém, qual o seu interesse – para que querem o limão –
poderemos ter a solução do diferendo. Se um quer o sumo e outro a casca, é fácil
conciliar os interesses, quando as posições eram, à partida, incompatíveis. 63 Os interesses
podem ser satisfeitos através de diversas posições diferentes, pelo que a negociação deve
focar-se na procura e satisfação dos interesses e não numa específica posição.64

60
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 42.
61
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 51-56; Cruyplants, Gonda e
Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p 170.
62
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 59-63; Silvia Barona Vilar,
Solución extrajurisdiccional de conflictos, 1999, p. 72; Cruyplants, Gonda e Wagemans, Droit et
pratique de la médiation, 2008, p 175.
63
Também conhecido como exemplo da laranja: Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a
mediação, 2003, p. 58.
64
Jorge Correia Jesuíno, A Negociação, 2003, p. 61.
34

A tarefa de procurar os interesses por detrás das posições pode, porém, ser difícil. Implica
perguntar porquê; falar sobre os interesses, levando cada uma das partes a perceber os
seus e os da outra parte. E, estabelecidos os interesses objectivamente, os autores
defendem uma sua defesa intransigente, enérgica.65 Os negociadores devem ter uma ideia
clara e firme sobre os interesses e ser flexíveis quanto às posições.66

Em relação às opções, o método dos princípios defende uma actividade criadora: a


capacidade de inventar opções é das qualidades mais úteis que um negociador pode ter. 67
Os autores referem que é muito frequente os negociadores reduzirem as opções em vez de
as alargarem e que quantas mais houver, mais são as hipóteses de se conseguir um acordo
que satisfaça ambas as partes. O maior número de opções diminui ainda a ideia de que as
partes estão a ceder, o que pode ser importante para o sucesso da negociação.68

As opções devem ser obrigatoriamente discutidas e nunca colocadas de parte, permitindo-


se assim aprofundar as possibilidade de se encontrar uma solução melhor para as duas
partes.69 Este é um outro aspecto em que a posição do negociador se afasta da do
mediador, mero facilitador da comunicação e diálogo. No modelo da mediação
facilitadora, o mediador não pode fazer propostas de acordo, na medida em que tal
postura poderia pôr em causa o domínio completo do processo pelas partes.

Por último, Fisher, Ury e Patton aconselham que se insista na utilização de critérios
objectivos. Ou seja, ultrapassar as questões da vontade, necessariamente subjectivas,
procurando padrões técnicos ou critérios objectivos que mais facilmente conduzam ao
acordo.70 Quando uma das partes persistir numa ideia, revelando-se intransigente, deve
insistir-se que o acordo obedeça a critérios objectivos de forma a ser justo para ambas as

65
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 63-75.
66
Jorge Correia Jesuíno, A Negociação, 2003, p. 61.
67
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 77; Cruyplants, Gonda e
Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p 178.
68
Silvia Barona Vilar, Solución extrajurisdiccional de conflictos, 1999, p. 73.
69
José Vasconcelos-Sousa, O que é negociação, 1996, p. 132; Jorge Correia Jesuíno, A
Negociação, 2003, p. 61.
70
Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 103 e seguintes.
35

partes.71 É a melhor forma de ultrapassar impasses baseados numa postura agressiva ou


defensiva das partes.72

A negociação de princípios foi criticada por ser ingénua, face a negociadores difíceis ou
de má fé.73 Perante negociadores intransigentes ou não adeptos desta abordagem, a sua
utilização pode conduzir a maus resultados. Mas esta metodologia é útil em situações em
que as partes têm uma relação continuada ou em que o resultado da negociação é muito
importante para as partes.74

O modelo competitivo, baseado numa posição de negociação forte, gera situações hostis,
focando-se na manipulação e no ganho, em vez da procura de soluções aceitáveis para
ambas as partes. Pretende-se que o adversário ceda às pressões da parte contrária. 75 O
modelo tem vindo a ser abandonado, sendo mais frequentes as tentativas de encontrar
estratégias para o ultrapassar.76

A tendência actual é claramente de aplicação de modelos que tentam conciliar ambas as


perspectivas, criando estratégias com características de ambos. Isto significa, em termos
muito genéricos, que num processo negocial há momentos de cooperação e momentos de
competição. Que existe uma dupla tendência à colaboração e à competição, consoante o
aspecto em discussão no processo negocial.77-78

71
Jorge Correia Jesuíno, A Negociação, 2003, p. 61; José Vasconcelos-Sousa, O que é
negociação, 1996, p. 132.
72
Cruyplants, Gonda e Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p 182.
73
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 106; Bruce Patton, Negotiation, 2005,
p. 295 e seguintes.
74
José Vasconcelos-Sousa, O que é negociação, 1996, p. 132; Silvia Barona Vilar, Solución
extrajurisdiccional de conflictos, 1999, p. 71.
71.
75
Silvia Barona Vilar, Solución extrajurisdiccional de conflictos, 1999, p. 71.
76
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 109.
77
Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 85.
78
Motivo de interesse tem também o modelo de observação proposto por José Vasconcelos-Sousa
em Para maior eficácia como mediador: conhecer a negociação!, 2006, p. 197 e seguintes. Com
claras influências do modelo cooperativo, o autor propõe a preparação, análise e execução do
processo negocial com base em três elementos ou pontos de vista: conteúdo, pessoas e processo.
36

III

MEDIAÇÃO

3.1. Noção

A Lei dos Julgados de Paz define mediação nos seguintes termos: “A mediação é uma
modalidade extrajudicial de resolução de litígios, de carácter privado, informal,
confidencial, voluntário e natureza não contenciosa, em que as partes, com a sua
participação activa e directa, são auxiliadas por um mediador a encontrar, por si
próprias, uma solução negociada e amigável para o conflito que as opõe.” 79

Há outras definições e com sede similar. Uma delas consta da Directiva 2008/52/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspectos da mediação em matéria
civil e comercial. Embora aplicável apenas aos conflitos transfronteiriços como são
definidos no seu artigo 2.º, tal não impede, porém, conforme dito no Considerando 8 da
Directiva, que os Estados-Membros adoptem os seus princípios e disposições a processos
de mediação domésticos. Foi precisamente esta a opção tomada pelo Estado português ao
transpor a Directiva para o Código de Processo Civil80, através do aditamento dos artigos
249.º-A, B e C e do artigo 279.º-A. Com esta inserção, as normas aplicam-se a todos os
79
Artigo 35.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho.
80
Através da Lei 29/2009, de 29 de Junho.
37

litígios cíveis, independentemente da sua nacionalidade. A inserção das normas neste


local dá ainda especial relevância à mediação por a colocar num diploma de plena
divulgação entre os juristas. Voltarei a estes preceitos mais à frente.

Dos novos preceitos introduzidos no CPC não consta a definição de mediação, ao


contrário do que acontece com a Directiva. De acordo com esta, a mediação é “Um
processo estruturado, independente da sua designação ou do modo como lhe é feita
referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente
alcançar um acordo sobre resolução do seu litígio com a assistência de um mediador.
Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal ou
imposto pelo direito de um Estado-Membro.”81

Mais diz ainda a Directiva que a mediação conduzida por um juiz que não seja
responsável por qualquer processo judicial relativo ao litígio em questão se insere ainda
no conceito. E que ficam excluídas as tentativas do tribunal ou do juiz no processo com
vista à solução do litígio por acordo.

As definições são diferentes, embora não contraditórias. Servem, no essencial, para


realçar alguns dos elementos da mediação.

Embora flexível, conforme consta da definição da Lei dos Julgados de Paz, é um


processo estruturado, querendo com isto dizer-se que a mediação obedece a certas regras,
a uma certa organização de procedimentos. Não é uma simples reunião das partes com
um terceiro, antes um processo preparado, fundamentado.

O ponto da definição mediação não resulta, porém, de uma primeira leitura destas
definições. O essencial na mediação é o pleno domínio do processo pelas partes
(empowerment), princípio que é, em simultâneo o seu fundamento e, naturalmente, uma
sua característica permanente. A mediação assenta na ideia de que é nas partes que reside
a solução do problema, que é através delas – as donas do litígio – que se encontrará a
solução adequada e justa.

Este princípio fundador da mediação consta das noções legais de mediação se se atentar
bem nas suas letras: no artigo 35.º LJP, quando é referida a participação activa e directa
81
Artigo 3.º da Directiva.
38

das partes que econtram por si próprias uma solução; na Directiva, quando se refere a
voluntariedade na procura do acordo. Repare-se que em ambas as definições as partes –
não o mediador – são o sujeito da frase, são elas que chegam ao acordo.

Reflexo, portanto, deste princípio essencial da mediação é a postura do mediador – o


mediador auxilia, o mediador assiste: não dirige, não impõe qualquer acordo. A sua
função é simplesmente a de ajudar as partes a, primeiro, restabelecer a comunicação e,
segundo, a encontrarem, por si, a solução adequada.

A doutrina tem debatido se a mediação deve ser meramente facilitadora ou se deve


também ser interventora. Os termos ingleses utilizados são facilitative or evaluative
mediation. A mediação facilitadora centra o trabalho do mediador na reabertura das
pessoas ao diálogo, tentando que a sua intervenção seja o menos visível possível (embora
determinante). Quanto menos se notar a presença do mediador no que diz respeito ao
conteúdo do litígio, melhor este seria. Já o modelo interventor pressupõe uma atitude
mais activa do mediador, não se limitando a trazer as partes ao diálogo, mas actuando
também ao nível do mérito da questão. Um dos pontos de discórdia é a possibilidade de o
mediador apresentar propostas de acordo. Na mediação facilitadora tal não é admissível,
na outra é normal.

A distinção entre estes dois modelos tem representado uma divisão substancial na teoria.
Alguns mediadores têm colocado estas duas posturas em ângulos tão diversos que parece
quase uma questão de fé.82 Há quem refira que a grande vantagem da mediação é a
flexibilidade de procedimento e técnicas, característica que impede uma definição muito
precisa83, e que o essencial é que a prática se insira nos princípios essenciais da
mediação.84

Não entrando neste debate – de qual o melhor modelo de mediação – é importante


chamar a atenção que a noção puramente assistencial ou facilitadora da mediação é a
actualmente estabelecida no ordenamento jurídico português. Quando a lei, o Estado ou

82
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 137; Roberts e Palmer, Dispute
Processes, 2005, p. 173.
83
Kimberlee Kovach, Mediation, 2005, p. 306.
84
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 149.
39

os juristas se referem a mediação, estão a falar de mediação facilitadora. Por esta razão –
porque o sistema adquiriu ou tem vindo a adquirir o conceito assim – parece-me melhor
restringir a mediação à mediação facilitadora, deixando de fora outros modelos mais
interventivos.85

A mediação praticada nos Julgados de Paz e nos sistemas públicos de mediação (familiar,
laboral e penal) obedece a este modelo, assim como a formação obrigatória a que os
mediadores estão sujeitos para poderem realizar mediações nestes sistemas.

Mediação será assim apenas o método de resolução de litígios em que o mediador auxilia
as partes a comunicarem, conduzindo-as ao caminho do acordo que entendam possível ou
adequado. O mediador é essencialmente um facilitador, alguém que coloca as partes no
trilho seguro e não as deixa descarrilar.

Repare-se que esta restrição não é uma crítica aos modelos mais interventivos de
mediação. Pelo contrário, parece-me que conforme as situações concretas em disputa
poderá fazer sentido que o mediador assuma uma postura de maior ingerência. Estes
outros modelos de mediação não deixam de ser bons, apenas constato que o nosso
sistema jurídico assumiu que não são mediação.

Há, em consequência desta exclusão, quem os qualifique como conciliação. Embora se


tenha assumido já que a mediação interventora não é conciliação, esta questão em
específico será discutida no capítulo seguinte.86

3.2. Pleno domínio das partes e interesses

a. Um dos princípios básicos da mediação é o controlo desta pelas partes, o denominado


empowerment.87 Em tribunal, os poderes decisórios estão na mão de advogados, a
linguagem é técnica, o procedimento é formal e opaco, as partes nem sequer podem falar
se o pretenderem.88 O afastamento das partes do seu caso é enorme e é pretendido. 89 Na
mediação, a postura é exactamente a oposta: parte-se do princípio que as partes são as
85
Altero portanto a posição que já defendi anteriormente em Meios de resolução alternativa de
litígios. Negociação, Mediação e Julgados de Paz, 2008, p. 737.
86
Cfr. infra 4.1..
87
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 130.
40

pessoas que melhor colocadas estão para resolver o seu litígio. Há uma ideia de
responsabilidade pessoal que se traduz na atribuição às partes do domínio do problema e
do processo. Enquanto em tribunal tudo lhes é afastado, em mediação tudo lhes é
entregue, dependendo delas o início, o decurso e o fim da mediação.

As pessoas têm, assim, o domínio do processo na medida em que podem sair quando
quiserem, nada as obrigando, evidentemente, a chegar a um acordo. Mas têm, sobretudo,
o domínio do conteúdo, não sendo possível qualquer solução do litígio que não derive
delas. É precisamente da aplicação inexorável do princípio do domínio das partes que se
retira a impossibilidade de o mediador fazer sugestões sobre o conteúdo do litígio. O
mediador não deve de todo intervir quanto ao mérito, limitando-se a conduzir as partes no
caminho do diálogo e da mútua compreensão, com o fim de que estas reúnam as
condições para encontrarem, por si, o acordo. Este aspecto pode parecer estranho à
primeira vista, mas é muito importante na dinâmica da mediação.

A característica do empowerment é, assim, essencial na mediação. Uma mediação em que


as partes não estejam no centro da discussão e da iniciativa não será verdadeira. E mesmo
tendo sucesso, este poderá ser meramente aparente. O acordo resultante da mediação tem
de vir das partes e estas têm de aderir-lhe plena e convictamente.

b. O segundo pilar da mediação relaciona-se com o seu fim. Ao contrário dos meios
clássicos de resolução de conflitos, que são construídos para a resolução da disputa
apresentada pelas partes, a mediação dá preferência à pacificação social, isto é, tem como
objectivo sanar o problema, restabelecendo a paz social entre os litigantes. Este fim
sobrepõe-se inteiramente à questão do direito. Não importa saber quem tem razão, mas
antes procurar resolver os problemas subjacentes ao aparecimento do litígio.

Trata-se, portanto, de um método de resolução de litígios assente nos interesses e não nos
direitos. Assim, como se viu acontecer na negociação cooperativa, é necessário averiguar
os interesses, afastando, se necessário, as posições. É usual utilizar-se a imagem do
iceberg como metáfora do litígio: as posições estão na ponta visível deste e os interesses

88
No processo civil, o depoimento de parte só é admissível quando requerido pela parte contrária
ou pelo juiz oficiosamente – artigo 553.º n.º3 CPC.
89
Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 27.
41

na base, submersos. Num conflito, as pessoas extremam as suas posições, deixando


submersos os seus verdadeiros interesses e necessidades. Porquê aquela pretensão? E
para satisfazer que necessidades? A mediação não se restringe ao objecto do processo,
determinado pelas pretensões, mas vai mais fundo, ao verdadeiro conflito.

É ao fundo, à base, que a mediação pretende chegar, porque só a composição dos


interesses permitirá a duração do acordo e a manutenção do entendimento entre os
litigantes.90 O resultado da mediação é, por isto, de vitória para ambas as partes, de
ganha-ganha, nunca havendo um vencedor e um vencido.

3.3. A função do advogado na mediação

Para que a mediação possa basear-se nos interesses, não deve haver intermediários,
embora as partes possam estar assistidas. Isto levanta uma das importantes questões da
mediação e a que, porventura, tem dificultado a sua inserção na nossa prática social.
Refiro-me à função do advogado na mediação.91

A este propósito há três questões a abordar: primeiro, a presença dos advogados nas
sessões de mediação; segundo, o seu papel nessas sessões e, terceiro, a possibilidade de
representação das partes por advogado (a sua substituição).

Em geral é referido que os advogados devem ter acesso à mediação, assistindo o seu
cliente.92 O tipo de intervenção deve, porém, ser encarado de forma diferente do
tradicional – o advogado não representa a parte e deve actuar de acordo com o espírito de
colaboração e procura do consenso adequado ao caso. O papel do advogado numa sessão
de mediação é muito diferente daquele que desempenha em tribunal judicial ou arbitral.
Desde logo, na mediação não é necessário convencer ninguém quanto aos factos ou ao
direito: são as partes que têm o papel principal, não o advogado.93

90
Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 56.
91
Tenreiro Biscaia, O Sistema Tradicional de Justiça e a Mediação Vítima-Agressor: o Papel dos
Advogados, 2005, p.89.
92
Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 105; Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a
mediação, 2003, p. 30.
93
Srdan Simac, Attorneys and mediation, 2009, p. 43.
42

É também admissível que os advogados representem, substituam as partes. A


representação é necessária quando se trata de pessoas colectivas e não se vê razão para
impedir que haja também representação quando falamos de conflitos interpessoais. Mas,
em representação, os advogados devem agir na lógica da mediação, evitando uma postura
competitiva e procurando focar o desenrolar do processo na procura do melhor consenso,
de acordo com os interesses em causa.94 É claro que em conflitos pessoais a representação
pode impedir a negociação dos interesses porque o advogado pode, pura e simplesmente,
não os conhecer.95 O ideal é, portanto, a presença das partes e, quando tal não se mostre
possível, o seu representante (seja ou não advogado) deve preparar a mediação
investigando os interesses do seu representado.

Não tem sido porém este o entendimento do legislador: a Lei 20/2007, de 12 de Junho,
relativa à mediação penal, obriga à comparência do arguido e do ofendido, podendo haver
assistência (não representação) por advogado (artigo 8.º); a mesma regra consta do artigo
38.º LJP, nos termos do qual as partes têm de comparecer pessoalmente nos Julgados de
Paz, permitindo o artigo 53.º da mesma lei, no seu n.º 4, a representação apenas das
pessoas colectivas e no n.º 5 a assistência por advogados ou outras pessoas nomeadas.96

É muito importante ganhar os advogados para a causa da mediação. Quando se conseguir


essa adesão (e só então) a mediação terá condições para ser bem sucedida em Portugal. O
cidadão comum não sabe o que é a mediação. Se tiver um problema, recorrerá a um
advogado, não a um mediador. O advogado é, por isso, a pessoa ideal para aconselhar o
método mais adequado ao caso concreto. Sugerir a intervenção de um mediador não
implica a diminuição de trabalho (e remuneração) para o advogado. Pelo contrário, a
satisfação do cliente implica a médio prazo o seu retorno para a resolução de outros
problemas, dos quais desistiria se o método judicial fosse o único disponível.

94
Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 105; Brown e Marriott, ADR Principles and
Practice, 1999, p. 131.
95
Srdan Simac, Attorneys and mediation, 2009, p. 38.
96
Relembre-se que os litígios submetidos aos Julgados de Paz têm como valor máximo a alçada
do tribunal de 1ª Instância (5.000€), pelo que não há patrocínio judiciário obrigatório (artigo 8.º e
38.º LJP)
43

A advocacia deve pensar em termos macro, de médio/longo prazo, de satisfação dos


clientes e de rapidez e eficiência na resolução dos seus litígios. Não deve ter medo de
perder clientes (e remuneração). Existirão sempre litígios – é um efeito automático da
vida em sociedade.

É interessante resumir aqui as palavras que Stephen Golberg proferiu em Portugal em


Novembro de 2001, na 2ª Conferência sobre Meios Alternativos de Resolução de
Litígios97. Nos Estados Unidos da América os advogados começaram por opor-se aos
meios de resolução alternativa de litígios, essencialmente por dois motivos. Primeiro,
porque não sabiam o que era mediação, não o tinham estudado na faculdade e sentiam-se
desconfortáveis em envolver-se em algo que desconheciam. O que é natural. Em segundo
lugar, os advogados opuseram-se à mediação porque temiam perder dinheiro. Estavam
convencidos que poderiam ganhar mais se patrocinassem acções «duradouras», ao
contrário do que aconteceria se chegassem a acordo através da mediação.98

“Nos Estados Unidos conseguimos ultrapassar quase toda a oposição.” Como? A


primeira coisa a fazer é introduzir o ensino da mediação, quer nas escolas de direito, quer
no ensino ao longo da vida. Isto resolve o medo do desconhecido. Depois é importante
fazer sentir aos juízes o valor da mediação, para que estes encorajem os advogados a
optar por este meio de resolução de litígios. Por último, os clientes (homens de negócios)
devem ser também ser informados sobre meios rápidos e baratos de resolver os seus
casos. Assim que estes estiverem convencidos destas características pressionarão os
advogados para a utilização destes mecanismos.99

Os advogados americanos rapidamente passaram a aceitar a mediação, adoptando um


slogan ilustrativo: “Happy clients pay their bills”. Hoje conhece-se a importância que a
mediação tem no sistema norte-americano e o apoio a ela dado pelos advogados.100

97
Organizada pela então Direcção-Geral da Administração Extrajudicial, hoje Gabinete para a
Resolução Alternativa de Litígios.
98
O mesmo ponto de vista foi defendido, também em Portugal, em 2008 por Srdan Simac,
Attorneys and mediation, 2009, p. 47.
99
Stephen Golberg in Segunda Conferência Meios Alternativos de Resolução de Litígios, 2005, p.
93.
100
Srdan Simac, Attorneys and mediation, 2009, p. 49.
44

Srdan Simac aponta ainda algumas vantagens da utilização da mediação pelos


advogados: uma boa reputação profissional em virtude da satisfação dos clientes; maior
eficiência na gestão do tempo; desafio profissional pela utilização de novas técnicas e
competências; criatividade na resolução dos conflitos; eliminação da tensão inerente aos
tribunais; satisfação pessoal por oferecer aos clientes a melhor solução para o seu caso;
melhor conhecimento dos interesses e expectativas dos clientes; eliminação do risco de
uma decisão desfavorável em tribunal; possibilidade de escolher um mediador;
contribuição para o interesse da comunidade na criação de um sistema de justiça mais
eficaz.101

Por outro lado, a presença do advogado é essencial ao desenvolvimento correcto e


sustentado da mediação. A intervenção na assistência ao cliente é em muito casos
fundamental para garantir o seu efectivo interesse e direito. A função mais importante do
advogado na mediação é de consulta, independentemente de essa consulta ocorrer antes,
durante ou depois da mediação.102

Por último, a presença do advogado pode ser importante para controlar a actividade do
mediador, do ponto de vista da competência e da deontologia. Não sendo a mediação
pública, a presença do advogado é muitas vezes a única forma de efectivo controlo
externo (por terceiro) da actividade do mediador. Um advogado aberto à mediação é para
o mediador um aliado e uma segurança.103

Insisto um pouco neste ponto porque, como já disse, tenho a intuição de que a mediação
necessita da advocacia para se integrar plenamente no sistema de Justiça. É natural que
haja resistência à mudança, nada de mais humano. Nada se faz abruptamente, pelo que a
mudança será necessariamente lenta. Um aspecto importante é a formação nas escolas de
Direito, uma responsabilidade que a Faculdade de Direito da Universidade Nova de
Lisboa assumiu plenamente.

101
Srdan Simac, Attorneys and mediation, 2009, p. 61 e seguintes.
102
Srdan Simac, Attorneys and mediation, 2009, p. 39.
103
Martine Bourry d’Antin, Gérard Pluyette e Stephen Bensimon, Art et techniques de la
médiaton, 2004, p. 84.
45

O advogado pode, ainda, ser ter formação como mediador e exercer em simultâneo estas
duas profissões. Isto verifica-se, aliás, em muitos casos. O advogado não poderá, porém,
ser mediador de casos em que tenha intervindo como advogado ou nos quais haja um
conflito de interesses. É preciso algum cuidado nos casos em que o advogado é também
mediador – trata-se no essencial do mesmo problema que se verifica quanto aos
advogados que exercem simultaneamente as funções de árbitro.

3.4. O mediador

a. Decisivo no processo de mediação é, naturalmente, o mediador. O mediador é um


profissional treinado em mediação, conhecedor da sua filosofia e das suas técnicas,
aplicando-as no exercício da sua actividade. A credibilidade da mediação depende do
trabalho do mediador: só um mediador capaz poderá cativar a confiança das partes, algo
que é essencial ao seu trabalho.

A existência de um mediador, terceiro imparcial, traz uma nova dinâmica à discussão


entre as partes. Neste sentido, o mediador constitui um agente de mudança.104 Esta
energia suplementar permite aquilo que as partes até aí não alcançaram - a obtenção do
acordo.

O mediador deve, antes de mais, privilegiar o restabelecimento da comunicação entre as


partes. Deve desempenhar um papel facilitador do diálogo, mantendo sempre nas partes a
responsabilidade da resolução do conflito. O mediador controla o processo, condu-lo,
deixando às partes a responsabilidade pelo conteúdo do litígio.105

O mediador não negoceia com as partes, antes conduz a negociação que elas fazem entre
si.106 O mediador não aconselha nenhuma das partes, nem sequer as duas em conjunto,
antes promove uma exploração construtiva dos problemas.

A função do mediador, a sua exacta actividade no decurso da mediação, não é facilmente


reconduzível a padrões formais rígidos, na medida em que são variáveis os litígios, as

104
Luis Melo Campos, Mediação de conflitos: enquadramento institucional, 2009, p. 185.
105
Luis Melo Campos, Mediação de conflitos: enquadramento institucional, 2009, p. 184.
106
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 130.
46

circunstâncias, as pessoas e a forma como interagem. No entanto, é possível tratar as


diversas técnicas que o mediador tem ao seu dispor107, o que farei sinteticamente a
propósito das fases da mediação.108

b. O mediador é um profissional treinado nas técnicas da mediação. Para o exercício da


profissão nos serviços públicos de mediação, o Ministério da Justiça exige a frequência
de um curso credenciado pelo Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios, organismo
desse Ministério.109

Há actualmente em Portugal oferta suficiente de cursos de formação de mediadores,


normalmente em regime de Pós-Graduações em instituições de ensino superior ou outras
entidades de formação.110 Por regra, é exigida a titularidade de um curso superior,
admitindo-se que seja qualquer um. A formação dos mediadores é, assim, variadíssima. É
certo que há alguma predominância de licenciados em Direito e em Psicologia, mas há
também mediadores licenciados em Sociologia, Serviço Social, Filosofia, Geografia,
Arquitectura.

Esta diversidade de formações de base traz um problema para a mediação que tem de ser
encarado na formação e na fiscalização. É que há um padrão de abordagem da mediação
que se relaciona com essa profissão de base: os advogados têm dificuldade em confiar na
capacidade de os mediados construírem sozinhos uma solução; os juízes esperam
obediência, pelo que quando dizem algo subentendem que é o que está certo; os
psicólogos têm naturalmente tendência para a terapia, procurando por vezes apenas as
raízes do conflito; os sociólogos posicionam-se muitas vezes como “missionários”,
pensando que mudam a sociedade com a implementação da mediação; os cientistas
naturais procuram muito esquematizar a relação causa-efeito, esquecendo que entre as
pessoas as questões não são tão lineares.111

107
Luis Melo Campos, Mediação de conflitos: enquadramento institucional, 2009, p. 181.
108
Retomarei ainda alguns aspectos específicos da figura do mediador no ponto 3.5..
109
Os cursos estão actualmente regulados pela Portaria n.º 237/2010, de 29 de Abril.
110
Para uma discussão sobre o conteúdo da formação, cfr. Angela Lopez, Reflexão sobre a
formação de mediadores, 2009, p. 105 e seguintes.
111
Reflexões com a colaboração de Úrsula Caser.
47

Julgo que serão poucos os mediadores que exercem a profissão em exclusividade. Dado o
ainda pequeno mercado de mediação, não há trabalho suficiente para que a maior parte
dos mediadores possam prescindir do seu trabalho de origem. Esta concorrência de
profissões pode dificultar a necessária contextualização do mediador quando faz
mediação. Falando em especial dos advogados que são mediadores, é evidente que ser de
manhã advogado e à tarde mediador coloca problemas concretos de posicionamento, que
devem ser conhecidos e objecto de reflexão pessoal.

A Lei dos Julgados de Paz estabelece, aliás, que o mediador está impedido de exercer a
advocacia no julgado de paz onde presta serviço (artigo 30.º n.º3), reconhecendo,
portanto, a importância da separação dos papéis.

c. Tão importante como o domínio das técnicas de mediação é o conhecimento pelo


mediador das regras de deontologia da sua profissão. As regras positivadas estão em
vários diplomas e instrumentos normativos. Para além da Lei dos Julgados de Paz, da Lei
da Mediação Penal, há ainda a referir o Código Europeu de Conduta para Mediadores 112,
documento produzido com o apoio dos serviços da Comissão Europeia. Este Código, que
pretende ser um conjunto de princípios a que os mediadores podem voluntariamente
aderir, tem como principal objectivo assegurar a confiança em relação aos mediadores e à
mediação.

O primeiro dever deontológico do mediador é ser independente. Provavelmente por


reconhecer a importância desta característica do mediador, a Lei dos Julgados de Paz por
diversas vezes a refere – nos artigos 21.º, 30.º e 35.º LJP. A regra consta ainda do
princípio 2.1. do Código Europeu de Conduta para Mediadores, aí com mais algum
desenvolvimento.

O mediador deve ser independente e imparcial, no sentido corrente de que não pode ter
qualquer interesse pessoal no conflito mediado ou qualquer ligação com as partes. 113 Esta
independência coloca, na prática, problemas de difícil resolução. Esta é uma questão que

Tradução portuguesa disponível em www.gral.mj.pt.


112

D’Antin, Pluyette e Bensimon, Art et techniques de la médiation, 2004, p. 91; Cruyplants,


113

Gonda e Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p. 131 ; Guillaume-Hofnung, La


Médiation, 2007, p. 71.
48

tem assumido na arbitragem enorme importância e que, portanto, será aí objecto de


discussão mais alargada.114 Parece-me, aliás, que os padrões de independência dos
árbitros devem ser idênticos aos dos mediadores. Ambos têm intervenção na solução de
litígios de terceiros, pelo que o sucesso e a equidade da sua intervenção só são
alcançáveis se forem em relação ao litígio e às partes indiferentes. É claro que na
arbitragem – onde o árbitro decide o caso – este dever de independência se coloca com
maior grau de importância, mas ainda assim, julgo que o acertado é colocar os padrões de
independência no mesmo plano. O mediador não decide, mas a sua intervenção no litígio
pode ser determinante, na medida em que conduz as partes para o acordo. Assim, a sua
equidistância em relação às partes e ao litígio é também essencial.

O Código Europeu de Conduta para Mediadores refere, no seu princípio 1.2., os seguintes
índices de falta de independência: uma relação pessoal ou profissional com uma das
partes; um interesse financeiro, directo ou indirecto, no resultado da mediação; o
mediador ou um elemento da sua organização ter prestado serviços que não de mediação
a uma das partes. Estes não são porém, na leitura do Código, impedimentos absolutos
para que o mediador aceite o encargo de mediar. Nestes casos, o mediador deve ponderar
se está em condições para conduzir a mediação com total independência e neutralidade.

Estas são as regras do Código que constituem uma mera proposta de adesão. Parece-me
neste aspecto algo criticável porque as situações elencadas põem seguramente em causa a
independência do mediador, dificultando sobremaneira o seu trabalho. Não é de todo
recomendável que nestes casos aceitem ou prossigam com a mediação. Mas a verdade é
que na maior parte dos casos a independência não se afere em abstracto, apenas em
concreto.115

O Código propõe ainda que se estabeleça um dever de revelação de circunstâncias que


possa pôr em causa a sua independência ou imparcialidade do mediador. É o disclosure
típico da arbitragem, importado aqui para a mediação. Este dever mantém-se durante todo

114
Cfr. infra 5.5., onde também se defende a não possibilidade e necessidade de distinguir entre
independência e imparcialidade.
115
Guillaume-Hofnung, La Médiation, 2007, p. 72.
49

o processo. Quando faça esta revelação, o mediador só deve continuar o processo se as


partes concordarem.

A Lei dos Julgados de Paz refere ainda que o mediador deve ser neutral, abstraindo-se das
suas convicções pessoais no momento de executar as suas tarefas. A neutralidade é muito
mais difícil de controlar do que a imparcialidade ou a independência. Há quem entenda
até que tal é impossível, na medida em que o afastamento dos nossos preconceitos e
profundos pensares nunca se faz até ao nível do subconsciente.

Esta é uma questão especialmente sensível na mediação penal. O artigo 10.º da Lei
20/2007, de 12 de Julho, refere-se à questão da isenção do mediador, permitindo-lhe que
recuse ou interrompa a mediação quando perceba que não consegue suplantar os seus
pré-conceitos. É algo – a interrupção – que não está previsto na generalidade das
mediações, mas que deve ser encarado como sempre possível. Mais uma vez cabe ao
mediador analisar, permanentemente, a sua actuação. Exige-se-lhe uma permanente
lucidez.116

3.5. Sistemas de integração

a. A mediação pode ser integrada no sistema de justiça de várias maneiras. Pode


estabelecer-se a obrigatoriedade da mediação – como se fez recentemente em alguns
Estados da Alemanha – ou criar sistemas de mediação facultativos – como é a regra em
Portugal. A mediação pode, ainda, estar inserida nos tribunais – como nos Julgados de
Paz – ou ser extra-judicial – como acontece nos sistemas públicos de mediação. Por
último, a mediação pode ser pré-judicial, antecedendo, portanto, a propositura da acção
(judicial ou arbitral) ou ser já contemporânea do processo judicial, implicando a sua
suspensão.

A Directiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2008


relativa a certos aspectos da mediação em matéria civil e comercial, não tomou posição
sobre esta questão, admitindo, no seu artigo 5º, qualquer sistema.117

116
Guillaume-Hofnung, La Médiation, 2007, p. 74.
50

São diversas as questões a discutir a propósito do modo como a mediação pode ou deve
ser integrado num sistema de justiça que foi criado como monopolizador. Há questões
estritamente jurídicas, como a da conformidade com a Constituição da mediação
obrigatória, e há questões de oportunidade, como a da melhor forma de instituir a
mediação.

b. Tem sido muito debatida a questão da voluntariedade ou obrigatoriedade da mediação.


O Estado tem, nos últimos anos, optado por sistemas voluntários de mediação, mas têm
surgido nos últimos tempos algumas regras que sancionam a não utilização dos sistemas
de mediação ou, em geral, de resolução alternativa de litígios.

A mediação facilitadora é definitivamente introduzida em Portugal em 2001 com os


Julgados de Paz. No procedimento destes tribunais, a mediação constitui uma fase do
processo, entre as alegações e o julgamento – artigos 49.º a 56.º LJP. Esta fase é porém
sempre facultativa. Não só é possível qualquer uma das partes afastar a mediação logo no
seu requerimento inicial ou na contestação (artigo 49.º n.º1 LJP), como a desistência é
admissível em qualquer momento (artigo 55.º LJP).

Os sistemas de mediação instituídos no nosso país são, igualmente, voluntários, sendo


necessário o consentimento de ambas as partes. Assim está estabelecido no artigo 3.º n.º 5
da Lei da Mediação Penal, onde se exige explicitamente o consentimento livre e
esclarecido. Trata-se evidentemente de um hipérbole da lei para deixar bem claro como é
importante a comum vontade de ambas na mediação penal e a sua especial
responsabilidade na explicação do que é a mediação.

No sistema de mediação familiar, a voluntariedade vem prevista logo no artigo 2.º SMF,
regra em que estão descritos os princípios do sistema: voluntariedade, celeridade,
proximidade, flexibilidade e confidencialidade. Nos termos do artigo 6.º SMF, a
intervenção do sistema tanto pode ser extra-judicial, quando pedida pelas partes, como
pode ocorrer durante a suspensão do processo, mediante autorização da autoridade
judiciária competente, mas aqui também apenas se for obtido o consentimento das partes.

Bettina Knöltz e Evelyn Zach, Taking the best from Mediation Regulations, 2007, p. 668; Jean
117

Mirimanoff, Feasibility of mediation systems in Switzerland, 2009, p. 465; Dário Moura Vicente,
A directiva sobre mediação em material civil e commercial, 2009, p. 135.
51

Em sinal contrário, o n.º 4 artigo 447.º-D CPC estabelece que suporta as suas custas de
partes, o autor que, podendo recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios, opte
pela via judicial. De acordo com o preceito seguinte (n.º5), as estruturas de resolução
alternativa de litígios elegíveis para este efeito serão definidas por portaria.118

Repare-se que o legislador apenas se refere a custas de parte e não às custas do processo
que continuam, se este ganhar a acção, a ser da responsabilidade do réu (artigo 446.º
CPC). É, portanto e ainda, um passo ténue no sentido da imposição de sanções pela não
utilização de estruturas de resolução alternativa de litígios, mas pode ser já uma indicação
do que o futuro trará.

Por último, o novo artigo 279.º-A CPC estatui a possibilidade de o juiz determinar a
remessa do processo para mediação, aparentemente sem colher previamente o
consentimento das partes.119 No entanto, ainda de acordo com esta norma a oposição
expressa de qualquer uma das partes impede a remessa. Do ponto de vista jurídico,
estritamente legal, fica garantida a voluntariedade, porque qualquer uma das partes pode
recusar participar na mediação, ainda antes do seu início. No entanto, pode também dizer-
se que a parte pode não se sentir completamente livre para recusar liminarmente a
remessa do processo, na medida em que tal atitude contraria a vontade do juiz, podendo a
parte recear que tal lhe traga dissabores na resolução do seu caso.

Num mundo perfeito (inteiramente racional) estes receios não seriam sequer objecto de
ponderação. Mas sabemos que no mundo real, feito de emoções, tais medos podem ser
legítimos.

Parece-me evidente que o cuidado do magistrado terá de ser enorme, na sua ponderação e
na forma de colocar a opção às partes. O juiz faz aqui o papel do mediador na pré-
mediação, explicando o procedimento, as suas vantagens e desvantagens, o modo como
funciona. Não deve utilizar a sua influência ou a sua pressão de forma abusiva, nem deve

118
À data em que se escreve, Janeiro de 2011, ainda não foi publicada essa portaria.
119
Ao contrário, por exemplo, da regra constante do Code de procédure civile francês (artigo 131-
1). Cfr. Gérard Pluyette, Príncipes et applications recentes dês décrets dês 22 juillet et 13
décembre 1996 sur la conciliation et la médiation judiciaire, 1997, p. 507.
52

utilizar a mediação como meio de se libertar dos processos. Deve esclarecer as partes e
assegurar-se que há condições, ainda que mínimas, para a realização da mediação.

Parece evidente que há uma tendência para inserir a mediação nas opções das partes, não
propriamente à força, mas com elevado grau de persuasão. Caminha-se, pois, num
sentido que poderá levar à instituição da mediação obrigatória, sendo útil reflectir um
pouco sobre os problemas que esta obrigatoriedade pode colocar.

A instituição da mediação obrigatória tem sido objecto de discussão por duas razões
diferentes. Em primeiro lugar, importa saber se faz sentido ou é producente a existência
de mediação obrigatória. Em segundo lugar, há que ponderar se se adequa às exigências
constitucionais de acesso à justiça. São problemas diversos, de distinta natureza mas de
idêntica importância.

c. Começo a análise pelo segundo problema: o da compatibilização de sistemas de


mediação obrigatória com o direito de acesso à justiça, estipulado no artigo 20.º da nossa
Constituição e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Paula Costa e
Silva analisou em profundidade este problema, chamando à colação a história jurídica
recente na Alemanha e no Reino Unido.120

Na Alemanha, a lei de introdução à ZPO, no seu §15 (inserido em 1999) veio permitir
que os diversos estados adoptassem sistemas de mediação obrigatória, prévios portanto
ao processo judicial. Alguns Estados adoptaram assim regras que impõem às partes a
mediação prévia ao acesso aos tribunais.

O recurso à mediação é considerado, nos Estados alemães que adoptaram tal regra, um
pressuposto processual, uma condição de admissibilidade da acção.121 A sanação deste
vício processual seria, porém, possível através da suspensão da instância e consequente
reencaminhamento das partes para a mediação. Apesar de serem muitos os argumentos
que permitiriam a defesa desta posição, gerou-se alguma controvérsia sobre a sua
adequação à lei da mediação obrigatória e aos seus fins.

120
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 43 e seguintes.
121
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 51.
53

Tal discussão culminou com uma decisão do Supremo Tribunal Alemão (BGH) de uma
decisão em que indefere um pedido da parte para que a instância fosse suspensa, dando-
se início ao processo de mediação. Em Novembro de 2004, o BGH 122 decide que não é
possível a sanação da excepção dilatória, na medida em que o que a lei exige é que tenha
havido mediação antes da propositura da acção. Isto porque, evidentemente, o que se
pretende é que as partes recorram à mediação antes de o processo dar entrada em tribunal.
Permitir a sanação da excepção frustraria os objectivos da lei.123

São vários os pontos de interesse desta discussão. Neste momento interessa-nos porém e
apenas a circunstância de o BGH não ter tratado a questão da eventual
inconstitucionalidade da imposição legal de mediação, não discutido a eventual violação
do direito fundamental do acesso à justiça por a lei impedir os cidadãos de proporem
acção em tribunal sem antes utilizarem a mediação.

Nos Estados Unidos da América a questão também foi colocada, tendo vários tribunais
decidido que o direito de acesso à justiça não é negado com a obrigatoriedade da
mediação, desde que este sistema não crie obstáculo desrazoáveis ao acesso ao tribunal,
como por exemplo custos ou demora excessivos ou ainda a obrigação de o mediador
revelar posteriormente o conteúdo da sessão em tribunal. Para alguns autores, para que a
mediação obrigatória se insira nos requisitos do processo equitativo (due process), tem de
reunir os seguintes requisitos: assegurar a confidencialidade, informação plena às partes
sobre as características da mediação e as alternativas disponíveis e a possibilidade de as
partes rejeitarem o acordo e acederem livremente aos tribunais.124

No sistema inglês, tornou-se marca nesta matéria o Caso Halsey125, decidido pelo
Supreme Court of Judicature em 2004. Esta decisão não surgiu a propósito de um sistema
de mediação obrigatória – inexistente no ordenamento jurídico inglês –, mas pelo facto de
a parte vencedora ter sido condenada nas custas do processo com fundamento na não
aceitação do convite da contraparte para entrar em mediação. Para resolver esta questão,

122
BGHZ, 161, 145-151.
123
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 57.
124
Roselle Wissler, The Effects of mandatory mediation: empirical research on the experience of
small claims and common pleas courts, 1997, p. 573
125
[2004] EWCA (Civ) 576.
54

o tribunal começa por enquadrar a problemática dos sistemas obrigatórios de resolução


alternativa de litígios. Apoiando-se numa decisão do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos126 sobre o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, proferida a
propósito de uma convenção de arbitragem, o tribunal inglês entende que impor a
mediação violaria esse artigo 6º, por se tratar de uma restrição inaceitável ao direito de
acesso à justiça.

Quanto à questão da condenação em custas, o tribunal afirma que “O princípio


fundamental é que a não aplicação da regra geral [quem perde paga as custas] não é
justificável a não ser que a parte perdedora (é seu o ónus da prova) demonstre que a
parte vencedora recusou sem motivo razoável o recurso aos meios de resolução
alternativa de litígios.”127128 Com este fundamento e analisando o comportamento
processual das partes, o tribunal entende que não há razão para o afastamento da regra
geral.

Esta decisão é, sem dúvida, algo conservadora, contribuindo pouco para a credibilidade e
fomento dos meios de resolução alternativo de litígios. A sua posição é precisamente
oposta à jurisprudência alemã anteriormente referida. É certo que houve posteriormente
algumas decisões que vieram amenizar esta tendência, mas a decisão de alguma forma
marcou a comunidade jurídica inglesa em relação à possibilidade ou ao risco de criar
sistemas obrigatórios de resolução alternativa de litígios. Provavelmente por esta razão
não tem o sistema inglês optado por este caminho no desenvolvimento dos meios de
resolução alternativa de litígios.

Por último, uma breve referência ao direito austríaco. O Supremo Tribunal entendeu em
decisão de 15 de Julho de 1997, que a mediação não podia ser iniciada contra a vontade
das partes, tomando posição no sentido de que a mediação obrigatória não seria um
sistema adequado.129

126
Deweer v Belgium (1980) Series A, No 35; 2 EHRR 439.
127
“The fundamental principle is that such departure is not justified unless it is shown (the burden
being on the unsuccessful party) that the successful party acted unreasonably in refusing to agree
to ADR.”
128
Stuart Sime, Civil Procedure,2006, p. 469.
129
Bettina Knöltz e Evelyn Zach, Taking the best from Mediation Regulations, 2007, p. 671.
55

De regresso ao ordenamento jurídico português, Paula Costa e Silva defendeu que a


referência ao acesso à justiça nos textos internacionais e constitucionais não significa
acesso irrestrito e imediato aos tribunais judiciais: “ (…) se a limitação imposta puder
considerar-se justificável atendendo às finalidades que lhe presidem e não implicar uma
desvantagem proporcional para as partes, estará salvaguardada a sua conformidade
com aqueles textos.”130

Ainda de acordo com a mesma Autora, para saber se a mediação pré-judicial obrigatória
obedece aos padrões constitucionais é necessário analisar se há justificação razoável para
a sua imposição. Para Paula Costa e Silva, obrigar a mediar pode ter duas justificações.
Primeiro, uma afectação mais racional dos recursos da Justiça; segundo, uma nova
abordagem ao conflito e à forma da sua resolução. Se em relação ao primeiro fim, não há
que distinguir nenhum tipo de litígio; em relação ao segundo, a Autora entende que nem
sempre o litígio se adequa à mediação.131

Num sistema ideal, os meios de resolução de litígios seriam alternativos em relação entre
si. Em função do tipo de conflito, as partes deveriam ser reencaminhadas para o meio que
melhor o resolvesse. Todos os meios seriam alternativos entre si e obrigatórios em
conjunto. Este seria um sistema ideal, na lógica dos tribunais multi-portas de que falámos
inicialmente132.

Este também será, porém, um sistema utópico ou, no mínimo, de realização difícil a curto
ou médio prazo. A posição a tomar tem assim de o ser face aos dados actuais do
problema.

Uma análise atenta do direito de acesso à justiça facilmente nos leva à conclusão que o
que se pretende é proibir o Estado de impedir o exercício dos direitos pelos cidadãos. Ou
seja, se o Estado impedir que uma pessoa exerça em tribunal o seu direito, estará a
esvaziá-lo de conteúdo útil. Só deve, assim, falar-se de restrições inconstitucionais ao
direito de acesso à justiça quando essa restrição impeça efectivamente o exercício do
direito.

130
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 71.
131
Paula Costa e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 71-2.
132
Cfr. supra p. 21.
56

Ora, não é de todo isto que está em causa quando se institui a obrigatoriedade da
mediação. Pelo contrário, a intenção não é dificultar o exercício dos direitos, mas a
oposta, a de aproximar a Justiça do cidadão.

Nesta perspectiva, não me parece aceitável considerar inconstitucional a eventual


implementação de sistemas obrigatórios de mediação. Tal resultaria apenas de uma visão
formal e não teleológica das normas.

É claro que esses sistemas, como se ponderou já no sistema jurídico norte-americano, têm
de cumprir alguns requisitos ao nível das garantias dos particulares, como um prazo
máximo relativamente curto, custos razoáveis, imparcialidade e independência do
mediador e protecção do conteúdo das sessões através de confidencialidade. São
garantias amplas de um processo de mediação justo, pressuposto de que um
procedimento deste género imposto ao utente da justiça se integra precisamente no direito
de acesso à justiça.

c. Visto, portanto, que a mediação obrigatória não é proibida constitucionalmente,


interessa ponderar se é adequado instituir sistemas deste género. A dúvida tem sido
colocada porque a mediação pressupõe o pleno domínio pelas partes, ou seja, o seu total
envolvimento e responsabilidade. Ora, se as partes estiverem obrigadas a mediar, tal
impossibilita este domínio. E pode, conforme alguns autores sustentam, inviabilizar o
sucesso da mediação. As partes tenderão a encará-la como mais uma fase processual,
dilatória da resolução do litígio. 133 A contribuição das partes é essencial para o sucesso da
mediação, para que a mediação seja encarada na procura de um acordo.134

Este argumento é, porém, de prova difícil. Faltam ainda experiências, dados e o seu
tratamento em países de tradição próxima da nossa.

Os estudos conhecidos, efectuados nos Estados Unidos da América, diferem nos seus
resultados. Em alguns, concluiu-se que a taxa de sucesso na mediação voluntária e na

133
José Alves Pereira, Mediação Voluntária, sugerida ou obrigatória?, 2006, p. 151; Paula Costa
e Silva, A Nova Face da Justiça, 2009, p. 45; Roselle Wissler, The Effects of mandatory
mediation: empirical research on the experience of small claims and common pleas courts, 1997,
p. 572.
134
Bettina Knöltz e Evelyn Zach, Taking the best from Mediation Regulations, 2007, p. 664.
57

mediação obrigatória não diferia, rondando em ambas as situações os 70%.135 Mas


noutros, a conclusão é a oposta: a taxa de acordo na mediação obrigatória é inferior
(46%) à da mediação voluntária (62%).136

Não se justificando, pelo menos a priori, a exclusão de sistemas de mediação obrigatória,


parece-me que a sua implantação geral seria provavelmente mal recebida no momento
actual. É útil estudar hipóteses intermédias, reforçando as já actualmente estabelecidas
nos Julgados de Paz, no Código de Processo Civil, na Lei da Mediação Penal.

Em Portugal, o legislador consagra sistemas de mediação facultativa, como nos Julgados


de Paz, e em geral, em todos os sistemas de mediação pública. O sistema de mediação
penal consagra uma mediação sugerida pelo Ministério Público (artigo 3.º n.º1 LMP), e
desde 2009, o Código de Processo Civil admite que o juiz possa encaminhar as partes
para a mediação (artigo 279.º-A n.º1).137

Uma questão diferente, embora paralela a esta, é a dos efeitos jurídicos de uma
estipulação pelas partes de uma convenção de mediação. Esta questão será tratada no
ponto referente ao Direito da Mediação.138

3.6. Fases e técnicas

a. Pretende-se agora trazer ao conhecimento do leitor um pouco do processo de


mediação, do seu conteúdo. Não se pretende, como será notório, fazer uma explicação
detalhada do processo de mediação. Este capítulo é dirigido a juristas que desconhecem a
mediação, mas não a juristas que estejam a preparar o seu treino como mediadores. Para
estes últimos, será claramente insuficiente.

135
Brett, Barsness e Goldberg, A eficácia da mediação, 2006, p. 157 e 164.
136
Roselle Wissler, The Effects of mandatory mediation: empirical research on the experience of
small claims and common pleas courts, 1997, p. 581.
137
Como se verifica no Direito Francês – artigo 131-1 NCPC – Gérard Pluyette, Príncipes et
applications recentes dês décrets dês 22 juillet et 13 décembre 1996 sur la conciliation et la
médiation judiciaire, 1997, p. 507.
138
Cfr. infra p. 64.
58

b. As fases da mediação são frequentemente difíceis de identificar. 139 A informalidade do


processo tem como consequência precisamente a não tipificação de fases. Elas podem
variar em função do caso concreto, das suas características e do desenrolar do processo.
Haverá, porém, sempre alguns momentos obrigatórios, independentemente da fase em
que se verifiquem.

Uma das diferenças entre os teóricos da mediação diz respeito ao conhecimento do


processo e à sua preparação antes da sessão da mediação. No sistema português,
implantado nos Julgados de Paz, o mediador não tem acesso ao processo, inteirando-se
do problema apenas na sessão de mediação. Este procedimento relaciona-se com a
circunstância de esta mediação ser, como se já referiu, exclusivamente facilitadora e,
portanto, o mediador não tem qualquer interferência no mérito da questão. Assumindo
uma postura mais ao nível do comportamento do que do litígio, não há necessidade de
conhecer e preparar o caso. Pelo contrário, é muito importante que o primeiro contacto do
mediador com o problema ocorra directamente através das partes.140

Esta metodologia não será boa em todos os casos e não deve ser assumida como um
dogma. Em casos complexos, designadamente em situações em que haja mais do que
duas partes, a preparação da mediação é essencial ao seu sucesso.

Assim, Moore identifica 5 fases anteriores ao início da sessão de mediação: constituição


de um relacionamento com as partes; escolha da estratégia da mediação; recolha de
informação sobre as partes e o conflito; programação detalhada da mediação;
estabelecimento de confiança e cooperação.141

No modelo de Brown e Marriot as fases prévias à sessão são apenas três: introdução das
partes na mediação; compromisso e acordo sobre as regras da mediação; comunicação
preliminar e preparação da sessão.142

Como é fácil de perceber, estes momentos são preparatórios, visando iniciar a mediação
com conhecimento de todos os intervenientes, do assunto em discussão e das regras e

139
Moore, The Mediation Process, 2003, p. 67.
140
Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 56.
141
Moore, The Mediation Process, 2003, p. 68.
142
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 154.
59

desenrolar da mediação. Assegurados este pontos, a mediação propriamente dita pode


iniciar-se.

Algumas destas funções são realizadas, em Portugal em sessão de pré-mediação, um


momento imediatamente anterior à mediação que tem como função explicar às partes em
que consiste este meio alternativo de resolução de litígios. A pré-mediação está prevista
nos artigos 49.º e 50.º LJP e no artigo 3.º n.º5 LMP. Aí se estabelece que a pré-mediação
tem como objectivo explicar às partes em que consiste a mediação, quais as regras
aplicáveis, verificar a predisposição das pessoas para um possível acordo em fase de
mediação. Por regra, se as partes concordam com a mediação passa-se de imediato à
mediação propriamente dita, pelo que se mantém a regra dos Julgados de Paz de
desconhecimento anterior do processo.

Nos modelos em que não há preparação prévia da mediação, alguns destes momentos
estão inseridos já na sessão de mediação. Assim, Vezzula identifica seis fases na
mediação: apresentação do mediador e das regras; exposição do problema pelos
mediados; resumo e ordenação inicial do problema; descoberta dos interesses ainda
ocultos; criação de ideias; acordo.143

c. Ao longo destas fases, há técnicas específicas que os mediadores devem utilizar. Por
exemplo, quando se trata de identificar interesses, é importante desde logo estar bem
ciente da sua importância para o sucesso da mediação. Depois, o mediador deve saber
ouvir e tomar atenção às declarações, às generalizações e às sínteses para perceber quais
as necessidades das partes. Moore refere dois métodos para descobrir interesses: o teste e
o modelo hipotético. O teste consiste em repetir o que ao mediador parece ser o interesse,
indo aproximando-se dele através dos reparos da parte. O modelo hipotético consiste em
propor uma série de opções de acordo, não com a intenção de as ver aprovadas pelas
partes, mas de perceber as suas verdadeiras necessidades e interesses.144

Em situações em que a desconfiança entre as partes não permite a clarificação dos


interesses, pode ser importante fazer reuniões separadas - aquilo que em mediação se
denomina caucus. A opção do caucus é polémica, na medida em que há quem aponte para
143
Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 56-64.
144
Moore, The Mediation Process, 2003, p. 258.
60

a possibilidade de quebra de confiança das partes. Não ouvindo tudo o que se desenrola
perante o mediador, as partes podem questionar a sua imparcialidade. No entanto, desde
que se conheçam riscos e se faça uma avaliação casuística, parece não fazer sentido
exclui-lo em absoluto.145 A lei dos Julgados de Paz permite a realização de reuniões
separadas – artigo 53.º n.º3 – desde que autorizadas pelas partes.

3.7. Sistemas públicos de mediação

Cumpre agora referir as áreas de mediação que estão actualmente em desenvolvimento.


Para além da mediação nos Julgados de Paz, a que me referi já variadas vezes, é
importante mencionar a mediação familiar, a mediação laboral e a mediação penal.

A mediação familiar é aquela que mais tradição tem no nosso ordenamento jurídico,
embora até agora tenha tido uma implantação muito restrita. O primeiro (e único até
2008) Gabinete de Mediação Familiar foi criado em 1997, com competência para
situações de conflito relativas à regulação do poder paternal na área da comarca de
Lisboa. O Gabinete recebia processos enviados pelos tribunais da comarca de Lisboa nas
situações em que o juiz, avaliando a acção, concluía que a mediação era o método mais
adequado para resolver o problema. O acordo era depois sujeito a homologação pelo
tribunal, que verificava o interesse do menor.146

É fácil de ver que quer o âmbito material, quer o âmbito territorial do Gabinete de
Mediação Familiar eram muitíssimo insuficientes. A aposta nos meios de resolução
alternativa de litígios tinha necessariamente de passar por aqui, por se tratar de uma área
que foi sempre de aplicação privilegiada da mediação.

No dia 16 de Julho de 2007, entrou em funcionamento o Sistema de Mediação Familiar


(SMF), vocacionado para a resolução de conflitos em matéria familiar. O Sistema de
Mediação Familiar tem competência para mediar conflitos surgidos no âmbito de relações
familiares em que a utilização deste mecanismo se mostre adequada, nomeadamente nas

Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, Lisboa, 2001, p. 61.


145

146
Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 62; Albertina Pereira, A mediação e a
(nova) conciliação, 2006, p. 190.
61

seguintes matérias: regulação, alteração e incumprimento do exercício do poder paternal;


divórcio e separação de pessoas e bens; conversão da separação de pessoas e bens em
divórcio; reconciliação dos cônjuges separados; atribuição e alteração de alimentos,
provisórios ou definitivos; atribuição de casa de morada da família; privação do direito ao
uso dos apelidos do outro cônjuge e autorização do uso dos apelidos do ex-cônjuge.

O Sistema de Mediação Familiar começou por funcionar a título experimental apenas em


alguns municípios, mas abrange actualmente todo o território nacional.147

A intervenção do Sistema de Mediação Familiar pode ser anterior à existência de


processo judicial ou na sua pendência. Mesmo que na pendência do processo, nos termos
do despacho148 que criou o Sistema não há homologação judicial do acordo.

No entanto, a actual formulação do artigo 279.º-A CPC, que melhor tratarei no próximo
capítulo, passou a exigir a homologação judicial, seguindo os termos da transacção. Não
está isento de dúvidas a aplicação deste preceito aos acordos obtidos na pendência de um
processo judicial, ao abrigo do sistema de mediação familiar.

Parece-me, porém, que por razões de coerência do ordenamento jurídico e de aplicação


da lei no tempo (lei nova revoga lei velha), se deve entender aplicável à mediação
familiar os novos preceitos do CPC. Assim, será obrigatória a homologação de acordos
obtidos em mediação familiar quando esteja pendente o processo judicial respectivo.

Na mesma altura, em 2006, surgiu o Sistema de Mediação Laboral, que permite a


trabalhadores e a empregadores utilizarem a mediação para resolverem os seus litígios. O
Sistema de Mediação Laboral foi criado a partir de um protocolo celebrado entre o
Ministério da Justiça e as seguintes entidades: Confederação dos Agricultores de Portugal
(CAP), Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP), Confederação Geral
dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN), Confederação da
Indústria Portuguesa (CIP), Confederação do Turismo Português (CTP), União Geral dos
Trabalhadores (UGT).149

147
Mais informações em www.gral.mj.pt
148
Despacho n.º 18 778/2007, de 22 de Agosto, disponível em www.gral.mj.pt.
149
Disponível em www.gral.mj.pt
62

O Sistema de Mediação Laboral funciona através da gestão de uma lista de mediadores,


pelo Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios do Ministério da Justiça. Não há
qualquer ligação com um tribunal. Mas, novamente, deve permitir-se que as partes
solicitem a homologação do acordo num tribunal se o quiserem. Faz sentido aplicar aqui
o previsto no artigo 249.º-C, embora se deva entender que a competência para esta
homologação é dos tribunais de competência especializada laboral.

De acordo com o protocolo, os litígios que podem ser objecto deste sistema público de
mediação são aqueles em que não estejam em causa direitos indisponíveis e que não
resultem de acidente de trabalho.150

Por último, a mediação penal foi aprovada pela Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho, sendo
aplicável apenas a alguns crimes particulares ou semi-públicos, cuja pena não seja
superior a 5 anos. Quando se tratar de crimes semi-públicos, há uma limitação aos crimes
contra as pessoas e contra o património. Também não é possível a mediação penal em
crimes contra a liberdade ou autodeterminação sexual, peculato, corrupção ou tráfico de
influência.151

A mediação penal inicia-se através da remessa do processo de inquérito decidida pelo


Ministério Público, podendo também ser requerida pelas partes (ofendido e arguido).
Havendo acordo, é este enviado ao Ministério Público que verifica a sua legalidade
(artigo 5.º n.ºs 5 e 8 e artigo 6.º). No acordo não podem incluir-se sanções privativas da
liberdade, deveres que ofendam a dignidade do arguido ou obrigações cujo cumprimento
se deva prolongar por mais de 6 meses (artigo 6.º n.º2).

Este diploma veio dar execução a uma Decisão Quadro do Conselho de 2001 152, que
pretendeu introduzir nos Estados Membros uma diferente resposta ao ilícito penal. A
mediação vítima-agressor insere-se na linha da justiça restaurativa, procurando uma
reparação efectiva da vítima e uma reabilitação do agressor, para além ou em vez do seu
castigo.153 Levanta inúmeras questões específicas e tem sido bastante discutida nos seus
150
Artigo 1º do Protocolo.
151
Artigo 2.º da Lei 21/2007, de 12 de Junho.
152
Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março.
153
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 295; Moyano Marques e João
Lázaro, A Mediação Vítima-Agressor e os Direitos e Interesses da Vítima, 2005, p. 27.
63

diversos aspectos: protecção da vítima, coerência com as finalidades próprias do direito


penal e papel do Ministério Público.154 São questões muito interessantes, mas que não
podemos abordar agora.

3.8. O Direito da mediação

São várias as questões que se colocam ao nível do regime jurídico da mediação. À


medida que a mediação se vai desenvolvendo, não só as dúvidas se multiplicam, como se
assiste a um crescendo na positivação de normas. Irei tratar alguns destes problemas,
designadamente os decorrentes desta positivação, mas também outros que me parecem
importantes e que justificarão, provavelmente a médio prazo, a intervenção do legislador.

3.8.1. A convenção de mediação

Uma questão importante e muitíssimo actual é a dos efeitos da celebração pelas partes de
uma convenção de mediação. É certo que as partes, na sua autonomia privada, podem
acordar, no âmbito de um litígio ou previamente à sua existência (no contrato), o recurso
à mediação. Esta convenção tanto pode estar sozinha, como acompanhar uma convenção
de arbitragem. Neste caso, é conhecida como multi-step clause, querendo com esta
expressão indicar-se que os contraentes acordam na resolução do seu eventual litígio em
várias fases ou degraus. Assim, numa cláusula deste tipo, de acordo com a vontade das
partes, o litígio deve ser resolvido em primeiro lugar por mediação e, se esta não for bem-
sucedida, por arbitragem.

A validade de uma cláusula deste género é inquestionável, porque, como disse, se funda
na autonomia privada das partes. Ponto já objecto de dúvidas é o dos seus efeitos,
designadamente quando há incumprimento. Numa situação em que uma das partes não
inicia a resolução do litígio pela mediação, partindo logo para a arbitragem ou para o
tribunal judicial, coloca-se a questão de saber como deve este tribunal decidir caso a parte
contrária levante a questão.
154
Cfr. AA. VV., A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico
Português, 2005.
64

A questão não foi ainda discutida no nosso ordenamento jurídico – nem pela doutrina,
nem pela jurisprudência. A Directiva 2008/52/CE nenhuma norma contém sobre o
problema.155 No entanto, existem já ordenamentos jurídicos estrangeiros que iniciaram
esta discussão, alguns com norma jurídica expressa, a maioria sem.156

O direito belga estabelece, no artigo 1725 do Code Judiciaire 157, que a invocação de uma
cláusula de mediação implica a suspensão da instância pelo juiz ou árbitro, que analisa a
validade da cláusula antes de decidir.158 A estipulação de mediação impede, assim, o
tribunal de apreciar o litígio, obrigando as pessoas a recorrer à mediação.

No direito francês, não existe regra que resolva o problema, mas a questão á foi colocada
por diversas vezes na Cour de Cassation. A jurisprudência não é, porém, unívoca,
podendo encontrar-se três teses: uma primeira de acordo com a qual a cláusula tem
efeitos meramente obrigacionais, uma segunda que defende que a existência da cláusula
impede a admissibilidade do processo em tribunal e uma última, que entende dever
suspender-se a instância.159

Para a primeira corrente jurisprudencial, a propositura de acção (arbitral ou judicial) sem


que tenha havido previamente mediação é sancionada apenas contratualmente, sendo
indemnizáveis os danos sofridos pela parte que não pôde (tentar) resolver o litígio pela
mediação. Trata-se de atribuir uma eficácia meramente contratual à convenção 160. A
jurisprudência admite ainda que as partes podem estabelecer cláusula penal, fixando estes
danos, o que por si só pode atribuir maior eficácia à cláusula de mediação. 161 No entanto,
esta fixação contratual dos danos para o incumprimento da cláusula de mediação será

155
Bettina Knöltz e Evelyn Zach, Taking the best from Mediation Regulations, 2007, p. 668.
156
A Lei austríaca de mediação (Zivilrechts-Mediationsgesetz de 2004, disponível em
www.ris.bka.gv.at) não contém norma sobre a questão. Bettina Knöltz e Evelyn Zach, Taking the
best from Mediation Regulations, 2007, p. 671.
157
Disponível em http://www.droitbelge.be/codes.asp#jud.
158
Cruyplants, Gonda e Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p. 52 e 99 ; Luc
Demeyere, The Belgian Law on mediation: an early overview, 2006, p. 91.
159
Charles Jarrosson, La sanction du non-respect d’une clause instituant un préliminaire
obligatoire de conciliation ou de mediation, 2001, p. 752.
160
Xavier Lagarde, L’efficacité des clauses de conciliation ou de médiation, 2000, p. 384 e
seguintes.
161
Charles Jarrosson, La sanction du non-respect d’une clause instituant un préliminaire
obligatoire de conciliation ou de mediation, 2001, p. 753.
65

rara. Por outro lado, uma eventual indemnização por danos depende, obviamente, da
verificação desses danos, o que se mostra difícil na medida em que é impossível provar
que haveria acordo na mediação. Fácil será, aliás, provar precisamente o contrário. Não
será difícil demonstrar, em pleno processo litigioso, que mesmo que as partes tivessem
iniciado a mediação, não teriam conseguido chegar a acordo.

Logo, ainda que o não recurso à mediação prévio ao processo jurisdicional (arbitral ou
judicial) pudesse ter sido menos dispendioso do que fazer actuar a cláusula de mediação,
não haverá forma de o provar e, logo, o dano não poderá ser indemnizado.

Não há assim, na prática, qualquer sanção para o incumprimento.

Esta jurisprudência é criticada por pôr em causa a utilidade das cláusulas de mediação –
não havendo qualquer sanção para o seu incumprimento, a parte não interessada no
recurso à mediação não terá qualquer razão para a iniciar.162

A jurisprudência francesa maioritária tem, porém, entendimento contrário. Para estas


decisões, a existência de uma cláusula de mediação impede a recepção do processo,
inserindo-no no artigo 122.º do (Noveau) Code de Procédure Civile. Embora este artigo
contenha um enunciado de razões para que a acção não seja admitida, de entre as quais
não consta a mediação, o artigo 124.º do mesmo diploma amplia-as a outras, admitindo
causas meramente contratuais como fundamento da inadmissibilidade do processo. É por
este via que a jurisprudência maioritária entende que a sanção para o incumprimento de
uma cláusula de mediação é a impossibilidade de acesso ao tribunal. O processo não será
admitido, obrigando-se as partes a primeiro entrar em mediação.163

Xavier Lagarde defende mais ainda: para além de ordenar a suspensão do processo, o juiz
deve ele próprio dar início ao processo de mediação, disponibilizando os meios
necessários para tal fim.164 É uma posição ainda mais exigente que tem como pressuposto
uma eficácia plena, pleníssima das convenções de mediação.

162
Charles Jarrosson, La sanction du non-respect d’une clause instituant un préliminaire
obligatoire de conciliation ou de mediation, 2001, p. 755.
163
Charles Jarrosson, La sanction du non-respect d’une clause instituant un préliminaire
obligatoire de conciliation ou de mediation, 2001, p. 758.
164
Xavier Lagarde, L’efficacité des clauses de conciliation ou de médiation, 2000, p. 395.
66

Por último, uma terceira posição jurisprudencial defende ser mais adequada a suspensão
da instância, com encaminhamento das partes para a mediação. 165 De acordo com Vincent
e Guinchard é esta a qualificação mais adequada.166

Repare-se como são radicalmente opostas as consequências das várias posições. E todas
elas podem acontecer actualmente num tribunal francês. A questão está em aberto, sendo
de difícil resolução sem norma legal expressa.

Igual incerteza caracteriza o direito norte-americano, embora parta de um pressuposto


seguro: a cláusula de mediação impede a propositura de uma acção judicial ou arbitral.
No entanto, tal efeito só se verifica se a cláusula demonstrar inequivocamente que era
essa a vontade das partes. Entendem ainda os tribunais americanos que essa vontade
implica que as partes tenham de alguma forma estabelecido regras processuais para a
mediação, como um prazo limite para o seu decurso.167

Este requisito, como é fácil de ver, é uma faca de dois gumes. Se por um lado a
executoriedade destas cláusulas é aceite em termos gerais, por outro lado só em face de
cada caso é possível decidir se esta intenção inequívoca, expressa através do desenho de
procedimentos de mediação, existe ou não. A acrescer a este casuísmo na apreciação e,
logo, incerteza quanto ao resultado, está o problema de esta eventual invalidade da
cláusula de mediação poder arrastar consigo, de acordo com a jurisprudência norte-
americano, a própria validade da convenção de arbitragem.168

Este pequeno percurso por alguns direitos estrangeiros deixou claro que as consequências
de uma convenção de mediação são muito variadas, assumindo diversas naturezas e
graus.

Todas estas considerações colocam dificuldades em encontrar a norma vigente no nosso


ordenamento jurídico. Face ao silêncio das fontes de direito – lei, jurisprudência e até
doutrina – sobre a questão, é difícil apresentar uma solução inquestionável.

165
Charles Jarrosson, La sanction du non-respect d’une clause instituant un préliminaire
obligatoire de conciliation ou de mediation, 2001, p. 759.
166
Jean Vincent e Serge Guinchard, Procédure Civile, 1999, p. 183.
167
Jason File, United States: multi-step dispute resolution clauses, 2007, p. 33.
168
Jason File, United States: multi-step dispute resolution clauses, 2007, p. 34.
67

O artigo 494.º j) CPC prevê a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral


voluntário quando exista e seja invocada uma convenção de arbitragem. A celebração de
convenção arbitral tem como efeito a falta de jurisdição do tribunal judicial sobre o
litígio, pelo que se invocada, o tribunal judicial terá de extinguir a instância e remeter as
partes para o processo arbitral.169

Na falta de estipulação legal, poderão estes efeitos ser alargados à convenção de


mediação? Se a sua admissibilidade se funda na autonomia privada, a exclusão da
jurisdição pública só pode operar se tal for reconhecido por via legal. A questão é de
direito de acesso à justiça.170 A exclusão do acesso aos tribunais judiciais é uma restrição
a um direito fundamental previsto na Constituição (artigo 20.º). Ora só é possível excluir
ou restringir direitos fundamentais quando a lei o permita, como se verifica com a
previsão da convenção de arbitragem na respectiva Lei e no Código de Processo Civil 171.
Inexistindo lei, não se pode admitir que a vontade das partes exclua um direito
fundamental. Trata-se de um direito irrenunciável, indisponível.

Esta argumentação não colide com o que anteriormente se disse sobre a não
inconstitucionalidade da mediação obrigatória.172 Aí se defendeu que a consagração de
sistemas de mediação obrigatória (que não existem no nosso país, mas existem noutros)
não implica restrição do direito de acesso à justiça. O que se diz agora é que é necessário
que a lei preveja que a vontade das partes possa excluir (de forma imediata) o acesso aos
tribunais. Sem que a lei o reconheça, não se pode admitir a restrição.

Assim, em conclusão, não estando em causa a validade de uma convenção de mediação,


as consequências do seu incumprimento não são a falta de jurisdição do tribunal (judicial
ou arbitral), mas meras consequências obrigacionais: indemnização por eventuais danos
provocados por esse incumprimento.

A sanção parece de pouca monta, até porque, como se disse, será difícil provar o nexo de
causalidade entre o incumprimento da convenção de mediação e os eventuais danos – é
169
Este é o efeito negativo do princípio da competência da competência, que será desenvolvido
mais à frente. Cfr. infra Capítulo 5.4..
170
Xavier Lagarde, L’efficacité des clauses de conciliation ou de médiation, 2000, p. 383.
171
Artigo 494.º j).
172
Cfr. supra ponto 3.5..
68

impossível demonstrar que o conflito se teria resolvido na mediação. Contudo, face aos
actuais dados legislativos, não me parece que haja outra solução defensável.

Mas, na verdade, não é a mais adequada. Seria recomendável que o legislador previsse a
eficácia potestativa destes acordos à semelhança da convenção de arbitragem, resolvendo
assim o problema.

3.8.2. A mediabilidade

Uma questão diferente da desta é a do âmbito dos litígios mediáveis. A Directiva, no seu
artigo 1.º n.º2, restringe os litígios mediáveis àqueles que respeitem a direitos disponíveis.
A legislação portuguesa que a transpôs para o Código de Processo Civil não inclui
qualquer restrição: o artigo 249.º-A n.º1 CPC admite a mediação de qualquer litígio. 173 A
mediação é, aliás, aplicável em domínios de clara indisponibilidade como o Direito Penal
ou o Direito da Família.

Na arbitragem voluntária há restrição aos direitos disponíveis, de acordo com o artigo 1.º
n.º1 LAV: só podem ser objecto de convenção de arbitragem os litígios que não respeitem
a direitos indisponíveis. O conteúdo exacto desta restrição – o conceito de
indisponibilidade – tem sido objecto de alguma polémica, referida infra.174

Repare-se que este requisito só existe para a arbitragem voluntária, não para a necessária,
como é natural. Parece claro que a mediação em litígios respeitantes a direito
indisponíveis quando directamente prevista pela lei não levanta quaisquer problemas – aí
há expressa autorização legislativa para a mediação. Estes casos aproximam-se da
arbitragem necessária, embora haja sempre uma diferença essencial: na mediação o litígio
é resolvido por acordo, através de cedências mútuas entre as partes. Não através da
aplicação de um regime legal, mesmo que imperativo.

Parece-me, pois, que o problema da disponibilidade dos direitos não se coloca em relação
às áreas em que a mediação está directamente prevista – como acontece no Direito Penal
e no Direito da Família.
173
Dário Moura Vicente, A directiva sobre mediação em material civil e comercial, 2009, p. 144.
174
Cfr. infra ponto 5.3.1..
69

Só se poderão levantar dúvidas relativamente a zonas do Direito não directamente


previstas pela mediação. Nestes casos haverá alguma limitação aos litígios mediáveis?
Numa primeira análise do tema, diríamos que não, porque a lei optou expressamente por
não fazer essa restrição na transposição da directiva (que contém a limitação no seu artigo
1.º n.º2). Acresce que se há áreas de indisponibilidade total (direito penal) em que se
admite a mediação, não faria sentido restringi-la em áreas em que essa indisponibilidade
é menos forte.

No entanto, aos acordos obtidos em mediação aplicam-se, como defenderemos infra175, os


parâmetros da homologação dos acordos obtidos em conciliação judicial. A esta solução
se chega por expressa remissão no artigo 279.º-A n.º 5 CPC para os acordos obtidos em
mediação contemporânea de processo judicial e numa interpretação conforme do artigo
249.º-B n.º3 CPC para os acordos obtidos em mediação pré-judicial. 176

Ora, de acordo com o artigo 299.º CPC não é permitida a transacção que importe a
afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis. Esta norma pode
ter leituras diferentes.

Numa primeira impressão, significaria que não pode haver mediação sobre direitos
indisponíveis, na medida em que o acordo aí obtido não poderá ser judicialmente
homologado. No entanto, Dário Moura Vicente defende que a mediação é sempre
possível, apenas não o sendo a homologação.177

Embora esta posição seja muito atractiva, não me parece defensável: se tem de se aplicar
a regra da transacção e esta diz expressamente que não há transacção sobre direitos
indisponíveis, não se pode dizer que se admite acordo em relação a direitos indisponíveis.
A norma – artigo 299.º CPC – é clara neste campo. Por outro lado, este regime é coerente
com igual exigência que a lei estabelece para a arbitragem.

Esta conclusão pode parecer algo estranha e seguramente bastante restritiva. O critério da
disponibilidade na arbitragem – com o qual este é coerente – tem vindo a ser criticado

175
Cfr. ponto 3.8.3..
176
Dário Moura Vicente, A directiva sobre mediação em material civil e comercial, 2009, p. 144.
177
Dário Moura Vicente, A directiva sobre mediação em material civil e comercial, 2009, p. 144.
70

pela doutrina e está hoje num ponto de viragem. Se ele for repensado e quando for
repensado - deve sê-lo em conjunto para a mediação, conciliação e arbitragem.

A doutrina distingue disponibilidade absoluta de relativa, concluindo que os negócios


processuais são válidos se estiverem em causa direitos relativamente disponíveis e
inválidos se versarem sobre direitos em absoluto indisponíveis.178

O problema não é assim tão dramático porque o conceito de indisponibilidade tem vindo
a ser muitíssimo restringido pela doutrina. Assim, embora a mediação só possa tratar
litígios disponíveis, o que se considera fazer parte deste conceito abrange quase todos os
litígios de Direito Privado. A circunstância de um regime legal ser composto por normas
imperativas não implica, de todo, que o direito em causa seja considerado indisponível.
Como se discutirá longamente a propósito de conceito idêntico no âmbito da convenção
de arbitragem, apenas é indisponível aquele direito em que o seu titular, não actuando, o
vê exercido por outra pessoa, designadamente de direito público.

Assim, em relação aos direitos relativamente indisponíveis é possível a mediação, mas,


como já se verifica na arbitragem, o controlo faz-se posteriormente, na homologação. A
eventual violação de normas imperativas deve ser aferida perante o acordo firmado,
implicando a sua não validação judicial.179

Repare-se, porém, que este raciocínio se adequa apenas aos litígios em que se aplique ou
aplicaria – caso haja ou não acção proposta – o Código de Processo Civil. A inserção
sistemática das normas de transposição da Directiva leva necessariamente a esta
conclusão.180

Com isto não se pretende dizer que o não cumprimento de uma norma imperativa pelo
acordo obtido em mediação implica o seu não reconhecimento e executoriedade. Quer-se
apenas dizer que a análise é posterior. Já o padrão dessa análise é uma questão diferente,
que tratarei autonomamente já de seguida.
178
Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 1997, p. 201-2.
179
Dário Moura Vicente, A directiva sobre mediação em material civil e comercial, 2009, p. 134.
É esta a opção da lei suíça - Jean Mirimanoff, Feasibility of mediation systems in Switzerland,
2009, p. 472.
180
É assim também na lei austríaca de mediação – Bettina Knöltz e Evelyn Zach, Taking the best
from Mediation Regulations, 2007, p. 670.
71

3.8.3. Homologação do acordo obtido em mediação

a. De acordo com o n.º1 do artigo 249.º-B CPC, se da mediação resultar um acordo, as


partes podem requerer a sua homologação por um juiz. Acrescenta o n.º3 do mesmo
preceito que a homologação judicial visa a verificação da conformidade do acordo com a
lei em vigor.

O preceito visa transpor o artigo 6.º da Directiva cuja epígrafe é «Executoriedade dos
acordos obtidos por via de mediação». Nos termos desse preceito, os Estados têm de
garantir que o conteúdo de um acordo reduzido a escrito seja declarado executório.

Repare-se, porém, que a norma portuguesa não se refere a executoriedade do acordo,


apenas à sua homologação. E acrescenta que essa homologação tem o fim da verificação
da legalidade do acordo e não, como a Directiva indica, o de declará-lo executório.

Esta diferença justifica-se porque no direito português um documento particular assinado


pelo devedor, em que este reconheça a existência de uma obrigação ou a constitua, é
título executivo – artigo 46.º c) CPC. Este amplo reconhecimento executório dos
documentos particulares não é comum nos ordenamentos jurídicos europeus.181

Um acordo obtido em mediação que preencha estes requisitos – o que será o normal – é
automaticamente título executivo.182 A questão da executoriedade do acordo não se
coloca, assim, como em outros países.183

A homologação judicial do acordo obtido em mediação não se relaciona, portanto, com a


sua executoriedade em território nacional – para esse efeito é inútil.

181
José Lebre de Freitas, A Acção executiva, 2009, p. 57, em especial nota 44.
182
Dário Moura Vicente, A directiva sobre mediação em material civil e comercial, 2009, p. 138.
183
Apenas do ponto de vista da executoriedade internacional se poderá tornar necessária
homologação judicial do acordo. Estaria aqui em causa, agora, a aplicação do artigo 58.º do
Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000. Dário Moura Vicente, A
directiva sobre mediação em material civil e comercial, 2009, p. 138-9; Bettina Knöltz e Evelyn
Zach, Taking the best from Mediation Regulations, 2007, p. 673. Cfr., ainda, António Neves
Ribeiro, Processo Civil da União Europeia, 2002, p. 134.
72

Como justificar então esta possibilidade?184 Poderá a homologação ser uma espécie de
acção de anulação do acordo ao dispor de uma das partes?

De acordo com o artigo 6.º n.º1 da Directiva, a declaração de executoriedade tem de ser
pedida pelos dois interessados ou por um com o consentimento do outro. Na norma
transposta para o nosso Código de Processo Civil, o texto do artigo 249.º-B n.º1 não é
inteiramente claro na necessidade de uma acção conjunta das partes. Refere que “as
partes podem requerer a sua homologação por um juiz”. Uma interpretação literal deste
preceito – com desconhecimento do texto da Directiva - levaria a considerar que qualquer
uma das partes – mesmo com oposição da outra – poderia requerer a homologação. Não
parece, porém, ser esta a melhor leitura do preceito, na medida em que a sua fonte de
inspiração é a regra oposta. E ainda porque se atentarmos no n.º 5 deste artigo 249.º-B, é
notória a pressuposição que as partes actuam em conjunto. Isto é, havendo recusa da
homologação, o legislador permite que as partes reformulem o acordo e o voltem a
submeter para homologação. Aqui não é possível interpretar a regra como referindo-se a
apenas uma das partes.

A lei exige, assim, um litisconsórcio entre as partes subscritoras do acordo de mediação.


O que implica, obviamente, que a homologação judicial apenas será possível em casos de
concordância quanto a essa homologação.

A função da homologação não é, portanto, equivalente à desempenhada pela acção de


anulação. A única que vislumbro é a da criação de um título executivo com especial força
executória. O acordo homologado vale como sentença judicial e, logo, só admite
oposição à execução com os fundamentos muito restritos do artigo 814.º CPC. Já o título
negocial, categoria em que se insere o acordo escrito e assinado, mas não homologado,
permite dedução de oposição à execução com qualquer fundamento (artigo 816.º).

Há, portanto, uma vantagem, ainda que indirecta, nesta homologação. Talvez faça sentido
pedi-la em situações em que os mediados (ou um deles) tenha algum receio quanto o seu
cumprimento futuro do acordo.

Dário Moura Vicente, A directiva sobre mediação em material civil e comercial, 2009, p. 147,
184

explica-a unicamente através da eficácia internacional desses acordos.


73

b. Ainda no que diz respeito à homologação, há duas outras questões a discutir. Em


primeiro lugar, importa saber se essa homologação é facultativa também nos casos em
que a mediação se iniciou na pendência do processo judicial ou arbitral. 185 Em segundo
lugar, há que determinar o nível de controlo judicial do conteúdo do acordo.

No Direito Comparado, a regra mais frequente é a da homologação facultativa,


justificando-se essa norma, entre outras, por razões de confidencialidade. As partes
podem não querer que o acordo seja do conhecimento público. No Direito francês, por
exemplo, caso as partes cheguem a acordo e não pretendam a homologação, o mediador
informa o juiz por escrito da existência desse acordo e nada mais.186

No nosso Direito, a Lei dos Julgados de Paz obriga à homologação do acordo obtido em
mediação – artigo 56.º n.º1 LJP. De acordo com o artigo 279.º-A n.º5, o acordo é enviado
para o tribunal, seguindo-se o termos definidos para a transacção. Ora, os termos
definidos para a transacção são a homologação, como o estabelece o artigo 300.º n.º3
CPC. O que significa, portanto, que o acordo obtido em mediação em processo pendente
é obrigatoriamente sujeito a homologação judicial.

Esta obrigatoriedade de homologação do acordo não está prevista na Directiva, sendo, do


meu ponto de vista, criticável. 187 Nada há que justifique – não o querendo as partes – que
o acordo tenha de ser apresentado ao juiz. O controlo jurídico do acordo de mediação só
deve existir caso seja executado – aí serão analisados os fundamentos oficiosos de
invalidade ou ineficácia. Mas esta é a regra que me parece melhor, não a positiva. O
direito positivo obriga à homologação, mesmo contra a vontade das partes, nos casos em
que haja processo pendente em tribunal.

185
À mediação extra-judicial deve ser equiparada a mediação extra competência dos Julgados de
Paz, prevista no artigo 16.º n.º3 LJP, na medida em que se trata também de uma mediação que
decorre sem que haja qualquer processo litigioso pendente.
186
Assim é no Direito Francês - Gérard Pluyette, Príncipes et applications recentes dês décrets
dês 22 juillet et 13 décembre 1996 sur la conciliation et la médiation judiciaire, 1997, p. 518. No
direito belga a homologação também é facultativa - Demeyere, The Belgian Law on mediation:
an early overview, 2006, p. 91.
187
Contra, defendendo que deve haver sempre homologação judicial do acordo obtido em
mediação, Albertina Pereira, A mediação e a (nova) conciliação, 2006, p.194.
74

Estando consagrada esta regra, é essencial, então, perceber qual o padrão de análise do
juiz na homologação.

c. Em termos internacionais, o padrão da homologação é o da ordem pública. Assim o faz


a lei de mediação belga, acrescentando que no caso específico da mediação familiar, o
juiz tem ainda de verificar se o acordo é contrário aos interesses dos menores. 188 A lei
suíça vai um pouco mais longe, criando uma protecção especial para os casos em que
existe presumidamente uma parte mais fraca, como se verifica no Direito do Trabalho,
Consumo e Arrendamento. Nestas áreas, o juiz recusa a homologação quando o acordo
seja contrário não só à ordem pública, mas ainda a regras imperativas de protecção.189

A Lei dos Julgados de Paz nada diz sobre esta homologação. Já as novas disposições do
Código de Processo Civil contém regras cuja leitura poderia levar a resultados diferentes.
Em relação à mediação pré-judicial, o artigo 249.º-B n.º 3 estabelece que a homologação
judicial visa a verificação da conformidade do acordo com a legislação em vigor. Por
outro lado, como acabámos de ver, o artigo 279.º-A n.º 5 CPC, relativo à mediação em
processo pendente (judicialmente sugerida ou voluntariamente querida), remete para as
regras da transacção. Ora, o artigo 300.º CPC estabelece que o juiz examina a validade do
acordo em função do seu objecto e da qualidade dos intervenientes.

Por razões de coerência do nosso ordenamento jurídico, parece-me melhor entender que
os padrões de análise para a homologação são idênticos, seja qual for a circunstância do
acordo. Assim, quer a mediação seja pré-judicial, quer contemporânea do processo ou
ainda que se trate de um acordo obtido em conciliação, os requisitos de análise da
homologação devem ser os mesmos – os constantes do artigo 300.º CPC. Se pensarmos
bem, aliás, estes não são muito diferentes em termos substanciais – do que se trata no
artigo 300.º CPC é de saber se o acordo cumpre os requisitos legais daquele negócio
jurídico e, logo, se está conforme ao Direito.

188
Jean Cruyplants, Michel Gonda e Marc Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p.
67 e 72 ; Luc Demeyere, The Belgian Law on mediation: an early overview, 2006, p. 91.
189
Jean Mirimanoff, Feasibility of mediation systems in Switzerland, 2009, p. 473.
75

É certo que o artigo 249.º-B n.º 3 se refere à legislação em vigor, mas é evidente que esta
expressão tem de ser interpretada como o sistema jurídico, na sua complexidade e
pluralidade, o que não se reconduz obviamente à lei.

Deixamos de lado a questão da qualidade das partes – é necessário que estas tenham
capacidade e legitimidade para concluir o acordo, o que se analisa nos termos gerais.190

Interessa aqui apenas analisar o padrão de análise jurídica que o juiz tem de aplicar na
homologação. Sobre esta questão se tem pronunciado, sem grandes divergências, a
doutrina nacional a propósito do artigo 300.º CPC. Este preceito, no seu n.º3, mantém-se,
aliás, sem qualquer alteração desde 1939.191

O juiz tem, de acordo com a doutrina192, de analisar se o objecto está na disponibilidade


das partes e se tem idoneidade negocial. A disponibilidade do direito em litígio encontra-
se prevista no artigo 299.º CPC. Nos termos deste preceito, não é admissível a transacção
que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis. Já
referimos que esta é uma limitação à própria mediação, pelo que remetemos para aí.193

Interessa agora tão só analisar a idoneidade negocial do objecto do acordo. A doutrina


entende a este propósito que o acordo não pode ser contrário à ordem pública ou ofensivo
dos bons costumes, por aplicação do artigo 280.º CC.194 Seguramente que é assim, mas a
questão complexa não é esta. O ponto difícil nesta questão é o de saber se esta limitação
permite ou impede que o acordo afaste regras imperativas. Se uma leitura das regras
relativas à homologação nos leva à conclusão de que o legislador tinha em mente a
proibição da homologação de acordos em que sejam afastadas regras imperativas, uma
sua análise sistemática tem de levar-nos à conclusão oposta.

É que o artigo 509.º n.º 3 CPC relativo à conciliação manda o juiz ter em vista a solução
de equidade mais adequada aos termos do litígio. Independentemente da noção de
190
Cfr., por todos, Joana Paixão Campos, A Conciliação judicial, 2009, p. 63.
191
Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado – Volume 1.º,
2008, p. 576.
192
Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado – Volume 1.º,
2008, p. 577; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 201.
193
Cfr. supra ponto 3.8.2.
Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado – Volume 1.º,
194

2008, p. 577; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 198.
76

equidade que se adopte195, é seguro que a solução a que se chega através da equidade não
é idêntica à extraída do direito positivo (em sentido estrito).

É preciso ainda tomar em atenção, porém, que o juiz não pode saber se houve ou não
afastamento em concreto de regras imperativas, na medida em que não há prova sobre os
factos alegados por qualquer das partes. Imagine-se uma situação em que o consumidor
aceita reduzir a metade uma indemnização de que não poderia prescindir. O juiz não sabe
– porque nada se provou – se esta desistência parcial implica ou não desistência real do
direito. O direito até pode não existir de todo.

Por estas razões, o padrão de análise nunca poderá ir muito mais além da ordem pública.
O juiz não pode saber se não estão a ser aplicadas normas imperativas porque não é
possível aplicá-las não havendo uma versão factual determinada.

Este nível de análise é, ainda, coerente com o fundamento de anulação das sentenças
arbitrais. Como se verá infra, a sentença arbitral pode ser anulada com base em violação
da ordem pública. Este é o único motivo de anulação relativo ao mérito. 196 E repare-se
que neste caso há produção de prova, há já uma versão factual definitiva. Se perante este
caso o sistema jurídico admite a não aplicação de normas imperativas (em litígios
respeitantes a direitos disponíveis), por maioria de razão deve admiti-lo quando, não se
conhecendo os factos, a solução encontrada para o litígio resulte de acordo entre as
partes.

Assim, em conclusão, o juiz deve limitar-se a analisar se o conteúdo do acordo viola a


ordem pública, entendendo-se esta como o conjunto dos princípios fundamentais do
nosso ordenamento jurídico.197

3.8.4. Confidencialidade

195
A noção de equidade é tratada infra a propósito da decisão arbitral. Cfr. ponto
196
E, ainda assim, polémico. Cfr. infra ponto 5.10.1.2..
197
Voltaremos ao tema da ordem pública a propósito da sentença arbitral. Ver também Assunção
Cristas e Mariana França Gouveia, A violação de ordem pública como fundamento de anulação
de sentenças arbitrais, 2010, p. 55.
77

O processo de mediação é confidencial: o mediador não pode revelar o que se passou na


mediação, não pode ser chamado como testemunha em processo judicial posterior. 198 A
confidencialidade permite que as partes falem à vontade, com tranquilidade e sem medo
de desagradar ao mediador.199 Algo que não acontecerá, por exemplo, na conciliação
perante o juiz ou o árbitro. Há, porém, quem entenda que esta confidencialidade é
dispensável se as partes acordarem nesse sentido.200

Há aqui que distinguir a situação das partes da do mediador. A obrigação das partes – se
não houver normal legal – é apenas contratual. A do mediador decorre do exercício da sua
profissão – trata-se de sigilo profissional.201

No nosso ordenamento jurídico, porém, há algumas regras legais que impõem essa
confidencialidade. A Lei dos Julgados de Paz, no seu artigo 52.º, impõe a
confidencialidade como regra, obrigando as partes a subscrever um acordo de
confidencialidade. A Lei da Mediação Penal impõe também a regra da confidencialidade
– artigo 4.º n.º5 da Lei 21/2007, de 21 de Junho. Aqui a questão da prova assume especial
relevância: se o arguido confessar na mediação, mas não se conseguir o acordo e o
processo seguir, não pode utilizar-se essa confissão como meio de prova. Nem sequer se
pode, aliás, saber que ela existiu.

Uma diferente abordagem é feita pela Directiva 2008/52/CE. Nos termos do artigo 7.º, a
mediação deve respeitar a confidencialidade, não podendo os mediadores, nem as pessoas
envolvidas na administração do processo de mediação ser obrigadas a produzir provas em
processos posteriores. As excepções consagradas são três: em primeiro lugar, se as partes
decidirem em contrário; em segundo lugar, por razões imperiosas de ordem pública, em
especial para assegurar o interesse da criança ou para evitar que seja lesada a integridade
física ou psíquica de uma pessoa; por fim, em situações em que a divulgação do conteúdo

198
Jean Cruyplants, Michel Gonda e Marc Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p.
75 ; Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 64.
199
Cardona Ferreira, Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, 2001, p.
70.
200
Jean Cruyplants, Michel Gonda e Marc Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p.
75 ; Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 131.
201
Cruyplants, Gonda e Wagemans, Droit et pratique de la médiation, 2008, p. 75.
78

do acordo obtido por via de mediação seja necessária para efeitos de aplicação ou
execução desse acordo202.

A transposição da Directiva foi feita através do artigo 249.º-C do Código de Processo


Civil, de acordo com o qual a confidencialidade apenas pode ser afastada em caso de
circunstâncias excepcionais, nomeadamente quando esteja em causa a protecção da
integridade física ou psíquica de qualquer pessoa. O preceito refere ainda que o acordo
nunca é confidencial. Parece claro, se compararmos esta norma com a da Directiva, que o
legislador português não quis consagrar a possibilidade de as partes afastarem a
confidencialidade, tornando-a, portanto, regra imperativa. O que significa, então, que a
obrigação de confidencialidade abrange as partes, tendo fonte legal e não contratual.

Parece-me, sem dúvida, que se deve adoptar a regra da confidencialidade como princípio.
A confidencialidade é essencial à plena confiança no processo de mediação. Se as partes
souberem que o mediador pode posteriormente revelar o que ali foi dito, terão uma
postura completamente diferente da mediação, colocando em risco a sua utilização como
meio de resolução de litígios.

A confidencialidade é, assim, uma questão de enorme importância na mediação e que tem


sido objecto de vivo debate noutros ordenamentos jurídicos, sendo de destacar o norte-
americano. Os problemas surgem sobretudo quando uma das partes ou ambas requerem o
depoimento do mediador em tribunal. As leis dos diversos Estados variam nas regras a
adoptar, o que tem implicado, naturalmente, insegurança em relação às excepções ao
sigilo.203 Numa perspectiva de uniformização, foi aprovado o Uniform Mediation Act204
pela National Conference of Comissioners on Uniform State Laws, em 2001, tendo sido
proposta aos diversos Estados a sua adopção.

O Uniform Mediation Act preocupa-se quase em exclusivo com o problema da


confidencialidade e com as situações em que é admissível o seu levantamento. Estabelece

202
Como consta da Lei Modelo da UNCITRAL sobre a conciliação no comércio internacional
(art. 9.º).
203
Veja-se, a título de exemplo, Alan Kirtley, The mediation privilege’s transition from theory to
implementation, 1995, p. 1-53; Annalisa Peterson, When mediation confidentiality and
substantive law clash, 2007, p. 199-219.
204
Disponível em www.mediate.com
79

a regra de que a informação é confidencial, consagrando, porém, excepções algo amplas.


Assim, a confidencialidade pode ser levantada quando as partes acordem na revelação;
quando, tratando-se de privilégio do mediador, este aceite o seu levantamento; em relação
ao acordo quando esteja escrito e assinado pelas partes. Prevêem-se ainda situações de
crime ou ameaças criminosas, assim como situações de negligência profissional do
205
mediador. É de destacar ainda que a confidencialidade não existe quando o tribunal
entende que não há mais meios disponíveis para prova de factos relevantes na acção.

Esta é uma postura bastante ampla das possibilidades de afastamento da


confidencialidade e do direito do mediador de recusar depor. Tal amplitude não tem sido
seguida pela legislação europeia. A lei austríaca, por exemplo, não permite de todo que o
mediador deponha como testemunha, mesmo quando estão em causa questões de ordem
pública ou interesses privados (de ambas as partes). 206 A lei belga permite já, porém, o
afastamento da regra pelas partes, embora apenas em relação a elas próprias. O mediador
mantém o dever de confidencialidade, sendo discutido se pode optar por depor ou se está
obrigado a não depor.207

Até à transposição da Directiva através da introdução do artigo 249.º-C no Código de


Processo Civil, entendi que a vontade das partes no sentido do afastamento da
confidencialidade era suficiente para que tal não implicasse quebra de confiança, mas que
caberia sempre ao mediador decidir, perante o caso e as partes, se o acordo era suficiente
para afastar o sigilo. Entendia, pois, que a regra da confidencialidade não era imperativa,
mas que não era suficiente o acordo das partes para que fosse automaticamente
derrogada.

Perante o actual estádio do nosso ordenamento jurídico, parece-me claro que o legislador
quis impedir o afastamento da confidencialidade pelas partes (como lhe era permitido
pela Directiva), devendo entender-se que o mediador não pode, em regra, ser testemunha
em processo decorrente do conflito mediado, assim como não podem as partes, em
qualquer caso, revelar o que se passou na mediação.

205
Section 6 do Uniform Mediation Act.
206
Bettina Knöltz e Evelyn Zach, Taking the best from Mediation Regulations, 2007, p. 681-2.
207
Luc Demeyere, The Belgian Law on mediation: an early overview, 2006, p. 89.
80

O afastamento deste sigilo apenas é permitido em situações excepcionais, o que se


verifica quando esteja em causa a integridade de qualquer pessoa. Como é evidente se é
veiculada em mediação alguma informação que faça o mediador temer pela segurança de
pessoas envolvidas ou não na mediação, este deve denunciar essa situação. Para além
destes casos, não é fácil determinar quando pode o sigilo ser levantado, cabendo essa
análise em primeira linha ao mediador e, como é natural, em último caso ao juiz. Não me
parece, de todo, que o acordo de todos possa levar ao levantamento do sigilo.

A questão da confidencialidade e do sigilo é fonte de inúmeros problemas e discussões.


Situa-se nos limites entre Direito e Ética, tornando muito difícil a sua solução em termos
abstractos. Haverá sempre uma margem grande de discussão. Mas, e para terminar este
ponto, é importante voltar a sublinhar que a confidencialidade é essencial à mediação – se
eventualmente a cláusula de excepção for muito alargada (designadamente pelo poder
judicial), isso poderá ter consequências graves na credibilidade e desenvolvimento da
mediação em Portugal.
81

IV

CONCILIAÇÃO

4.1. Noção e autonomia

Há muito é utilizada a ideia de conciliação nos tribunais judiciais. No Código de Processo


Civil a conciliação tem até direito a um artigo próprio – o 509.º - que trata a tentativa de
conciliação na audiência preliminar. De acordo com o n.º3 deste preceito, a tentativa de
conciliação é presidida pelo juiz e tem em vista a solução de equidade mais adequada ao
litígio. A tentativa de conciliação está ainda prevista no artigo 652.º do mesmo Código de
Processo Civil como diligência obrigatória da audiência final. Também na tramitação dos
Julgados de Paz há lugar a conciliação, a cargo do juiz de paz no início da audiência de
julgamento – artigo 26.º LJP.208

A conciliação chegou também já à arbitragem, discutindo-se se se inclui nas funções do


árbitro a de conciliar.209 A maioria das leis de arbitragem nada diz sobre esta questão. As

208
É uma tradição com fortes raízes no direito alemão - Gabrielle Kaufmann-Kohler, When
arbitrators facilitate settlement: towards a transnational standard, 1995, p. 189.
209
Gabrielle Kaufmann-Kohler, When arbitrators facilitate settlement: towards a transnational
standard, 1995, p. 187-206.
82

IBA Guidelines on Conflicts of Interest tratam-na porém com algum pormenor e cautela,
admitindo que o árbitro possa conciliar mas colocando restrições e estabelecendo
consequências para essa actuação.210

Embora haja diferenças, em qualquer dos casos, falamos de conciliação realizada por
quem tem o poder de decidir: o juiz ou o árbitro do caso. Trata-se, pois, de uma
conciliação jurisdicional.

Há diversos textos que documentam o desenvolvimento nos Estados Unidos da América,


da chamada mediação judicial, que os autores distinguiram da conciliação. Ambas seriam
conduzidas pelo juiz, mas com diferenças de métodos e fins. Na mediação judicial, o juiz
encorajaria as partes a expressar as suas emoções e procuraria a satisfação das suas
necessidades, ainda que inconscientes. Já na conciliação, o juiz expressaria a sua opinião
sobre o caso, os seus pontos forte e fracos, a sua provável solução final.211

A prática da mediação pelos juízes ganhou adeptos, que apresentam números relevantes
sobre o seu sucesso.212

No entanto, num estudo estatístico realizado através de um inquérito a juízes, Peter


Robinson conclui que as técnicas utilizadas pelos juízes na conciliação e na mediação não
eram, no essencial, diferentes. Os juízes que responderam ao inquérito como conduzindo
mediações e conciliações adoptavam, com ligeiríssimas diferenças, os mesmos
procedimentos numas e noutras diligências.213

A Directiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspectos


da mediação em matéria civil e comercial, assim como o norte-americano Uniform
Mediation Act214, excluem da sua aplicação a mediação conduzida por um juiz. Esta
210
Regra 4(d), a que voltarei à frente.
211
Peter Robinson, Adding judicial mediation to the debate about judges attempting to settle
cases assigned to them for trial, 2006, p. 378.
212
Peter Robinson, Adding judicial mediation to the debate about judges attempting to settle
cases assigned to them for trial, 2006, p. 348 e seguintes, refere uma experiência num tribunal da
California.
213
Peter Robinson, Adding judicial mediation to the debate about judges attempting to settle
cases assigned to them for trial, 2006, p. 376-8.
214
Proposta de Lei sobre confidencialidade da mediação elaborada pela National Conference of
Comissioners on Uniform State Law em 2001 e revista em 2003, disponível em
http://www.law.upenn.edu/bll/archives/ulc/mediat/2003finaldraft.pdf
83

exclusão estará relacionada, no essencial, mas não apenas, com a não aplicação da regra
da confidencialidade a estas mediações.215

Apesar de alguns defensores da mediação judicial apresentaram dados de sucesso, a


mediação judicial gerou um enorme debate na doutrina norte-americana, com muitos
autores a defenderam que os juízes deveriam ser proibidos de mediar um caso que
possam vir a julgar. Sander e Alfini pronunciaram-se a favor da proibição, essencialmente
porque isso implica uma pressão inadmissível sobre as partes para o sucesso da
conciliação e pode pôr em causa a independência do juiz no julgamento posterior.216

É interessante, mais uma vez, notar que os argumentos a favor e contra a mediação
judicial são idênticos aos argumentos a favor e contra a conciliação judicial e que
retomarei à frente. Esta confusão resulta, parece-me, da impossibilidade prática em
distinguir modelos diferentes quando é o juiz ou árbitro que conduzem a tentativa de
resolver o litígio por via de acordo. A pressão consciente ou inconscientemente exercida
sobre as partes, a impossibilidade de observar a confidencialidade (porque esta protege
precisamente do julgador) e a eventual diminuição da imparcialidade do juiz são
características de qualquer tentativa de obtenção de acordo, seja ela mais próxima das
especificidades da mediação ou não.217

Tendo em conta esta realidade, não me parece fazer sentido distinguir dois tipos de
práticas quando o juiz procura obter acordos nos casos que lhe estão atribuídos para
julgamento. Seja como for que ele conduza essas tentativas, estará sempre a fazer
conciliação. Repare-se que não estou a dizer que conciliação e mediação não sejam
técnicas diferentes de resolução de litígios, mas que o que os juízes ou árbitros fazem
quando tentam resolver o litígio por acordo não se pode distinguir e, por isso, é sempre
conciliação.

As dificuldades em estabilizar um conceito de conciliação não se ficam, porém, por aqui.

215
Peter Robinson, Adding judicial mediation to the debate about judges attempting to settle
cases assigned to them for trial, 2006, p. 378.
216
James Alfini, Risk of coercion too great: judges should not mediate cases assigned to them for
trial, 1999, p. 13; Frank Sander, A Frendly Amendment, 1999, p. 24.
217
Edward Brunet, Judicial mediation and signaling, 2003, p. 234, chama à mediação judicial
mediação musculada.
84

No nosso ordenamento jurídico, ainda há outras utilizações do termo conciliação. É por


vezes chamada de conciliação as tentativas de obtenção de acordo feitas por terceiros
independentes que não têm qualquer poder decisório no caso. Este tipo de conciliação
ocorre em alguns centros de arbitragem institucionalizada, designadamente na área do
consumo. A conciliação é desenvolvida por profissionais com conhecimentos técnicos
(normalmente jurídicos) sobre o assunto em disputa. O terceiro conduz o processo
conjuntamente com as partes, propondo soluções para o conflito. 218 Há, ainda, outros
figurinos a nível internacional, como a conciliação feita por terceiro, mas por iniciativa
do juiz, prevista em França e nos EUA.219

Estes procedimentos distinguem-se da mediação facilitadora na medida em que, primeiro,


não se limitam a facilitar a comunicação entre as partes, fazendo avaliações do caso e
propostas de acordo; segundo, não se baseiam necessariamente nos interesses, mas nos
direitos; terceiro, e talvez mais determinante, não têm de ser conduzidos por um
mediador treinado.

O que é, afinal e então, a conciliação?

Há quem entenda que só pode chamar-se conciliação à jurisdicional 220, há quem defenda
uma distinção entre mediação e conciliação, sendo esta avaliadora e a mediação
facilitador221 e, por último, autores há que discordam da distinção entre as duas figuras,
considerando que são apenas níveis diferentes de mediação.222

Certo é, porém, que a conciliação jurisdicional comporta em si uma característica que faz
toda a diferença: as partes estão perante quem decide. Esta posição das partes modifica a

218
Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 83; Lúcia Vargas, Julgados de Paz e
Mediação, 2006, p. 53.
219
Está prevista na Lei n.º 95-125 de 8 de Fevereiro de 1995, artigos 21.º a 26.º. Emmanuel
Gaillard e Jenny Edelstein, Mediation in France, 2001, p. 75; Charles Jarronson, Les dispositions
sur la conciliation et la mediation judiciaries de la loi de 8 février1995, 1995, p. 219. Nos EUA é
feita por outros juízes a quem se vulgarizou chamar «buddy judges» - James Alfini, Risk of
coercion too great: judges should not mediate cases assigned to them to triak, 1999, p. 13.
220
Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 35. Joana Campos, A
Conciliação Judicial, 2009, p. 14.
221
Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 83; Lúcia Vargas, Julgados de Paz e
Mediação, 2006, p. 54.
222
Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 138.
85

sua postura – é muito diferente o comportamento das pessoas quando estão perante
alguém que pode decidir ou alguém que não tem sobre o litígio qualquer poder. 223 Esta
diferença implica uma não aplicação de um dos princípios fundamentais da mediação, o
princípio do pleno domínio do processo pelas partes.

Por outro lado, o juiz tem um interesse directo na obtenção do acordo, na medida em que
liberta a sua agenda de um processo. Ao contrário do mediador, que não tem qualquer
interesse directo na resolução do litígio, o juiz, por regra, quer que as partes
transaccionem, porque isso o liberta de um processo e do trabalho a ele inerente. As
partes, sentindo este interesse, podem sentir-se pressionadas, ainda que subtilmente, a
chegar a acordo.224 Mas o problema está no próprio juiz, que pode exercer, ainda que
inconscientemente, pressão para a obtenção do acordo. Ele é parte interessado nesse
acordo, não no seu conteúdo, mas na sua existência.

A diferença é suficientemente importante para justificar a autonomização da conciliação


jurisdicional de outros meios de resolução alternativa de litígios. Embora haja pontos de
contacto, o que se faz e como se faz é diferente na conciliação e nos outros meios de
resolução alternativa de litígios, designadamente da mediação e da arbitragem. É
diferente da arbitragem porque o conciliador procura que as partes cheguem a acordo,
nada decidindo sobre o caso. É diferente da mediação porque o conciliador tem um
efectivo poder (ainda que se exerça só depois) que altera a dinâmica do mecanismo de
resolução do litígio.

Repare-se, por exemplo, que não há confidencialidade na conciliação, uma característica


essencial da mediação. Estes elementos de diferença têm de ser tomados em consideração
pelo conciliador.

Justifica-se, ainda, o tratamento autónomo desta temática para abordar questões como as
vantagens e desvantagens da conciliação, as suas técnicas e discutir questões como a
eventual imparcialidade de um juiz demasiado activo na conciliação. Parece-me que

223
Frank Sander, A Frendly Amendment, 1999, p. 23.
224
James Alfini, Risk of coercion too great: judges should not mediate cases assigned to them to
triak, 1999, p. 13.
86

estamos ainda numa fase embrionária da discussão. Ainda há muito para discutir, ainda
há ideias sobre as quais é necessária a reflexão.

A conciliação define-se, portanto, como as diligências promovidas e conduzidas pelo juiz


ou árbitro para tentar resolver o litígio por acordo das partes.

4.2. Conciliar enquanto função do juiz ou árbitro

Tem sido objecto de muita discussão se se inclui na função do juiz ou do árbitro a de


conciliar. O juiz ou o árbitro têm como tarefa principal decidir o caso – tratam-se de
meios adjudicatórios de resolução de litígios. Por outro lado, e este é o principal
problema ao qual já se fez por diversas vezes referência, o exercício activo da conciliação
pelo juiz assume o risco de coação sobre as partes e de pôr em causa a sua independência.

Estes riscos não têm sido objecto de grande problema na maioria dos sistemas de civil
law, que prevêem não só a possibilidade como a obrigação de o juiz procurar obter o
acordo. Assim se passa na ZPO alemã, no CPC francês e no nosso CPC, como se
começou por dizer.225 No direito norte-americano federal e no direito inglês, a tradição
não favorecia a conciliação, mas as reformas dos anos 90 vieram reforçar o papel do juiz
enquanto conciliador.226 Esta importante alteração, relacionada também com um novo
papel atribuído ao juiz na gestão do processo, justifica-se, no entender de Marc Galanter,
por uma procura de soluções diferentes para os litígios.227

É interessante referir que nos Princípios do Processo Civil Transnacional 228 esta matéria é
tratada no princípio 24, com algum detalhe. Estabelece-se que o tribunal, respeitando o
225
Emmanuel Gaillard e Jenny Edelstein, Mediation in France, 2001, p. 75; Gabrielle Kaufmann-
Kohler, When arbitrators facilitate settlement: towards a transnational standard, 1995, p. 189.
226
Daisy Floyd, Can the judge do that? The need for a clearer judicial role in settlement, 1994, p.
50 e seguintes; Gabrielle Kaufmann-Kohler, When arbitrators facilitate settlement: towards a
transnational standard, 1995, p. 191; Carrie Menkel-Meadow, For and against settlement: uses
and abuses of the mandatory settlement conference, 1985, p. 493.
227
Marc Galanter, A Settlement judge, not a trial judge: judicial mediation in the United States,
1985, p. 14.
228
Aprovados pelo American Law Institute e pelo Unidroit – Principles of Transnational Civil
Procedure, publicado pela Cambridge University Press, em 2004; na Uniform Law Review, 2004
(4), p. 750 e seguintes; também disponível em
http://www.unidroit.org/English/principles/civilprocedure/main.htm.
87

direito de as partes prosseguirem com o processo judicial, deve encorajá-las a alcançar


um acordo quando tal é razoavelmente possível. Mais é referido que as partes, quer antes,
quer durante o processo, devem cooperar para a obtenção de um acordo. Por fim, o
tribunal pode condenar em custas de forma a reflectir a falta de colaboração ou a má fé de
uma das partes.

O problema da imparcialidade do juiz que promove tentativas de conciliação não é


tratado directamente no texto da norma, mas surge no seu comentário. Aí é referido que
um juiz que participa em tentativas de resolução do litígio por acordo deve evitar ser
influenciado por aquilo que se passou nessas sessões. Mas o comentário clarifica que a
participação activa de um juiz na prossecução da conciliação não põe em causa a sua
imparcialidade.

Já no que diz respeito à arbitragem, de acordo com o parágrafo 4(d) das IBA Guideline
on Conflicts of Interest in International Arbitration, um árbitro pode conduzir tentativas
de conciliação, mas exige-se que as partes dêem o seu consentimento, renunciando,
assim, a objectar a continuação do árbitro após o eventual insucesso dessa conciliação.
No entanto, a norma estipula que o árbitro deve renunciar se, em consequência da
tentativa de conciliação, tiver dúvidas sobre a sua capacidade de se manter imparcial.

As IBA Rules of Ethics for International Arbitrators regulam também esta matéria. No
sua regra 8 determinam que os árbitros podem promover a conciliação apenas se as partes
assim o pedirem. A regra trata ainda da questão difícil da possibilidade de, em virtude da
conciliação, o tribunal arbitral promover reuniões separadas com cada uma das partes.

Embora as regras permitam a actuação do juiz ou árbitro como conciliador, há diferenças


importantes – a regra dos Princípios impõe às partes a obrigação de colaborar e atribui ao
juiz um papel activo nessa conciliação. E embora chame a atenção para a possibilidade de
influência do juiz pelo que ouviu nas conciliações, esclarece que esse facto não põe em
causa, por si só, a sua capacidade para decidir, com imparcialidade, o litígio.

Já as normas elaboradas para a arbitragem internacional são bem mais cautelosas. É


exigido o consentimento das partes para que o árbitro possa conciliar. E é imposta ao
88

árbitro a obrigação de renúncia caso sinta que o que aconteceu na conciliação o pode
influenciar na decisão do litígio.

Estas regras condensam aquilo que tem vindo a ser discutido pela doutrina e que, no
essencial, têm feito alguns autores duvidar sobre a bondade de os juízes participarem em
sessões de conciliação.

O problema essencial está na eventual perca de independência do juiz por conduzir uma
conciliação. São diversos os autores que afirmam que aquilo que os juízes ouvem nas
sessões de conciliação pode influenciar a sua percepção sobre o litígio. Mas mais ainda: é
comum os juízes fazerem avaliações dos casos nestas fases, como forma de forçar as
partes a alcançar o acordo. Essas avaliações prévias, anteriores a qualquer produção de
prova, sendo prematuras, influenciam com enorme probabilidade aquilo que o juiz, caso a
conciliação falhe, irá decidir.229

Há ainda outras críticas à conciliação judicial. Porque o juiz ou o árbitro não são
indiferentes quanto ao resultado da conciliação – têm interesse em libertar-se de mais um
processo – há uma enorme probabilidade de pressão sobre as partes para a obtenção do
acordo. São diversos os testemunhos de actuações de juízes que, no exercício activo do
poder de conciliar, quase forçam as partes a transaccionar.230

Por último, a falta de regulamentação das diligências de conciliação leva a que possa
haver injustiça processual, por exemplo desigualdade entre as partes ou violação do
contraditório.

Por estas razões, há doutrina que tem defendido que o juiz que preside à conciliação deve
ser diferente daquele que julga. Um juiz ou árbitro que desenvolva a conciliação e que
não consiga que as partes cheguem a acordo não poderá, nesta perspectiva, decidir o

229
Daisy Floyd, Can the judge do that? The need for a clearer judicial role in settlement, 1994, p.
67; Gabrielle Kaufmann-Kohler, When arbitrators facilitate settlement: towards a transnational
standard, 1995, p. 196; Carrie Menkel-Meadow, For and against settlement: uses and abuses of
the mandatory settlement conference, 1985, p. 511; Peter Schuck, The role of judges in settling
complex cases: the agent orange example, 1986, p. 361.
230
James Alfini, Risk of coercion too great: judges should not mediate cases assigned to them to
triak, 1999, p. 12-13; Carrie Menkel-Meadow, For and against settlement: uses and abuses of
the mandatory settlement conference, 1985, p. 508.
89

processo.231 Percebe-se a regra, a cautela que lhe está subjacente. No entanto, não
podemos dizer que seja a posição dominante.

Se as desvantagens da conciliação são evidentes e podem, realmente, lançar dúvidas


sobre a legitimidade deste procedimento, também é certo que quase todos os autores
reconhecem que a condução da conciliação pelo juiz de julgamento é a forma mais eficaz
de obter o acordo das partes. A eficiência deste método é defendida por alguma
doutrina232, mas contestada por outra.233 Num inquérito feito a advogados, 85% dos
respondentes acreditam que o envolvimento do juiz na conciliação aumenta
consideravelmente a possibilidade de acordo.234

A maioria dos textos escritos por juízes (norte-americanos) pronuncia-se fervorosamente


a favor da conciliação. Nesses textos defende-se um papel extraordinariamente activo dos
juízes na conciliação, explicitando-se diversas técnicas por eles utilizada e relatando
fantásticos resultados destas diligências. São textos muito ricos, embora com uma visão
muito empírica da realidade.235

Como vimos, no direito alemão, que terá provavelmente neste aspecto influenciado o
nosso, há uma obrigação de o juiz conciliar. No nosso artigo 509.º, o poder de conciliar é
exercido discricionariamente pelo juiz na audiência preliminar, mas não na final, onde é
obrigado a conciliar. O mesmo se passa nos Julgados de Paz. O artigo 26.º LJP estabelece
que o juiz de paz tem um dever de conciliação.

231
John Crastley, Judicial ethics and judicial settlement practices: time for two strangers to meet,
2006, p. 596; Carrie Menkel-Meadow, For and against settlement: uses and abuses of the
mandatory settlement conference, 1985, p.511.
232
Gabrielle Kaufmann-Kohler, When arbitrators facilitate settlement: towards a transnational
standard, 1995, p. 196
233
Marc Galanter, A Settlement judge, not a trial judge: judicial mediation in the United States,
1985, p. 9; Carrie Menkel-Meadow, For and against settlement: uses and abuses of the
mandatory settlement conference, 1985, p. 497.
234
Carrie Menkel-Meadow, For and against settlement: uses and abuses of the mandatory
settlement conference, 1985, p. 497.
235
Frederick Lacey, The judge’s role in the settlement of civil suits, 1977, p. 1-26; Hubert Will,
Robert Merhige Jr e Alvin Rubina, The role of the judge in the settlement process, 1977, p. 203-
236.
90

Há, pois, uma clara diferença de culturas e de preocupações sobre a posição do juiz,
naturalmente radicada nas diferentes funções que estes desempenharam no processo civil
de civil law e de common law.

Não deixa, porém, de ser interessante que em Portugal, os juízes assumam, por regra,
uma posição cautelosa e pouco activa na conciliação. Há, porém, algumas áreas onde há
diferenças, com especial incidência nos Julgados de Paz, mas em geral parece-me que a
postura dos juízes nas tentativas de conciliação é essencialmente passiva.236

Não há, pois, lugar, no nosso ordenamento jurídico para discutir se o juiz pode ou não
conciliar. Os dados legais são claríssimos em relação a esse poder. O mesmo não se
verifica, porém, em relação à arbitragem, pelo que poderá haver aqui dúvidas sobre a
possibilidade de o árbitro conciliar. A LAV/APA contém um artigo sobre transacção (o
artigo 41.º), mas não há qualquer referência aos poderes conciliatórios do árbitro. Este
preceito poderá ter como intenção apenas aplicar-se aos acordos obtidos pelas partes por
si, fora da arbitragem, sem qualquer intervenção do tribunal arbitral (em negociação,
mediação ou outro meio).

Parece-me que em relação à arbitragem, os árbitros devem ser cautelosos no exercício de


poderes diferentes dos de decidir, pois foi esse o encargo que as partes lhes atribuíram.
Assim, os árbitros apenas deverão exercer poderes conciliatórios se as partes lhos
expressamente consignarem. Segue-se, aqui, a regra das IBA Guidelines acima referida.

Em qualquer caso, o juiz ou árbitro terá de ter o cuidado de não se deixar influenciar pelo
que se passou nas tentativas de conciliação. A independência e imparcialidade tem de
estar presente em todo o processo, pelo que o juiz ou o árbitro devem renunciar ou pedir
escusa caso o desenrolar da conciliação o ponha em causa.

Saliente-se, novamente, que a conciliação não pode garantir a confidencialidade. Porque


essa confidencialidade – essencial na mediação – existe precisamente para evitar que
informações veiculadas nas sessões para obtenção de acordo possam ser utilizadas no
processo judicial. Ora, se quem preside à conciliação é quem decide, tal
confidencialidade é em absoluto inexistente. O risco de coacção, parcialidade, juízos
236
Joana Campos, A Conciliação Judicial, 2009, p.
91

prévios é muito grande. O juiz e o árbitro devem ter esta consciência quando decidem ou
aceitam exercer os seus poderes de conciliação.

É ainda importante que o conciliador tenha a noção das técnicas que pode utilizar, quais
as que são abusivas ou deontologicamente censuráveis. Há métodos cuja utilização, só
por si, faz as partes duvidarem da imparcialidade do julgador. É sobre essas técnicas que
falarei de seguida.

4.3. Técnicas

Ao contrário da mediação, não há uma «escola» de conciliação. Em Portugal, a


conciliação é feita de forma casuística, de acordo com os estilos e vivências próprias de
cada juiz. O mesmo se passa noutros países: na pesquisa efectuada sobre este tema, não
se encontrou qualquer referência a uma teoria ou sequer prática que seja ensinada aos
juízes quando promovem conciliações.237

Isto não significa, claro, que não haja procedimentos, alguns até pouco hortodoxos, que
sejam reportadas por juízes e utilizadas por eles. Outras vezes, a doutrina tem debatido se
algumas técnicas da mediação podem ser utilizadas na conciliação. No essencial, o
problema centra-se em determinar se determinadas práticas são eticamente aceitáveis ou
não.

Do que se tratará, assim, neste ponto é de reportar algumas práticas de conciliação e de


discutir da sua possível ou recomendável utilização.

Frederick Lacey defende que a melhor técnica para se obter o acordo é uma firme gestão
do calendário processual, em especial a firmeza na marcação do dia do julgamento. O
essencial é marcar uma data de julgamento relativamente próxima de forma a impedir
que as partes e os seus advogados deixem aquele caso para segundo plano. A iminência
do julgamento obriga os advogados a trabalharem no caso e a colocarem a hipótese de
acordo. Ainda segundo este juiz, de acordo com a sua experiência a maioria dos
advogados é bastante objectivo no momento de avaliar o seu caso, precisando apenas que
John Crastley, Judicial ethics and judicial settlement pratices: time for two strangers to meet,
237

2006, p. 574.
92

o juiz lhe dê uma indicação sobre o valor que considera, dentro de um intervalo maior ou
menor, justo. Em casos mais difíceis, Lacey defende uma discussão separada com cada
um dos advogados das partes, para discutir com eles os pontos fracos e fortes do seu caso.
“Assim que a bolha de optimismo infundado dos advogados explode com as perguntas
informadas e intensivas do juiz, a conciliação é bem-sucedida.”238 É claro, acrescenta o
autor, que apenas o juiz que estudou o processo poderá fazer as perguntas certeiras.

Uma outra técnica referida por diversos autores é a conhecida como a do seguro no
Lloyds Bank. De acordo com a descrição do juiz Hubert Will, ao tentar a conciliação
coloca às partes o seguinte problema: imaginem que o réu pretende subscrever um seguro
no Lloyds Bank em Londres contra uma possível condenação no processo em análise.
Através de diversas perguntas sobre a probabilidade de ganhar e perder e dos valores em
disputa e tendo em conta, mais uma vez, a capacidade de os advogados serem objectivos
em relação aos seus casos, as partes acabam por chegar a um acordo.239

Outras técnicas relatadas são, por exemplo, reuniões separadas com cada um dos lados, o
chamado caucus, apenas com os advogados, com advogados e partes ou apenas com as
partes; garantia de confidencialidade quanto à informação revelada nestas reuniões;
avaliação das pretensões, incluindo admissibilidade de prova e provável veredicto final;
exploração de alternativas não financeiras para o acordo, como pedidos de desculpa ou
outras soluções ligadas ao comportamento das partes; sugestões repetidas de propostas de
acordo, procurando diminuir a distância entre as posições das partes.240

Algumas destas técnicas são vista como eticamente condenáveis. Em estudos feitos
juntos de advogados, estes apontaram algumas diligências dos juízes que não lhes
parecem justas. São exemplos: aconselhar o advogado da parte mais fraca ou fornecer-lhe
informação; falar directamente com a parte para a persuadir a aceitar o acordo; coagir os
advogados a transaccionar; aliar-se à parte mais forte para forçar o acordo, penalizar a
238
“Once the bubble of counsel’s unfounded optimism is exploded by a judge’s knowledgeable and
penetrating questions, a settlement results.” Frederick Lacey, The judge’s role in the settlement of
civil suits, 1977, p. 15.
239
Hubert Will, Robert Merhige Jr e Alvin Rubina, The role of the judge in the settlement process,
1977, p. 206.
240
John Crastley, Judicial ethics and judicial settlement pratices: time for two strangers to meet,
2006, p. 573-4.
93

parte pelos actos do seu advogado, favorecer, nas decisões interlocutórias, a parte com a
posição mais fraca; forçar a parte a explicar ao juiz por que não aceita a proposta de
acordo; retransmitir informação de e para a parte; ameaçar o advogado por não aceitar o
acordo, etc.241

Parece-me evidente que qualquer procedimento que coloque pressão sobre as partes para
a obtenção de um acordo não é admissível. O difícil está, claro, em saber quando existe e
quando não existe essa pressão.

Tem sido à volta do caucus que mais discussão tem surgido sobre as diligências de
conciliação. Muito usada na mediação, foi importada por alguns juízes na sua prática de
conciliação. Porém, os riscos para a credibilidade do processo e do juiz são óbvios. Numa
destas reuniões separadas, a parte pode revelar factos que a outra não tem oportunidade
de refutar. Poderia ocorrer, por isso, uma violação do contraditório, um dos princípios
essenciais do processo justo.

Na opinião de Gabrielle Kaufmann-Kohler que trata este problema na arbitragem, há três


possíveis soluções. Em primeiro lugar, pode estabelecer-se que o árbitro não deve utilizar
essa informação na arbitragem se esta continuar – esta alternativa não impede porém que
o árbitro venha a ser influenciado pelo que ouviu nas sessões de caucus com cada uma
das partes. Uma segunda hipótese é permitir ou obrigar o árbitro a revelar esses factos à
parte contrária, o que tem como óbvia desvantagem a retracção das partes nestas reuniões
separadas e, assim, eliminar o interesse da sua realização. Por último e mais
radicalmente, pode proibir-se a realização do caucus, o que, na opinião da autora, não é
positivo, na medida em que é uma das mais úteis ferramentas da conciliação.242

É neste último sentido que vão as IBA Rules of Ethics for International Arbitrators: de
acordo com a regra 8, o tribunal arbitral pode fazer proposta de acordo, mas sempre em
simultâneo às duas partes, aconselhando-se ainda aos árbitros que expliquem às partes
que não é desejável a discussão dos termos do acordo sem a presença da outra parte.
241
Daisy Floyd, Can the judge do that? The need for a clearer judicial role in settlement, 1994, p.
55-56; Carrie Menkel-Meadow, For and against settlement: uses and abuses of the mandatory
settlement conference, 1985, p. 509.
242
Gabrielle Kaufmann-Kohler, When arbitrators facilitate settlement: towards a transnational
standard, 1995, p. 197-8.
94

O problema do caucus relaciona-se com a confiança depositada no juiz: o fluxo e refluxo


da informação, não controlada por ninguém sem ser o juiz, cria uma enorme
possibilidade de desconfiança em relação aquilo que o juiz está a restransmitir. Mesmo
que o faça com a maior das cautelas, mesmo que o faça sem qualquer intenção de
manipulação, as partes terão sempre dúvidas sobre a sua igual oportunidade de expor e
refutar factos e argumentos. Se na mediação, o caucus é arriscado, muito maior é o seu
perigo na conciliação, onde o papel do terceiro (o juiz ou árbitro) é bem mais interventiva
e assume a possibilidade de decisão influenciado pela informação a que uma das partes
pode não ter tido acesso.243

Em conclusão, perante um ordenamento jurídico como o nosso, em que o juiz está


obrigado a conciliar, é recomendável a maior das prudências no momento de dirigir estes
procedimentos. O mesmo se aplica aos árbitros, embora no caso destes só haja poderes
conciliatórios se as partes assim o entenderem.

Os riscos de coacção na conciliação são muito grandes e os juízes ou árbitros têm de ter
essa consciência. Quando aceitam conciliar têm de ter bem presente como a actividade
que vão desenrolar pode pôr em causa a sua função no desenrolar do processo.

Não se quer porém com isto dizer que a conciliação não deve ser utilizada. Pelo
contrário: parece-me muito útil oferecer às partes esta outra forma de resolver o seu
litígio. Julgo, aliás, que os juízes portugueses poderiam ter um papel mais activo nesta
conciliação, procurando desta forma diferentes modos de aplicação da justiça. O seu fim
não deve ser libertar-se de processos – esse será um efeito positivo colateral – mas
potenciar o seu trabalho enquanto administradores da justiça.

Como disse inicialmente, este tópico está ainda em maturação. Não foi ainda
verdadeiramente objecto de discussão e reflexão por parte da doutrina e da magistratura
portuguesa. Mas é necessário que o seja para que se possa construir um conjunto de
princípios gerais, práticas habituais, desejadas e indesejadas, que sirvam de guia prático
nesta matéria. A construção de um sistema de apoio à função de conciliação do juiz e
árbitro é essencial para o seu desenvolvimento seguro e justo. A experiência dos Julgados

243
Edward Brunet, Judicial mediation and signaling, 2003, p. 236.
95

de Paz tem sido aqui extraordinariamente rica e vale a pena aproveitá-la, estudá-la,
criticá-la para se aproveitar e melhorar estas práticas.
96

ARBITRAGEM

5.1. Noção e natureza jurídica

A arbitragem pode ser definida como um modo de resolução jurisdicional de conflitos em


que a decisão, com base na vontade das partes, é confiada a terceiros. A arbitragem é,
assim, um meio de resolução alternativa de litígios adjudicatório, na medida em que a
decisão é proferida por um ou vários terceiros. E essa decisão é vinculativa para as partes.
A arbitragem aproxima-se do padrão judicial tradicional, sendo jurisdicional nos seus
efeitos: não só a convenção arbitral gera um direito potestativo de constituição do
tribunal arbitral e a consequente falta de jurisdição dos tribunais comuns, como também a
decisão arbitral faz caso julgado e tem força executiva.

A origem privada da arbitragem aliada à sua natureza jurisdicional tem colocado


dificuldades quanto à sua caracterização jurídica.

A propósito da natureza jurídica da arbitragem debatem-se teses contratuais,


jurisdicionais e mistas.244 Para a teoria contratual, na sua formulação mais radical, a

Recentemente foi defendida uma quarta, autonomista, que coloca a arbitragem fora do âmbito
244

contratual ou jurisdicional, situando-se num outro nível, processual. Ver Manuel Barrocas,
Manual de Arbitragem, 2010, p. 45.
97

decisão arbitral é um contrato celebrado pelos árbitros como mandatários das partes. Para
esta tese, só a homologação judicial permite que a decisão arbitral seja uma verdadeira
sentença. Já a tese jurisdicional entende que as decisões arbitrais são actos jurisdicionais,
sendo os árbitros juízes e não mandatários das partes. Por último, a concepção mista
defende que a arbitragem voluntária está a meio caminho entre o julgamento da
autoridade judicial e o contrato livremente consentido pelas partes – o árbitro julga, mas
não exerce as funções públicas de um juiz.245

A doutrina actual tem adoptado esta última tese, na medida em que falamos de algo que
tem, sem qualquer dúvida, um fundamento contratual (a convenção de arbitragem), mas
constitui uma actividade jurisdicional e conduz a uma decisão com eficácia
jurisdicional.246

Prova deste carácter misto é, como se disse, a eficácia executiva da decisão judicial
(elemento público), por um lado, e a limitação da competência do tribunal arbitral, por
outro, à convenção de arbitragem (elemento privado). Marca, ainda, desta qualidade
jurisdicional são as garantias que a Lei da Arbitragem Voluntária estabelece para o
processo arbitral – um processo arbitral só será reconhecido com todos os seus efeitos ou
validado se cumprir as regras mínimas do processo justo.

Como se vem tornando habitual dizer, a arbitragem voluntária é contratual na sua origem,
privada na sua natureza e jurisdicional na sua função. A qualidade contratual advém da
fonte dos poderes jurisdicionais, o carácter jurisdicional resulta do conteúdo dos poderes
atribuídos pelo contrato.247

Esta caracterização é muito importante, na medida em que tem diversas consequências no


regime da arbitragem e na integração das lacunas da Lei da Arbitragem Voluntária. Tem
relevância, por exemplo, na exacta configuração do estatuto dos árbitros, aspecto a que se
voltará mais à frente.
245
Manuel Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 42-5; Lima Pinheiro, Arbitragem
Transnacional, 2005, p. 183-6.
246
Manuel Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 45; Lima Pinheiro, Arbitragem
Transnacional, 2005, p. 187; Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção
de Arbitragem, 2002, p. 626; Sérvulo Correia, A Arbitragem Voluntária no Domínio dos
Contratos Administrativos, 1995, p. 231.
247
Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 2-3.
98

A arbitragem voluntária é regida pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, diploma que sofreu
uma única alteração - em 2003-, através do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. As
alterações introduzidas por este diploma foram cirúrgicas, apenas abarcando os artigos
11º e 12º. Embora tenham sido mudanças importantes em prol da autonomia da
arbitragem face aos tribunais judiciais, foram ainda insuficientes.

A Lei da Arbitragem Voluntária tem mais de 20 anos, praticamente sem alterações. Viu já
serem aprovadas leis novas numa série de países próximos, como a Espanha, o Reino
Unido, a Alemanha, o Brasil, a Itália ou a Suiça. 248 É, por outro lado, rebelde à
globalização decorrente da crescente adopção pela maioria dos países da Lei Modelo da
UNCITRAL.249

A Assembleia-Geral das Nações Unidas recomendou a todos os Estados-Membros que


tivessem em conta a Lei Modelo da UNCITRAL 250, adoptada em 1985, na aprovação ou
alteração das suas legislações nacionais sobre arbitragem. A nossa LAV não seguiu,
porém, este modelo, o que tem sido considerado prejudicial para o desenvolvimento da
arbitragem internacional em Portugal.

Fala-se já há algum tempo numa reforma da Lei da Arbitragem Voluntária. Ela é


realmente lacunosa em muitos assuntos, assim como por vezes desadequada face ao
actual desenvolvimento da arbitragem.

Uma alteração da legislação nacional neste âmbito – dada por todos como necessária –
pode seguir dois caminhos: uma mera alteração da actual Lei ou a aprovação de uma
nova. Parece-me que a melhor solução seria a elaboração de uma nova lei de arbitragem,
inspirada na Lei Modelo e com a preocupação de consagrar soluções modernas e até
audazes. A actual confiança na arbitragem como meio sério e credível de resolução
alternativa de litígios permite dar este passo em frente.

248
Quanto aos diplomas em concreto, cfr. Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 68.
249
Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 67.
250
Disponível em
www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/1985Model_arbitration.html.
99

Assumindo esta posição a Associação Portuguesa de Arbitragem apresentou, em 2009,


um projecto de uma nova LAV, projecto que alterou em 2010.251 O projecto segue a Lei-
Modelo da UNCITRAL, adoptando portanto a postura internacionalmente mais corrente.

É a Lei da Arbitragem Voluntária que serve de base de estudo ao ensino da arbitragem no


nosso ordenamento jurídico. No entanto, serão consideradas as opções e as soluções da
LAV/APA porque é provável que venha a ser adoptada pelo legislador, mas mesmo que
assim não seja, porque será sempre um excelente elemento de estudo e procura de
soluções para a arbitragem.

Para além da Lei Modelo da UNCITRAL já referida, há ainda outros documentos


internacionais de relevo: é de enorme importância a Convenção de Nova Iorque relativa
ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Também influentes
na procura de soluções são dois documentos da International Bar Association, um relativo
ao estatuto do árbitro e um segundo relativo à prova252. Ao nível das regras processuais
são, ainda, marcantes alguns regulamentos dos centros de arbitragem institucionalizada
mais influentes. Entre nós, destaque para o regulamento do Centro de Arbitragem da
Associação Comercial de Lisboa, aprovado em 2008 253; a nível internacional, salientem-
se os regulamentos a Câmara de Comércio Internacional (CCI)254, do London Court of
International Arbitration (LCIA)255 e da American Arbitration Association (AAA).256

Serão frequentes as referências a documentos e regras elaborados para a arbitragem


internacional. No entanto, este manual, dado o seu carácter introdutório, limitar-se-á à
arbitragem doméstica. Esta restrição tem como consequência a exclusão da problemática
da lei aplicável à arbitragem, do direito material a aplicar ao caso, assim como de um

251
Disponível em http://arbitragem.pt/projectos/index.php. Todas as referências são ao projecto
de 2010.
252
IBA Guidelines on Conflicts of interest in international commercial arbitration e IBA Rules on
taking of evidence in international commercial arbitration, versão de 2010, ambos disponíveis em
http://www.ibanet.org/Publications/publications_IBA_guides_and_free_materials.aspx.
253
Disponível em http://www.port-chambers.com. Ver em geral, Alexandre Soveral Martins,
Notas sobre o Procedimento de Arbitragem Segundo o Regulamento de Arbitragem da Câmara
de Comércio Internacional de Paris (CCI), 2010, p. 567 e seguintes.
254
Regulamento disponível em http://www.iccwbo.org/court/arbitration/id4199/index.html
255
Regulamento disponível em http://www.lcia-arbitration.com/.
256
Regulamentos disponíveis em http://www.adr.org/sp.asp?id=28780
100

estudo específico da Convenção de Nova Iorque ou do sistema nacional de


reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras (artigos 1094.º e ss CPC).257

5.2. Espécies

A arbitragem pode ser institucionalizada ou ad hoc. A primeira realiza-se numa


instituição arbitral (centro, câmara) com carácter de permanência, sujeita a um
regulamento próprio. Já na segunda modalidade, o tribunal é constituído especifica e
unicamente para um determinado litígio. Antes da execução da convenção de arbitragem
o tribunal não existe e após o proferimento da decisão arbitral extingue-se.

O carácter efémero do tribunal arbitral ad hoc pode trazer dificuldades, designadamente


no tratamento da matéria das consequências da anulação da decisão arbitral e também em
certos aspectos do princípio da competência da competência. A elas voltaremos mais
tarde.

A arbitragem institucionalizada em Portugal foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º


425/86, de 27 de Setembro, que determina, em síntese, a necessidade de reconhecimento
pelo Ministério da Justiça dos centros de arbitragem institucionalizada. Este tipo de
diploma não é usual a nível internacional, podendo colocar-se dúvidas quanto à sua
necessidade. Repare-se que a arbitragem ad hoc é controlada apenas pelos tribunais
posteriormente à prolação da sentença, isto é, o controlo é feito casuisticamente. Fará
sentido controlar de forma mais intensa a arbitragem institucionalizada?

A LAV/APA mantém a necessidade de autorização governamental para o funcionamento


nestes centros, no seu artigo 63.º, mas com a nota da restrição aos centros constituídos no
nosso país. A precisão deve-se, no comentário da APA à sua proposta de LAV, a dissipar
completamente as dúvidas que, durante algum tempo, se suscitaram sobre a
possibilidade de reputadíssimos centros estrangeiros ou internacionais de arbitragem

257
Para uma análise detalhada destes problemas, cfr., por todos, Lima Pinheiro, Arbitragem
Transnacional, 2005 e, na doutrina internacional, Alan Redfern e Martin Hunter, Law and
Practice of International Commercial Arbitration, 2004.
101

institucionalizada (que obviamente não dispunham daquela autorização ministerial)


administrarem arbitragens localizadas em Portugal.

Há diversos centros de arbitragem institucionalizada a funcionar em Portugal, com uma


expressão clara na área do direito do consumo. Existem actualmente cerca de uma dezena
de centros de arbitragem de consumo, a maioria de carácter territorial (Lisboa, Algarve,
Coimbra, entre outro locais) e dois de competência especializada (ambos no sector
automóvel). Ainda ligados a iniciativa pública e mais recentes, há que referir o Arbitrare,
centro de arbitragem relativo à propriedade industrial e o CAAD, centro de arbitragem
administrativa.

Para além destes, há ainda outros mais ligados à arbitragem comercial, sendo de destacar
o Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Sem
quaisquer restrições quanto ao objecto do litígio, pode destacar-se o Centro de
Arbitragem da Ordem dos Advogados.

A nível internacional, e como se referiu já, são centros de referência na arbitragem


comercial internacional a Câmara de Comércio Internacional (CCI) sediada em Paris, o
London Court of International Arbitration, sedidado em Londres e o American Arbitration
Association, sediado em Nova Iorque. Qualquer uma destas instituições administra
arbitragens com sede em qualquer parte do mundo. A sede da arbitragem pode ser num
local diferente da sede da instituição que o administra.

É importante referir que na arbitragem institucionalizada há dois modelos. O mais antigo


e típico na arbitragem comercial é o do centro funcionar apenas como órgão
administrativo, constituindo-se tribunais arbitrais para cada litígio. É este o sistema da
Câmara de Comércio Internacional e do London Court of International Arbitration, que
inspira o centro de arbitragem da Associação Comercial de Lisboa e da Ordem dos
Advogados. Os árbitros são nomeados para cada litígio, pelo que há a constituição de um
tribunal ad hoc para cada processo. O centro de arbitragem tem, por regra, funções muito
importantes de secretaria e de decisão em caso de suspeição de árbitros, mas de resto não
tem qualquer interferência na decisão do caso.
102

No segundo modelo, utilizado nos centros de arbitragem de consumo nacionais, há só um


árbitro, que julga todos os processos entrados no centro. O centro de arbitragem funciona
assim como um verdadeiro tribunal instituído, com a sua secretaria e o seu juiz. É um
sistema menos flexível, mas adequado a conflitos de baixo valor e de pouca
complexidade.

5.3. Convenção arbitral

5.3.1. Noção e natureza jurídica

A convenção arbitral é o acordo das partes em submeter a arbitragem um litígio actual ou


eventual. Tem natureza contratual, na medida em que é um negócio jurídico bilateral.258

É a convenção arbitral que determina a jurisdição do tribunal arbitral, isto é, o tribunal


arbitral só tem competência quando o litígio que lhe é submetido está integrado na
convenção de arbitragem. Por esta razão, o estudo da convenção arbitral tem na
arbitragem um lugar central. É uma espécie de foco de luz que ilumina a área de
competência. O que estiver na escuridão, mesmo que relacionado com o litígio inserido
na convenção, não pode ser decidido pelo tribunal arbitral. Se houver decisão sobre
matéria não incluída na convenção, essa decisão é anulável, por ser proferida por tribunal
incompetente (artigo 27.º n.º1 alínea b) 1ª parte LAV).

Este aspecto será por diversas vezes referido, até porque levanta alguns problemas de
difícil resolução. Mas é importante que fique, desde já, bem esclarecido. Porque é
contratual a fonte dos poderes do tribunal arbitral, este só tem poderes se houver contrato.
Assim, para que o tribunal arbitral seja competente, é necessário que o litígio em causa
esteja contemplado na convenção arbitral.

5.3.2. Modalidades, em especial a adesão unilateral prévia

258
Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 2-3; Lima Pinheiro, Arbitragem
Transnacional, 2005, p. 188; Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 303.
103

A convenção arbitral pode revestir duas modalidades: cláusula compromissória ou


compromisso arbitral. Nos termos do artigo 1.º n.º2 da LAV, é compromisso arbitral a
convenção que tenha por objecto um litígio actual e é clausula compromissória a que tem
por objecto conflitos eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica
contratual ou extracontratual. O que distingue uma e outra modalidade é, portanto, a
existência ou não da disputa. Se se tratar de litígio existente, falamos de compromisso
arbitral; se se tratar de conflito eventual, falamos de cláusula compromissória. Nesta
última situação é necessário precisar a concreta relação jurídica da qual a controvérsia
poderá emergir.

A convenção arbitral pode ser celebrada na pendência de acção judicial, implicando, nos
termos do artigo 290.º CPC, extinção da acção. Neste caso será um compromisso arbitral
e o juiz terá de verificar se o compromisso é válido em atenção ao seu objecto e à
qualidade das pessoas.

O mais frequente, no entanto, é a inserção deste tipo de cláusulas em contratos. Podem ter
as mais diversas formulações, prever quase nada ou quase tudo, remeter para arbitragem
institucionalizada ou fixar critérios de constituição do tribunal arbitral. Dentro das regras
imperativas de direito privado (que nesta área não são muitas), as partes poderão
livremente convencionar o que entenderem.

Uma declaração negocial próxima desta é a declaração unilateral de adesão prévia. Tal
declaração existe no nosso ordenamento jurídico em alguns centros de arbitragem de
consumo e significa uma adesão das empresas ao centro para a resolução de litígios
futuros com consumidores. Não se trata de cláusula compromissória porque não há
contra-parte: a vinculação da empresa faz-se perante todos, é uma declaração dirigida a
um público não identificado. No entender de Dário Moura Vicente, serão quanto muito
meras promessas de celebração de convenção arbitral.259

Esta é, por diversas razões, a melhor qualificação. Em primeiro lugar, esta promessa,
sendo unilateral, necessitaria sempre da aceitação da parte contrária, pelo que nunca
poderia ter o efeito potestativo normal da convenção de arbitragem. Em segundo lugar e

259
Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 998.
104

mais importante, a derrogação do direito de acção – que a celebração da convenção


arbitral implica – só pode verificar-se nos casos em que a lei o permite. Ora, a LAV
apenas estabelece como convenção arbitral a cláusula compromissória e o compromisso
arbitral, não preenchendo os requisitos de nenhuma delas esta adesão prévia com carácter
genérico. Assim, a declaração unilateral genérica deve ser aproximada daquilo que antes
da actual LAV era o compromisso arbitral: uma mera promessa de celebração da
convenção arbitral.260 Se, neste caso preciso, a parte que aderiu previamente não aceder à
celebração da convenção prometida, os efeitos serão puramente obrigacionais.

É uma diferença importante porque o efeito da celebração da convenção arbitral é


essencialmente processual: a celebração de uma convenção arbitral implica a falta de
jurisdição dos tribunais judiciais sobre o caso. Se for proposta em tribunal judicial uma
acção que tenha como objecto um litígio sobre o qual incida uma convenção arbitral,
verifica-se uma excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral. Excepção que
implica a absolvição do réu da instância e consequente extinção da mesma. Daí que se
caracterize a convenção de arbitragem como um negócio jurídico processual.261

Ora, tal excepção não pode ter lugar quando exista meramente adesão unilateral prévia,
na medida em que esta não é uma das modalidades que a lei reconhece como produzindo
esse efeito.262

5.3.3. Requisitos da convenção

a. A competência do tribunal arbitral pressupõe uma convenção de arbitragem válida e


eficaz. Se a convenção for nula, anulável ou ineficaz há incompetência do tribunal, o que
se traduz num fundamento de anulação da decisão arbitral.

À validade da convenção de arbitragem são aplicáveis as regras relativas aos negócios


jurídicos, em especial aos contratos. Apenas o que está previsto especificamente na LAV
ou em legislação específica afasta a aplicação daqueles preceitos gerais.
260
Galvão Teles, Clausula Compromissória, 1957, p. 214.
261
Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p.
627.
262
A LAV/APA nada estabelece sobre esta questão.
105

A validade da convenção arbitral deve ser analisada de acordo com os seguintes


parâmetros: acordo das partes, arbitrabilidade, forma e conteúdo e, por fim, autonomia.
Pela sua especial relevância, tratarei a arbitrabilidade em ponto autónomo.

b. Quanto ao acordo das partes, o único problema a analisar relaciona-se com duas
normas do regime das cláusulas contratuais gerais. No diploma legislativo que as regula –
Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro - encontram-se duas proibições cuja interpretação
não está isenta de dúvidas.

Em primeiro lugar, o artigo 21.º h) LCCG estatui que: “São em absoluto proibidas as
cláusulas contratuais gerais que (...) prevejam modalidades de arbitragem que não
assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei.”

A doutrina hesita um pouco na interpretação a fazer desta norma. Será que a remissão
para a lei é para a LAV? É que se assim fosse, nada de novo estaria aí previsto - não pode
haver arbitragens em Portugal que não respeitem os requisitos da LAV, pois as
respectivas decisões seriam anuláveis.

De acordo com Dário Moura Vicente, o legislador não pretendeu proibir a celebração de
convenções arbitrais nas relações com consumidores finais, mas tão só garantir que não
haja uma exclusão da jurisdição estadual, ou seja, o que a lei pretende, no entender do
autor, é criar uma competência concorrente com a dos tribunais judiciais.263

Posição contrária assumiu, porém, o Supremo Tribunal de Justiça no Caso PT. 264
Entendeu o Tribunal que a convenção, ao respeitar a nossa Lei de Arbitragem Voluntária,
preenchia os requisitos necessários da lei, sendo portanto válida.

A questão não é fácil, embora me pareça estranha uma situação de competência


concorrente, em princípio só invocável pelo consumidor. É um regime algo híbrido,
desconhecido das regras sobre arbitragem.

Parece claro que esta interpretação pressupõe alguma desconfiança face à arbitragem
enquanto processo extra-judicial de resolução de conflitos. Terá sido, essa, realmente a
263
Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 998.
No mesmo sentido Maria José Capelo, A Lei de Arbitragem Voluntária e os centros de
arbitragem de conflitos de consumo, 1999, p. 115.
264
Acórdão de 4 de Outubro de 2005, Processo n.º 05A2222.
106

ideia do legislador. Mas não serão suficientes as garantias que a LAV oferece quanto a
igualdade e contraditório? Se a questão é de erro do consumidor, de falta de informação
ou de incompreensão em relação ao que é a arbitragem o problema é de consentimento,
de vontade. Em relação a esses eventuais vícios são aplicáveis as regras gerais da
formação do contrato.265 O problema que nos ocupa – de interpretação do artigo 21.º h)
LCCG - é outro: o dos limites da utilização da arbitragem em conflitos com
consumidores.

A outra norma do diploma das cláusulas contratuais gerais cuja aplicação à arbitragem é
discutível é o artigo 19.º g) LCCG, que tem o seguinte texto: “São proibidas, consoante o
quadro negocial padronizado, designadamente as clausulas contratuais gerais que (…)
estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das
partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.”

A primeira dificuldade está em saber se esta norma é aplicável à arbitragem. Lima


Pinheiro e Raul Ventura entendem que sim, fazendo uma interpretação extensiva do que
se deva entender por foro competente. Ambos os autores concordam ainda que só muito
excepcionalmente o foro arbitral será gravemente inconveniente para uma das partes.266

c. Nos termos do artigo 2.º n.º1 LAV a convenção de arbitragem tem de ter forma escrita.
Na expressão da lei, deve ser reduzida a escrito. Considera-se reduzida a escrito não só a
convenção constante de documento assinada pelas partes, mas também a resultante de
troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova
escrita.

É ainda suficiente que estes documentos contenham apenas uma remissão para algum
documento em que uma convenção esteja contida.267 Trata-se da acepção ampla de forma
escrita, comum a instrumentos normativos internacionais (como a Convenção de Nova
Iorque ou a Lei Modelo da UNCITRAL).268

265
Manuel Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 224.
266
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 92; Raul Ventura, Convenção de
Arbitragem, 1986, p. 44.
267
Ver a este propósito o Caso Royalties - Acórdão STJ 23 de Outubro de 2003, Processo n.º
03B3145.
107

A acepção ampla de forma escrita resolve alguns problemas, mas cria outros. No
essencial os problemas tratados pela doutrina dizem respeito, primeiro, à interpretação
desta remissão e, segundo, à possibilidade de a convenção arbitral constar de documentos
electrónicos, designadamente de correio electrónico.

A LAV/APA resolve, no seu artigo 2.º n.º3, esta questão ao considerar que “a exigência
de forma escrita da convenção de arbitragem está satisfeita quando esta conste de
suporte electrónico, magnético, óptico, ou de outro tipo, que ofereça as mesmas
garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.”

Ainda não estando, porém, esta legislação em vigor é necessário ponderar a validade de
uma convenção de arbitragem celebrada em ambiente electrónico.

Para responder a qualquer uma das questões de forma é essencial perceber por que razão
se exige forma escrita. Repare-se que a convenção arbitral tem necessariamente forma
escrita, mesmo que o contrato a que diga respeito não esteja a ela sujeito e tenha,
inclusive, sido celebrado oralmente.

Julgo que as razões de forma são várias, todas elas tendo importância e sendo suficientes
para justificar a regra especial. Em primeiro lugar e evidentemente, a gravidade dos
efeitos da celebração de uma convenção de arbitragem. O direito potestativo de
constituição do tribunal arbitral implica a renúncia ao direito de acção judicial – trata-se
do efeito negativo do princípio da competência da competência. A constituição imediata
de um direito potestativo justifica a maior exigência de forma face à anterior
regulamentação da arbitragem.269 Por outro lado, alguma doutrina entende que as razões
determinantes da forma residem na delimitação precisa do conteúdo da convenção
arbitral, em especial do seu objecto, de forma a conferir aos árbitros e às partes certeza
quanto às questões submetidas à jurisdição arbitral. 270 É importante reter este
entendimento, na medida em que, como se disse, a convenção arbitral é o foco que
ilumina a área da competência do tribunal arbitral. Quaisquer dúvidas que existam nessa

268
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.95; Moura Vicente, A Manifestação do
Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 999.
269
Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 991.
270
Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 11.
108

competência devem ser ao máximo dissipadas, o que se consegue melhor se essa


convenção estiver reduzida a escrito.

Repare-se, ainda, que a convenção arbitral, essencialmente na modalidade de cláusula


compromissória, mas também na de compromisso arbitral, vai ser actuada em situação de
litígio. Quando há conflito, há normalmente uma parte interessada em atrasar o processo
e a insegurança quanto à existência e conteúdo da convenção arbitral seria,
possivelmente, a primeira a servir de obstáculo à rápida resolução do litígio.

Parece-me, pois, que a exigência de forma se explica pela necessidade de clareza quanto
à existência, objecto e conteúdo da convenção. Embora a renúncia a parte do direito de
acção – que na sua totalidade é indubitavelmente indisponível – seja importante, julgo
que a questão da segurança na existência e execução da convenção é mais relevante para
a exigência da forma escrita.

Assim, o que interessa é que haja possibilidade de determinação quanto a estes aspectos,
ainda que não seja inteiramente claro como se alcançou essa clareza ou se houve
realmente adesão de ambas as partes à convenção.271

A precisão que a LAV/APA incorpora no seu artigo 2.º n.º3 vai, segundo julgo,
precisamente nesta direcção. O que é necessário é que o modo como a convenção existe
garanta a sua fidedignidade, inteligibilidade e conservação. Pretende assegurar-se a
certeza quando à celebração e objecto da convenção de arbitragem.

Tendo em conta esta conclusão torna-se mais fácil analisar as duas questões supra
referidas: em primeiro lugar, qual a melhor interpretação para a convenção por remissão;
em segundo lugar, como tratar as convenções celebradas por meio de documentos
electrónicos.

Quanto à convenção de arbitragem per relationem, a remissão suficiente é aquela que


permita encontrar a convenção arbitral em documentos inseridos no processo negocial do
contrato, o que será o mais normal, ou da própria celebração da convenção arbitral (se
posterior ou autonomizada).

271
Os vícios da vontade relativos à celebração da convenção são, evidentemente, invocáveis nos
termos gerais.
109

A LAV/APA entra em maior exigência, para além de a remissão ter ser para contrato
celebrado em forma escrita, acrescenta-se que a remissão tem de ser feita de modo a fazer
dessa cláusula parte integrante do mesmo contrato. Este último requisito tem como fonte
o artigo 7.º n.º6 da Lei Modelo Uncitral. 272 Da sua leitura conjunta percebe-se que o que
se pretende é que a referência feita pelas partes à convenção de arbitragem seja de molde
a inclui-la no contrato.

A jurisprudência tratou já por duas vezes de cláusulas compromissórias por remissão. As


decisões são, porém, contraditórias, embora seja difícil dizer que é exactamente a mesma
a situação de facto. No Caso Royalties 273, entendeu-se inserido no contrato por remissão
uma cláusula arbitral verbal dirigida a uma das sociedades do grupo, no Caso Dação em
Pagamento274, entendeu-se que não podia considerar-se cláusula compromissória válida a
constante num contrato-promessa depois de celebrado o contrato definitivo.

Quanto aos documentos electrónicos o problema está apenas naqueles que não estão
assinados electronicamente, porque os que estão são equiparados a documentos
particulares, nos termos do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto. Os restantes devem
ser equiparados aos documentos não assinados, isto é, aos telex, telegramas ou outros
meios de comunicação de que fique forma escrita, tal como está referido no artigo 2.º n.º2
LAV.

A propósito dos documentos electrónicos, Dário Moura Vicente faz uma distinção entre
forma escrita e força probatória plena. 275 Os documentos assinados, porque só estes são
documentos particulares nos termos do artigo 373.º CC, têm força probatória plena
quanto às declarações atribuídas ao seu autor (artigo 376.º n.º1 CC). Os documentos não
assinados podem satisfazer o requisito da forma escrita, mas o seu valor probatório difere
em função das suas características. Esta está prevista, designadamente, nos artigos 368.º
CC (reproduções mecânicas), 379.º CC (telegramas) e 3.º n.º5 do Decreto-Lei n.º 290-
272
Cujo texto é: “The reference in a contract to any document containing an arbitration clause
constitutes an arbitration agreement in writing, provided that the reference is such as to make
that clause part of the contract.”
273
STJ 23/10/2003, Proc. 03B3145.
274
RL 30/09/2010, Proc. n.º 5961/09.1TVLSB.L1-8.
275
Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p.
1002.
110

D/99, de 2 de Agosto (documento electrónico ao qual não seja aposto uma assinatura
electrónica).

Assim, os documentos electrónicos não assinados são suficientes para cumprir o requisito
de forma exigido pela LAV.

A falta de forma escrita da convenção arbitral gera a sua nulidade, nos termos do artigo
3.º LAV. Esta nulidade implica a incompetência do tribunal arbitral para dirimir o litígio,
pelo que é fundamento de anulação da sentença arbitral – artigo 27.º n.º1 b) LAV. Esta
nulidade pode, porém, ser sanada pela sua não invocação. Nos termos do artigo 21.º n.º3
LAV a nulidade tem de ser invocada até à apresentação da defesa, ficando depois
precludido o fundamento de anulação (artigo 27.º n.º2 LAV).

Este regime de preclusão conduz à sanação da invalidade se esta não for invocada em
momento oportuno. Este efeito é reconhecido na maioria das legislações estrangeiras,
assim como na Lei Modelo da UNCITRAL. 276 A LAV/APA consagra-o expressamente no
artigo 2.º n.º5, fazendo equivaler a forma escrita à troca de alegações (petição e
contestação) sem que seja invocada a invalidade da convenção.

d. A convenção de arbitragem tem um conteúdo essencial ou obrigatório e um conteúdo


facultativo. O conteúdo essencial é determinado pela Lei: em relação ao compromisso
arbitral é necessária a determinação com precisão do objecto do litígio, em relação à
clausula compromissória é obrigatória a especificação da relação jurídica a que os litígios
dizem respeito – artigo 2.º n.º 3 LAV. O necessário para esta determinação é, mais uma
vez, a segurança na atribuição de jurisdição ao tribunal arbitral, pelo que não se trata aqui
de qualquer precisão do objecto da acção, mas tão só da identificação da situação
jurídica.277-278

Embora estabeleça este requisito, a nossa Lei da Arbitragem Voluntária não estatui
qualquer sanção para a sua inobservância – o artigo 3.º impõe a nulidade apenas para
276
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 160.
277
Lebre de Freitas, Alcance da determinação pelo tribunal judicial do objecto do litígio a
submeter a arbitragem, 2002, p. 67.
278
A LAV/APA elimina, em coerência com esta posição, a exigência da precisão do objecto do
litígio (artigo 2.º n.º6).
111

violações dos artigos 1.º n.ºs 1 e 4 e 2.º n.º1 e 2. Ora, os requisitos de conteúdo estão
previstos no artigo 2º n.º3. Pode, simplesmente, dizer-se que se verifica aqui uma lacuna
e defender o seu preenchimento através da aplicação desta mesma norma. Parece ser a
solução mais adequada na medida em que esta situação equivale a inexistência de forma
escrita – o problema é de segurança quanto à jurisdição do tribunal arbitral. 279

O conteúdo complementar da convenção pode ser o mais variado possível, desde a


fixação da local da arbitragem, passando pelo número de árbitros e forma da sua
designação, até regras processuais específicas ou remissão para o regulamento de algum
centro de arbitragem institucionalizada.

Há diversas organizações que sugerem cláusulas tipo. A Câmara de Comércio


Internacional propõe o seguinte: “Todos os litígios emergentes do presente contrato ou
com ele relacionados serão definitivamente resolvidos de acordo com o Regulamento de
Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, por um ou mais árbitros nomeados
nos termos desse Regulamento”.280

Já, por exemplo, o London Court of International Arbitration sugere maior pormenor:
“Any dispute arising out of or in connection with this contract, including any question
regarding its existence, validity or termination, shall be referred to and finally resolved
by arbitration under the LCIA Rules, which Rules are deemed to be incorporated by
reference into this clause. The number of arbitrators shall be [one/three]. The seat, or
legal place, of arbitration shall be [City and/or Country]. The language to be used in the
arbitral proceedings shall be [ ]. The governing law of the contract shall be the
substantive law of [ ].281

O Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa propõe


simplesmente: “Todos os litígios emergentes deste contrato serão definitivamente
resolvidos de acordo com o Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da

279
A LAV/APA resolve a questão nestes termos, incluindo a inobservância de todo o artigo 2.º
como fonte de invalidade da convenção de arbitragem (artigo 3.º).
280
Disponível em www.iccwbo.org/court/english/arbitration/word_documents
281
Disponível em www.lcia.org
112

Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial), por um


ou mais árbitros nomeados nos termos do Regulamento”.

e. A nulidade do contrato em que se insira uma convenção de arbitragem não implica a


nulidade desta. Esta é a regra geral da autonomia da convenção arbitral face ao contrato
onde ela está inserida e consta do artigo 21.º n.º2 LAV. Esta formulação não levanta
grandes dúvidas, querendo dizer que o tribunal arbitral pode apreciar a validade do
contrato onde se insere a cláusula arbitral, concluindo por exemplo pela invalidade desse
contrato.

Esta questão tem muita importância porque impede a invocação da nulidade do contrato
como expediente de desaforamento do tribunal arbitral. Se bastasse à parte não
interessada na jurisdição do tribunal arbitral, a invocação da nulidade do contrato onde a
convenção arbitral estivesse inserida, seria muito fácil impedir julgamentos por tribunais
arbitrais. Isto não significa que essa invalidade não possa ser alegada, assim como a
invalidade específica da convenção de arbitragem. Mas, nestes casos o próprio tribunal
arbitral tem competência para decidir sobre a sua competência – artigo 21.º LAV. É um
aspecto importantíssimo da regulamentação da arbitragem que retomarei em ponto
autónomo.

5.3.4. Arbitrabilidade282

a. Só pode ser sujeito a arbitragem um litígio arbitrável. Entramos agora na análise da


arbitrabilidade, o mais discutido requisito da convenção arbitral. De acordo com a nossa
lei (artigo 1.º n.º1 LAV) não são arbitráveis os litígios que estão sujeitos a arbitragem
necessária283, aqueles que sejam da competência exclusiva dos tribunais judiciais, bem
como os que respeitem a direitos indisponíveis.

282
A maior parte deste ponto (a relativa à arbitrabilidade objectiva) foi retirada do artigo que
escrevi com Cláudia Trabuco, A arbitrabilidade das questões de concorrência no direito
português: the meeting of two black arts, 2010.
283
Dois exemplos de arbitragem necessária: em matéria de direitos de autor, artigo 221.º n.º 4 do
Código de Direitos de Autor; em matéria de patentes, no artigo 59.º n.º 6 do Código da
Propriedade Industrial.
113

Não se confunde a competência judicial exclusiva com as competências internacionais


exclusivas previstas no artigo 65.º-A CPC ou no artigo 22.º do Regulamento 44/2001. O
que é excluído por via do artigo 1.º n.º1 LAV são os conflitos cuja jurisdição competente
é a pública, por lei especial a prever expressamente. São exemplos os processos criminal
e de insolvência.284

A arbitrabilidade distingue-se em objectiva e subjectiva. A primeira cuida das limitações


da arbitragem em função do conteúdo do litígio, a segunda pretende tratar da
possibilidade de entidades públicas serem partes em processo arbitral. A questão
encontra-se resolvida no artigo 1.º n.º4 LAV, nos termos do qual tal participação é
admissível em duas situações: autorização por lei especial, litígios respeitantes a relações
de direito privado. Há, assim, que distinguir as relações privadas da administração, onde
não há dúvidas quanto à arbitrabilidade dos litígios 285 das relações regidas pelo Direito
Público.

O artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos autoriza essa


participação em situações de contratos, responsabilidade civil e actos administrativos.
Quanto a questões relativas a actos administrativos, há o limite do fundamento não poder
ser a sua invalidade substantiva.286

No artigo 187.º CPTA está ainda prevista a criação de centros de arbitragem destinados à
composição de litígios no âmbito das seguintes matérias: contratos, responsabilidade civil
da administração, funcionalismo público, sistemas públicos de protecção social e
urbanismo.287

O artigo 182.º CPTA estabelece um direito do particular a exigir compromisso arbitral no


âmbito das matérias previstas no artigo 180.º. A caracterização jurídica deste direito é
difícil, embora a doutrina entenda que não confere ao cidadão um direito potestativo,
284
Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 85; Lima Pinheiro, Arbitragem
transnacional, 2005, p.111.
285
Paulo Otero, Admissibilidade da arbitragem voluntária nos contratos públicos e nos actos
administrativos, 2009, p. 82.
286
João Caupers, A Arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, 1999,
p. 5.
287
Actua neste âmbito o CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa. Mais informações em
www.caad.org.pt.
114

podendo a administração recusar a celebração do compromisso arbitral sem que haja


qualquer sanção. Isto porque, para já e pelo menos, a eficácia do preceito depende de
regulamentação, ainda inexistente.288 Percebe-se a defesa de uma posição cautelosa face a
tanta generosidade legal, mas o certo é que desta forma se esvazia de utilidade prática a
norma. De inovadora passa a inútil.

b. Nos termos do artigo 1.º n.º 1 da LAV, não são arbitráveis os litígios respeitantes a
direitos indisponíveis. Embora a expressão seja conhecida do léxico jurídico, a verdade é
que não tem sido fácil determinar em concreto o seu conteúdo.

Em geral, define-se direitos indisponíveis como aqueles que as partes não podem
constituir ou extinguir por acto da vontade ou que não são renunciáveis. Lima Pinheiro
exemplifica com os direitos familiares pessoais, os direitos de personalidade e o direito a
alimentos.289

Carlos Ferreira de Almeida defendeu, porém, que a qualificação de certo direito como
disponível ou indisponível não deve ser feita instituto a instituto, mas questão a questão.
Também assim entendeu Paula Costa e Silva, de acordo com a qual o critério de
arbitrabilidade há-de ser concretizado de forma casuística, através do confronto do litígio
com o regime jurídico do direito em causa. 290 Por exemplo, alguns litígios relativos aos
direitos de personalidade são ou podem ser disponíveis 291, como aliás, foi decidido pelo
Supremo Tribunal de Justiça, no Caso Apresentadora de Televisão292. O Acórdão tratou
de uma acção de indemnização decorrente de violação do direito à imagem, tendo o
tribunal entendido que o direito de indemnização não era indisponível, pelo que era
arbitrável.

O critério da disponibilidade foi criticado logo no momento da entrada em vigor da LAV.


Raul Ventura dizia, então, que não descobria ligação necessária entre o requisito da

288
Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2004, p. 393.
289
Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 105.
290
Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 922.
291
Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem: conteúdo, 2008, p. 86.
292
Ac. STJ de 3 de Maio de 2007, Proc. N.º 06B3359.
115

arbitrabilidade e a vontade das partes: “(…) duvido que o julgamento por um tribunal
arbitral de litígio sobre direito indisponível afecte a indisponibilidade do direito.”293

As críticas foram recentemente reavivadas por António Sampaio Caramelo, que afirma
que a disponibilidade é um critério de aplicação difícil, retomando para esse efeito os
conceitos de indisponibilidade absoluta e relativa desenvolvidos por João de Castro
Mendes. 294

Castro Mendes dividiu indisponibilidade em absoluta e relativa, sendo a primeira a que


impede em todos os casos e circunstâncias a constituição ou disposição do direito por
vontade das partes e a segunda aquela que apenas obsta a essa disposição (constituição
e/ou renúncia) em certos casos.295 De acordo com o Castro Mendes basta a
indisponibilidade relativa para que o litígio não seja arbitrável.296

Para Sampaio Caramelo, nenhuma das indisponibilidades parece ser a prevista na Lei de
Arbitragem Voluntária, porque qualquer uma delas representa um limite injustificado para
o desenho do critério. Assim, se a arbitrabilidade correspondesse à indisponibilidade
absoluta, “Isso implicaria restringir excessivamente o âmbito das matérias arbitráveis,
pois que há direitos que, embora não sejam extinguíveis por vontade do seu titular, em
todas e quaisquer circunstâncias, apesar disso, tendo esse direitos carácter patrimonial,
não se vê razão ponderosa (à luz da hierarquia ou grau de relevância dos valores ou
interesses tutelados pelo ordenamento jurídico) para vedar a submissão a arbitragem de
litígios a eles respeitantes.”297. Admitir, porém, que a disponibilidade prevista na LAV é a
relativa, implicaria alargar a campos inaceitáveis a jurisdição arbitral.298

293
Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 321.
294
Sampaio Caramelo, A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio,
2006, ponto 7.
295
Castro Mendes, Direito Processual Civil – 1º Vol., 1994, p. 211.
296
Castro Mendes, Direito Processual Civil – 1º Vol., 1994, p. 228. Também neste sentido, Paula
Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 922, nota 77. Cfr., porém, as
relexões sobre o tema no recente A Nova Face da Justiça, 2009, p. 87.
297
Sampaio Caramelo, A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio,
2006, ponto 7.
298
Sampaio Caramelo, A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio,
2006, ponto 7.
116

Defende, por isso, o Autor que se deveria adoptar o critério da patrimonialidade da


pretensão, como fazem o direito alemão e suíço. É esse critério que consta da LAV/APA
no seu artigo 1.º n.º1: “qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial
pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de
árbitros.”

Ferreira de Almeida e Lima Pinheiro defendem, porém, que o critério da disponibilidade


do direito é ainda o melhor e o mais adequado.299

Verifica-se, assim, na doutrina portuguesa alguma polémica relativa não só ao melhor


critério de arbitrabilidade, de iure condendo; mas também quanto à exacta definição de
direito disponível, agora perante o direito constituído.

Parece claro que a solução não encontra através da simples leitura da lei, uma vez que
ultrapassa largamente a letra do artigo 1.º n.º1 LAV. Tem sido notório na doutrina, que
segue aliás a tendência internacional, um alargamento do que se entende ser arbitrável.
Não há dúvida que a arbitragem, aliás como os restantes meios de resolução alternativa
de litígios, tem conhecido um grande desenvolvimento nas últimas duas décadas. Este
desenvolvimento trouxe credibilidade e visibilidade à arbitragem, acabando por arrastar
consigo uma maior abertura às contendas que podem ser dirimidos através dela.

Se a tendência doutrinária de alargamento do conceito de arbitrabilidade é inquestionável,


é importante também analisar como tem a jurisprudência portuguesa evoluído em relação
a este problema.

Num trabalho recente de análise de jurisprudência sobre arbitrabilidade, Joana Galvão


Teles conclui que o conceito de arbitrabilidade a se recorre é o da disponibilidade
relativa, admitindo arbitragem em áreas tipicamente indisponíveis como o Direito do
Trabalho, o arrendamento e os direitos de personalidade.300

É útil referir alguns dos Acórdãos tratados para se perceber melhor esta evolução
jurisprudencial.
299
Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 86; Luis de Lima Pinheiro,
Arbitragem Transnacional, 2005, p. 105.
300
Joana Galvão Teles, A Arbitrabilidade dos litígios em sede de invocação de excepção de
preterição de tribunal arbitral voluntário, 2011.
117

No Caso Insolvência301, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a acção de


insolvência era da competência exclusiva dos tribunais judiciais, pelo que não poderia ser
(como não havia sido, aliás) objecto de convenção arbitral. Esta inarbitrabilidade não se
funda, porém e apenas, na competência exclusiva da jurisdição estatal, mas
essencialmente no cruzamento de interesses públicos impossíveis de conciliar com a
arbitragem (desde logo a tendencial eficácia geral do processo).302

Nos dois casos em que se discutiu a arbitrabilidade de litígios laborais, o Caso


Ovarense303 e o Caso Beira-Mar304, as Relações do Porto e de Évora decidiram pela
arbitrabilidade de litígio após a cessação do contrato de trabalho, contrariando doutrina
que considera tais litígios inarbitráveis.305

Em relação às questões de arrendamento devem referir-se três Acórdãos dois que


entendem que os litígios são arbitráveis 306 e um que entende não serem307. É de salientar o
Caso Trespasse que trata a questão de forma exaustiva, relacionando-a aliás com o
princípio da competência da competência, e que conclui pela arbitrabilidade da acção de
despejo, interpretando a lei como estabelecendo que não há competência exclusiva dos
tribunais judiciais.

Esta tendência no sentido da arbitrabilidade não tem sido, porém, seguida numa das áreas
típicas da arbitragem internacional: a dos litígios decorrentes de contratos de distribuição
comercial. Sampaio Caramelo comentou já o Caso Indemnização de Clientela308,
chamando a atenção para a dificuldade que o Tribunal teve em lidar com a arbitrabilidade
da indemnização de clientela, direito indisponível nos termos do artigo 38.º da Lei do
301
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2009, Proc. N.º
984/08.0TBRMR.L1-8.
302
Joana Galvão Teles, A Arbitrabilidade dos litígios em sede de invocação de excepção de
preterição de tribunal arbitral voluntário, 2011, p. 16.
303
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Novembro de 1997.
304
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17 de Outubro de 1998.
305
Criticando expressamente as decisões jurisprudenciais citadas, Lima Pinheiro, Arbitragem
Transnacional, 2005, p. 109. O Autor entende que a convenção de arbitragem só é válida se
celebrada após a cessação do contrato de trabalho, momento em que os direitos são já
disponíveis.
306
Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Outubro de 1994, processo n.º 0086041 e acórdão da
Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2007, processo n.º 1380/2007-1 (Caso trespasse).
307
Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Outubro de 2003, processo n.º 3317/2003-6.
308
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de Fevereiro de 2005, Proc. n.º 197/05-1.
118

Contrato de Agência (Decreto-lei n.º 178/86, de 3 de Julho) 309. O aresto confunde


arbitrabilidade com direito aplicável, acabando por decidir que a eventual não aplicação
do direito imperativo (porque a cláusula compromissória permitia o julgamento pela
equidade) implica a inarbitrabilidade do mesmo, embora seja disponível.310 Como
veremos, esta linha raciocínio foi claramente ultrapassada em termos internacionais.311

Como último patamar de análise sobre o conceito de arbitrabilidade, é importante referir


a evolução do mesmo noutros ordenamentos jurídicos, em particular na arbitragem
internacional.

A nível internacional há três critérios de arbitrabilidade objectiva: a já referida


disponibilidade do direito, a ligação do litígio com a ordem pública e patrimonialidade da
pretensão.312 Há ainda países, de tradição anglo-saxónica, que não têm qualquer critério
de arbitrabilidade na lei, sendo ele construído por via jurisprudencial. É o caso dos
Estados Unidos da América, onde a única restrição legal é relativa aos litígios laborais,
deixando-se o conceito para construção jurisprudencial. Os tribunais norte-americanos
vêm considerando que são inarbitráveis os litígios em que estão envolvidos interesses
públicos importantes.313

De acordo com a lei francesa (artigo 2060.º do Código Civil Francês), não são arbitráveis
litígios em matéria de ordem pública. A construção doutrinária e jurisprudencial deste
conceito tem sido muito restritiva, considerando poucas áreas como inarbitráveis. 314 A

309
Sampaio Caramelo, A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio,
2006, ponto 8.
310
O Acórdão não é inteiramente claro no seu raciocínio, mas parece-nos ser esta a conclusão a
retirar das suas palavras.
311
No mesmo tipo de vícios incorreram os Casos Nova Delhi (STJ de 11 de Outubro de 2005,
proc. n.º 05A2507) e Sementes de Milho (Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2007, proc. n.º
0636141). Cfr. Joana Galvão Teles, A Arbitrabilidade dos litígios em sede de invocação de
excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário, 2011, p. 22 e seguintes.
312
Sampaio Caramelo, A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio,
2006, ponto 2.
313
Patrick M. Baron e Stefan Liniger, A Second look to arbitrability, 2003, p. 29.
314
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 164
119

ordem pública é vista como um limite ao poder decisório dos árbitros e não como um
critério de arbitrabilidade dos litígios.315

O critério da patrimonialidade é o utilizado pelas lei alemã e suíça316 e é também o


proposto pela LAV/APA. Este é talvez o conceito de arbitrabilidade que permite, na sua
concretização, maior amplitude. Um litígio será arbitrável se envolver qualquer tipo de
interesse económico, não sendo relevante se a relação subjacente é comercial ou privada,
civil ou administrativa, de direito nacional ou de direito internacional. 317 Mas é também o
conceito menos seguro para as partes, na medida em que comporta o risco de estas não
poderem executar a sentença arbitral fora do país onde foi proferida. Se o país do
reconhecimento não for tão liberal em matéria de arbitrabilidade quanto o do lugar da
arbitragem, poderá não ser possível o reconhecimento e posterior execução da decisão.318

A construção do conceito de arbitrabilidade em termos internacionais foi marcada por


duas decisões judiciais, uma do Supreme Court dos Estados Unidos da América e outra
do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE).

Na primeira, conhecida como Caso Mitsubishi, a Chrysler, uma empresa suíça e uma
empresa japonesa acordaram na criação de uma outra empresa, a Mitsubishi Motors
Corp., com o intuito de vender automóveis da marca Mitsubishi através dos agentes da
Chrysler fora dos Estados Unidos da América. Esta empresa fez, então, um contrato de
distribuição com um agente da Chrysler em Porto Rico, a Soler, acordo que continha uma
convenção de arbitragem. O acordo corria bem, até que a Soler começou a diminuir o
nível das suas vendas e a Mitsubishi decidiu suspender o envio de automóveis. A
Mitsubishi propôs uma acção judicial no Federal District Court, pedindo que a Soler
fosse obrigada, de acordo com a Lei Federal de Arbitragem e a Convenção de Nova
Iorque, a tratar o litígio por via arbitral. A Soler defendeu-se alegando, entre outros
fundamentos, a violação das leis americanas da concorrência (Sherman Act).319
315
Sampaio Caramelo, A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio,
2006, ponto 5.
316
Patrick M. Baron e Stefan Liniger, A Second look to arbitrability, 2003,, p. 46.
317
Patrick M. Baron e Stefan Liniger, A Second look to arbitrability, 2003, p. 34.
318
Patrick M. Baron e Stefan Liniger, A Second look to arbitrability, 2003, p. 46.
319
O resumo foi retirado de James Bridgeman, The Arbitrability of Competition Law Disputes,
2008, p. 155. O caso está publicado em Mitsubushi Motors Corporation v Soler Chrysler-
120

O tribunal julgou favoravelmente a acção, decidindo que as partes deveriam iniciar o


processo arbitral, sendo o tribunal arbitral competente para analisar as questões de
concorrência. O caso chegou ao Supreme Court e este, notando que o critério da
arbitrabilidade tem vindo a ser aplicado muito amplamente, concluiu que, no âmbito da
arbitragem internacional, as questões de concorrência eram arbitráveis.320 Mas, em
simultâneo, considerou que os tribunais norte-americanos poderiam reavaliar a decisão,
quando, em aplicação da Convenção de Nova Iorque, o seu reconhecimento fosse
pedido.321

Instituiu, aqui, a famosa doutrina do segundo olhar (second look doctrine), de acordo com
a qual o controlo do tribunal judicial pode fazer-se apenas depois da arbitragem. Isto é,
admite-se um conceito amplo de arbitrabilidade, mas o Estado reserva-se o direito de
validar posteriormente a decisão dos árbitros no que diz respeito à aplicação do direito
material do Estado do reconhecimento. O problema desloca-se, assim, da arbitrabilidade
do litígio para o controlo estadual da aplicação das regras de ordem pública do direito do
Estado onde é pedido o reconhecimento. 322 Reconhece-se, portanto, que os litígios são
arbitráveis, mas não se prescinde do exame posterior da decisão quanto à aplicação das
normas de ordem pública.

A questão tem levantado amplíssima polémica, porque se por um lado tem a vantagem de
alargar o conceito de arbitrabilidade, afastando-o de vez da existência de regras
imperativas no regime jurídico do direito litigioso, por outro tem a desvantagem de
estabelecer para os tribunais judiciais a possibilidade permanente de averiguarem o
mérito da decisão arbitral. Uma possibilidade de intervenção que os cultores da
arbitragem pretenderam bem longe e difusa. Por outro lado, ainda, coloca difíceis
Plymouth, 473 U.S. 614, L. Ed. Ed 444 (1985).
320
Posteriormente a jurisprudência alargou a arbitrabilidade das questões de concorrência à
arbitragem doméstica. Cfr. Renato Nazzini, A Principled Approach to Arbitration of Competition
Law Disputes: Competition Authorities as Amici Curiae and the Status of Their Decisions in
Arbitral Proceedings, 2008, p. 95.
321
Renato Nazzini, A Principled Approach to Arbitration of Competition Law Disputes:
Competition Authorities as Amici Curiae and the Status of Their Decisions in Arbitral
Proceedings, 2008, p. 95.
322
Patrick M. Baron e Stefan Liniger, A Second look to arbitrability, 2003, p. 54; Renato Nazzini,
A Principled Approach to Arbitration of Competition Law Disputes: Competition Authorities as
Amici Curiae and the Status of Their Decisions in Arbitral Proceedings, 2008, p. 97.
121

problemas aos árbitros quanto à sua postura e à aplicação do direito nacional das partes
intervenientes ou dos eventuais países de reconhecimento.323

Este aspecto do controlo estadual através da ordem pública será visto posteriormente,
embora se deva adiantar que entendemos não ser possível defender o alargamento do
conceito de arbitrabilidade sem que se admita a violação de ordem pública como
fundamento de anulação de decisões arbitrais.324

A outra ocasião onde a questão se colocou foi o Caso Eco Swiss contra Benetton 325,
decidido pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em Junho de 1999. Em
Julho de 1986, a Benetton, a Eco Swiss e a Bulova celebraram um contrato de licença de
marca por um período de 8 anos. Nos termos do contrato, mediante autorização da
Benetton e da Bulova, a Eco Swiss fabricava e distribuía relógios de luxo, identificados
através da marca BbB (Benetton by Bulova). A Bulova controlava ainda a qualidade da
produção. O contrato continha uma cláusula compromissória que remetia a resolução dos
litígios dele resultantes para o Instituto Holandês de Arbitragem.326

Em 1991, a Benetton denuncia o contrato com fundamento em erros quanto à sua


remuneração (royalties). A Bulova e a Eco Swiss não aceitaram esta denúncia, tendo
iniciado processo arbitral na Holanda, conforme a cláusula arbitral. Em 1993 é proferida
decisão parcial pelo tribunal arbitral, na qual a Benetton perde, ficando decidido que a
denúncia era ineficaz. Em consequência, o tribunal ordena que a Benetton indemnize as
contrapartes pelos danos causados, o que não foi possível extra-judicialmente. Assim, em

323
Patrick M. Baron e Stefan Liniger, A Second look to arbitrability, 2003, p. 49 e seguintes;
Renato Nazzini, A Principled Approach to Arbitration of Competition Law Disputes: Competition
Authorities as Amici Curiae and the Status of Their Decisions in Arbitral Proceedings, 2008, p.
103 e seguintes.
324
A esse propósito já se tomou posição em Assunção Cristas e Mariana França Gouveia, A
violação de ordem pública como fundamento de anulação de sentenças arbitrais, 2010, p. 41-56.
No mesmo sentido), Sampaio Caramelo, A disponibilidade do direito como critério de
arbitrabilidade do litígio, 2006, ponto 9, também em A Reforma da Lei da Arbitragem
Voluntária, 2009, p. 48.
325
Acórdão do TJCE de 1 de Junho de 1999, Eco Swiss China Ltd contra Benetton International
NV, Proc. C-126/97, CJ 1999, p. I-03055.
326
O resumo é retirado de T. Diederik de Groot, The Impact of the Benetton Decision on
International Commercial Arbitration, 2003, p. 367.
122

1995 o tribunal decide que o valor da indemnização a pagar pela Benetton era de 29
milhões de dólares.327

Em 1995, a Benetton instaurou acção no tribunal da Haia, pedindo a anulação de ambas


as decisões, com diversos fundamentos, entre eles a violação do artigo 81.º (actual artigo
101.º) do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia. Entendia que tal preceito deveria
ser considerado norma de ordem pública do direito holandês. Em 1997, o tribunal
superior holandês decidiu utilizar o mecanismo de reenvio prejudicial para o Tribunal de
Justiça das Comunidades Europeias, colocando-lhe cinco questões. O Tribunal decidiu
que a regra do artigo 81.º faz parte da ordem pública e que, se a lei do Estado onde a
acção de anulação corria consagrava a violação de ordem pública como fundamento de
anulação de decisão arbitral, tal decisão devia ser anulada com esse fundamento.328-329

Estas duas decisões constituem um marco na arbitragem internacional 330, deixando


assente que litígios relativos a direitos regulados por normas de ordem pública são
arbitráveis.331

É tempo, agora, de regressar ao direito português, para reflectir sobre a possibilidade,


face aos dados nacionais de direito positivo, de aplicação destas teorias no nosso sistema
jurídico.

327
T. Diederik de Groot, The Impact of the Benetton Decision on International Commercial
Arbitration, 2003, p. 368.
328
T. Diederik de Groot, The Impact of the Benetton Decision on International Commercial
Arbitration, 2003, p. 371.
329
O TJCE decidiu também e porém que a circunstância de as normas do Tratado sobre
concorrência serem de ordem pública não obrigava a afastar a aplicação da regra de caso julgado,
conforme vigorava no direito holandês, pelo que nenhuma consequência prática se retirava desta
decisão para a eficácia da decisão arbitral no caso Benetton. Terá sido tomado em consideração o
facto de nenhuma das partes ter levantado a questão da violação destas regras durante o processo
arbitral. T. Diederik de Groot, The Impact of the Benetton Decision on International Commercial
Arbitration,2003, p. 369.
330
Posteriormente, em 2005, uma decisão do English High Court, no Caso Eurotunnel (ET Plus
SA v Welters), veio confirmar também a arbitrabilidade de litígios em que estivesse em causa dos
artigos 81.º e 82.º do Tratado. James Bridgeman, The Arbitrability of Competition Law Disputes,
2008, p. 158.
331
Luca G. Radicati Di Brozolo, Antitrust: a Paradigm of the Relations Between Mandatory
Rules and Arbitration – A Fresh Look at the “Second Look, 2004, p. 23.
123

A extensão da arbitrabilidade está directamente relacionada com o âmbito de intervenção


do Estado – um Estado muito intervencionista, no limite um Estado ditatorial, não
permitirá a existência de tribunais privados com a mesma legitimidade que os seus. Sirva
como exemplo a regra de alguns Estados árabes, relatada por Redfern e Hunter, que
impede arbitragens sobre litígios existentes entre uma empresa internacional e o seu
agente local.332 Como é normal, a questão jurídica é também política.

Em Portugal, estamos sem dúvida num momento favorável à arbitragem, aceite pela
comunidade em geral e pelo Estado em particular.333 Esta grande abertura tem conduzido,
na prática, ao esvaziamento do conceito legal de arbitrabilidade. Como se pode concluir
da jurisprudência portuguesa supra-citada, o critério da disponibilidade apenas tem
obstado à arbitrabilidade dos litígios relativos a direitos absolutamente indisponíveis, isto
é, apenas se consideram inarbitráveis os litígios em que se impede em todos os casos e
circunstâncias a constituição ou disposição do direito por vontade das partes. Nas
situações em que as partes, após a constituição efectiva do direito na sua esfera jurídica,
podem dele livremente dispor, já é admissível a arbitragem. O que significa, então, que
são arbitráveis os litígios em que estejam em causa direitos relativamente disponíveis.

Parece decididamente posta de lado a tese de que a existência de normas imperativas


limita a arbitrabilidade do litígio. A doutrina é praticamente unânime neste ponto, assim
como a larga maioria dos Acórdãos sobre o tema.

Indisponível será, assim, apenas o direito que não pode nunca deixar de ser exercido,
independentemente da vontade do seu titular. O que significa que, se determinado direito
é irrenunciável, para que seja relativamente indisponível basta que o particular não seja
obrigado a exercê-lo, isto é, que esteja na sua disponibilidade propor ou não acção
destinada ao seu exercício.

Esta definição é amplíssima, como já referiu Sampaio Caramelo. Terá como limite apenas
os casos em que o exercício do direito for também admissível por via pública. Falamos,

332
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 164.
333
Nos últimos anos têm-se multiplicado a criação, com incentivo público, de centros de
arbitragem, em diversas áreas, desde a propriedade industrial até à acção executiva.
124

por exemplo, das situações em que estejam em causa crimes públicos 334, direitos
colectivos ou difusos, como o património público ou alguns direitos relativos a menores
(máxime, a averiguação oficiosa de maternidade e paternidade335). Poderá, então, dizer-se
que no direito positivo português apenas se impede a arbitragem de litígios em que
iniciativa de exercício do direito é também pública, querendo com isto dizer-se que o
Estado tem o dever, de acordo com o princípio da legalidade, de substituir-se ao privado
no exercício do seu direito. Só estes direitos são absolutamente indisponíveis e só estes
não são arbitráveis.

Este conceito amplíssimo de arbitrabilidade só é aceitável, porém, se se considerar que o


Estado tem a possibilidade de controlar a aplicação das regras de ordem pública, quer
interna, quer internacional. Será aspecto a que voltaremos adiante.

5.4. Efeitos da convenção de arbitragem – a competência do tribunal arbitral

A celebração de uma convenção de arbitragem faz nascer um direito potestativo de


qualquer um dos subscritores do acordo em constituir o tribunal arbitral. Qualquer um
dos contraentes pode dar início ao processo arbitral, obrigando a contra-parte a vincular-
se às decisões desse tribunal. A recusa de uma das partes em participar no processo não
impede o seu prosseguimento, assim como não evita que a parte não participante fique
vinculada às decisões do tribunal arbitral.

Cada uma das partes adquire reciprocamente um direito potestativo e uma sujeição: não
só tem direito a que o litígio seja resolvido por arbitragem, como assim fica obrigada se a
parte contrária o quiser.336-337
334
Repare-se que os crimes particulares e semi-públicos admitem mediação – Lei 21/2007, de 12
de Junho. Mas há limites quanto às penas aplicáveis – a questão aqui não é já de disponibilidade
do direito, mas da natureza pública da sanção (em especial da privativa da liberdade) que não
pode, evidentemente, ser aplicada por privados. O mesmo raciocínio se aplica às contra-
ordenações.
335
Artigos 1808.º e 1864.º CC.
336
Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 93; Manuel Barrocas, Manual de
Arbitragem, 2010, p. 165; Lopes dos Reis, A excepção da preterição do tribunal arbitral
(voluntário), 1998, p. 1119; Raul Ventura, Convenção de arbitragem, 1986, p. 301.
337
Este efeito não se verificará nas convenções celebradas por consumidores através de cláusulas
contratuais gerais, caso se entenda, por interpretação do artigo 21.º h) LCCG, que o consumidor
125

Esta força potestativa da convenção de arbitragem é comummente designada como o seu


efeito positivo. Mas os efeitos da convenção são ainda levados mais além: não só a parte
interessada em iniciar o processo arbitral pode impor à outra a constituição desse tribunal,
como pode vedar à contra-parte o recurso ao tribunal judicial. Se eventualmente esta
propuser acção judicial, poderá invocar a excepção de preterição de tribunal arbitral,
prevista no artigo 494.º j) CPC.338

Tem sido colocada a dúvida sobre a aplicação da excepção de litispendência quando são
propostas, em simultâneo, acções no tribunal arbitral e no judicial, sobre litígios em que
existe convenção de arbitragem.339

A caracterização mais correcta, na minha opinião, da excepção em causa é de excepção


de preterição de tribunal arbitral, tal como referido no artigo 494.º j) CPC. Não se coloca
a questão de litispendência ou de caso julgado na medida em que o problema é de
jurisdição: ou quem tem competência para o litígio é o tribunal arbitral e o judicial não
pode sequer analisar o caso; ou quem tem competência é o judicial e o processo segue.
Esta questão tem importância prática, porque a excepção de litispendência é de
conhecimento oficioso e a de preterição de tribunal arbitral não. 340 Assim, se não for
invocada a excepção de preterição de tribunal arbitral, o tribunal judicial nada pode fazer.
Estamos no âmbito da autonomia privada das partes – a não invocação da excepção
equivale à revogação da convenção.

Esta conclusão é, do ponto de vista teórico, correcta, mas pode causar dificuldades
práticas em casos de actuação contraditória das partes. Imagine-se que, na pendência de
uma acção arbitral, é instaurada uma acção judicial e o réu não invoca a excepção de
preterição de tribunal arbitral. De acordo com a melhor teoria há revogação da convenção
de arbitragem, cessando de imediato os poderes do tribunal arbitral. Ele não tem já

pode livremente optar entre os tribunais arbitrais ou judiciais. Cfr. supra ponto 5.3.3..
338
Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 93; Barrocas, Manual de Arbitragem,
2010, p. 168; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.88; Raul Ventura, Convenção de
arbitragem, 1986, p. 380.
339
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 90.
340
Embora haja alguma jurisprudência que, contra a letra da lei, a conhece oficiosamente – cfr.
decisões citadas por Patrícia Guerra, O Princípio da autonomia do tribunal arbitral quanto à
apreciação da sua jurisdição, 2010, p. 51.
126

jurisdição sobre o conflito, se prosseguir o processo as suas decisões serão inválidas por
terem sido proferidas por tribunal incompetente. 341 O problema é que, ainda de acordo
com a plena autonomia da vontade na celebração e na revogação da convenção de
arbitragem, a incompetência tem de ser invocada (oportunamente) no processo arbitral
para que possa, posteriormente em acção de anulação, ser seu fundamento (artigo 27.º b)
e n.º2). A não alegação do vício de incompetência, gerada por inexistência ou invalidade
da convenção de arbitragem, implica, como se referiu acima, a celebração de uma
convenção tácita.

Não se conhece nenhum caso em que uma situação deste género tenha ocorrido. Ela
resultaria, realmente, de uma actuação esquizofrénica de ambas as partes. A sua solução
não me parece óbvia – o problema continua a ser de jurisdição, não de litispendência.
Mas talvez faça sentido, por questões práticas, privilegiar a jurisdição do tribunal
(judicial ou arbitral) onde a acção foi primeiramente proposta. Não, repito, porque se trate
de litispendência, mas porque, na falência de uma solução decorrente da posição teórica
correcta, este critério permite resolver o problema.

Este é, então, o efeito negativo da celebração de uma convenção de arbitragem: a


possibilidade de a ré (na acção judicial) impedir que o tribunal judicial aprecie a acção.
Colocam-se, porém, dúvidas sobre o âmbito de apreciação desta excepção.

Quando o Código de Processo Civil refere, no seu artigo 494.º j) CPC, a excepção
dilatória de preterição do tribunal arbitral, é sua intenção que o juiz analise
exaustivamente a existência e validade da convenção invocada? Ou pretende apenas uma
aplicação automática da absolvição da instância, assim que a excepção é alegada pelo
réu?

Para responder a esta questão é necessário referir o princípio da competência da


competência do tribunal arbitral, nos termos do qual este tem competência para decidir da
sua própria competência. Repare-se que, se a convenção de arbitragem é inválida, o
tribunal arbitral não tem jurisdição sobre o litígio, o que, sendo invocado, afecta todas as
suas decisões no decurso do processo arbitral.
Barrocas, Manuel de Arbitragem, 2010, p. 168; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional,
341

2005, p. 90.
127

Ora, invocando uma das partes (normalmente a demandada) a invalidade da convenção –


e a consequente falta de jurisdição do tribunal arbitral sobre qualquer questão relativa ao
litígio -, poderia questionar-se a competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre
o que quer que fosse, começando, naturalmente, pela sua própria competência.

Não é, porém, esta a regra na arbitragem. Pelo contrário, é desde há muito reconhecida ao
tribunal arbitral a competência para se pronunciar sobre a sua própria competência, o que
vem sendo referido, em termos sintéticos, como o princípio da competência da
competência, na sua vertente positiva.342 Este reconhecimento é, aliás, essencial para que
a parte interessada em prolongar a resolução do litígio consiga, com esta invocação
mesmo que sem fundamento, desaforar o tribunal arbitral.

A regra está consagrada no artigo 21º n.º1 LAV, numa formulação isenta de dúvidas.

O n.º2 deste preceito consagra, ainda, a autonomia da convenção arbitral face ao contrato
em que está inserida. Esta regra significa que a invalidade do contrato onde a cláusula
está inserida não acarreta automaticamente a invalidade da convenção arbitral. Não
significa, repare-se, que ela seja sempre válida, apenas que o tribunal arbitral pode
considerar o contrato inválido, mas a cláusula válida e, com isso, fazer prosseguir a acção
arbitral.343

Aspecto particular desta norma é a sua parte final, quando ressalva que a convenção é
nula quando se mostre que o contrato não teria sido celebrado sem a referida convenção.
Esta norma coloca algumas dificuldades de interpretação, não tendo, aliás, paralelo em
legislações estrangeiras.344

Analisar as hipóteses que podem verificar-se na aplicação desta norma pode permitir a
sua melhor compreensão. Só estão em causa situações em que o contrato é inválido. Se
este for válido e a convenção inválida, o tribunal arbitral não tem competência. Quando o
contrato é inválido e a cláusula é inválida, o problema não se coloca e o tribunal arbitral
não tem igualmente jurisdição sobre o conflito. O problema existe apenas quando o

342
Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 167; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional,
2005, p. 133.
343
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 121.
344
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 122.
128

contrato é inválido e a convenção válida. Neste caso, a regra é a da competência do


tribunal, excepto se se provar que o contrato não teria sido celebrado sem a convenção. É
necessário demonstrar que o contrato inválido só foi celebrado por causa da convenção
de arbitragem (por sua vez válida). Se assim for, a convenção é inválida e, logo, o
tribunal arbitral incompetente.

Esta consequência é um pouco estranha: embora a convenção arbitral tenha sido


determinante para a celebração do contrato, esta acaba por não poder ser actuada.

A LAV/APA, como é natural, elimina esta regra, consagrando com clareza o princípio da
autonomia da cláusula arbitral face ao contrato onde esteja inserida (artigo 18.º n.ºs 2 e
3).

Na sua formulação positiva – o tribunal arbitral tem competência para apreciar a sua
própria competência – o princípio da competência da competência não traz dificuldades
de interpretação e de aplicação. Estas surgem, porém, quando se pretende aplicar o efeito
reflexo aos tribunais judiciais. Esclarecendo, a questão em que agora se entra é a de saber
se esta competência dos tribunais arbitrais de apreciação da sua competência é exclusiva,
impedindo, portanto, os tribunais judiciais de apreciarem a competência destes.

Este problema subdivide-se em vários, exigindo alguma cautela na ponderação do caso


em apreciação. Antes de mais, há que distinguir três momentos de apreciação da
incompetência: antes da propositura da acção arbitral, durante a pendência do processo
arbitral e depois da prolação da sentença arbitral.

Se há dúvidas sobre a validade da convenção de arbitragem, que deve a parte-autora


fazer: propor acção arbitral ou judicial?

Se optar por propor acção arbitral, o tribunal arbitral decidirá se é ou não competente. Se
decidir que é competente, o processo segue até ao fim, só podendo a parte contrária pôr
em causa esta decisão no recurso ou acção de anulação da sentença arbitral (artigo 21.º
n.º4 LAV) ou em oposição à execução da decisão arbitral (artigo 815.º CPC e artigo 31.º
LAV). Se decidir que é incompetente, a instância arbitral extingue-se que o autor terá de
129

propor a acção em tribunal judicial, sendo que este fica vinculado à decisão de
incompetência do tribunal arbitral.345

Nesta situação não parece haver grandes dúvidas na solução positivada. É eventualmente
criticável por postergar para o fim do processo a verificação da regularidade da decisão
sobre a competência, dando azo, portanto, a um enorme dispêndio de tempo e dinheiro
num processo arbitral eventualmente condenado à anulação.346

Há regimes, aliás, que permitem uma imediata impugnação da decisão do tribunal arbitral
sobre a sua competência para os tribunais judiciais.347 Proferida a decisão (interlocutória)
de que o tribunal arbitral é competente, a parte que alegou o vício pode de imediato
recorrer aos tribunais judiciais. Esta regra foi adoptada pela LAV/APA, no seu artigo 18.º
n.º 9: “A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem
competência pode, no prazo de trinta dias após a sua notificação às partes, ser
impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente.”

É importante realçar que esta impugnação não terá efeitos suspensivos sobre o processo
arbitral, nos termos do artigo 18.º n.º10 LAV/APA. Se assim não fosse, estaria aberta a
porta para manobras dilatórias de uma das partes.

Não é este, porém, o regime actualmente em vigor no nosso ordenamento jurídico. Face à
letra clara do artigo 21.º n.º4 LAV, a decisão pela qual o tribunal arbitral se declara
competente apenas pode ser impugnada em recurso ou acção de anulação de sentença
arbitral.

Voltando à situação em que existem dúvidas sobre a validade da convenção de


arbitragem, se o autor optar por propor acção no tribunal judicial e a parte contrária
alegar a excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário, há que definir a posição do
juiz face a esta invocação. São várias as possibilidades da sua actuação: pode ura e
simplesmente declarar a excepção e absolver da instância ou pode averiguar da existência
e validade da convenção.

345
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 136; Teixeira de Sousa, Estudos sobre o
novo processo civil, 1997, p. 135.
346
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 140.
347
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 136 e seguintes.
130

Há aqui três níveis possíveis de apreciação. Em primeiro lugar, pode defender-se que os
tribunais judiciais não devem analisar qualquer questão que possa implicar a
incompetência do tribunal arbitral, suspendendo a instância judicial e remetendo o
processo para o tribunal arbitral que tomará a sua decisão. Nesta posição, não só os
tribunais arbitrais têm competência para apreciar a sua competência, como a têm
prioritariamente em relação aos tribunais judiciais. Estes não têm competência para aferir
da jurisdição dos tribunais arbitrais antes de proferida a decisão pelo tribunal arbitral.

Na posição exactamente oposta a esta, invoca-se o artigo 290.º CPC que impõe ao
tribunal judicial que analise, em toda a sua amplitude, a validade do compromisso arbitral
celebrado na pendência da acção. Se esta é a regra para o compromisso arbitral celebrado
na pendência da acção, deverá também ser para qualquer convenção de arbitragem. Nesta
hipótese, o tribunal judicial averigua com a máxima extensão os requisitos de existência e
validade da convenção arbitral.348

Por fim, pode defender-se que o tribunal judicial apenas pode decidir-se pela
incompetência do tribunal arbitral nos casos de manifesta nulidade da convenção arbitral.
Esta posição utiliza como argumento a aplicação analógica do artigo 12.º n.º4 LAV,
preceito é aplicável aos casos em que falta a nomeação de um árbitro, normalmente
porque a parte demandada o não indicou. Nestes casos, é pedido ao presidente do tribunal
da relação da sede da arbitragem para que indique esse árbitro em falta. Ora, se a
convenção de arbitragem for manifestamente nula, deve o presidente do tribunal da
relação declarar não haver lugar à designação de árbitros. Utilizando este critério,
defendem Lopes dos Reis e Lima Pinheiro que o padrão de análise da procedência ou
improcedência da excepção deve ser o mesmo – a manifesta nulidade (aqui entendida
como invalidade ou ineficácia em termos amplos).349

348
Parece ser esta a posição de Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 1997, p.
134-5.
349
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 136; Lopes dos Reis, A excepção da
preterição do tribunal arbitral (voluntário), 1998, p. 1129. Também neste sentido, Patrícia
Guerra, O princípio da autonomia do tribunal arbitral quando à apreciação da sua jurisdição,
2010, p. 63.
131

A jurisprudência sobre excepção de preterição de tribunal arbitral voluntária ignora, por


regra, esta problemática, analisando a validade da convenção sem se preocupar com os
eventuais limites do seu poder de apreciação. 350 Digno de registo, porque se afasta deste
panorama, é o Caso Trespasse, Acórdão proferido pela Relação de Lisboa em 2007 351.
Tratava-se de uma acção de despejo em que era discutido se haveria competência dos
tribunais arbitrais. O problema não era de existência da convenção, mas da arbitrabilidade
do litígio em face da norma do revogado RAU que determinava que a acção de despejo
tinha de ser proposta em tribunal. Esta fórmula legal implica competência exclusiva do
tribunal judicial? A Relação de Lisboa entende que é questão discutível e, logo, não há
manifesta nulidade da convenção. Remete, então, as partes para os tribunais arbitrais.

Nenhuma das soluções apresentadas para este problema é perfeita.

Do ponto de vista da economia processual, a posição que não permite aos tribunais
judiciais a análise da competência do tribunal arbitral é geradora de atrasos injustificáveis
quando seja notório que a convenção de arbitragem é inexistente ou inválida. É uma
perda de tempo obrigar à constituição do tribunal arbitral para declarar algo que é
notório. Em termos dogmáticos, esbarra com a consideração de que os tribunais judiciais
são também eles competentes para apreciar a sua própria competência. Aliás, a teoria da
kompetenz-kompetenz não surgiu para os tribunais arbitrais, sendo aplicável também aos
tribunais judiciais.352 Repare-se nesta asserção tão evidente: se os tribunais arbitrais não
têm jurisdição, então os judiciais têm. E estes têm, naturalmente, a competência para
declarar se eles próprios são competentes. A tese mais radical não me parece, assim, ter
sustento teórico, mas sobretudo tem, do ponto de vista prático, desvantagens
consideráveis no que à economia processual diz respeito.

A tese oposta a esta – a que entende poder o tribunal judicial apreciar exaustivamente a
jurisdição do tribunal arbitral – tem, na verdade e apenas, desvantagens em ambientes

350
Patrícia Guerra, O princípio da autonomia do tribunal arbitral quando à apreciação da sua
jurisdição, 2010, p. 57 e seguintes.
351
Em 5 de Junho, Processo n.º 1380/2007-1. Este Acórdão foi depois seguido de muito perto no
Caso Acordo-Quadro, também da Relação de Lisboa.
352
Miguel Galvão Teles, A competência da competência do tribunal constitucional, 1995, p. 105 e
111.
132

jurisprudenciais avessos à arbitragem. O receio de que os tribunais judiciais sejam mais


exigentes do que o necessário na admissibilidade da arbitragem é aquilo que, em rigor,
tem levado alguns autores a defender esta teoria. A pressuposição é a de que os tribunais
judiciais desconfiarão da arbitragem, recusando a sua jurisdição em casos em que os
tribunais arbitrais não teriam dúvida em admiti-la. Neste sentido, os tribunais judiciais
deveriam apreciar, sempre em primeiro lugar, a validade e a eficácia da convenção
arbitral.

Do ponto de vista teórico, esta teoria desrespeita o princípio da autonomia privada ao


coarctar a margem de apreciação do tribunal arbitral, assim contrariando a vontade das
partes (no momento da celebração da cláusula arbitral). Num argumento sistemático, não
se coaduna bem com a análise superficial da convenção prevista no artigo 12.º n.º4 LAV.
Aqui apenas se admite uma análise da manifesta nulidade, não da validade ou eficácia da
convenção em toda a sua extensão. Se é este o padrão do exame no caso da falta de
designação de um dos árbitros, parece não fazer muito sentido exigir outro nível na
apreciação da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário.

A última tese, que é, afinal, um compromisso entre as duas anteriores, parece ser a que
melhor se adapta à natureza da arbitragem voluntária. Por um lado, respeita o princípio da
autonomia privada, a desjudicialização pretendida pelas partes aquando da celebração da
convenção; por outro, não o leva ao exagero de não permitir ao tribunal judicial apreciar
uma manifesta inexistência ou invalidade da convenção; por último, compagina-se bem
com o padrão de análise constante do artigo 12.º n.º4 na situação paralela da designação
de árbitros pelo presidente do tribunal da relação.

Esta é também a posição proposta na LAV/APA, no artigo 5.º n.º1, assim se adoptando
em definitivo o efeito negativo do princípio da competência da competência, que não faz
mais do que atribuir à celebração da convenção de arbitragem um efeito de exclusão da
jurisdição dos tribunais judiciais em relação aos litígios abrangidos por essa convenção.
De acordo com um dos autores do projecto, António Sampaio Caramelo, pretendeu-se
133

que os árbitros sejam os primeiros juízes da sua competência, estabelecendo-se uma regra
de prioridade cronológica quanto à tomada de decisão sobre a competência.353

Esta tese traz a dificuldade de saber o que é a manifesta nulidade.

Lopes dos Reis entende que o tribunal judicial tem apenas de verificar a existência,
meramente factual ou material, de uma convenção susceptível de aplicação ao litígio
trazido perante si.354

Aprofundando um pouco mais, na medida do possível, o que deve ser considerada a


manifesta nulidade, diria que é seguramente aquela invalidade que não necessita de mais
prova para ser apreciada. Repare-se que se vai buscar o critério ao artigo 12.º n.º4, ao
processo especial de designação de árbitro pelo presidente do tribunal da relação.

Estamos, então, num processo especial, em que o pedido é muito limitado e, logo, os
poderes de cognição não são vastos. Neste ponto de vista, julgo que fará sentido
interpretar esta «manifesta nulidade» como abrangendo os casos em que não tem de ser
produzida mais prova. Este requisito afasta à partida qualquer alegação de vícios da
vontade na celebração do contrato, deixando ao tribunal judicial apenas a consideração
dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade.

Mas ainda assim parece-me que se deve restringir o nível de análise. Quando existirem
dúvidas sobre a validade da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da
excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário.

Explicando este último requisito, parece-me que se o problema estiver na arbitrabilidade


do litígio, a manifesta nulidade deve apenas incidir sobre aqueles direitos cuja
indisponibilidade esteja fora de discussão doutrinária. Se estivermos perante direitos em
que a doutrina se divide quanto à sua disponibilidade ou indisponibilidade e consequente
arbitrabilidade, o tribunal judicial não deve tratar sequer da questão remetendo-a para o
tribunal arbitral. É, mais uma vez, esta formulação que melhor respeita a autonomia das
partes, a sua vontade, e, sobretudo, a autonomia da jurisdição arbitral.

353
Sampaio Caramelo, A reforma da lei da arbitragem voluntária, 2009, p. 14-5.
354
Lopes dos Reis, A excepção da preterição do tribunal arbitral, 1998, p. 1124.
134

Uma última questão, que só pode ser respondida depois da tomada de posição sobre este
problema, é a da eficácia das decisões sobre a jurisdição de um tribunal (arbitral ou
judicial) em relação ao outro. Em coerência com a posição defendida, quando o tribunal
judicial decide julgar procedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, limita-se a
declarar que a convenção de arbitragem não é manifestamente nula, o que é diferente de
declarar que a convenção é válida. Logo, o tribunal arbitral pode, posteriormente, na
apreciação da sua competência vir a decidir que é incompetente por a cláusula arbitral ser
inválida. Esta é a única posição que se pode aceitar quando se defenda a posição
intermédia.355

Naturalmente, quem defenda a possibilidade de análise exaustiva da convenção, entende


que a decisão do tribunal judicial vincula o tribunal arbitral – é o caso de Miguel Teixeira
de Sousa. Mas o Autor defende também regra idêntica para a situação inversa: se o
tribunal arbitral se julgar incompetente, esta decisão vincula o tribunal judicial. 356 Tendo
em conta que o tribunal arbitral analisa exaustivamente a sua competência e que está, na
sua natureza jurisdicional, numa situação paralela à dos tribunais judiciais, parece-me
correcta esta posição. A decisão de incompetência do tribunal arbitral vincula o tribunal
judicial.357

Mas subsiste ainda um problema - o da impugnabilidade da decisão de incompetência.


Esta questão divide-se em duas: a da admissibilidade de acção de anulação e a da
recorribilidade da decisão. Lima Pinheiro afirma não ter dúvidas de que a acção de
anulação não é possível, mas admite a recorribilidade da decisão (caso as partes não
tenham renunciado aos recursos).358 O projecto de LAV/APA não resolve este problema,
permanecendo a dúvida caso venha a ser adoptado.

355
No mesmo sentido, Lopes dos Reis, A excepção de preterição do tribunal arbitral (voluntário),
1998, p. 1129.
356
Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 1997, p. 135.
357
Patrícia Guerra, O princípio da autonomia do tribunal arbitral quanto à apreciação da sua
jurisdição, 2010, p. 60; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 141; Raúl Ventura,
Convenção de arbitragem, 1986, p. 374.
358
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 141.
135

Parece-me que, face à regra em vigor – a da recorribilidade das decisões arbitrais que
ponham fim à instância – deve admitir-se o recurso desta decisão. 359 Alterando-se a regra,
como acontece na LAV/APA, não deve admitir-se o recurso.

5.5. Constituição do tribunal

Pretendendo uma das partes iniciar o processo arbitral, é necessário previamente


constituir esse tribunal. Ao contrário do processo judicial que se inicia com os pedidos, na
arbitragem é necessário primeiro formar o tribunal arbitral e escolher os terceiros,
privados, que o vão constituir.

Esta necessidade prévia pode não existir em alguns centros de arbitragem


institucionalizados, por exemplo, nos centros de arbitragem de consumo portugueses. Aí
há um árbitro único e permanente que julga todas as acções que dão entrada no seu
centro. Nos centros internacionais de arbitragem institucionalizada (CCI, LCIA, CIRDI)
a regra é diferente, na medida em que o centro de arbitragem funciona como apoio
administrativo (com diversas e relevantes funções), constituindo-se os tribunais
especificadamente para cada acção. O mesmo se passa no Centro de Arbitragem
Comercial (artigo 5.º e seguintes RCAC).

Só após a constituição do tribunal arbitral se inicia a tramitação processual propriamente


dita. O procedimento para constituição principia com o envio de uma carta registada com
aviso de recepção à contraparte (artigo 11.º n.ºs 1 e 2 LAV).

Dessa carta deve constar a convenção de arbitragem, a designação do árbitro ou árbitros


pela parte que se propõe instaurar a acção e o convite à outra parte para designar o árbitro
ou árbitros que lhe cabe indicar (artigo 11.º n.º4 LAV).

A LAV/APA não contém qualquer norma idêntica a esta, à semelhança aliás do acontece
na Lei Modelo UNCITRAL. A única regra relativa ao início do processo arbitral
encontra-se no artigo 33.º da LAV/APA, idêntico ao artigo 21.º n.º 1 da Lei-Modelo, nos
termos do qual o processo arbitral tem início na data em que o pedido de submissão desse
Contra Patrícia Guerra, O princípio da autonomia do tribunal arbitral quanto à apreciação da
359

sua jurisdição, 2010, p. 46.


136

litígio a arbitragem for recebido pelo demandado, salvo convenção das partes em
contrário.

Se pensarmos bem, não é de facto necessário estabelecer o modo como se desenrola o


processo de constituição do tribunal arbitral. É necessário que se respeitem os termos da
cláusula compromissória e, com isto, a vontade das partes no momento da sua celebração.
Também é de acautelar a prova da iniciativa da parte decide recorrer à arbitragem, o que
se traduz em a demandante provocar o conhecimento da parte contrária acerca da sua
intenção através de meio com eficácia probatória. Pode ser por carta registada, mas
também poderá ser por qualquer outro meio que assegure estes propósitos.

O tribunal arbitral pode ser constituído por um único árbitro ou por vários, em número
ímpar. O número de árbitros pode ser fixado na convenção de arbitragem ou em escrito
posterior assinado pelas partes. Se não houver estipulação contratual, o tribunal é
composto por três árbitros, um designado por cada parte e o terceiro por esses dois
(artigos 6.º e 7.º LAV). A maioria dos regulamentos de centros de arbitragem
institucionalizados adopta, porém, supletivamente a regra oposta: no silêncio das partes, o
tribunal é composto apenas por um árbitro. A LAV/APA mantém a regra da actual
legislação: na falta de indicação, o tribunal arbitral é constituído por três árbitros (artigo
8.º n.º2).

A artigo 6.º LAV exige que o número de árbitros seja ímpar. No entanto, pelo menos um
tribunal arbitral institucionalizado, o da Comissão Arbitral Paritária emergente de
contrato colectivo celebrado entre a Liga Portuguesa de Clubes de Futebol Profissional e
o Sindicato Nacional de Jogadores de Futebol Profissional, prevê um tribunal arbitral
com seis árbitros, três nomeados pela Liga e três pelo Sindicato.

A eventual violação do artigo 6.º LAV por este regulamento arbitral foi exaustivamente
analisada no Caso dos Seis Árbitros360, tendo o Tribunal da Relação do Porto concluído
que a Lei da Arbitragem Voluntária apenas se aplicava subsidiariamente à arbitragem no
âmbito do Direito do Trabalho. Outras disposições legais referidas pelo tribunal permitem

360
Acórdão Relação do Porto, 3 de Fevereiro de 2009, Proc. n.º 0825802.
137

chegar à conclusão que há, realmente, derrogação do artigo 6.º LAV no âmbito da
arbitragem laboral.

O essencial é que em todo o procedimento de constituição do tribunal seja respeitado o


princípio da igualdade das partes, que aqui se traduz na identidade da sua influência na
constituição do tribunal arbitral. Embora tal regra não conste dos artigos que regulam esta
matéria (artigos 6.º, 7.º e 11.º LAV), a doutrina tem entendido que está subjacente aos
mesmos e que pode aplicar-se analogicamente a previsão constante do artigo 16.º LAV.361

O respeito por este princípio é mais difícil de se verificar em arbitragens com pluralidade
de partes, na medida em que, havendo número de partes diferentes em cada um dos lados
da acção, a nomeação de um árbitro por cada uma torna-se impossível. A este propósito
pode ver-se o Caso Teleweb 362, em que se discutiu um caso em que havia duas rés e uma
delas entendia que tinha direito a nomear um árbitro ou, em alternativa, a separar os
processos arbitrais. Fundamentava-se no princípio da igualdade. O Tribunal não lhe deu,
porém, razão. Este tema enquadra-se já no problema das arbitragens complexas e será aí
tratado.363

Seja como for a violação do princípio da igualdade gera irregularidade na constituição do


tribunal arbitral, pelo que é fundamento de invalidade nos termos do artigo 27.º n.º1 b)
LAV.364

O processo de constituição do tribunal arbitral desenrola-se, assim, com a participação de


ambas as partes. Pode, porém, acontecer que a contraparte se recuse a indicar o seu
árbitro. Nos termos do artigo 12.º LAV, em todos os casos em que falte a nomeação de
um árbitro, essa nomeação é feita pelo presidente do tribunal da relação do lugar fixado
para a arbitragem.

361
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 125.
362
Acórdão Relação de Lisboa, 18 de Maio de 2004, Proc. n.º 3094/2004-7.
363
Cfr. infra 5.8..
364
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 125.
138

A legitimidade para requerer esta nomeação cabe às partes e não aos árbitros. Trata-se de
legitimidade processual, aferida em função do interesse em pedir (artigo 26.º CPC), e só
as partes têm interesse no prosseguimento da acção arbitral.365

O artigo 12.º n.º4 LAV estatui que se a convenção arbitral for manifestamente nula, o
presidente da relação decide que não há lugar à designação de árbitros, isto é, impede a
constituição do tribunal arbitral, remetendo as partes para o processo judicial. A ratio
desta norma é claramente de economia processual: não faz sentido constituir um tribunal
arbitral cujas decisões serão anuladas por incompetência decorrente de manifesta
invalidade da convenção arbitral.

Embora o elemento teleológico seja fácil de compreender, a norma levanta dificuldades


não despiciendas de interpretação que já tratei a propósito do efeito negativo do princípio
da competência da competência do tribunal arbitral, previsto no artigo 21.º LAV.366

5.6. Estatuto do árbitro

Aspecto central do estudo da arbitragem e de contribuição decisiva para a sua


credibilidade é a do estatuto do árbitro. O estatuto do árbitro pode ser definido como
contendo todos os direitos e deveres dos árbitros durante o processo arbitral.367

A LAV é parquíssima nas regras que regulamentam esta matéria. Não foge, porém, à
regra da maioria das legislações estrangeiras sobre arbitragem, onde a matéria dos
direitos e deveres dos árbitros tem sido relegada para instrumentos de ética profissional,
como códigos deontológicos e outros meios de regulação privada.368

Em Portugal, é de destacar o projecto de Código Deontológico da APA e a nível


internacional as regras da IBA. Estes textos serão mais à frente retomados.

365
Lopes dos Reis, Questões de Arbitragem ad hoc, 1998, p. 495. Em comentário a Acórdão da
Relação de Lisboa de 10 de Fevereiro de 1994 que decidiu em sentido contrário.
366
Cfr. supra ponto 5.4..
367
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 557.
368
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 557.
139

Os árbitros devem ser pessoas singulares e plenamente capazes (artigo 8º LAV). Não há
quaisquer restrições quanto à área de formação ou quanto às habilitações literárias. O
mais frequente, porém, quer em arbitragens domésticas, quer em internacionais, é ser
nomeado árbitro um jurista. Na convenção de arbitragem podem as partes definir critérios
para a eventual designação dos árbitros, podendo até indicar desde logo quem pretendem
que seja o ou os árbitros. Contudo, não é aconselhável entrar em demasiado pormenor,
porque o momento em que o litígio aparece é incerto e pode ser difícil, nessa ocasião,
respeitar as indicações das partes na convenção. São conhecidas situações de árbitros
indicados na convenção que já faleceram no momento em que ocorre o litígio ou em que
são exigidas qualidades técnicas muito específicas, que limitam a um número muito
reduzido de pessoas os possíveis árbitros.

A lei portuguesa, ao contrário de outras, é explícita no sentido de não ser admissível que
pessoas colectivas sejam árbitras.369 A LAV/APA mantém esta regra, no artigo 9.º n.º1. A
restrição pode justificar-se pela necessidade de imparcialidade do árbitro, qualidade que a
lei portuguesa afere através dos impedimentos e suspeições dos juízes, tornando
impossível ou difícil a sua verificação caso se trate de pessoa colectiva.370

O tipo de relação jurídica existente entre árbitros e partes é discutido. Os defensores da


tese contratualista entendem que entre as partes e os árbitros existe um contrato ou vários
contratos independentes entre si.371 A tese legalista nega a existência de qualquer contrato,
defendendo que os árbitros limitam-se a aderir à convenção de arbitragem celebrada pelas
partes.372 A questão reflecte as dificuldades de caracterização da própria natureza jurídica
da arbitragem, se contratual, se jurisdicional, se mista. Parece-me que a posição legalista
se aproxima da tese jurisdicional da arbitragem e a contratualista da sua oposta. Nenhum
delas explica inteiramente a relação decorrente do exercício das funções de árbitro.
Haverá elementos jurisdicionais e elementos contratuais, poderes dos árbitros que se

369
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.128.
370
Romano Martinez, Análise do vínculo jurídico do árbitro em arbitragem voluntária ad hoc,
2005, p. 831.
371
Manuel Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 321 e seguintes.
372
Romano Martinez, Análise do vínculo jurídico do árbitro em arbitragem voluntária ad hoc,
2005, p. 839.
140

justificam por um vínculo contratual e poderes dos árbitros que apenas existem por existir
previsão legal.

Uma resposta segura a esta questão podia ser importante para definir o regime da
responsabilidade civil dos árbitros. Os artigos 9.º n.º 3 e 19.º n.º 5 LAV estabelecem a
obrigação de indemnizar em casos específicos, mas nada dizem sobre o regime de
responsabilidade aplicável, se contratual, se extracontratual. Ora, se a relação jurídica
entre as partes e os árbitros é contratual, então a responsabilidade seria contratual; já se
tem por fonte a lei, a responsabilidade será extracontratual.

No entanto, a doutrina tem assumido a este propósito posições idênticas, ainda que
baseadas em pressupostos teóricos diversos. O entendimento comum é que a
responsabilidade relativa a actos jurisdicionais (maxime a prolação de sentença) segue o
regime da responsabilidade dos magistrados, sendo necessária a verificação de dolo ou
culpa grave; já a responsabilidade por actos não jurisidicionais (por exemplo, a não
decisão no prazo legal ou contratual) segue o regime da responsabilidade contratual,
presumindo-se a culpa.373 É este o regime da LAV/APA: no seu artigo 9.º n.º4 equipara os
árbitros aos juízes no que diz respeito aos danos decorrentes das decisões arbitrais; nos
artigos 12.º n.º 3 e 43.º n.º4 estabelece-se a responsabilidade geral dos árbitros por
injustificadamente se escusarem ao exercício das suas funções ou obstarem a que a
decisão seja proferida no prazo.

É comum chamar-se aos árbitros designados por cada uma das partes árbitros de parte.
Um tema ainda polémico o nosso ordenamento jurídico é o do estatuto do árbitro de
parte. A questão a que interessa responder é a de saber se, no quadro de direito positivo,
existe um estatuto diferenciado: no essencial se o árbitro de parte está ou não obrigado a
dever de imparcialidade e independência idêntico ao árbitro-presidente ou não designado.

A LAV é parquíssima nas regras sobre estatuto do árbitro, limitando-se a remeter para o
regime de impedimentos e escusas dos magistrados judiciais – artigo 10.º n.º1. Esta
remissão não é, porém, aplicável a todos os árbitros, mas apenas àqueles que não [foram]

373
Bernardo Reis, O Estatuto dos árbitros, 2009, p. 50-2; Manuel Barrocas, Manual de
Arbitragem, 2010, p. 317; Romano Martinez, Análise do vínculo jurídico do árbitro em
arbitragem voluntária ad hoc, 2005, p. 841.
141

nomeados por acordo das partes. Esta expressão não é clara, podendo ser interpretada no
sentido de excluir ou de integrar os árbitros de parte. Parece, porém, que uma sua leitura
cuidada impõe a conclusão de que pretende apenas excluir os árbitros que foram
nomeados com o acordo de ambas as partes.374

A LAV remete o árbitro de parte para o regime dos impedimentos e escusas dos
magistrados judiciais previsto nos artigos 122º e seguintes do Código de Processo Civil,
em especial nos artigos 122.º e 127.º. O interesse maior desta remissão não é tanto a
utilização das específicas facti-species de cada uma das alíneas aí previstas, mas antes a
aplicação do princípio ou cláusula geral que lhes está subjacente – a de que o juiz tem de
ser imparcial.

O capítulo intitula-se, aliás, garantias de imparcialidade e na norma relativa à suspeição –


artigo 126.º n.º1 CPC, parte final – é estabelecido que o juiz pode pedir dispensa em
todas as situações em que entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade. Na
prática existe, aliás, uma regra que aconselha o árbitro a retirar-se do tribunal quando a
sua independência é posta em causa. Tal regra foi transposta para o artigo 5.º do Código
Deontológico do Árbitro da Associação Portuguesa de Arbitragem, de forma bastante
exigente.

A regra do Código de Processo Civil é, assim, sem dúvida a da imparcialidade – não


podia, aliás, ser outra, se falamos em juízes. O árbitro de parte tem, como qualquer outro,
a obrigação de ser independente e imparcial.

O facto de muitas das circunstâncias que normalmente afectam a imparcialidade dos


árbitros não estarem ali referidas não significa que a obrigação de imparcialidade as não
abranja. Pelo contrário, o que interessa é aferir se determinada circunstância afecta ou
não a imparcialidade e perante esse juízo decidir.

Falta realmente na LAV uma cláusula geral de imparcialidade, mas esta omissão encontra
imediata solução através das garantias de imparcialidade dos magistrados judiciais. Na
minha opinião, a omissão nem chega a ser lacuna (em termos técnicos).

374
Lopes Cardoso, Da Deontologia do Árbitro, 1996, p. 35 e seguintes.
142

O regime legal é, pois, idêntico para o árbitro de parte e para o árbitro não designado por
uma das partes: todos estão obrigados a agir com imparcialidade.375

Esta conclusão é, ainda, sufragada por outras fontes do direito, nacionais e internacionais.
Antes de mais cumpre fazer referência ao ambiente jurídico internacional, com especial
incidência na tradição jurídica ocidental. Aqui a regra é claramente a da imparcialidade
de todos os árbitros. Desde a lei-modelo da UNCITRAL à lei sueca ou brasileira,
passando pela lei inglesa ou espanhola, a regra é a da imparcialidade dos árbitros,
independentemente do modo da sua designação.376 Assim o impõe também as Rules of
Ethics da IBA.

A única excepção – na tradição ocidental – é a dos Estados Unidos da América, onde


encontramos prevista a figura do árbitro não neutral. De acordo com o Code of Ethics
aprovado conjuntamente pela American Bar Association e pela American Arbitration
Association, os árbitros de parte, salvo disposição em contrário, não estão obrigados à
imparcialidade.377

Em Portugal as fontes não legais, como a doutrina e a jurisprudência apontam


inequivocamente o caminho da não distinção quanto ao dever de imparcialidade entre
árbitros.378

Fonte importante a ter em conta é o Código Deontológico da Associação Portuguesa de


Arbitragem, que prevê no seu artigo 1.º que o árbitro de parte tem exactamente o mesmo
dever de independência que os outros. A auto-regulação que este código traz é deveras
importante, designadamente tendo em conta que os árbitros portugueses serão na sua
grande maioria membros desta Associação. Também a LAV/APA assume a mesma, sem
distinção do modo de designação dos árbitros, no seu artigo 9.º n.º 3.

As fontes parecem, então, indicar o mesmo caminho: o de que não há motivo para não
exigir ao árbitro de parte a mesma imparcialidade que é exigida ao árbitro presidente.

375
Mário Raposo, Temas de Arbitragem Internacional, 2006, ponto 9.
376
Mário Raposo, Temas de Arbitragem Internacional, 2006, ponto 2.
377
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 237.
378
Agostinho Pereira de Miranda, Arbitragem voluntária e Deontologia, 2009, p. 120.
143

Embora haja clareza nas fontes quanto ao idêntico estatuto de todos os árbitros, há
diversas referências de que a prática não segue a teoria. É bem elucidativa a frase de
Mário Raposo: “Um dos mistérios da arbitragem estará precisamente em que um árbitro
unilateralmente designado passa a ser árbitro das duas partes.”379

Se bem percebo o que se passa na prática, estaremos num ponto intermédio entre estes
dois extremos – existe realmente a percepção de que o árbitro de parte não é um
mandatário de quem o nomeou, devendo agir com independência e imparcialidade. Essa
independência não está, porém, ao mesmo nível que a do árbitro-presidente. Se
quisermos, há uma ideia de que há graus de independência, que não é uma questão de
tudo ou nada. O árbitro de parte não é um mandatário da parte, não faz lobby junto do
árbitro presidente, mas está obrigado a garantir que a posição da parte que o nomeou é
devidamente conhecida e tomada em consideração.

A prática parece admitir um nível intermédio de independência, a teoria exige, porém, um


nível máximo de independência. A melhor solução exige que ponderemos por que razão
se exige imparcialidade aos árbitros. Admitiríamos em termos teóricos uma solução à
americana, de árbitros não neutrais?

Julgo que não – e a resposta negativa não tem a ver com qualquer hipocrisia que possa
subsistir. A imparcialidade e independência dos árbitros – de todos os árbitros – é
consequência directa das suas funções jurisdicionais. Mais: só o desempenho dessas
funções com independência e imparcialidade, que é como quem diz com integridade e
seriedade, permite que o Estado valide estes exercícios privados de jurisdição. O
desenvolvimento da arbitragem depende da sua credibilidade perante os cidadãos e
perante o Estado.

O reconhecimento de efeitos potestativos à convenção de arbitragem implica uma


derrogação do direito constitucionalmente garantido de acesso à justiça – porque as partes
renunciam ao direito a recorrer aos tribunais judiciais. O reconhecimento deste efeito –
que só se verificou com a aprovação da LAV em 1986, assim como a eficácia judicial da

379
Mário Raposo, O Estatuto dos Árbitros, 2007, ponto 1.
144

sentença arbitral exige o respeito pelas regras do processo justo. E a primeira de todas
elas é, evidentemente, a imparcialidade do tribunal que decide o litígio.

Parece-me, pois, que a regra em vigor é a da exigência da imparcialidade do árbitro de


parte, em todos os aspectos e momentos do processo arbitral. A sua função não deve ser
entendida como a de fazer com que a posição da parte que o nomeia seja conhecida,
muito menos no sentido de influenciar o árbitro presidente. Deve, antes, ser a de julgar
com imparcialidade, isenção, integridade o caso que perante si está pendente.

Visto que todos os árbitros, independentemente da sua forma de designação, gozam do


mesmo estatuto, é hora de analisar os seus aspectos mais importantes.

Podemos condensar os mais importantes deveres dos árbitros nos seguintes:


independência e imparcialidade, actuação diligente, confidencialidade380-381.

A primeira obrigação dos árbitros é serem independentes em relação às partes e ao


objecto do litígio. É usual distinguir-se independência de imparcialidade, relacionando a
primeira com a inexistência de relação entre o árbitro e as partes e a segunda com a
inexistência de relação entre o árbitro e o objecto do litígio. 382 Esta distinção é comum em
alguns instrumentos normativos internacionais383, mas no nosso ordenamento jurídico não
encontra correspondência. Parece-me que a sua utilidade é relativamente reduzida: se é
por vezes difícil, na prática, concluir se uma determinada situação é de parcialidade ou de
dependência, nenhuma consequência prática se retira da qualificação como uma coisa ou
outra.

Ao contrário da maioria das legislações de arbitragem e regulamentos arbitrais, a LAV


não consagra nenhum regime para resolver situações em que haja dúvidas quanto à
independência de um árbitro. Dois aspectos importantes desta regulamentação são,
primeiro, a obrigação de revelação de factos que possam gerar falta de independência ou

380
A confidencialidade não é obrigatória na arbitragem, mas é a regra pelo menos na arbitragem
comercial internacional.
381
Bernardo Reis, O Estatuto dos árbitros – alguns aspectos, 2009, p. 19, refere ainda o
cumprimento da missão em prazo, a decisão válida e a não renúncia injustificada.
382
Lopes Cardoso, Da Deontologia do árbitro, 1996, p. 34, nota 6.
383
Por exemplo, as IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration, as Rules
of Ethics for International Arbitrators também da IBA. Disponível em www.ibanet.org.
145

de imparcialidade e, segundo, o regime de dedução das escusas e impedimentos. O


primeiro aspecto é conhecido na arbitragem internacional como o disclosure e o segundo
como o challenge. Na falta de regulamentação específica, entende-se por regra aplicável
o regime processual das garantias de imparcialidade previsto nos artigos 122.º e seguintes
do CPC.384 Não me parece, porém, ser esta a melhor solução. O regime do Código de
Processo Civil está, naturalmente, pensado para magistrados judiciais. Mas mais: o
regime processual dos impedimentos, escusas e suspeições está pensado para juízes
integrados numa orgânica estática, complexa e hierárquica da Justiça. A aplicação deste
regime levanta, por isso, mais dificuldades que certezas, pelo que não faz sentido aplicá-
lo à arbitragem.

É claro que as partes poderão regular um procedimento específico para os casos de


suspeição – a LAV/APA di-lo, aliás, expressamente no artigo 14.º n.º 1. Tal verifica-se,
por norma, nos regulamentos de instituições de arbitragem institucionalizada. O
Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial prevê, por exemplo, que os incidentes
de recusa sejam decididos pelo Presidente do Centro (artigo 11.º n.º3); na arbitragem CCI
a decisão compete ao Court, órgão do centro com uma composição plural (artigo 11.º do
Regulamento).

Na ausência de regras para resolver a questão, qual deve ser o procedimento adoptado
caso uma das partes queira impugnar a designação de um dos árbitros?

Parece-me que o melhor é aplicar o regime da LAV/APA. É certo que esta não é uma lei
com a sua especial força de fonte de Direito, mas é sem dúvida um instrumento de
consensualização de regras proveniente da comunidade arbitral. É quase uma auto-
regulação. Em matérias sensíveis como esta, que estão no limiar do Direito e da
Deontologia, esta solução é ainda mais aconselhável.

O artigo 13.º LAV/APA regula o dever de revelação, sob a epígrafe “fundamentos de


recusa”, estabelecendo que o árbitro tem o dever de revelar quaisquer factos ou
circunstâncias que possam pôr em causa a sua independência ou imparcialidade. Este
dever existe no momento do convite para integrar o tribunal arbitral, permanecendo

384
Bernardo Reis, O Estatuto dos árbitros – alguns aspectos, 2009, p. 30.
146

durante todo o processo. Se durante o decurso do processo arbitral, ocorrer algum facto
que possa pôr em causa a independência do árbitro, este está obrigado a comunicá-lo às
partes e aos demais árbitros (artigo 13.º n.º2 LAV/APA).

Perante a revelação ou perante o conhecimento de factos não revelados, a parte que não
nomeou esse árbitro poderá recusar a sua designação, assim como o poderá requerer a
parte que o designou se os factos objecto de revelação não eram do seu conhecimento.
Esses factos terão, porém, de suscitar fundadas dúvidas sobre a independência do árbitro
(artigo 13.º n.º3 LAV/APA).

O projecto da APA, como aliás a Lei Modelo e os regulamentos arbitrais das instituições
mais conhecidas, não explicita que tipo de factos podem gerar as fundadas dúvidas. É,
como se disse já diversas vezes, uma área sensível, entre o Direito e a Deontologia, onde
a definição de regras muito concretas é impossível. A análise da independência terá
sempre de ser casuística. Ainda assim, alguns organismos tentaram a regulamentação
mais específica do que pode consistir estas fundadas dúvidas e estes documentos têm
servido de inspiração para decidir alguns casos.

Deve destacar-se como instrumento mais influente as IBA Guidelines on Conflict of


Interest in International Commercial Arbitration.385 O documento encontra-se dividido em
duas partes, a primeira contém as regras gerais sobre independência e imparcialidade dos
árbitros, enquanto a segunda estabelece uma aplicação prática das regras gerais. É esta
segunda parte, original em documento normativos deste género, que é muitas vezes
utilizada. A aplicação prática foi efectuada através da criação de três listas: verde, laranja
e vermelha. Estas listas são elencos de factos que podem ou não pôr em causa a
independência do árbitro. A lista vermelha compreende os factos que mais claramente
trazem dúvidas sobre a posição independente do árbitro. Encontram-se aqui factos como
o árbitro ser representante da parte ou o árbitro ter um interesse financeiro directo no
resultado da acção. Já a lista verde é composta por situações que não põem em causa a
isenção dos árbitros. Dela constam factos como o árbitro ter publicado um artigo
académico relativo a uma matéria que é objecto da arbitragem ou o árbitro ter sido

385
Disponível em http://www.int-bar.org/images/downloads/guidelines%20text.pdf
147

membro de um tribunal arbitral anterior em conjunto com o advogado de uma das partes.
Por fim, a lista laranja contém situações que podem levantar dúvidas e, portanto, exigem
uma análise concreta. Por exemplo, o árbitro foi consultor nos últimos três anos de uma
das partes ou dois dos árbitros são sócios da mesma sociedade de advogados.

O Código Deontológico do Árbitro aprovado pela APA exige ao árbitro, no seu artigo 4.º
n.º2, que revele qualquer relação pessoal ou profissional com as partes e seus
representantes legais, qualquer interesse económico, directo ou indirecto, no objecto da
disputa; qualquer conhecimento prévio que possa ter tido da matéria em disputa.

Se, com fundamento no facto revelado ou em outro de que a parte tenha conhecimento,
for pedida a recusa do árbitro, o procedimento adoptado pela LAV/APA está regulado no
artigo 14.º. De acordo com o preceito, o pedido de recusa é decidido pelo tribunal
arbitral, com a participação do árbitro visado. A decisão do tribunal arbitral pode, depois,
ser objecto de impugnação junto do tribunal judicial.

Face ao actual direito positivo, não é possível aproveitar esta última parte da LAV/APA.
O sistema instituído pela nossa LAV é a da impugnação de todas as decisões apenas a
final. É isto que se encontra estabelecido no artigo 21.º n.º4 LAV para a decisão sobre
competência e é um afloramento da regra geral: a de que as decisões interlocutórias do
tribunal arbitral apenas são impugnáveis depois de proferida a sentença arbitral. O regime
da LAV/APA é o oposto, como se viu a propósito precisamente da questão da
competência. Aí permite-se a impugnação imediata da decisão que reconheça
competência ao tribunal arbitral (art. 18.º n.º9), é natural que igual regime valha para a
improcedência do pedido de recusa de árbitro.

À luz, porém, do nosso direito positivo, tal decisão, legitimamente tomada pelo tribunal
arbitral com todos os seus membros, só poderá ser impugnada a final. 386 O fundamento
será, naturalmente, a constituição irregular do tribunal arbitral.

5.7. Processo arbitral

386
Em sentido contrário, por aplicação do regime de tramitação do incidente do Código de
Processo Civil, Bernardo Reis, O Estatuto dos árbitros – alguns aspectos, 2009, p. 36.
148

A Lei da Arbitragem Voluntária contém apenas quatro normas relativas ao processo


arbitral. Uma relativa ao momento e modo da escolha dessas regras (artigo 15.º), uma
sobre os princípios fundamentais a observar no processo arbitral (artigo 16.º), uma
terceira sobre representação das partes (artigo 17.º) e, por último, uma norma sobre prova
(artigo 18.º).

A quase ausência de regras justifica-se na medida em que são escolhidas pelas partes ou
pelos árbitros, tendo como único limite os princípios fundamentais do processo justo. A
única baliza ao poder de conformação processual das partes são os princípios processuais
constantes do artigo 16.º LAV.

A arbitragem mantém aqui, como em todos os aspectos, a sua natureza privada,


contratual. As regras processuais são, assim, aquelas que as partes entenderem ser
adequadas ao julgamento do seu caso. Há limites imperativos (como em todas as
matérias), que se podem reconduzir, em geral, às regras do processo equitativo.

5.7.1. A escolha das regras arbitrais

Antes, porém, de analisar as regras processuais, é necessário fazer uma breve referência
ao seu modo da escolha. O artigo 15.º LAV determina que as partes podem escolher a
tramitação processual desde que o façam até à aceitação do primeiro árbitro. As regras
devem constar de um escrito que pode ser a própria convenção arbitral ou ser posterior. O
acordo pode consistir na criação de um processo específico ou a simples remissão para
regulamentos de arbitragens de centros de arbitragem institucionalizados ou legislações
nacionais ou quaisquer outros instrumentos normativos (por exemplo, as Arbitration
Rules da Uncitral).

Na falta desta elaboração pelas partes, as regras são determinadas pelos árbitros que têm
as mesmas opções: criação de regras próprias, remissão para regras pré-estabelecidas.
Estas regras são mantidas no projecto de LAV da APA (artigo 30.º n.ºs 2 e 3).

A lei não estabelece em que momento devem os árbitros criar essas regras, nem o modo
de o fazer. Tal omissão só nos pode levar a concluir que a competência processual do
149

tribunal arbitral é permanente, isto é, que permanece durante toda a arbitragem. Claro que
é aconselhável a elaboração destas regras num momento inicial, na primeira reunião dos
árbitros ou dos árbitros com as partes. Dificilmente, aliás, se poderá prosseguir com o
processo arbitral sem a existência dessas regras. A sua falta pode gerar instabilidade grave
no processo arbitral, constituindo violação das regras processuais mínimas. E, logo, do
princípio do processo equitativo.

É, portanto, aconselhável que a elaboração das regras de tramitação processual se faça no


momento inicial do processo, de preferência na primeira oportunidade.

Questão diferente desta é o modo de elaboração dessas regras. A LAV atribui a


competência aos árbitros (na falta da escolha pelas partes), mas é também recomendável
que se procure colaboração das partes neste trabalho. Conseguir aliás a sua colaboração e
acordo pode ser importante para evitar posteriores invocações de vícios geradores de
anulabilidade da sentença arbitral.

A doutrina tem sugerido a marcação de uma reunião preliminar entre árbitros e partes
precisamente para a escolha e elaboração das regras de tramitação processual. O
agendamento desta reunião é especialmente importante em casos em que as partes e os
árbitros provêm de ambientes culturais diferentes.387 Mas mesmo em arbitragem
doméstica, esta reunião pode fazer sentido, designadamente para evitar o recurso às
regras do processo civil.

A liberdade de criação de regras de tramitação processual é enorme, originando uma


oportunidade para escolher normas adequadas ao caso concreto. William Park utiliza uma
imagem elucidativa ao comparar a arbitragem com o deus grego Proteus, figura
mitológica que mudava de figura, mantendo-se sempre o mesmo.388

Todavia, a realidade tem demonstrado que nem sempre são escolhidas regras para o caso.
Por um lado, na maioria dos casos as partes não seleccionam as regras antes de o litígio
ocorrer e, depois, quando ele surge, já não há disponibilidade para negociar. Por outro, os
árbitros têm muitas vezes a tentação de escolher regras processuais pré-definidas,
387
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p.330.
388
William Park, Arbitration’s protean nature, 2004, p. 1.
150

designadamente, em arbitragens domésticas, uma das formas de processo previstas no


Código de Processo Civil (ordinário, sumário ou sumaríssimo).

Esta visão redutora do processo arbitral é criticável e é, inclusive, contraditória com a


natureza alternativa deste meio de resolução de litígios. Uma das vantagens da arbitragem
é, precisamente, a possibilidade de regras processuais flexíveis, quase casuísticas, que
permitam um tratamento célere e adequado do caso. Um dos dilemas do processo civil é
ser uma forma rígida, onde têm de caber todos os casos da vida, independentemente da
sua diferente natureza ou valor. É certo que o atraso crónico dos tribunais portugueses
tem diversas justificações, mas uma delas – e de importância não desprezável – é
precisamente o conjunto rígido, formalista e ancestral das regras que os regem.

Faz sentido, pois, encontrar o melhor conjunto de regras processuais possíveis para o que
se antecipa venha a ser aquele conflito. Não só faz sentido, como parece ser um
imperativo ético dos árbitros.389

Esta criação de regras não significa, obviamente, uma incerteza quanto ao processo ou às
suas regras essenciais. Pelo contrário: a fixação inicial de regras claras e simples é uma
garantia de segurança e eficiência do processo arbitral.390

O projecto da APA estabelece no artigo 30.º n.º3 que os árbitros devem indicar a lei
processual subsidiariamente aplicável, visando com este normativo afastar em definitivo
a aplicação subsidiária automática do nosso Código de Processo Civil. De acordo com o
comentário constante do projecto391, com esta regra apenas será aplicável
subsidiariamente o Código de Processo Civil se o tribunal arbitral expressamente o disser.

O intuito é de louvar e de entender devidamente, porque o teor da regra pode conduzir ao


equívoco de se entender que é sempre necessário indicar uma legislação processual
subsidiariamente aplicável. Não é este o conteúdo da norma, mas antes aquele que a nota
explica. Assim, pode não existir qualquer legislação processual aplicável. Parece-me,
aliás, que esse é a melhor opção – é preferível inserir uma regra no regulamento arbitral

389
Manuel Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 384.
390
William Park, Arbitration’s protean nature, 2004, p. 3, chama a atenção para a insegurança que
uma excessiva discricionariedade dos árbitros pode gerar.
391
Nota 94.
151

que indique serem os árbitros os competentes para decidir dúvidas e lacunas desse
regulamento do que remeter para o nosso ou outro Código de Processo Civil. Esta
solução é seguramente mais conforme à arbitragem do que a sua alternativa.

É tempo, pois, de deixar o CPC e ponderar diversas soluções ao dispor das partes e do
tribunal em matéria de processo arbitral. A escolha até pode ser parecida com a
tramitação processual civil portuguesa, mas se assim for deve sê-lo por ser o processo
adequado e não por ignorância de outras possibilidades.

Esta selecção só pode ser feita, evidentemente, se se conhecerem diversas realidades


processuais. A formatação num rito único, do qual se já esqueceram as razões, é algo que
não faz sentido (nem no processo judicial, muito menos na arbitragem). Deve criar-se o
modelo mais adequado ou criar um híbrido, o que se faz através de uma comparação
sintética dos diversos regimes processuais.

Este conhecimento de regras processuais começa pelo nosso próprio processo civil (que
tem também algo de positivo), mas tem de ir mais além. Ainda ao nível dos processos
judiciais, é útil conhecer o regime processual experimental (Decreto-Lei 108/2006, de 8
de Junho) e o regime do processo nos Julgados de Paz.

O Regime Processual Experimental está em vigor em Portugal desde 15 de Outubro de


2006 nos Juízos Cíveis do Porto, Almada e Seixal e na Pequena Instância Cível do
Porto.392 Nestas comarcas substitui o Código de Processo Civil, que se aplica apenas
subsidiariamente.393

A nota mais marcante deste Regime é o dever de gestão processual estabelecido no seu
artigo 2.º. De acordo com essa regra, o juiz enquanto director do processo tem o dever de
adoptar a tramitação processual adequada à causa, adaptar o conteúdo e a forma dos actos

392
O regime foi alargado aos tribunais de Barreiro, Matosinhos e às Varas Cíveis do Porto pela
Portaria n.º 1244/99, de 13 de Outubro, que deveria ter entrado em vigor em 4 de Janeiro de 2010.
Esta Portaria foi, porém, revogada em 31 de Dezembro de 2009 (pela Portaria n.º 1460-B/2009,
de 31 de Dezembro), não se tendo, em consequência, concretizado esse alargamento. O RPE
mantém-se em vigor apenas nos tribunais de Almada, Seixal, Juízos Cíveis e Pequena Instância
Cível do Porto.
393
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 25.
152

processuais ao fim que visam atingir, garantir que não são praticados actos inúteis e
adoptar os mecanismos de agilização processual previstos na lei.

Este dever de gestão processual reúne, num único normativo, poder de direcção e
princípio da adequação formal, previstos respectivamente nos artigos 265.º e 265.º-A
CPC. Mas acrescenta algo, estabelece um poder-dever que consiste na obrigação de o juiz
fazer uma aplicação criteriosa das regras processuais. O juiz fica obrigado a uma reflexão
crítica sobre toda a tramitação e todo o acto, tendo de os analisar em função do que é
mais adequado a atingir com rapidez e justiça a solução para aquele caso.394

O dever de gestão processual implica, assim, que as regras processuais podem ser
afastadas. Por essa razão, a tramitação processual constante deste diploma é reduzida e
simplificada. É interessante notar ainda o artigo 10.º RPE relativo à fase da condensação,
que permite ao juiz a escolha de uma entre várias alternativas: proferimento imediato de
despacho saneador, que pode assumir já a forma de sentença; convocar audiência
preliminar ou designar de imediato dia para audiência final. Em vez de uma regra única,
o preceito oferece uma lista de possibilidades que o juiz, face ao caso concreto,
escolherá.395

Poderá ser interessante consagrar nas regras arbitrais estabelecidas um dever/poder de


gestão processual, que permita aos árbitros flexibilizar o processo caso seja necessário. É
claro que num processo arbitral feito à medida do caso, tal adequação terá já sido feita,
mas o certo é que o que se passa a seguir nunca é inteiramente certo. Tal regra existe nas
396
UNCITRAL Arbitration Rules (artigo 17.º) e no Regulamento do London Court of
International Arbitration (artigo 14.2.) 397.

No Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial 398, por seu turno, não se prevê
qualquer poder deste género. Antes pelo contrário: a regra é o respeito pela tramitação

394
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 31 e seguintes; Luís
Lameiras, Comentário ao Regime Processual Experimental, 2007, p. 29 e seguintes.
395
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 104 e seguintes; Luís
Lameiras, Comentário ao Regime Processual Experimental, 2007, p. 98 e seguintes.
396
Versão de 2010, que entra em vigor em Janeiro de 2011. Disponível em www.uncitral.org.
397
Regulamento disponível em www.lcia.org.
398
Disponível em
http://www.acl.org.pt/Files/Documents/Regulamento%20de%20Arbitragem%20(2008).pdf
153

estabelecida no regulamento. As excepções limitam-se à elaboração prévia de regras


processuais (pelas partes ou pelos árbitros), mas sempre com respeito pelas normas
inderrogáveis do Regulamento e, se elaboradas pelas partes, com o consentimento do
Presidente do Centro ou o tribunal arbitral se já constituído. 399 Repare-se, pois, que não
está prevista a possibilidade de os árbitros adequarem as regras do procedimento ao caso
concreto. Pelo menos em geral, porque em alguns preceitos desse Regulamento surgem
várias opções que os árbitros podem escolher. Por exemplo, no artigo 29.º do
Regulamento está prevista a adopção de regras e prazos para a produção da prova. Regras
que serão proferidas apenas nessa fase (de condensação) e não no início do processo. Há
aqui um momento de gestão processual, especifica para cada caso. E num momento de
enorme importância, a produção da prova.

Uma outra inovação do Regime Experimental é a admissibilidade em todos os casos de


depoimentos apresentados por escrito. A regra encontra-se no artigo 12.º RPE, tendo
como fonte de inspiração regra anterior no Regime da Injunção e da Acção Declarativa
Especial (artigo 5.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro400).

Tendo como fundamento o valor quase absoluto dos princípios da oralidade e da


imediação na produção de prova, o Código de Processo Civil admite apenas em casos
excepcionais a apresentação de depoimentos escritos – artigos 639.º e 639.º-A. Assim,
apenas quando se verificar impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no
tribunal e acordo das partes, o juiz pode autorizar que o depoimento seja prestado por
escrito. Como se sabe, é raríssima a prestação de depoimentos testemunhais por escrito –
não só os requisitos são de difícil verificação, como a sua utilização é contrária à tradição
forense.

A admissibilidade de depoimento escrito no Regime Processual Experimental é total:


nem necessita de acordo das partes, nem se reduz aos casos de impossibilidade de
comparência em tribunal, nem, ainda, se limita aos que conhecem os factos em virtude da
suas funções profissionais.401
399
Artigo 16.º do RCAC.
400
Alterado pela última vez pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro.
401
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 127 e seguintes; Luís
Lameiras, Comentário ao Regime Processual Experimental, 2007, p. 108 e seguintes.
154

Como se verá mais à frente, é prática estabelecida a utilização de depoimentos escritos na


arbitragem, em especial na arbitragem internacional. A sua admissibilidade poderia,
porém, ser questionada no nosso ordenamento jurídico, tendo em conta a remissão do
artigo 18.º LAV para as regras probatórias do Código de Processo Civil. Esta remissão
não deve, porém, ser interpretada restritivamente, como se verá. Mas, mesmo para
aqueles que defendam a restrição aos meios de prova admitidos pela legislação
processual, há legislação processual – esta, experimental – que permite, na máxima
amplitude, a apresentação de depoimentos por escrito.

Por último, há a salientar a concentração na sentença da decisão da matéria de facto


(artigo 15.º RPE), eliminando-se portanto esta enquanto despacho autónomo no processo.
Deixa de existir a separação do julgamento de facto e do julgamento de direito, como
existe no Código de Processo Civil (artigo 653.º e 659.º CPC).402

São estes os pontos do Regime Processual Experimental que poderão servir de inspiração
para a feitura de regras processuais arbitrais. A inovação deste Regime ainda vai até
outros pontos, como a agregação de acções (artigo 6.º RPE) ou a possibilidade de no
procedimento cautelar resolver em definitivo o caso (artigo 16.º RPE), mas estas são
regras que se não referem à matéria estritamente de tramitação processual e que, portanto,
não tem interesse analisar aqui.403

Quanto ao processo nos Julgados de Paz, encontra uma descrição detalhada do regime no
capítulo 6.4. infra. Esta tramitação processual muito simples pode ser interessante para os
processos menos complexos. Em geral, o processo nos Julgados de Paz comporta três
fases: apresentação da pretensão e defesa, mediação 404 e julgamento. Se por um lado, não
há fase de saneamento, por outro a fase das alegações iniciais decorre em simultâneo com
a fase da mediação. Esta inicia-se ao mesmo tempo que corre o prazo de contestação.
Toda a instrução é feita numa audiência final que termina com o julgamento simultâneo

402
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 142 e seguintes; Luís
Lameiras, Comentário ao Regime Processual Experimental, 2007, p. 130 e seguintes.
403
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 58 e 151 respectivamente
e seguintes; Luís Lameiras, Comentário ao Regime Processual Experimental, 2007, p. 44 e 21
respectivamente.
404
As partes podem previamente prescindir da fase da mediação – artigo 49.º LJP.
155

de facto e de direito (artigos 59.º e 60.º LJP). A prova pericial, que fugiria na tramitação
do Código de Processo Civil a este formalismo tão célere, não é admissível – artigo 59.º
n.º3 LJP. Se uma das partes a requerer, o processo é remetido para os tribunais judiciais.
O mesmo se verifica com outro tipo de incidentes, como as intervenções de terceiro ou as
modificações objectivas subsequentes (artigos 39.º, 41.º e 44.º LJP). A ideia é evidente:
ou o processo é simples ou não há lugar para ele nos Julgados de Paz.

O que se poderá retirar de inspiração destas regras é precisamente a sua simplicidade, a


possibilidade de concentrar em muito poucos actos um processo jurisdicional. Um
processo muito simplificado respeita ainda as exigências do processo justo. Em questões
simples ou quando há pouco prova a produzir, poderá ser este o modelo mais adequado.

Para além destes processos especiais que fogem (ou tentam fugir) à tradicional tramitação
e lógica processual civil, faz sentido analisar alguns regulamentos de centros de
arbitragem institucionalizada em Portugal, como os de arbitragem de consumo, quando
os casos sejam simples e as do Centro de Arbitragem Comercial 405 ou do Centro de
Arbitragem de Litígios Civis, Comerciais e Administrativos da Ordem dos Advogados. 406
Ao nível de instrumentos internacionais é importante conhecer os regulamentos da
Câmara de Comércio Internacional407 e do London Court of International Arbitration 408 e
as regras arbitrais da UNCITRAL (UNCITRAL Arbitration rules) 409. Em matéria de
prova, é ainda da maior utilidade consultar as regras da International Bar Association
sobre prova.410

Analisando sucintamente o regulamento de arbitragem do Centro de Arbitragem


Comercial da Câmara de Comércio de Indústria Portuguesa, a tramitação processual
propriamente dita está regulada nos artigos 14º e seguintes, interessando para esta questão
apenas os artigos 28º e seguintes – os posteriores à constituição do tribunal arbitral. Por
se tratar de arbitragem institucionalizada, as peças processuais são apresentadas antes da
405
A actual versão do Regulamento é de 2008 e está disponível em
http://www.acl.org.pt/Files/Documents/Regulamento%20de%20Arbitragem%20(2008).pdf
406
Regulamento disponível em www.oa.pt (Conselho Distrital de Lisboa).
407
Disponível em www.iccwbo.org.
408
Disponível em www.lcia.org.
409
Versão de 2010, em vigor a partir de Janeiro de 2011. Disponível em www.uncitral.org.
410
IBA Rules on the taking of evidence - disponível em www.ibanet.org
156

constituição do tribunal arbitral. Após a sua constituição há lugar a uma audiência


preliminar, onde pode decidir-se de imediato passar para o julgamento de direito,
conferindo-se às partes a possibilidade de produzirem alegações orais (artigo 28.º n.º 4).
Se se entender que o processo tem de prosseguir para produção de prova, o tribunal fixa
as questões litigiosas, define os meios de prova que as partes poderão fazer uso, as regras
e os prazos quanto à sua produção. O tribunal pode ainda fixar o tempo máximo
disponível para a produção de prova e para as alegações orais. Após a instrução, o
tribunal decide no prazo de dois meses (artigo 32.º do Regulamento). Esta é, em termos
muito gerais, a tramitação prevista no regulamento do Centro de Arbitragem Comercial,
mas irei referi-la mais em pormenor ao longo da análise das diversas fases do processo.

Na escolha da tramitação processual mais adequada deve tomar-se em consideração


diversos pontos. A UNCITRAL publicou, aliás, Notas sobre Organização do Processo
Arbitral411 que são da maior utilidade como check list. Tratam questões como lugar da
arbitragem, língua do processo, serviços administrativos, custas, confidencialidade, meios
de comunicação entre partes e entre partes e tribunal, número e limite das peças
processuais, definição dos pontos a decidir, disposições sobre prova (documental,
testemunhas, peritos e testemunhas-peritos), regras sobre as audiências e, finalmente,
sobre a decisão arbitral.

Muito interessante a este respeito é a análise dos Princípios do Processo Civil


Transnacional, elaborados em conjunto pelo American Law Institute e pelo Unidroit,
instituições de harmonização legislativa de referência nos Estados Unidos da América e
na Europa.412 Trata-se de um conjunto de princípios de aplicação universal que tenta
compatibilizar as diversas tradições processuais mundiais, em particular a romano-
germânica com a anglo-saxónica. Assim, para além de consagraram os princípios
mínimos do processo justo, tratam questões controversas como as alterações objectivas
na pendência da instância ou modelos de produção de prova.

411
Disponível em
http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/1996Notes_proceedings.html
412
Principles of Transnational Civil Procedure, publicado pela Cambridge University Press, em
2004; na Uniform Law Review, 2004 (4), p. 750 e seguintes; também disponível em
http://www.unidroit.org/English/principles/civilprocedure/main.htm
157

O artigo 9.º desses princípios refere que um processo será, por regra, organizado em três
fases: preliminar ou dos pedidos; intermédia; final. Na fase preliminar as partes
apresentam as suas pretensões e defesas e identificam a prova mais importante. Na fase
intermédia, o tribunal organiza o processo, estabelecendo um calendário para o mesmo,
aprecia as questões prévias, prepara a produção da prova; na fase final, a prova ainda não
produzida é-o numa audiência, que termina com a decisão do caso.

Não há pois, em termos genéricos, grande mistério na forma de tramitação dos processos.
É necessário que as partes digam o que querem, que o tribunal veja o que mais é
necessário fazer para proferir decisão e ordene ou organize essas outras diligências, que
essas diligências probatórias tenham lugar e que o tribunal decida. É essencialmente isto,
embora haja centenas de pequenas maneiras de o fazer.

Tendo em conta aquilo que interessa em especial a este capítulo, é preferível arrumar
estas pequenas opções em quatro áreas, correspondentes às comuns fases do processo:
alegações das partes, fase intermédia, produção de prova e julgamento, decisão. Separo
aqui produção de prova (e audiência de julgamento) de decisão porque, em arbitragem, é
normal a sua separação. Mas tal separação pode não se justificar sempre.

5.7.2. Alegações das partes

Em primeiro lugar, interessa ver que tipo de peças devem as partes apresentar, se
articulados típicos e complexos, se, sendo o caso mais simples, meros relatos resumidos
das pretensões. Deve ainda ver-se se faz sentido admitir respostas e em que termos. Pode,
pois, fixar-se o número de peças processuais, a admissibilidade de reconvenção e de
resposta à contestação. Pode ainda fixar-se os prazos de apresentação de cada uma destas
peças.413

A LAV é silenciosa em relação a todos estes aspectos, deixando-os inteiramente ao


critério das partes ou dos árbitros. Já a LAV/APA estabelece no artigo 33.º n.º 2 uma
regulamentação algo pormenorizada deste articulados. Assim, na petição o demandante
enuncia o pedido e os factos em que este se baseia, o demandado apresenta em resposta a
413
Cfr. Ponto 9. das UNCITRAL Notes on Organizing Arbitral Proceedings.
158

contestação. A Proposta estipula, ainda, a admissibilidade da reconvenção, caso esteja


dentro dos limites contratuais da convenção de arbitragem (artigo 33.º n.º4).

Um outro problema que pode ser objecto de estipulação é o da possibilidade de alterações


do objecto do processo depois do momento da sua apresentação. Pode adoptar-se a regra
da cristalização do objecto do processo após as alegações das partes, admitindo alterações
muito restritivamente; ou admitir-se a conformação do objecto do processo até ao final da
produção de prova.

As regras da ICC pretendem limitar a alteração do objecto após os terms of reference,


impedindo, portanto, após esse momento novas pretensões que não estejam dentro dos
seus limites (artigo 19.º Regulamento ICC).414 Já a regra da Lei-Modelo UNCITRAL e o
regulamento do LCIA apontam caminho diferente. De acordo com o artigo 23.º da Lei-
Modelo415, na falta de estipulação em sentido contrário, qualquer parte pode alterar a sua
pretensão durante o curso do processo arbitral. A rejeição é apenas admissível em casos
em que o tribunal arbitral entenda que a alteração pode causar atraso considerável no
processo. De acordo com o regulamento do LCIA, o tribunal arbitral pode admitir
alterações de qualquer acção, reconvenção, defesa ou resposta (artigo 22.1 a)).

São, desde logo, retratos de dois modelos processuais diferentes, o continental e o anglo-
saxónico. Qualquer um deles tem vantagens e desvantagens. O modelo da alteração em
qualquer momento tem o óbice da imprevisibilidade416, mas a vantagem de atingir maior
justiça e uma solução definitiva para o caso, evitando novo processo posterior.

É interessante notar que a LAV/APA adopta a norma contrária à da nossa tradição, por
directa influência do artigo 23.º da Lei Modelo. De acordo com o artigo 33.º n.º3 do
Projecto, “Salvo convenção das partes em contrário, qualquer das partes pode modificar
ou completar a sua petição ou a sua contestação no decurso do processo arbitral, a
menos que o tribunal entenda não dever admitir tal alteração em razão do atraso com
que é formulada, sem que para este haja justificação bastante.”
414
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 669.
415
E 20.º das Arbitration Rules.
416
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 659.
159

Esta questão é decisiva no tipo de alegações iniciais que se admitem e na condução de


todo o processo. Repare-se que se se admitem até ao fim da produção de prova alterações
objectivas da instância, designadamente a concretização dos pedidos ou até a formulação
de novos pedidos, as partes não vão ter a preocupação de alegar todos os factos nas peças
iniciais. Poderão nestas peças limitar-se a dar notícia daquilo que pretendem, deixando
para depois da produção da prova a exacta delimitação do pedido e da causa de pedir.
Este é o sistema de notice pleading típico da tradição anglo-saxónica.417 A diferença é
sobretudo importante porque altera todo o conteúdo do processo que se segue.

Os Princípios do Processo Civil Transnacional ALI/Unidroit tentaram sintetizar estas


duas radicais diferenças: no princípio 11.3. é referido que as partes devem apresentar com
razoável detalhe os factos e a prova de que dispõem, assim como os pedidos. É uma
norma de influência romano-gernâmica. No entanto, permite-se no principio 10.4 a
alteração do objecto do processo desde que justificada.

Trata-se, pois, de um aspecto importante a considerar no procedimento. Na falta de regra,


poderá colocar-se o problema de saber se tal alteração é ou não admissível. Tendo em
conta o silêncio da LAV, há duas hipóteses para integrar a lacuna: aplicar a norma do
Código de Processo Civil que não permite tais alterações; aplicar a norma da LAV/APA
que permite essas aplicações. No actual estádio do nosso ordenamento jurídico, parece-
me que a primeira solução é a mais adequada. Será esta, pelo menos em arbitragem
doméstica, a regra que as partes pressuporão aplicável. Se eventualmente a regra da
LAV/APA entrar em vigor, isso poderá trazer fortes perturbações ao que é normal hoje na
nossa comunidade jurídica. Não estou a dizer que a solução é má, apenas a chamar a
atenção para a novidade desta regra do Projecto da Associação Portuguesa de Arbitragem.

5.7.3. Fase intermédia

Em segundo lugar é necessário considerar a fase intermédia. Desde logo se há ou não


necessidade da sua existência. Julgo que na maioria dos casos ela será útil, mas numa
perspectiva radicalmente diferente da nossa. Parece-me, aliás, que este é o momento certo
417
Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, p. 128 e seguintes.
160

para os árbitros exercerem o seu poder de gestão de processo e que é no correcto


exercício deste poder que está o segredo do sucesso de um processo arbitral. Após as
alegações das partes existe já um conhecimento razoável do caso que permite prever o
que irá acontecer em termos processuais. Os árbitros devem aproveitar esta fase para
organizarem e controlarem o que se segue, da forma eficaz, célere e com respeito pelos
legítimos direitos e expectativas das partes.

Esta fase pode ser oral ou escrita. No nosso Código de Processo Civil é oral, através da
audiência preliminar, mas sabe-se que na prática há muitos juízes a dispensar a sua
realização. Na maioria dos regulamentos arbitrais está prevista uma audiência oral nesta
fase. Mais do que uma audiência é uma reunião entre árbitros e partes para resolver o que
pode ser resolvido e para preparar o que se segue.418

Assim nos artigos 28.º e 29.º do Regulamento do CAC está prevista a audiência
preliminar que é conciliatória e de preparação de prova.

Nesta fase intermédia é importante fazer referência aos terms of reference previstos no
artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem da CCI. Este artigo 18.º do Regulamento da
CCI tem como epígrafe para além dos «termos de referência», «calendarização
processual» (procedural timetable). De acordo com a norma, os termos de referência
consistem num documento assinado pelas partes e pelo tribunal que contém, para além da
identificação das partes, dos árbitros e do local da arbitragem, um sumário das suas
pretensões, uma lista de questões a tratar e as regras processuais aplicáveis. Este
documento tem como anexo uma calendarização, feita pelo tribunal arbitral, do processo
arbitral. Aqui se determina qual a duração prevista para cada fase seguinte e se fixam, por
exemplo, as datas das sessões do julgamento.419

A utilidade dos termos de referência não é inteiramente pacífica. Repare-se que num
sistema típico de common law em que não há cristalização do objecto do processo se não
a final, este levantamento das questões a tratar é, nesta fase prematuro. 420 A doutrina tem,

418
Filipe Alfaiate, A prova em arbitragem: perspectiva de direito comparado, 2009, p. 158
419
Filipe Alfaiate, A prova em arbitragem: perspective de direito comparado, 2009, p. 159.
420
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 667.
161

porém, chamado a atenção para algumas vantagens deste acto processual: permite a
clarificação das pretensões das partes, envolvendo-as e ajudando o tribunal a perceber o
que está em disputa; estabelece regras e prazos processuais logo à partida, criando
estabilidade no processo; gera diálogo entre as partes, o que só por si contribui para a
eficácia do processo.421 Interessa perceber a razão de ser dos diversos actos processuais,
as suas vantagens e desvantagens e, em função desse conhecimento, decidir.

Um aspecto comum aos vários textos sobre arbitragem é o da importância da fixação das
questões a decidir. Nas UNCITRAL Notes essa fixação é sugerida no ponto 11., embora
também seja assinalado que pode trazer rigidez ao processo arbitral. É importante, pois,
considerar-se a possibilidade da sua alteração.

Para além destes pontos a decidir (points of issue), não há tradição na arbitragem de
qualquer instrumento que se assemelhe à nossa base instrutória e factos assentes. A
separação entre factos provados e factos a provar e a elaboração de quesitos é de pensar
bem na arbitragem. Mais uma vez, na perspectiva de porquê e para quê face ao processo
em concreto. A vantagem deste instrumento é uma certa organização da audiência final.
As suas desvantagens são a extraordinária rigidez e a por vezes absurda obsessão em
separar matéria de facto de matéria de direito. Repare-se que nos instrumentos
internacionais o que se tenta fazer ao nível da organização é a fixação de questões a
decidir. Não a separação entre matéria de direito e matéria de facto e, posteriormente,
matéria provada e a provar.

A separação entre direito e facto é uma ficção, pois os factos que chegam ao processo
vêm já revestidos de intenção jurídica. Foram seleccionados por profissionais com o fim
de servirem à medida numa norma legal. Esta impossibilidade lógica – a da separação
absoluta entre facto e direito – é já uma aquisição da dogmática e da metodologia
jurídica.422 Seria importante retirar daí as suas consequências e avançar para um novo
método.

421
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 671.
422
Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, p. 65 e seguintes.
162

A base instrutória e a matéria assente só deveriam ser utilizadas quando estritamente


necessárias. Servem essencialmente dois propósitos: garantia das partes contra surpresas
na produção da prova; celeridade no julgamento por impedir a produção de prova sobre
questões secundárias. A selecção da matéria de facto só deve ser utilizada quando sirva
efectivamente para prosseguir estes objectivos e nunca por se impor por si, por tradição.

Em alternativa à base instrutória, o tribunal pode, por exemplo, elaborar uma lista de
questões que pretende que as testemunhas esclareçam.423

Um outro aspecto a ponderar – e a decidir nesta fase intermédia – é a eventual separação


das questões a decidir. Trata-se de outro aspecto que não é comum no nosso processo
civil, mas que do ponto de vista da organização do processo pode ser da maior utilidade.
A maior parte dos casos, designadamente os mais complexos, contém questões diversas,
por regra prejudiciais umas em relação às outras. Gera ineficiência tratar de todas os
pontos em debate, quando alguns deles podem revelar-se desnecessários pela procedência
ou improcedência de outros.

O típico é distinguir julgamento da responsabilidade e do montante indemnizatório. 424 O


tribunal realiza, portanto, todo o processo para apurar se há ou não responsabilidade e só
depois, se a pretensão for procedente, avança para o julgamento dos danos. Mas, para
além deste caso, há outros em que é possível a separação das questões a decidir. Por
exemplo, se o demandado alega uma cláusula penal contratual com vista à redução dos
danos indemnizáveis, pode ser importante começar por decidir se esta realmente é válida
e eficaz e só depois avançar para a responsabilidade. O caso Aminoil é um exemplo
clássico de um processo em que o tribunal optou por esta separação de questões a decidir.
Estavam em disputa muitos milhões de dólares dependentes de se decidir se a
nacionalização da Aminoil pelo governo do Kuwait era ilícita (conforme alegado pela
empresa) ou lícita (conforme alegado pelo governo). O tribunal em audiência preliminar
decidiu listar sete questões, indicando às partes que as ouviria na ordem referida. Embora
tenha sido dito que a ordem não implicava tomada de posições pelo tribunal, ficou claro

Filipe Alfaiate, A prova em arbitragem: perspective de direito comparado, 2009, p. 168.


423

Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
424

2004, p. 336.
163

quais eram os problemas que o tribunal entendia seriam decisivos. A prova e as alegações
foram, assim, repartidas por sete diferentes temas, ganhando-se enorme eficácia num
julgamento de grande complexidade.425

É claro que a separação das questões a decidir implica várias decisões de mérito, várias
sentenças parciais. A nossa LAV nada diz sobre esta questão, colocando dúvidas sobre a
sua admissibilidade. Já a LAV/APA prevê expressamente a possibilidade de decisões de
mérito parciais (artigo 42.º n.º 2).426

5.7.4. Prova

Entramos agora na matéria da prova, área de especial dificuldade quando jogam tradições
processuais muito diversas. Os sistemas continentais e anglo-saxónicos têm aqui práticas
diferentes, essencialmente relacionadas com a posição dos juízes e das partes na
produção da prova. O sistema de civil law admitiu tradicionalmente uma maior
intervenção do juiz e o anglo-saxónico uma completa adversaridade e entrega às partes da
produção de prova. Certo é, porém, que os sistemas nacionais são muito diferentes e que
esta generalização acaba por ser pouco correcta.427 Seja como for, é importante tomar em
consideração as muito variadas práticas e regras que existem em matéria de prova.

Pode agrupar-se os problemas a pensar em relação à prova nos seguintes grupos:


admissibilidade, ónus da prova e métodos de produção.

O primeiro problema a tratar é o da admissibilidade dos meios de prova. Antes de


entrarmos nas diversas possibilidades que existem, há que referir o artigo 18.º LAV que
estabelece ser admissível produzir perante o tribunal arbitral qualquer prova admitida
pela lei de processo civil. Esta norma pode ser interpretada de duas formas. Pode
entender-se que significa que apenas podem ser produzidas em arbitragem doméstica as
provas admitidas em processo civil. Ou então, pode entender-se que a intenção não é
425
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 337-8.
426
António Sampaio Caramelo, Decisões interlocutórias e parciais no processo arbitral. Seu
objecto e regime, 2009, p. 279 e seguintes.
427
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 351.
164

restringir aos meios de prova reconhecidos pela nossa legislação processual, sendo
portanto admissíveis meios de prova estranhos ao nosso processo civil.428

Em favor da primeira interpretação pode dizer-se que o regime de direito material


probatório, regulado nos artigos 341.º e seguintes do Código Civil, é direito substantivo e,
nessa medida, aplica-se sempre que a lei aplicável ao mérito for a portuguesa.

Não me parece, porém, que este raciocínio esteja correcto, na medida em que a inclusão
de regras sobre prova no direito material não é um dado adquirido. Isto é, a qualificação
destas regras como direito material não resulta automaticamente da sua inclusão no
Código Civil. A sua consagração em legislação civil deu-se, aliás, apenas com o Código
Civil de 1966.429 Repare-se, aliás, que o artigo 18.º LAV se refere a legislação processual
civil e não a legislação civil. É uma questão difícil, que implica a análise caso a caso de
cada norma. Por exemplo, as normas de ónus da prova são mais correctamente
qualificadas como normas de direito material, mas o mesmo não pode já dizer-se das
normas sobre admissibilidade em geral dos meios de prova ou sobre os valores tarifados
de certas provas.430

Parece-se, pois, que o melhor entendimento é o que vê o regime probatório como um


todo, não fazendo distinção entre as suas diversas regras. A aplicação do regime não deve
ser feita em bloco, mas de acordo com a situação concreta, designadamente as legítimas
expectativas das partes.

A LAV/APA no seu artigo 30.º n.º 4 é muito clara nesta matéria, estipulando que “os
poderes conferidos ao tribunal arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade,
pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir.”

Esta parece-me, aliás, ser a melhor regra e, na dúvida sobre o sentido da actual LAV, deve
ser a regra adoptada. O artigo 18.º LAV deve, assim ser lido como permitindo ao tribunal
arbitral utilizar os meios de prova admitidos na legislação portuguesa, mas não deve ser
428
Filipe Alfaiate, A prova em arbitragem: perspective de direito comparado, 2009, p. 147;
Susana Larisma, A Prova por testemunhas na arbitragem internacional, 2009, p. 116; Lima
Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 147.
429
Mariana França Gouveia, A Prova, 2008, p. 333.
430
Mariana França Gouveia, A Prova, 2008, p. 333-4; Pedro Ferreira Múrias, Por uma
distribuição fundamentada do ónus da prova, 2000, p. 8.
165

lido como limitando os meios de prova admissíveis àqueles que a legislação portuguesa
admite.

A regra é, assim, de pouca ou nenhuma utilidade, podendo as partes prever e o tribunal


admitir os meios de prova que entenderem. O único limite são, como sempre, os
princípios do processo equitativo, do due process of law. É claro que não se podem
admitir provas ilícitas por violação da ordem pública, por exemplo provas obtidas com
violação da reserva da vida privada. Fora estes limites que são amplíssimos, tudo é
possível.

Esta questão tem, porém, uma outra vertente problemática. Se o regulamento arbitral não
previr a prova não prevista no CPC poderá ainda tal prova ser utilizada pelo tribunal
arbitral? Quem entenda que o Código de Processo Civil é o regime aplicável
subsidiariamente ao processo arbitra, terá que dar resposta negativa a esta questão. 431
Parece-me, porém, que nem esse sentido tem o artigo 18.º LAV e, por isso, numa situação
de lacuna do regulamento arbitral caberá aos árbitros a solução do problema.

Podemos referir duas questões importantes ao nível da admissibilidade, tendo em conta o


nosso sistema processual civil. A primeira diz respeito ao depoimento de parte e a
segunda à prova pericial.

No nosso sistema processual é inadmissível a produção de prova testemunhal por uma


parte. Esta só pode ser ouvida para se obter confissão dos factos. Daí que o depoimento
de parte apenas possa ser pedido pela parte contrária ou oficiosamente requerida pelo juiz
(artigo 552º CPC). No sistema anglo-saxónico esta prova é admissível, podendo ser
levada em conta para prova de factos favoráveis ao depoente. 432 Deve, pois, pensar-se
neste problema e acordar na admissibilidade ou não de apresentar as partes ou os seus
representantes como testemunhas.433

431
Susana Larisma, A Prova por testemunhas na arbitragem internacional, 2009, p. 117.
432
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 699; Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial
Arbitration, 2004, p. 352 e 364.
433
Susana Larisma, A Prova por testemunhas na arbitragem internacional, 2009, p. 114 e
seguintes.
166

Se esse acordo não existir, poderão os árbitros decidir admitir o depoimento? Em


coerência com posição defendida sobre a interpretação do artigo 18.º LAV, entendo que
sim. Não põe em causa as regras do processo justo, está dentro dos poderes do tribunal.
Mas admito que será uma posição difícil de sustentar na prática arbitral portuguesa.

O outro problema que interessa referir é o das limitações à prova pericial. O regime
processual civil português é extraordinariamente complexo e rígido no que diz respeito à
prova pericial. Não se admite, por exemplo, como prova pericial a apresentada pelas
partes sozinha ou isoladamente. Algo que é normal em arbitragem. Por outro lado, não é
também previsto no nosso sistema a existência de testemunhas-peritos, o que obriga a
uma produção rígida e complexa da prova pericial.

De acordo com o artigo 27.º das UNCITRAL Arbitration Rules, cada parte tem o ónus da
prova dos factos que fundamentam o seu pedido ou defesa. Cabe perguntar se os factos
notórios podem ser objecto de conhecimento pelo tribunal, se nada estiver previsto. De
acordo com a tradição arbitral, tal é possível, mas levantam-se dúvidas sobre o que é
facto notório.434

Entrando, agora, na produção da prova, é importante tomar em consideração: a


apresentação da prova documental, a produção de prova testemunhal (oral e escrita), a
prova pericial (oral e escrita) e eventuais inspecções judiciais.

Na prática processual portuguesa, os documentos apresentados são aqueles que as partes


têm em seu poder. Está prevista a possibilidade de pedir documentos em poder da parte
contrária (artigo 528.º CPC), tendo o requerente o ónus de os identificar. Este pedido é,
assim, excepcional e limitado aos documentos de que se tem conhecimento existirem. 435
Já na tradição anglo-saxónica a regra é de pedir à parte contrária toda a documentação
sobre determinado assunto ou entre determinadas datas, com o objectivo de tentar
encontrar documentos comprometedores. Trata-se da conhecida discovery à inglesa, que
tem porém a desvantagem, também ela conhecida, de se atolar a parte contrária e o

434
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 353.
435
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 356.
167

tribunal em milhares de documentos irrelevantes. Daí que este técnica seja por vezes
referida com a fishing expedition.

Entre estes dois modelos a diferença é enorme, como é evidente. Em arbitragens


domésticas não fará sentido, de todo, pensar num regime à inglesa, que seria mal
interpretado e mal aplicado.

As regras arbitrais mais importantes (ICC, LCIA e UNCITRAL) estabelecem que os


documentos devem acompanhar as peças processuais iniciais. Pode ser, porém,
importante prever a possibilidade de as partes pretenderem consultar ou requerer outros
documentos em poder da parte contrária. Pode, desde logo, estabelecer-se prazos para
este tipo de requerimentos e sua entrega, poupando-se tempo na preparação da prova. Há
aqui uma clara dificuldade em optar por esquemas que privilegiam a procura da verdade
material, sendo difícil conceber uma sua limitação, e esquemas que geram maior eficácia,
reduzindo o enorme desperdício causado pelas fishing expeditions.

Há diversas práticas que têm sido utilizadas em arbitragem internacional para tentar
conciliar os dois métodos. O tribunal pode realizar reuniões com as partes, em separado
ou em conjunto, ou promover ainda que estas se reúnam para que cheguem a acordo
quanto às categorias de documentos a pedir. Outro método de gerir a produção de prova
documental é conhecido como a Tabela de Redfern, onde são colocados em colunas as
categorias de documentos pedidos, as razões para esse pedido, as razões apresentadas
pelo requerido para a recusa do pedido e, numa última coluna, é inscrita a decisão do
tribunal.436

Uma regra que procura um equilíbrio entre as duas tradições, sendo por isso importante
analisar, é o artigo 3.º das IBA Rules of Evidence. De acordo com esta regra, após a
junção voluntária de documentos pelas partes, cada uma delas pode submeter ao tribunal
um requerimento de produção (request to produce) de mais prova documental, indicando
quais os documentos que pretendem ver revelados e as razões desse pedido. À parte
contrária é conferido prazo para entregar os documentos ou apresentar oposição aos

Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
436

2004, p. 358.
168

requeridos. O tribunal tem, ainda, o poder de requerer a qualquer uma das partes
documentos que entenda serem relevantes para a causa.

Filipe Alfaiate sugere, ainda, algumas soluções práticas e inovadoras, como por exemplo
a preparação conjunta de dossiers pelas partes.437

Também na prova testemunhal é frequente encontrar-se na arbitragem sistemas híbridos


que misturam regras e práticas típicas da common law e civil law. Antes de mais, é muito
frequente (será até a regra) que a testemunha deponha por escrito. Este depoimento pode
ser um substituto do depoimento directo, sendo por isso exaustivo nos factos relatados.
Ou servir apenas como preparação do depoimento oral, caso em que são meras súmulas
dos factos a relatar.438

Depois da apresentação desses depoimentos, a parte contrária pode requerer qual ou quais
das testemunhas pretende que seja inquirida em audiência.

De acordo com o regime das IBA Rules (artigo 4.º n.º 4) o tribunal pode ele próprio
ordenar que os depoimentos sejam apresentados por escrito. De acordo com estas regras,
se for requerida a presença da testemunha na audiência, a sua falta injustificada implica a
não consideração do seu depoimento escrito (artigo 4.º n.º 8). 439 Há porém regras menos
apertadas, como a aplicável no London Court of International Arbitration. De acordo com
o artigo 20.4 das suas Rules, a não comparência da testemunha pode implicar a
diminuição do peso probatório do seu depoimento.440

Repare-se, porém, que o eventual acordo das partes sobre a não necessidade de
comparência das testemunhas em audiência não deve ser interpretado como aceitação da
veracidade dos factos descritos pela testemunha no depoimento escrito.441

437
Filipe Alfaiate, A prova em arbitragem: perspectiva de direito comparado, 2009, p. 168.
438
Susana Larisma, A Prova por testemunhas na arbitragem internacional, 2009, p. 130.
439
Filipe Alfaiate, A prova em arbitragem: perspectiva de direito comparado, 2009, p. 169;
Susana Larisma, A Prova por testemunhas na arbitragem internacional, 2009, p. 134.
440
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 363-4.
441
Artigo 4.º n.º2 IBA Rules. Filipe Alfaiate, A prova em arbitragem: perspectiva de direito
comparado, 2009, p. 170; Susana Larisma, A Prova por testemunhas na arbitragem
internacional, 2009, p. 134.
169

Outro aspecto de enorme importância a regular em muitas arbitragens é o modo de


produção da prova pericial. Em primeiro lugar, é necessário decidir se haverá apenas
peritos nomeados pelas partes ou se haverá em simultâneo peritos indicados pelo tribunal.
As regras da Lei-Modelo (artigo 26), do LCIA (artigo 21), ICC (artigo 27) e IBA (artigo
6) estabelecem em geral a possibilidade de nomeação de peritos pelas partes ou pelo
tribunal. 442

A LAV/APA, no seu artigo 37.º, admite a nomeação de perito pelo tribunal, regra
importante pois sendo a arbitragem um processo privado poderiam colocar-se dúvidas
sobre a possibilidade de tal iniciativa oficiosa. Mas este preceito não exclui, obviamente,
outras formas de produção da prova pericial.

O tribunal pode criar um sistema misto, permitindo às partes que tentem chegar a acordo
sobre um perito, apenas o nomeando se estas não conseguirem concordar num. O tribunal
pode também pedir a colaboração das partes na preparação da produção de prova pelos
peritos, designadamente através da elaboração de questões a considerar.

Mais uma vez, os artigos 5º e 6.º das IBA Rules podem ajudar na procura de sistemas
adequados. Neste regime, são distintos os peritos nomeados pelas partes (regulados pelas
regras do artigo 5º) e os peritos nomeados pelo tribunal (regulados pelo artigo 6º). Quanto
aos primeiros, após apresentarem relatórios escritos, o tribunal pode ordenar que se
reúnam para tentar alcançarem acordo sobre pontos em que assumiram posições diversas.

Quanto ao perito nomeado pelo tribunal, após a sua nomeação, passa a falar directamente
com as partes, pedindo-lhes os documentos ou os elementos que entender necessários. O
perito elabora depois um relatório que envia ao tribunal. As partes podem responder ao
relatório com relatórios de peritos por si nomeados. O perito do tribunal pode, se
requerido ou oficiosamente determinado, prestar declarações em audiência. O mesmo se
verifica com os peritos das partes.

Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
442

2004, p. 369.
170

Assim, em resumo, as partes têm a possibilidade de participar na escolha do ou dos


peritos e na elaboração do objecto da perícia. Podem analisar os elementos que o perito
utilizou para realizar o seu relatório e requerer que ele preste declarações em tribunal.

A prestação de depoimento em audiência pelo ou pelos peritos pode ser feita de diversos
modos. Pode ouvir-se os peritos depois de toda a produção de prova. Pode ouvir-se os
peritos em simultâneo, sendo perguntados sobre as mesmas questões. Uma outra técnica
utilizada é a inquirição e contra-inquirição dos peritos pelas partes e, depois, a elaboração
de uma lista de temas controvertidos que serão discutidos entre peritos e tribunal,
finalizando-se com uma nova rodada de perguntas pelos advogados das partes. Este
método é conhecido como conferência.443

Por último, pode ser necessário lidar com uma inspecção judicial, ou mais
adequadamente designada, arbitral. A maioria dos instrumentos de arbitragem mais
conhecidos não contém regras sobre inspecção pelos árbitros. Será, aliás, uma diligência
probatória pouco frequente dado o seu elevado custo. 444 O mais frequente e previsto é ser
o perito a realizar essas inspecções, encontrando-se regras sobre o seu livre acesso aos
bens necessários. Assim o refere o artigo 21.1.(b) LCIA, o artigo 26 da Lei-Modelo
UNCITRAL, etc..

Pode acontecer que a prova dependa de um terceiro que se recuse a comparecer ou a


colaborar com o tribunal arbitral. Estando os seus poderes limitados pela convenção de
arbitragem e pelos seus subscritores torna-se imprescindível o recurso aos tribunais
judiciais. A LAV refere a possibilidade desse recurso em situações em que a produção de
prova dependa de terceiro que não colabore voluntariamente. Nestes casos, a prova é
produzida junto do tribunal judicial que depois envia os seus resultados para o tribunal
arbitral (artigo 18.º n.º2 LAV). A LAV/APA mantém o mesmo regime (artigo 38.º).

Para que as partes possam deduzir este pedido junto dos tribunais judiciais têm de
requerer autorização prévia ao tribunal arbitral. A razão de ser da necessidade de

443
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 371.
444
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 373.
171

autorização reside na autonomia do tribunal arbitral e no carácter marcadamente


instrumental da intervenção do tribunal judicial. Assim, se esta autorização não existir a
parte demandada no tribunal judicial poderá arguir a excepção de preterição de tribunal
arbitral.445

O problema inverso é o da reacção da parte em caso de recusa desta autorização por parte
do tribunal arbitral. É seguramente objecto de recurso, mas já é duvidoso que possa ser
causa de anulação da sentença arbitral. João Raposo entende que não é causa de anulação
por não estar consagrado no artigo 27.º LAV. 446 Parece-me, porém, que terá de ser
entendido como causa de anulação se a recusa implicar uma violação ao princípio do
processo equitativo na sua modalidade de direito à prova. Nestes casos, passando o vicio
o crivo do artigo 27.º n.º1 c), a influência decisiva no processo, haverá causa de anulação.

A prova é produzida junto do tribunal judicial através de acção proposta com esse único
fim. Concluída a diligência, os resultados probatórios são enviados ao tribunal arbitral
que os apreciará em conjunto com os restantes.

Falta apenas tratar alguns aspectos específicos relativos à audiência final. Antes de mais é
necessário pensar se esta é necessária – se toda a prova for documental ou se a questão
em litígio for exclusivamente jurídica, não é necessária uma audiência. Não há nenhum
princípio do processo equitativo que o obrigue.

A LAV/APA (artigo 34.º) prevê expressamente a possibilidade de o processo ser


exclusivamente escrito, embora nestes casos deva ponderar-se a realização de uma
audiência para alegações das partes. Se este for a sua vontade – de se fazer ouvir a viva
voz junto do tribunal, este deve deferir esse pedido.

A organização administrativa das audiências pode não ser tarefa fácil. É necessário um
local adequado, com espaço para todos, designadamente salas de reuniões mais pequenas

445
João Raposo, A Intervenção do Tribunal Judicial na Arbitragem: Nomeação de Árbitros e
Produção de Prova, in I Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria
Portuguesa, 2008, p. 123.
446
João Raposo, A Intervenção do Tribunal Judicial na Arbitragem: Nomeação de Árbitros e
Produção de Prova, in I Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria
Portuguesa, 2008, p. 124.
172

para as partes. Têm ainda de pensar-se na disponibilização de meios de comunicação,


assim com alojamento, se for caso disso, de testemunhas e peritos.

Para além destas questões interessa determinar se a audiência decorrerá em dias seguidos
ou não, se haverá tempos limite para inquirir testemunhas e para alegações finais.

Por último, no que diz respeito à decisão arbitral, há que decidir se há separação entre
decisão de matéria de facto e de direito, se é dita oralmente ou enviada às partes
posteriormente. Sendo obrigatória na lei portuguesa a fundamentação da decisão, pode
ser ainda importante pensar que tipo de fundamentação será exigida.

Estes são apenas exemplos, algumas notas e sugestões que pecam em simultâneo por
excesso e por defeito daquilo que pode ser objecto de ponderação no momento de
elaborar as regras processuais na arbitragem ad hoc, quer o seja pelas partes, quer pelos
árbitros. É evidente que quanto maior for o conhecimento e, sobretudo, a experiência
melhor serão elaboradas estas regras. Poderá, ainda, depender do estilo dos árbitros e da
sua compreensão do litígio e da melhor forma de o abordar.

5.7.5. Limites às regras processuais – os princípios fundamentais do processo


justo

As regras processuais escolhidas têm como limites apenas os princípios fundamentais do


processo justo, ou seja, o que o processo arbitral tem de respeitar é o normativo
constitucional do processo equitativo (art. 20.º n.º 4 CRP). Esses princípios estão
genericamente referidos no artigo 16.º LAV, mas não só. As regras aí referidas são o
princípio da igualdade entre as partes, a obrigatoriedade de citação, o princípio do
contraditório e a audição das partes antes de ser proferida a decisão final. É certo, porém,
que a violação do princípio dispositivo é também causa de anulação conforme estabelece
o artigo 27. n.º 1 e) LAV. Assim como o é a não fundamentação da decisão. Aliás o dever
de fundamentação está também constitucionalmente consagrado, agora no artigo 205.º
CRP.
173

A violação destes princípios é causa de anulação da sentença arbitral apenas se esse


incumprimento tiver influência decisiva na resolução do litígio – artigo 27.º n.º1 c) LAV.
Voltarei a este critério a propósito dos fundamentos da anulação da sentença arbitral.

Todos estes princípios tendem a assegurar os direitos de defesa das partes e a


imparcialidade de julgamento pelo tribunal arbitral.447 São princípios essenciais que se
relacionam com a validação pública de um processo privado. Isto é, o Estado só pode
reconhecer que decisões de tribunais privados sejam vinculativas se se cumprirem regras
mínimas de justiça processual. Na arbitragem, o Estado de Direito demonstra-se
precisamente através das imposições processuais que estabelece. São princípios básicos
que têm de ser cumpridos para que uma decisão possa ser reconhecida judicialmente.448

Estes princípios são, assim, a tradução legal do normativo constitucional do processo


equitativo – artigo 20.º n.º2 CRP. Trata-se da necessidade de observar um conjunto de
regras fundamentais ao longo de todo o processo, nos vários planos em que este se
desenvolve.449

O tratamento dogmático destes princípios é já antigo no processo civil e deve ser


aproveitado para a arbitragem. É, porém, necessário ter algumas cautelas na transposição
das regras que actualmente substanciam estes princípios no nosso processo civil. O não
cumprimento das regras no processo arbitral não corresponde inevitavelmente a violação
dos princípios no processo arbitral. Os processos devem ser analisados casuisticamente,
em função, portanto, da situação concreta e das regras processuais específicas que o
regulam.

O que quero dizer é o seguinte: ao lermos a doutrina processualista e as normas do


Código de Processo Civil veremos diversas concretizações dos princípios fundamentais
em regras legais. Os facto de essas pequenas regras não existirem na arbitragem em
concreto não implica automaticamente a violação do princípio geral. É necessário
cuidado na transposição.

447
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 934.
448
No nosso ordenamento jurídico, para que possa não ser anulada.
449
Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 107.
174

Muito interessante a este respeito é a análise dos Princípios do Processo Civil


Transnacional, elaborados em conjunto pelo American Law Institute e pelo Unidroit. 450 O
documento consagra os princípios mínimos do processo justo, podendo ser utilizado
como validação das regras processuais. Se as regras escolhidas estão de acordo com
aqueles Princípios, o processo obedece aos parâmetros do processo justo.

O princípio do contraditório consiste, essencialmente, na garantia da participação efectiva


das partes no desenvolvimento de todo o litígio. O que importa é que ambas as partes
tenham a possibilidade de influenciar a decisão, quer em matéria de facto, quer em
matéria de prova, quer ainda em matéria de direito.451

O princípio da igualdade de armas, como é chamado pela doutrina civilística, impõe o


equilíbrio entre as partes. Esta igualdade tem de ser interpretada materialmente e não
formalmente, o que significa que não é exigível identidade absoluta entre meios
processuais, mas equilíbrio global entre as partes.452-453

O artigo 16.º, na sua alínea b), estabelece a obrigatoriedade de citação do demandando na


arbitragem. Do que se fala agora é do direito de defesa, mais uma vez um princípio
básico do processo equitativo. O direito de defesa é, antes de mais, a oportunidade de
defesa, pelo que é essencial que o demandando tenha conhecimento do processo.454

A obrigação da citação, prevista neste preceito, não tem de obedecer a nenhuma


formalidade específica, muito menos a prevista no nosso Código de Processo Civil. O
que é essencial é que o demandado tenha conhecimento do processo e, logo, possa
defender-se. Se o processo (através do requerimento de arbitragem ou petição inicial) é
levado ao conhecimento do demandado antes ou depois da constituição do tribunal
arbitral, ou se tal é feito por contacto pessoal ou por via postal, é indiferente. O que é
necessário, repito, é assegurar que o demandado teve direito a defender-se.

450
Publicado na Uniform Law Review, 2004 (4), p. 750 e seguintes, também disponível em
http://www.unidroit.org/English/principles/civilprocedure/main.htm
451
Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 109 e seguintes.
452
Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 118-9.
453
Teixeira de Sousa unifica contraditório e igualdade de armas no mesmo princípio da igualdade
das partes – Teixeira de Sousa, Introdução ao processo civil, 2000, p. 29.
454
Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 92.
175

Mais interessante a este propósito é saber quais os efeitos da revelia do demandado


regularmente citado. A LAV nada diz e é duvidosa a aplicação do efeito cominatório
semi-pleno do processo civil – artigo 484.º n.º1 CPC.

Os elementos normativos estrangeiros dão indicações em sentido contrário – em caso de


revelia, embora o processo continue, o tribunal tem de apreciar os factos e o mérito da
acção para que possa sobre ela decidir. Tal é o sistema da Lei-Modelo da UNCITRAL
(artigo 25.º b)) e assim tem decidido a jurisprudência arbitral.455

A LAV/APA resolve o problema, inspirando-se na Lei-Modelo. Nos termos do artigo 35.º


n.º2, a omissão de contestação não produz prova sobre os factos alegados. Não há
qualquer efeito cominatório da revelia, nem pleno, nem semi-pleno. Por outro lado, o
tribunal arbitral mantém, como é evidente, a competência para decidir o caso. Neste
sistema, a revelia é em arbitragem sempre inoperante.

A regra, na LAV/APA, é, porém, supletiva: as partes podem acordar efeitos probatórios


para as suas omissões. Tal acordo resultará, por exemplo, da remissão para um
regulamento ou legislação processual que contenha esse efeito.

Estas são, porém, regras ainda não em vigor em Portugal. Face ao actual silêncio da LAV
sobre esta questão, é necessário ponderar a melhor solução.

Julgo que se deve distinguir duas situações. Uma primeira em que há aplicação das regras
do Código de Processo Civil ou outros diplomas processuais (por exemplo o Código de
Processo de Trabalho) e situações em que tal remissão não existe. Nos casos em que a
remissão não existe, vigorando as regras escolhidas pelas partes ou pelos árbitros, não se
pode aplicar o efeito cominatório semi-pleno. Não havendo base legal que o permita e
tratando-se de um meio de prova de âmbito processual, violaria o princípio do processo
justo considerá-lo. Nas outras situações, se as partes escolhem essa regra, ainda que
indirectamente (através de remissão), julgo que é possível aplicar esse efeito
cominatório.456

455
Gaillard e Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration,
1999, p. 663.
456
É esta a regra da Lei Modelo da UNCITRAL – artigo 25.ºb).
176

No Caso Comissão Paritária457, discutiu-se precisamente uma situação de revelia numa


arbitragem institucionalizada cujo regulamento remetia para o processo sumário de
trabalho. O Acórdão tratou o problema apenas no âmbito da eventual violação da regra da
audição das partes (alínea d) do artigo 16.º LAV), embora pelo seu relatório pareça que os
árbitros aplicaram um efeito cominatório pleno. Tal não foi porém objecto de crítica pelo
recorrente, nem de nota pelos juízes. Assumiram, portanto, que a aplicação na instância
arbitral de um efeito cominatório não violava os princípios do processo justo.

Por último, o artigo 16.º LAV estabelece o princípio da prévia audição das partes antes da
decisão final. Não é fácil encontrar um sentido autónomo para este normativo. De acordo,
aliás, com Lebre de Freitas ele integra ainda o direito de defesa, já referido na alínea b)
deste preceito.458 Se assim for, a prévia audição a que o preceito se refere não significa
imediatamente anterior à decisão, mas simplesmente anterior à decisão final. Esta prévia
audição não pode ser confundida com o direito a tomar conhecimento e ser ouvido sobre
os actos do processo que possam influenciar a decisão final. Aqui do que se trata é de
contraditório, e esse princípio está autonomamente consagrado no artigo 16.º c). A alínea
d) do artigo 16.º parece, pois, não ter qualquer utilidade. E, em coerência e bem, é
eliminada pela LAV/APA (artigo 30.º n.º1).

No Caso Comissão Paritária, como se disse, o fundamento de anulação invocado pelo


recorrente foi precisamente a violação deste direito de audição num processo em que o
réu era revel e foi condenado por aplicação do efeito cominatório. O Supremo Tribunal
de Justiça entende que não houve realmente esta audição, mas que a violação não foi
essencial e nessa medida não há fundamento de anulação. Mas aquilo que estaria correcto
é dizer que o que importa garantir é que a parte tenha a oportunidade de se fazer ouvir
(direito de defesa) e não que o faça. Se fosse este o conteúdo da norma, o tribunal arbitral
não poderia decidir nos casos em que o demandado não participasse na arbitragem. O
que, obviamente, é inadmissível.

5. 8. Arbitragens complexas
457
Processo n.º 04B2190, Caso Comissão Paritária.
458
Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 181, nota 28.
177

a. O conceito de arbitragem complexa foi importado para Portugal da experiência arbitral


internacional. Os problemas que tratam não são, porém, desconhecidos da nossa teoria
jurídica, apenas não é costume designá-los desta forma.

Um caso típico de arbitragem complexa é o de uma transacção comercial que envolve


mais do que um contrato. Se surgir um litígio entre duas das partes desses vários
contratos, a questão que se coloca é se é possível trazer a uma mesma arbitragem todos os
participantes na estrutura contratual.459

Os casos tratados sob esta designação reconduzem-se, no essencial, em nomenclatura


processual às pluralidades objectivas e subjectivas: problemas de litisconsórcio e
coligação, iniciais ou sucessivos; assim como de cumulação de objectos processuais,
pedidos e/ou causas de pedir.

Se em tribunal judicial estes incidentes complicam e atrasam deveras o processo, em


arbitragem o problema pode ainda ser mais complicado, na medida em que há que
relacionar estas questões com a fonte460 contratual da jurisdição do tribunal arbitral
(resultante da convenção de arbitragem) e com o necessário respeito pelos princípios do
processo justo (como o princípio da igualdade das partes na constituição do tribunal).

Por essa razão – a fonte contratual da jurisdição arbitral – enquadram-se neste capítulo
das arbitragens complexas situações em que se discute a vinculação da convenção de
arbitragem a não signatários. Esta extensão pode implicar a substituição da pessoa
inicialmente vinculada (e então não há pluralidade subjectiva) ou alargar a outras pessoas,
mantendo-se a vinculação subjectiva inicial (e há, então, pluralidade). A primeira
situação, se ocorrer no decurso do processo, implicará uma intervenção de terceiros ou
uma habilitação.

Nestas situações poderá estar em causa a extensão da convenção de arbitragem a terceiros


não signatários dessa convenção. A doutrina e a jurisprudência internacionais têm
defendido algumas figuras que permitem a extensão da convenção. São regimes que têm,
naturalmente, raiz contratual, como a cessão da posição contratual, a sub-rogação, o
Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 101.
459

Carla Gonçalves Borges, Pluralidade de partes e intervenção de terceiros na arbitragem,


460

2006, p. 111.
178

terceiro beneficiário, etc..461 Estas alterações subjectivas da convenção podem,


naturalmente, ser anteriores à propositura da acção arbitral e, logo, não colocar problemas
de intervenção de terceiros, antes e tão só de âmbito subjectivo da convenção de
arbitragem.462 Mas podem também surgir depois. A LAV/APA faz uma menção à adesão à
convenção de arbitragem por quem inicialmente não era parte, estabelecendo-o como
requisito de admissibilidade de intervenção de terceiros. Nos termos do artigo 36.º n.º1
LAV/APA, só podem ser admitidos a intervir num processo arbitral em curso terceiros
vinculados inicial ou subsequentemente pela convenção.

O problema da extensão da convenção arbitral a terceiros não será tratado neste capítulo a
não ser quando necessário para a resolução dos problemas aqui abordados. Cuidarei então
apenas de pluralidades subjectivas, em especial de duas questões: constituição do tribunal
arbitral e intervenção de terceiros. Antes destas, porém, é necessário tratar da própria
admissibilidade das pluralidades subjectivas na arbitragem face ao direito positivo
português.

Recorde-se que a arbitragem foi construída pensando em relações jurídicas com duas
partes. Com este pano de fundo se estipulam as regras da constituição do tribunal arbitral
– o artigo 7.º n.º2 LAV tem como pressuposto que há apenas uma parte de cada lado. A
regra que estabelece é inaplicável a uma situação de coligação ou de pluralidade
subjectiva subsidiária (artigo 31.º-B CPC).

Face a este panorama legislativo, poderia duvidar-se da admissibilidade das pluralidades


objectivas e subjectivas na arbitragem. E é certo que a LAV nenhuma regra contém em
relação a este problema.

Já a LAV/APA que reserva dois artigos para os problemas decorrentes das pluralidades
subjectivas. Trata, no artigo 11.º, do regime da designação de árbitros e, no artigo 36.º, da
intervenção de terceiros. Os preceitos não estabelecem expressamente a admissibilidade
das figuras da pluralidade subjectiva, mas pressupõem, obviamente, a sua aceitação.

461
Carla Gonçalves Borges, Pluralidade de partes e intervenção de terceiros na arbitragem,
2006, p. 122 e seguintes.
462
Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 7-99; Manuel Barrocas, Manual de
Arbitragem, 2010, p. 176 e seguintes.
179

Na norma sobre constituição do tribunal arbitral não há qualquer distinção entre


litisconsórcio e coligação. É sempre utilizada, em termos muito genéricos, a expressão
pluralidades subjectivas. Já no artigo 36.º n.º 3, a propósito da intervenção de terceiros,
há referência ao litisconsórcio463, a casos de oposição e de direito de regresso
(intervenção acessória). Esta circunstância podia levar-nos a duvidar da admissibilidade
da coligação em arbitragem, quer face à actual LAV, quer face ao projecto da Associação
Portuguesa de Arbitragem.

Na verdade, não é de todo evidente a sua admissibilidade. 464 E não é evidente mesmo nos
casos em que exista convenção de arbitragem entre todas as possíveis partes. Nestes
casos poderá haver sempre pluralidade, seja ela litisconsórcio, coligação ou pluralidade
subjectiva subsidiária?

Como se sabe, no nosso ordenamento jurídico-processual há requisitos para a


admissibilidade da coligação. Assim como há critérios de distinção entre as várias figuras
da pluralidade subjectiva. E repare-se, por exemplo, que a LAV/APA no seu artigo sobre
intervenção de terceiros – o 36.º - importou estes conceitos.

Aqui há duas hipóteses – ou adaptamos os conceitos do Código de Processo Civil ou


não.465 Parece-me que o melhor é não adoptar mecanicamente o Código de Processo
Civil, mas antes aplicar regras que consubstanciem os princípios gerais subjacentes às
regras em geral aplicáveis.

O princípio geral subjacente às regras das pluralidades subjectivas é elevar ao máximo a


eficácia de cada um dos processos, o ganho das partes com os seus processos. Devem,
assim, ser admitidas quando potenciam esse máximo e recusadas quando não o alcançam.
Chegar-se-á, por aqui, ao critério da conexão entre processos, conhecida regra de quase
todos os ordenamentos jurídicos e afloradas em todas as normas processuais sobre
pluralidades subjectivas ou objectivas (cumulação, litisconsórcio, coligação, pluralidade
subjectiva subsidiária, reconvenção, alteração do pedido e da causa de pedir, etc.).
463
A situação previstana alínea c) – chamamento dos obrigados solidários não inicialmente
demandados para que a sentença os vincule também – é um litisconsórcio voluntário passivo.
464
Manuel Botelho da Silva, Pluralidade de Partes em Arbitragens Voluntárias, 2002, p. 511.
465
José Lebre de Freitas, Intervenção de terceiros em processo arbitral, 2010, p. 184, adopta sem
discutir os conceitos e as regras do Código de Processo Civil.
180

Este critério atribui grande discricionariedade aos árbitros no momento de apreciar a


admissibilidade da pluralidade.

Botelho da Silva defende outro, mais próximo da raiz contratual da arbitragem. Como é
usual dizer-se, as partes têm o direito a arbitrar com quem querem e como querem. A ser
assim, teria de retirar-se da interpretação da convenção de arbitragem que foi vontade das
partes querer um único processo com todos ou vários.466

Parece-me que o ideal é conjugar este dois critérios. Os árbitros terão de analisar se, à luz
da convenção arbitral, as partes quiserem ou não afastar467 o julgamento único de todas as
questões e, ainda, se tal julgamento é útil para a eficiência daquele processo. 468 Claro que
a análise de qualquer um dos requisitos fica na dependência da alegação das partes, na
medida em que está dentro do seu campo de disponibilidade.

O que dissemos até agora não resolve, porém, todos os problemas. Podemos dizer que
são admissíveis as pluralidades subjectivas e encontrar um critério para a sua
admissibilidade, mas o certo é que a LAV não regula um único aspecto do seu regime. E é
necessário encontrar um regime aplicável a estes problemas. Há aqui, novamente, três
opções: ou aplicar o regime do CPC; ou aplicar o regime da LAV/APA; ou estabelecer
um regime diferente destes.

A primeira solução, defendida por Lebre de Freitas469, não me parece ser a mais
adequada, dada essencialmente a natureza voluntária da jurisdição arbitral. 470 As
dificuldade inerentes ao âmbito subjectivo da convenção, que determinam naturalmente a
competência do tribunal, somadas às dificuldades inerentes, nas pluralidades subjectivas,
em assegurar a igualdade das partes na constituição do tribunal e ainda na própria

466
Manuel Botelho da Silva, Pluralidade de Partes em Arbitragens Voluntárias, 2002, p. 515.
467
Não concordo com a posição de Manuel Botelho da Silva, Pluralidade de Partes em
Arbitragens Voluntárias, 2002, p. 516, quando exige “que da interpretação das duas convenções
resulte expressa e literalmente a vontade de dirimir conjuntamente, num único processo arbitral
multipartido, a matéria emergente das duas relações contratuais…”. José Lebre de Freitas
Intervenção de terceiros em processo arbitral, 2010, p. 187, afirma que não pode presumir-se que
a celebração da convenção em contratos distintos interligados entre si implica vontade de
tratamento jurisdicional separado dos casos.
468
Manuel Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 212.
469
José Lebre de Freitas, Intervenção de terceiros em processo arbitral, 2010, p. 184.
470
Manuel Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 183. Cfr., ainda, nota 114 da LAV/APA.
181

conformação subjectiva da instância (embora aqui já com menor necessidade de cautela),


impedem a aplicação directa do regime processual civil.

Parece-me realmente que o regime aplicável não é o do Código de Processo Civil, mas
outro que se construa de acordo com os princípios próprios da arbitragem. Neste
pressuposto, e face à lacuna da LAV actual, parece-me útil testar se as regras contidas na
LAV/APA podem ser já entendidas como direito positivo entre nós. Faremos esta análise
a partir de cada um dos temas colocados pelas arbitragens complexas.

b. A constituição do tribunal arbitral quando há pluralidade de partes começou a ser


discutida a propósito de um caso julgado na Cour de Cassation francesa, conhecido como
o caso Dutco471. Numa arbitragem proposta por uma sociedade, a Dutco, contra outras
duas, a Siemens e a BKMI, estas invocaram violação do princípio da igualdade por não
poderem, como a demandante, designar cada uma o “seu” árbitro. A Cour sustentou que o
princípio da igualdade na constituição do tribunal arbitral era um direito irrenunciável das
partes e, logo, anulou com este fundamento a sentença arbitral.472

O caso Dutco fez mudar a doutrina e até alguns regulamentos de instituições arbitrais
como a CCI, a American Arbitration Association e o London Court of International
Arbitration. Em 1998 entra em vigor o novo Regulamento CCI e é incluída uma norma
sobre pluralidade de partes na constituição do tribunal.473

O artigo 10.º do Regulamento CCI estabelece, à semelhança de idênticas regras de outros


Regulamentos arbitrais, que as partes plurais devem, em conjunto, nomear um dos
árbitros. Se, porém, não chegarem a acordo quanto a essa nomeação, o Court pode
nomear todos os membros do tribunal arbitral, indicando quem é o presidente.
Anteriormente à alteração, a CCI limitava-se a nomear o árbitro não designado pela parte
plural, a partir de 1998 passa a nomear todos.474

471
Revue de l’Arbitrage, 1992 (N.º3), p. 470-2.
472
Sampaio Caramelo, Anotação ao Acórdão d Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Maio de
2004, 2004, p. 341 e seguintes; Miguel Pinto Cardoso e Carla Borges, Constituição do tribunal
arbitral em arbitragens multipartes, 2010, p. 141-3.
473
Sampaio Caramelo, Anotação ao Acórdão d Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Maio de
2004, 2004, p. 345; Manuel Botelho da Silva, Pluralidade de Partes em Arbitragens Voluntárias,
2002, p. 504.
182

Neste mesmo sentido vai ainda o novo Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial,
ao estipular no artigo 8.º. Estipula como regra que o presidente efectua a designação do
árbitro que deveria ter sido indicado pela parte plural. Neste caso, porém, o presidente
tem sempre a possibilidade de indicar todos os membros do tribunal arbitral, substituindo
até uma nomeação já feita.475

A questão surgiu também em Portugal numa decisão da Relação de Lisboa de 2004, o


Acórdão Teleweb.476 Neste Acórdão é pedida a declaração de ilegalidade do tribunal
arbitral que estava já constituído e a tramitar a respectiva acção arbitral. A acção foi
proposta por uma sociedade contra duas rés, em coligação (pedidos diferentes). As rés
entenderam que esta coligação era inadmissível, defendendo que deveria ser propostas
duas acções arbitrais em separado. Em consequência, indicaram cada uma um árbitro.

A Autora pediu então ao tribunal da Relação que indicasse o árbitro que as rés deveriam
designar, o que este fez. O tribunal arbitral, assim constituído, iniciou a acção arbitral.
Uma das rés recusou participar no procedimento e propôs esta acção em que pede a
declaração de ilegalidade do tribunal.

A Relação de Lisboa entende que a convenção arbitral comportava arbitragem multi-


partes, pelo que não havia incompetência do tribunal arbitral. Não se referindo
expressamente à violação do princípio da igualdade, conclui que não há qualquer
violação de regras da LAV. O tribunal acaba por decidir tendo em conta o princípio da
competência da competência – o tribunal arbitral havia-se já considerado competente
para o litígio em questão, pelo que uma análise deste problema só seria admissível na
impugnação da sentença arbitral.

474
Sampaio Caramelo, Anotação ao Acórdão d Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Maio de
2004, 2004, p. 346; Miguel Pinto Cardoso e Carla Borges, Constituição do tribunal arbitral em
arbitragens multipartes, 2010, p. 144.
475
; Miguel Pinto Cardoso e Carla Borges, Constituição do tribunal arbitral em arbitragens
multipartes, 2010, p. 145.
476
RL, 18 de Maio de 2004, Proc. n.º 3094/2004-7
183

Embora este último argumento – que ditou a solução do Acórdão – seja correcto, o
primeiro não corresponde aquilo que tem vindo a ser nacional e internacionalmente
aceite.477

Como se disse já, a LAV não contém qualquer regra sobre a questão em análise. Em
arbitragem institucionalizada o problema pode estar resolvido, se previsto no respectivo
regulamento. Em arbitragem ad hoc é necessário encontrar uma solução.

A LAV/APA regula expressamente o caso no artigo 11.º, consagrando a solução


doutrinariamente defendida, mas com uma ligeira diferença. Estabelece como regra a
nomeação conjunta dos árbitros pelas partes activas e passivas em bloco. Na falta de
acordo sobre a designação, o tribunal judicial designa o árbitro em falta. Pode, porém, o
árbitro designar todos os membros do tribunal se uma das partes plurais tiver interesses
conflituantes.

O que se pretende exactamente com esta expressão não é inteiramente claro. Parece-me
que útil importar a posição de António Sampaio Caramelo a este propósito, tendo em
conta que é um dos (o principal) autores materiais da proposta. O autor refere-se aos
interesses conflituantes na Anotação ao Acórdão Teleweb, configurando aí a situação da
coligação como a típica em que existem ou podem existir esses conflitos de interesses. 478
Mais especificamente, já em comentário a este artigo 11.º LAV/APA, Sampaio Caramelo
explica que só em situações que justifiquem a designação de todos os árbitros pelo
tribunal judicial tal deve acontecer. Porque a permitir-se a nomeação dos três árbitros por
tribunal, está a negar-se o direito à parte (plural ou singular) que o nomeou, o que não
pode ser decidido pela sua contra-parte. 479 Não parece aqui fazer já a distinção entre
coligação e litisconsórcio.

Esta restrição do tribunal judicial só poder nomear a totalidade dos árbitros quando no
interior da parte plural haja interesses conflituantes não consta do Regulamento da CCI,
nem do CAC. Em comentário à norma do Regulamento CCI, Derains e Schwartz
477
Sampaio Caramelo, Anotação ao Acórdão d Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Maio de
2004, 2004, p. 350-1.
478
Sampaio Caramelo, Anotação ao Acórdão d Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Maio de
2004, 2004, p. 350.
479
António Sampaio Caramelo, A Reforma da lei de arbitragem voluntária, 2009, p. 23.
184

referem-se a situações em que embora haja duas ou mais pessoas juridicamente


autónomas, na verdade elas representam uma mesma pessoa ou entidade ou património.480
Este critério tem sido desenvolvido como um dos que permite a extensão da convenção
arbitral a partes não signatárias.481 Neste momento, porém, não se discute a vinculação
das partes à convenção, apenas o seu direito a impedir que a parte contrária possa nomear
um árbitro.

A opção da discricionariedade do juiz é uma boa opção, mas não é a seguida pela
LAV/APA. Nos termos desta, como se disse, o tribunal só nomeará todos os árbitros
quando se demonstre que a parte plural que falhou a nomeação tem entre si interesses
conflituantes.

Parece-me que a opção que atribui maior discricionariedade ao juiz no momento de


nomear apenas um árbitro ou todos é a melhor. A opção da LAV/APA é mais restrita do
que a maior parte das suas congéneres internacionais porque limita aos casos em que se
demonstre que existem os tais interesses conflituantes a possibilidade de indicação de
todos os árbitros pelo tribunal.

O interesse que esta opção mais restrita visa defender – o do direito à nomeação de
árbitro – não encontra justificação nas características essenciais do processo arbitral. Isto
é, a possibilidade de as partes designarem árbitros não deriva de qualquer princípio
irrevogável do Direito. Pelo contrário, o que é irrevogável é a independência e
imparcialidade dos árbitros, algo que é de difícil compatibilização sobretudo prática, com
esta nomeação.482

O que é essencial é que o tribunal arbitral seja independente e imparcial e não que as
partes possam influir na sua constituição. É evidente que uma característica pode ser a
consequência directa da forma da designação, mas o modo normal de designação não é o
único que assegura essa natureza jurisdicional ao painel de juízes-árbitros. Ora, se o
modo tradicional de designação se traduz, no caso concreto, numa dificuldade de garantir
480
Yves Derains e Eric A. Schwartz, A Guide to the ICC Rules of Arbitration, 2005, p. 182. Cfr.
ainda Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 202 e 206-7, onde o Autor defende que
um consórcio é uma parte só, não tendo por isso direito a indicar o seu árbitro.
481
Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 39-47.
482
Manuel Botelho da Silva, Pluralidade de Partes em Arbitragens Voluntárias, 2002, p. 509.
185

essa independência e imparcialidade – porque a influência das partes na sua constituição


foi desigual – faz sentido que seja nomeado um novo tribunal arbitral. Parece-me, pois,
que de acordo com os princípios do processo justo, o que há a garantir é a independência
dos árbitros e não tanto – porque tal não resulta de qualquer regra do due process – um
direito a nomear o árbitro.

Assim, em conclusão, face à ausência da LAV, a regra que melhor garante a


independência do tribunal é a da nomeação de todos os árbitros pelo tribunal judicial. É
certo que uma interpretação literal do artigo 12.º não chega a esta conclusão. Mas parece-
me que uma sua aplicação directa a situações de pluralidade de partes é contraditória com
os princípios que a própria LAV propugna. Na situação em que a parte única não nomeia
um árbitro fá-lo por sua conta e risco. Na situação que analisamos, em que as partes da
parte plural não designam árbitro comum, fazem-no porque não têm alternativa. Em
ambos os casos a aplicação do artigo 12..º n.º4 leva a uma situação em que a parte que
designou consegue ter maior influência na constituição do tribunal arbitral. Mas se na
primeira tal situação é tolerável, na segunda não o será. A não ser que haja abuso de
direito, sempre alegável nos termos gerais.

Assim, face à lacuna da LAV quanto a estas situações julgo preferível adoptar a regra
internacionalmente aceite da nomeação integral do tribunal arbitral caso a parte plural
falhe a nomeação conjunta do seu árbitro.483

c. Entramos agora já na problemática das pluralidades subjectivas sucessivas, isto é, na


intervenção de terceiros. A dificuldade de análise aumenta ainda nesta matéria. Se há
dúvidas quanto às pluralidades subjectivas iniciais, muitas mais há quanto às sucessivas.
E, como se sabe já, a LAV não regula nenhum aspecto deste problema. Esta é, aliás, a
opção de alguns ordenamentos jurídicos e regulamentos (como o da CCI). Foi igualmente
a primeira opção do relator da LAV/APA, António Sampaio Caramelo. 484 O texto final da
LAV/APA acabou, porém, por regular esta matéria, no já referido artigo 36.º, mas a

483
Parece também seguir esta posição, embora com referência directa ao artigo 12.º n.º4, Manuel
Barrocas, Manual de Arbitragem, 2010, p. 207.
484
Sampaio Caramelo, A reforma da lei da arbitragem voluntária, 2009, p. 29.
186

Associação alterou-o profundamente na segunda versão do projecto. Esta dificuldade em


encontrar uma solução consensual atesta bem a dificuldade do tema sob análise.

Antes de mais, como já diversas vezes se deixou dito, para que sejam admissíveis as
pluralidades é necessária a existência de convenção de arbitragem entre todos os
intervenientes. As razões desta exigência são conhecidas, não valendo agora repeti-las. A
LAV/APA no seu artigo 36.º n.º1, estabelece a necessidade de convenção, permitindo,
porém que essa existência derive de uma adesão posterior. Neste caso, porém, é
necessário o consentimento de todas as partes primitivas da convenção de arbitragem.

Tenho algumas dúvidas sobre a utilidade destas menções, até porque podem restringir –
sem o pretender – a possibilidade de, por via das regras contratuais, se alargar a certas
pessoas a vinculação decorrente de uma convenção de arbitragem. Estes são problemas
contratuais, a que se deve aplicar as regras correspectivas. Nem há necessidade de criar
regras especiais para a arbitragem porque as preocupações são as mesmas: garantir a
autonomia privada, respeitar a vontade das partes.

O artigo 36.º LAV/APA, agora no seu artigo 2.º, estabelece que a intervenção só é
admitida se o terceiro aceitar a constituição do tribunal arbitral. Essa aceitação é
presumida caso se trate de intervenção espontânea.

É, mais uma vez, uma questão duvidosa na doutrina que tem tratado estas questões.
Manuel Botelho da Silva admite, começando por referir que este é um dos problemas da
pluralidade subjectiva sucessiva, que é sempre possível recompor o tribunal de acordo
com os princípios do processo equitativo, em especial a imparcialidade dos árbitros.

A LAV/APA é, porém, bastante rígida, impedindo remodelações do painel arbitral. Mais


rígido é, ainda, o Regulamento do CAC que apenas admite intervenções antes da
constituição do tribunal arbitral – artigo 25.º Regulamento CAC.485

Há aqui duas questões diferentes, uma primeira do momento até quando é admissível a
intervenção, uma segunda relativa às consequências dessa intervenção caso seja admitida.

Esta regra justificar-se-á., provavelmente, por uma influência da jurisprudência da CCI – ver
485

Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 171.


187

Como é evidente, se apenas se admitir as intervenções antes da constituição do tribunal,


não se coloca o problema da sua reconstituição posterior.

A LAV/APA admite então as intervenções posteriores à constituição do tribunal arbitral.


As anteriores à constituição do tribunal arbitral apenas são admitidas em arbitragem
institucionalizada, conforme é referido no n.º 6 do artigo 36.º.486

Neste caso, a LAV/APA exige que o regulamento de arbitragem aplicável assegure a


observância do princípio da igualdade de participação de todas as partes, incluindo os
membros de partes plurais, na escolha dos árbitros.

Esta norma parece ser algo contraditória com a anterior. Aqui obriga-se que se assegure a
igualdade das partes na constituição do tribunal arbitral, ali obriga-se a manter a
composição do tribunal arbitral como se encontrava no momento da intervenção.

Há aqui, realmente, dois problemas diversos que impõem soluções diversas. Na


intervenção anterior à constituição do tribunal arbitral, o único problema a tratar é o dessa
constituição. Problema que tratei, aliás, anteriormente e que a LAV/APA regula no artigo
11.º. Este preceito não acrescenta nada, aliás, a esse artigo 11.º. É certo que este não se
refere a arbitragem institucionalizada, mas os princípios que lhe estão subjacentes têm de
ser aplicáveis à arbitragem.

Em resumo, entendo que, face ao silêncio da LAV, devem admitir-se as recomposições


dos tribunais arbitrais em consequência de intervenções admitidas posteriormente à sua
constituição. As partes poderão, claro, recusar a intervenção, caso prevejam um atraso
considerável no desenrolar do processo arbitral.

A intervenção sucessiva coloca ainda outra questão, talvez mais importante: a de saber
quando são as intervenções admissíveis. Mais uma vez, a LAV nada regula nesta matéria.

486
Este preceito não estava no primeiro projecto da LAV/APA e a sua compreensão não é
inteiramente fácil. Repare-se: se há regulamento institucional arbitral é este que deve regular a
intervenção de terceiros aceitando-a quando entender. Por outro lado, estabelecer a restrição de
intervenções de terceiros anteriores à constituição do tribunal arbitral em arbitragem ad hoc (que
a norma implica) não é necessário, nem me parece útil. É certo que em arbitragens ad hoc o
processo arbitral se inicia com a constituição do tribunal, pelo que nem se vislumbra como
poderia haver intervenções antes dessa constituição. Mas, como estamos no âmbito da autonomia
privada, onde a imaginação frutifica, não vejo por que proibir.
188

A proposta da APA estabelece dois requisitos para que sejam admissíveis as intervenções:
não perturbação do andamento do processo e razões de relevo que justifiquem
intervenção.

A segunda versão da proposta deixou cair a necessidade de consentimento das partes. É


uma questão discutida: Manuel Botelho da Silva exige sempre esse consentimento 487, já
Lebre de Freitas entende que ele é dispensável. 488 Em termos internacionais, Hanotiau
defendeu que não era necessário esse consentimento, sendo seguido por alguma
jurisprudência ad hoc.489 Ao nível das instituições arbitrais de referência, ICC, LCIA,
AAA, não é exigido esse consentimento, apenas a vinculação à convenção de
arbitragem.490 Já as legislações nacionais variam muitíssimo quanto a esta questão, desde
a regra inglesa e francesa da necessidade do consentimento de todas as partes, 491 até às
diversas construções jurídicas oriundas dos Estados Unidos da América que permitem a
intervenção sem consentimento.492

Em conclusão quanto a esta questão e procurando uma solução face ao actual Direito
positivo, julgo ser mais prudente exigir o consentimento de todas as partes envolvidas
para a intervenção de terceiros. Caso a LAV/APA seja adoptada pelo Governo com o
texto actualmente conhecido, então a regra será a da possibilidade de intervenção mesmo
com oposição de alguma ou de ambas as partes.

Passamos agora para o segundo requisito das intervenções de terceiros – o tribunal só


deve admitir a intervenção caso se esta não perturbar indevidamente o normal andamento
do processo arbitral e se houver razões de relevo que a justifique. Assim o estabelece o
artigo 36.º n.º3 da LAV/APA, adoptando aqui regras gerais de senso comum.

A Proposta identifica três situações em que entende estarem reunidos estes pressupostos:
litisconsórcio (voluntário e necessário, activo ou passivo); oposição; intervenção
acessória provocada.
487
Manuel Botelho da Silva, Pluralidade de Partes em Arbitragens Voluntárias, 2002, p. 532.
488
José Lebre de Freitas, Intervenção de terceiros em processo arbitral, 2010, p. 188.
489
Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 167.
490
Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 171-177.
491
Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 177, nota 431, relativamente a Inglaterra.
492
Carla Gonçalves Borges, Pluralidade de partes e intervenção de terceiros na arbitragem,
2006, p. 121.
189

A LAV/APA autonomiza no artigo 36.º n.º3 c) os casos da solidariedade da obrigação,


admitindo, portanto, a possibilidade de intervenção provocado pelo demandado. Trata-se
de um caso de litisconsórcio voluntário passivo, já inserido na alínea a) do presente
artigo. Esta alínea não acrescenta assim nada, relativamente às anteriores.

O critério de admissibilidade da intervenção – não perturbar o andamento normal do


processo arbitral e ser útil para a eficácia da decisão final - verificar-se-á, com a maior
probabilidade, em todos estes casos. Poderá, porém, não se verificar em todas as
situações, assim como poderá haver outros casos aqui não consagrados que justifiquem a
intervenção.

A LAV/APA atende a estas circunstâncias atribuindo aos árbitros discricionariedade para


deferir ou indeferir o requerimento de intervenção. Estas situações são, assim, meramente
exemplificativas.

d. Admitida a intervenção, o problema que se coloca é de extensão de caso julgado caso o


terceiro não participe na arbitragem. 493 É um problema que existe apenas na intervenção
provocada. Na intervenção espontânea o problema não se coloca, na medida em que a sua
autónoma adesão ao processo arbitral implica automaticamente a sua sujeição ao caso
julgado.

Já na intervenção provocada poderá discutir-se a abrangência do caso julgado. A


LAV/APA admite a intervenção provocada principal e acessória. Sendo requerida essa
intervenção e admitida pelo tribunal arbitral, se o terceiro se recusar a participar, é
discutível se ficará abrangido pelo caso julgado proferido pela decisão arbitral.

Lebre de Freitas admite essa extensão em qualquer das modalidades de intervenção de


terceiros (principal, provocada, oposição), exigindo como requisito apenas que a citação
do terceiro seja feita pela parte que o requereu. 494 Repare-se que estamos a pressupor que
há convenção de arbitragem entre todas as partes. Esta é uma condição de
admissibilidade da intervenção de terceiros.

493
Em arbitragens complexas também é fruto de discussão o âmbito objectivo do caso julgado –
cfr. Bernard Hanotiau, Complex Arbitrations, 2005, p. 246 e seguintes.
494
José Lebre de Freitas, Intervenção de terceiros em processo arbitral, 2010, p. 184.
190

O requisito que Lebre de Freitas exige – que a citação seja feita pela parte que requereu a
intervenção – resulta de analogia com o meio de citação na arbitragem. Esta resulta,
afinal, de duas notificações – a que dá início à arbitragem nos termos do artigo 11.º LAV
(ou 33.º n.º1 LAV/APA) e a da petição inicial (artigo 16.º b) LAV e 33.º n.º2 LAV/APA).
Não me parece absolutamente necessário que seja a parte requerente a fazer essa citação,
embora me pareça mais confortável para os árbitros que assim seja.

Seja como for, havendo entre todos convenção de arbitragem é de admitir a extensão,
mesmo sem nenhuma norma que o refira expressamente (o que se verifica quer na actual
LAV, quer na LAV/APA). Repare-se que se está aqui a aplicar exactamente o mesmo
princípio de vinculação do primitivo demandado à arbitragem. Tendo a convenção de
arbitragem efeitos potestativos, qualquer dos seus subscritores pode dar início ao
processo arbitral sem que a parte contrária se possa opor. Ora tal efeito produz-se
evidentemente contra qualquer parte, seja ela parte primitiva ou não na arbitragem.

Assim, deve estender-se o efeito de caso julgado aos terceiros cuja intervenção tenha sido
provocada, independentemente de terem ou não tido efectiva intervenção no processo.
Desde que a estes terceiros seja dada a oportunidade de se defenderem, em igualdade
com as restantes partes da arbitragem, não há preclusão de nenhuma garantia que, em
termos de processo justo, impeça esta extensão.

e. Uma última nota para o litisconsórcio necessário. Como refere Lebre de Freitas, a não
submissão do terceiro em litisconsórcio necessário à arbitragem levará à ineficácia da
convenção arbitral e à sujeição de todas as partes à jurisdição estadual. 495 Esta será a
consequência apenas no caso em que a convenção arbitral não seja celebrada por todos os
litisconsortes. Caso o seja, o problema coloca-se de forma diversa. A acção terá de ser
proposta contra todos os litisconsortes inicial ou sucessivamente. Caso estes não
intervenham no processo arbitral, nada impede a eficácia plena da sentença arbitral.
Apenas no caso de os litisconsortes não terem sido chamados e, ainda assim, ter sido
proferida sentença arbitral, será possível uma nova acção entre todos (sem que haja caso
julgado) cuja sentença produzirá efeitos entre todos, retirando utilidade à primeira.

495
José Lebre de Freitas, Intervenção de terceiros em processo arbitral, 2010, p. 184.
191

5.9. Decisão arbitral

a. Entramos agora na matéria de decisão arbitral, assunto a que a Lei da Arbitragem


Voluntária dedica algumas normas.

O prazo para decisão é fixado livremente pelas partes, sendo de 6 meses na falta de
estipulação. Conta-se a partir da data de designação do último árbitro, podendo ser
prorrogado até ao dobro da sua duração inicial por acordo escrito das partes. Todas estas
regras constam do artigo 19.º LAV. É uma solução equilibrada para um problema mais
complicado do que à primeira vista poderia parecer.

Já a LAV/APA alarga este prazo supletivo para 12 meses – artigo 43.º n.º1 –, podendo
haver livre prorrogação por acordo das partes ou por decisão do tribunal arbitral. Neste
caso as partes poderão sempre, por acordo, pôr fim às prorrogações.

A LAV é, porém, muito rígida no que às prorrogações de prazo diz respeito. Em


consequência, tem sido considerada imperativa a regra que limita a prorrogação de prazo
até ao limite do dobro inicialmente previsto. Esta imperatividade é objecto de crítica 496,
pois é algo incompreensível face à autonomia privada das partes. Qual será a justificação
para impedir a arbitragem de continuar, se as partes assim o pretendem. Se considerarmos
a regra imperativa, então, a solução naquele caso terá de passar pela celebração de nova
convenção de arbitragem.

Ultrapassado o prazo com ou sem prorrogação, a lei determina a caducidade da


convenção arbitral – artigo 4.º n.º1 c) LAV. Esta norma é criticada pela doutrina que julga
uma sanção desproporcionada ao facto verificado. Assim, na LAV/APA é proposta como
consequência do desrespeito do prazo a extinção automática do processo arbitral. Essa
extinção não implica, porém, a caducidade da convenção arbitral que se mantém eficaz,
podendo dar início a outra arbitragem (artigo 43.º n.º3 LAV/APA).

Este não, é, porém, o regime consagrado positivamente no nosso ordenamento jurídico.


Voltemos a ele.

496
Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 407.
192

A anulação da decisão arbitral com fundamento no incumprimento do prazo implica a


alegação do vício no próprio processo arbitral. Isto porque a caducidade de convenção
arbitral implica incompetência do tribunal, fundamento de anulação previsto na alínea b)
do n.º1 do artigo 27.º LAV, cuja eficácia está limitada pelo n.º 2 desse mesmo artigo.

Este n.º 2 refere que os fundamentos de incompetência do tribunal arbitral, onde se inclui
todos os vícios ou factos de que possa resultar a ineficácia da convenção arbitral, têm de
ser alegados oportunamente. Quer dizer, portanto, que tem de ser alegado ainda no
decurso do processo arbitral e, pelo menos, dentro de um período razoável após o decurso
do prazo. Assim o tem entendido a jurisprudência. 497 Também foi já decidido que a
invocação da caducidade constitui abuso de direito em situações em que a atitude
processual das partes nada faria indicar a invocação dessa caducidade. 498 A circunstância
de tal norma não estar prevista na lei não implica que não se possa aplicar, na medida em
que estamos no âmbito da paralisação de direito consagrado positivamente precisamente
por o seu exercício violar a boa fé. A questão deve ser colocada no âmbito da ratio da
necessidade de existência de um prazo.

A razão de ser da existência de um prazo de decisão é, antes de mais, assegurar que o


litígio seja resolvido rapidamente. No caso da arbitragem, a imperatividade do prazo e as
consequências gravosas do seu não cumprimento estarão ainda relacionadas com garantir
que as partes não fiquem eternamente dependentes da actividade do tribunal arbitral.
Imagine-se que o tribunal não providencia pelo andamento do processo ou tarda em
decidir. Não podem as partes ficar sem opção para resolver o caso, sem decisão arbitral e
sem possibilidade de recorrer aos tribunais judiciais.

Trata-se, portanto, de uma regra de protecção das partes perante o tribunal. Esta razão de
ser impede a sua utilização abusiva por qualquer das partes. É típico a assunção de
manobras dilatórias pelo demandado com vista precisamente ao decurso do prazo.

Assim, a grande maioria das legislações sobre arbitragem e dos regulamentos de


instituições arbitrais contém regras de prazo de decisão. Esse prazo pode contar-se desde

497
Acórdão Relação do Porto de 8 de Maio de 1995, in Colectânea de Jurisprudência 1995, III,
206.
498
Acórdão STJ de 17 de Junho de 1998, Processo n.º 98B217, só disponível em sumário.
193

a constituição do tribunal arbitral, como na nossa lei, ou desde outros momentos, como
por exemplo, a audiência ou os terms of reference (artigo 18º Regulamento da CCI).499

Seguindo, porém, a tendência de que o prazo não deve ser um elemento de manipulação
pelas partes, os tribunais têm exigido alguns requisitos para além do seu simples decurso
para a anulação da sentença arbitral. Redfern e Hunter dão como exemplo uma decisão de
um tribunal de Nova Iorque que entendeu que a anulação por decurso do prazo dependia
de se demonstrar a existência de dano.500 Em Portugal, como se referiu, a jurisprudência
tem impedido a anulação quando entende que há abuso de direito.

b. Nos termos do artigo 22.º LAV as partes podem autorizar os árbitros a julgar segunda a
equidade.

A questão da equidade não é mais do que um problema ou um dos maiores problemas da


metodologia do Direito. O que está em causa é simplesmente uma visão sobre o modo de
conceber e aplicar o Direito. Se entendermos o Direito numa postura positivista,
circunscrito à lei, a equidade estará necessariamente fora do seu âmbito. Já se tivermos do
Direito uma posição pluralista, de acordo com a qual as suas fontes são várias e de
diversa importância, a equidade poderá estar dentro do Direito. Estas concepções
reflectem-se, depois, no método de aplicação do Direito. Se adoptarmos uma perspectiva
legalista, à equidade nenhum papel será atribuído na descoberta da solução jurídica do
caso. Já se seguirmos uma posição pluralista, à equidade poderá ser atribuído um papel
moderador na aplicação do direito estrito.

As referências à equidade são muito antigas, remontando as mais conhecidas a


Aristóteles, no livro Ética a Nicómaco. É aí, mais precisamente no seu Livro V, que se
funda ainda hoje a ideia de equidade. É útil retomar as suas palavras, de uma actualidade
e clareza espantosas.

Para Aristóteles, a equidade tem uma função rectificadora da justiça legal. “O


fundamento para tal função rectificadora resulta de, embora toda a lei seja universal,

499
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 456.
500
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 456.
194

haver, contudo, casos a respeito dos quais não é possível enunciar de modo correcto um
princípio universal.”501

Esta função rectificadora não se torna necessária por falha do legislador, mas pela própria
natureza da lei: “O erro não reside na lei nem no legislador, mas na natureza da coisa:
isso é simplesmente a matéria do que está exposto às acções humanas. Quando a lei
enuncia um princípio universal, e se verifiquem resultarem casos que vão contra essa
universalidade, nessa altura está certo que se rectifique o defeito, isto é, que se rectifique
o que o legislador deixou escapar e a respeito do que, por se pronunciar de modo
absoluto, terá errado. É isso o que o próprio legislador determinaria, se presenciasse o
caso ou viesse a tomar conhecimento da situação, rectificando, assim, a lei, a partir das
situações concretas que de cada vez se constituem. (...) A natureza da equidade é, então,
ser rectificadora do defeito da lei, defeito que resulta da sua característica universal.”502

As palavras claras do filósofo antigo têm, como não podia deixar de ser, sido objecto de
interpretação e alguma polémica. Uma leitura seca dos textos remete-nos para lá do
direito positivo, para uma conformação casuística do direito para além ou até contra o
direito legislado.503 Há, porém, quem sustente que falamos ainda de direito legislado, na
medida em que a equidade actua dentro do espírito do legislador – a ultrapassagem do
enunciado da regra é feita em nome do respeito mais profundo pela regra.504

A equidade passou para o direito romano, embora de forma mais complexa e sem uma
exacta correspondência. O aspecto a salientar são os mecanismos, de cariz mais ou menos
jurídicos, postos à disposição do pretor para a conformação do direito ao caso concreto
(Bona fides e bonum et aequuumi, por exemplo) que se traduziam num poder próximo do
legislativo na resolução do caso concreto. Mas tal perdeu-se também com o avançar do
império e consequente concentração de poderes no imperador.505

501
Aristóteles, Ética a Nicómaco, 2006, p. 129.
502
Aristóteles, Ética a Nicómaco, 2006, p. 130.
503
Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1997, p. 122.
504
Machado Fontes, Súmula de uma Leitura do Conceito de Justiça no Livro V da Ética
Nicomaqueia de Aristóteles, 1998, p. 173.
505
Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1997, p. 113 e seguintes.
195

A influência do direito canónico na formação do direito comum trouxe um retomar da


perspectiva casuística do direito, através da valorização das soluções de equidade contra
as decisões de direito estrito.506

Esta flexibilidade na aplicação do direito seria posta em causa pelo advento das teorias
científicas que conduziram ao positivismo e que ainda hoje dominam a prática jurídica. 507
Adoptando as palavras de António Hespanha, “A evolução das ciências naturais e a sua
elevação a modelo epistemológico lançaram a convicção de que todo o saber válido se
devia basear na observação das coisas, da realidade empírica («posta», «positiva»). De
que a observação e a experiência deviam substituir a autoridade e a especulação
filosofante como fontes de saber. Este espírito atingiu o saber jurídico a partir das
primeiras décadas do século XIX.”508 O Direito foi erigido a ciência (a ciência jurídica),
dele devendo ser expurgados todos e quaisquer elementos não científicos ou não
comprováveis cientificamente. As várias formas de positivismo caracterizam-se pelo seu
empenho em banir toda a «metafísica» do mundo da ciência. 509 Assim, todas as
considerações valorativas, desde a moral à política, não poderiam ter qualquer
intervenção metodológica. É evidente que este espírito implicou também a expurgação da
equidade do discurso e da prática jurídica.

A partir de finais do século XIX e durante o século XX o positivismo jurídico foi


combatido e paulatinamente abandonado. Foram diversas as escolas de pensamento que
contribuíram para este resultado, podendo destacar-se a escola do direito livre e a
jurisprudência dos valores.510 Os diversos movimentos não são coincidentes nas suas
propostas e métodos, mas para o que agora nos interessa, implicaram de algum modo a
reentrada da equidade enquanto passo metodológico do direito. Isto é, permitiram a
defesa, como em Portugal tem sido feita pela escola de Coimbra, da justiça do caso

506
António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 86.
507
Jonh Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, 1995, p. 417.
508
António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 174.
509
Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 45.
510
António Manuel Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 51 e seguintes.
196

concreto enquanto momento obrigatório na trajectória de aplicação da norma ao caso.


Fala-se até de um retorno ao paradigma aristotélico.511

Este papel fulcral da equidade é, porém, causa de insegurança e imprevisibilidade – se


cada caso tem uma solução à medida, nunca se pode saber previamente qual a sua
solução. Esta consequência põe em risco uma das funções, ou até mesma a função
primordial do Direito – a de conferir segurança à vida em sociedade. Daí que diversos
autores têm recusado este papel arbitrário da equidade, preferindo sempre a construção da
norma, mesmo a aplicável ao caso concreto, através de concepções sistemáticas gerais.512

Mas se este é o estádio actual do pensamento jurídico, o certo é que as fontes,


designadamente o Código Civil, e os práticos partilham ainda uma visão positivista do
Direito, colocando a equidade fora do sistema jurídico. Por essa razão as remissões legais
para a equidade (desde o artigo 4.º CC ao artigo 22.º LAV, passando pelo artigo 509.º
CPC) são ainda hoje objecto de discussão.

São defendidas duas noções de equidade: uma noção forte e uma noção fraca.

A noção fraca, mais propriamente referida como integrativa, caracteriza-se pela correcção
de injustiças da lei aquando da sua aplicação ao caso concreto, isto é, a equidade funciona
como elemento de conformação do direito estrito na sua concretização. É, ao fim e ao
cabo, a noção milenar de Aristóteles, de acordo com quem a própria natureza universal e
abstracta das regras legais implica a existência de um mecanismo corrector para se
encontrar a solução justa. A equidade funciona, assim e ainda, intra legem,
movimentando-se nos seus conceitos e valores, desistindo da sua aplicação apenas
quando a solução encontrada não se ajusta, em concreto, precisamente a esses conceitos e
valores.

Na acepção ampla, mais correctamente referida como substitutiva, a equidade prescinde


em absoluto do direito estrito, tornando-se, portanto, o único critério de decisão. Não há

511
Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 113 e seguintes e 493. Sobre a escola
de Coimbra cfr., por todos, Alexandre Dias Pereira, Da Equidade (Fragmentos), 2004, p. 365.
512
Tomamos como base essencialmente o pensamento de António Hespanha, aqui muito
influenciado pela teoria do sistema auto-poiético de Niklas Luhman. António Manuel Hespanha,
O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 69 e seguinte e 172 e seguintes.
197

qualquer vinculação ao direito legislado, baseando-se a decisão exclusivamente na justiça


do caso concreto. Nesta acepção o julgamento segundo a equidade é não jurídico.513

A doutrina e a jurisprudência têm-se dividido na defesa de uma e outra teoria. A maioria


da doutrina portuguesa prefere a acepção fraca, entendendo, então, que a decisão segundo
equidade não prescinde de considerar as soluções jurídicas em vigor. Pode é, depois,
afastá-las por não permitirem a justiça no caso concreto.514

É difícil saber qual a noção de equidade que o Direito Português adoptou. Sabe-se que o
tempo do Código Civil foi marcado por uma visão positivista do Direito. Ainda assim há
diversas referências à equidade em diversos preceitos legais, em número, aliás, bastante
razoável.

Podemos dividir essas referências em dois grupos. Um primeiro em que a equidade surge
como um critério de decisão no âmbito de um concreto problema substantivo, inserido,
portanto, na aplicação do direito estrito. Um segundo, em que a equidade surge como
critério único de decisão.

Da análise dos preceitos que inserimos no primeiro grupo, podemos, porém, distinguir
ainda utilizações diversas da equidade.

Na utilização mais frequente a equidade tem como função superar a determinação em


abstracto de uma consequência jurídica. Encontramos a equidade na estatuição da norma,
em casos de determinação concreta da prestação, da indemnização, da parte de cada
sujeito activo ou passivo.

Fazem esta utilização os seguintes artigos: 283.º (negócio usurário), 400.º (determinação
da prestação), 437.º (modificação do contrato por alteração das circunstâncias), 462.º
(cooperação de várias pessoas na promessa unilateral), 494.º (medida da indemnização

513
Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e Vieira de Andrade, Aspectos Jurídicos da Empreitada
de Obras Públicas, 2002, p. 33-35; Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, 1990, p.
267; Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 159.
514
Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e Vieira de Andrade, Aspectos Jurídicos da Empreitada
de Obras Públicas, 2002, p. 35; Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, 1990, p. 271;
José Luís Esquível, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, 2004, p. 277 e 286. Defendem,
porém, a acepção forte: Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 162 e Lebre de
Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p. 636.
198

em caso de mera culpa), 496.º (medida da indemnização por danos não patrimoniais),
566.º (valor da indemnização), 883.º (determinação do preço na compra e venda), 992.º
(determinação do quinhão do sócio de indústria), 1158.º (remuneração do mandatário) e
1215.º (indemnização do empreiteiro).

São situações em que o legislador reconhece que quaisquer critérios abstractos são
insuficientes para uma determinação justa dos montantes a condenar. Daí a remissão para
a justiça do caso concreto como forma de solucionar, da forma mais razoável possível, o
problema.

Igual utilização se encontra nas regras estabelecidas nos artigos 72.º (providências a
tomar em situações de nome idêntico) e 1407.º (administração da coisa comum), em
ambos os casos já, porém, com um âmbito maior. Agora não falamos apenas da
determinação de montantes, remunerações ou indemnizações, mas da administração da
coisa em compropriedade e de providências (no que isso tem de genérico) a adoptar
quando haja nome idêntico.515

Para lá destes preceitos, mas ainda no primeiro grupo, em que a equidade surge da
decisão no âmbito de um concreto problema substantivo, há a salientar utilizações da
equidade na própria previsão da norma, sendo, portanto, elemento constitutivo da posição
jurídica. Estas situações são muito raras no nosso direito legislado, encontrando-se no
Código Civil apenas duas: nos artigos 339.º e 812.º, em que a equidade participa já na
atribuição da compensação por danos provocados em estado de necessidade e na redução
da cláusula penal.

Por último, é importante referir o artigo 2016.º n.º2 CC, norma que permite a concessão
de alimentos ao cônjuge, que a eles não teria direito, por motivos de equidade. A
equidade faz aqui parte da previsão da norma, mas mais, permite alcançar um efeito
contrário ao obtido pela regra de direito estrito. É, sem dúvida, a situação em que o
Código Civil mais longe leva a função conformadora da equidade, mas é também – note-
se – o único.

515
Filipe Vaz Pinto, A Equidade, 2007, p. 16.
199

Parece evidente que neste primeiro grupo de situações, a equidade aparece sempre na sua
função conformadora ou integrativa. É critério de ajuste do direito estrito ao caso
concreto, em situações em que este se demite de encontrar critérios universais e
abstractos. Ou porque os não conhece ou porque entende mais adequado procurarem-se
no caso concreto.

O segundo grupo de utilização da equidade contém já remissões genéricas para a


equidade enquanto fonte da decisão. Neste grupo insere-se o artigo 4.º do Código Civil, o
artigo 509.º CPC e o artigo 22.º da Lei da Arbitragem Voluntária e o artigo 258.º n.º2 do
Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, do já revogado Regime Jurídico da Empreitada de
Obras Públicas.516 Destes preceitos nenhuma indicação clara se retira sobre a noção de
equidade que adopta. E, como se referiu acima, a doutrina divide-se na sua interpretação,
embora seja maioritária a defesa da acepção integrativa.

José Luís Esquível estudou a noção de equidade acolhida pelo Regime Jurídico da
Empreitada das Obras Públicas. A diferença para preceitos idênticos, designadamente o
artigo 4.º do Código Civil, é que se trata de Direito Administrativo, ramo de Direito em
que é determinante o princípio da legalidade. Por isso, o Autor defende uma combinação
entre as funções que a equidade pode desempenhar e as exigências decorrentes da
legalidade administrativa. Posição que impõe, desde logo, a adopção de um conceito
integrativo de equidade. Assim, a equidade permite uma focalização mais intensa do caso
concreto, estando essencialmente relacionada com questões de natureza técnica ou de
apuramento de quantias monetárias devidas entre as partes. 517 Mas – atenção - não
prescinde da análise e aplicação do direito estrito. Só após a sua análise se pode operar a
conformação com o caso concreto.

Este aspecto - saber se o artigo 258.º n.º2 RJEOP permite a adopção da noção substitutiva
da equidade - é relevante, mesmo após a sua revogação. Porque a norma ainda se aplica
aos contratos celebrado antes da sua entrada em vigor e para se saber quais os limites da
remissão para a decisão segundo a equidade já no âmbito do novo Código de Contratação
516
Esta norma deixou de vigorar com a entrada em vigor em 30 de Julho de 2008 do novo Código
de Contratação Pública (Decreto-Lei 18/2008, de 29 de Janeiro), que não contém nenhuma regra
idêntica.
517
José Luís Esquível, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, 2004, p. 282 e seguintes.
200

Pública. Estando a administração pública vinculada à legalidade enquanto princípio


basilar do direito público, não é admissível – por razões de segurança e de transparência –
que a eventual ilegalidade do seu comportamento seja sancionada. Assim como é
impensável que seja condenada a praticar condutas ilegais. Pelo que não me parece
aceitável, em direito administrativo, a utilização da equidade para decisões que
contrariem directamente a vinculação da administração ao direito estrito. O que significa,
portanto, que o artigo 229.º RJEOP só podia ser interpretado no sentido de consagrar uma
noção integrativa de equidade. Pretender acolher aí uma concepção substitutiva de
equidade seria contraditório com os princípios gerais do direito público.

Já nos artigos 4.º CC, 509.º CPC e 22.º LAV estes argumentos não colhem. É defensável
ver aí a consagração da acepção forte de equidade. É certo que a equidade enquanto fonte
geral de decisão – conforme referimos ser a tese da Escola de Coimbra – cria uma
insegurança e uma imprevisibilidade do Direito, que me parecem contraditórias com a
sua natureza. No entanto, nestes casos, são as próprias partes que a erigem enquanto
critério de decisão, pelo que faz sentido entender esta remissão na sua amplitude máxima
- para uma noção substitutiva. É deste modo que deve ser lida a referência à equidade no
artigo 22.º LAV.

c. Nos termos do artigo 20ª LAV, a decisão é tomada por maioria em deliberação em que
todos os árbitros têm de participar. Entende-se que o necessário não é a presença efectiva
de todos os árbitros, mas a sua regular convocação.518

É interessante referir a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7


de Novembro de 2002.519 A reunião dos árbitros para a deliberação final foi marcada para
o último dia do prazo. Um dos árbitros invocou estar impossibilitado de comparecer
nesse dia e hora, sendo a decisão tomada apenas pelos outros dois árbitros. Alegada a sua
anulabilidade, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que não havia qualquer
fundamento de invalidade, na medida em que o árbitro havia sido convocado, não tinha
era podido ou querido comparecer.

518
Mário Raposo, A sentença arbitral, 2005, p. 2.
519
Colectânea de Jurisprudência, 2002, V, p. 69-71.
201

A lei manda que os árbitros assinem, embora admita que nem todos o façam. Se tal
acontecer e de acordo com a alínea g) do n.º1 do artigo 23.º LAV deve constar da
sentença a indicação dos árbitros que não puderam ou não quiseram assinar. Desde que o
número de assinaturas seja pelo menos igual ao da maioria dos árbitros (n.º 2 do artigo
23.º LAV) está garantida a regularidade da sentença.

Não está isenta de dúvidas a compatibilização destas normas com o fundamento de


anulação previsto no artigo 27.º n.º 1 d). Isto porque esta norma determina a nulidade da
sentença quando falte a assinatura de um dos árbitros.520

O problema coloca-se quando falte a assinatura de um dos árbitros e não haja qualquer
menção da sentença à razão dessa falta. Tal questão foi tratada no Caso Comissão Arbitral
Paritária521 em que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu a acção de anulação de uma
sentença arbitral dessa Comissão em que faltava a assinatura de um dos seis árbitros.
Entendeu o Supremo Tribunal que não havia fundamento de anulação na medida em que
constavam as assinaturas da maioria dos árbitros.522

A decisão parece ser sensata, na medida em que é realmente excessivo 523 operar a
anulação da sentença e de todo o processo arbitral quando a maioria está assegurada. 524
Por outro lado, o que é importante, estando a maioria assegurada, é a identificação dos
árbitros, isto é, a exigência de assinatura relaciona-se com a identificação dos árbitros e
não com a sua adesão à sentença. Ora, tal identificação pode obter-se por diferente meio,
designadamente através de outros elementos do processo arbitral. Fora estes casos, os
problemas que podem surgir são já de irregularidade de constituição do tribunal arbitral
(como o Acórdão referido indica) ou de genuinidade da sentença.525
520
Mário Raposo, A sentença arbitral, 2005, p. 3; Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da
decisão arbitral, 1992, p. 937.
521
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2004, Proc. n.º 04B2190.
522
É interessante que não tenha também reparado no número par de árbitros, em violação do
artigo 6.º LAV.
523
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 937
524
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 152.
525
Seja como for é necessário fazer aqui um reparo sobre a seriedade da arbitragem. O Estado não
pode validar exercícios jurisdicionais pouco ou nada transparentes e de legalidade muito
duvidosa. Este caso Comissão Paritária já foi tratado por causa do efeito cominatório; tem o
problema do número par de árbitros e para piorar um deles não assina a decisão, nem há qualquer
explicação sobre essa falta. É necessário ter muita cautela com este tipo de arbitragens, porque
202

d. A lei manda que a decisão seja depositada na secretaria do tribunal judicial do lugar da
arbitragem. Este depósito é notificado às partes e implica a extinção do poder
jurisdicional dos árbitros. Pode o depósito ser dispensado através de convenção das partes
ou em regulamento de arbitragem institucionalizada. As regras estão previstas nos artigos
24.º e 25.º LAV.

A caracterização jurídica do depósito depende das consequências que lhe estão associadas
em caso de não cumprimento da norma. O artigo 26.º LAV faz depender a força de caso
julgado desse depósito, pelo que ele tem sido considerado como condição de eficácia da
sentença arbitral.526 Tal foi o entendimento do Acórdão da Relação do Porto de 8 de Maio
de 1995527, que apreciou o mérito da acção por entender que, não estando a decisão
arbitral depositada, não se verificava caso julgado. Esta decisão é seguramente discutível,
na medida em que, se não havia caso julgado, haveria, então uma convenção arbitral
eficaz que implicaria a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral. É certo que
tal excepção parece não ter sido directamente alegada na acção (até porque já tinha
decorrido todo o processo arbitral), mas foi seguramente tacitamente invocada. É um caso
interessante, sem dúvida, e que permite no mínimo questionar a utilidade deste depósito.

Ele é, porém, conhecido de diversas legislações internacionais 528, devendo associar-se a


alguma garantia de publicidade ou memória da decisão. Tendo em conta, porém, que a
decisão é privada e que está na disponibilidade das partes querer ou não querer o
depósito, talvez fizesse mais sentido de iure condendo que o depósito fosse obrigatório
apenas quando as partes assim o estipulassem.

A LAV/APA deixou de prever a existência do depósito, considerando que a sentença é


plenamente eficaz depois de ultrapassados os prazos de impugnação (artigo 42.º n.º7).
Prevê, porém, uma obrigação do presidente do tribunal arbitral de conservação do
original do processo arbitral durante um prazo mínimo de dois anos e do original da

põe em causa a sua credibilidade do instituto.


526
Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 153.
527
Colectânea de Jurisprudência, 1995, Tomo III, p. 206.
528
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 458.
203

sentença arbitral por um prazo mínimo de 5 anos (artigo 44.º n.º 4). Desaparece, portanto,
do projecto a referência a qualquer depósito.

5.8. Impugnação da decisão arbitral

A impugnação da decisão arbitral é a condição necessária da sua equiparação pública à


sentença judicial. O Estado só reconhece decisões vinculativas de privados se puder
controlar a sua validade, designadamente se puder verificar que foram respeitadas as
regras mínimas do processo justo.529 É esta ainda a razão que justifica que seja
irrenunciável o direito de requerer a anulação da decisão arbitral (artigo 28.º n.º1 LAV), o
que não se verifica no recurso (artigo 29.º LAV).

Só é admissível a impugnação das decisões finais. Com isto quer-se abarcar não só a
sentença final como as decisões que impliquem a extinção da instância com fundamento
de forma e ainda as decisões de mérito parciais. Adoptando a terminologia de Lima
Pinheiro, são impugnáveis as decisões definitivas.530-531

A impugnação da sentença arbitral pode ser feita por três vias: acção de anulação, recurso
e oposição à execução. A possibilidade de impugnação com fundamento em simultâneo,
no mérito e na forma é algo original no panorama europeu e tem sido objecto de
críticas.532 No essencial a questão está em saber se deveria admitir apenas acção de
anulação, eliminando-se o recurso. Sendo o recurso renunciável, julgo que a crítica não é
relevante. Está na disponibilidade das partes o maior ou menor grau de vinculação à
arbitragem.

A LAV/APA inverte esta regra, estabelecendo como regra a possibilidade de recurso


apenas se as partes o estipularem (artigo 39.º n.º4).

Os fundamentos de anulação devem ser invocados no recurso se a ele houver lugar


(artigo 27.º n.º3 LAV). A acção de anulação é, assim subsidiária, só ganhando autonomia
529
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.
530
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5.
531
Na LAV/APA prevê-se a impugnação imediata da decisão sobre competência do tribunal
arbitral – artigo 18.º n.º 9.
532
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.
204

se não houver recurso. Isto verifica-se tanto nas situações em que a decisão é irrecorrível,
como nos casos em que não houve interposição de recurso. Assim, a parte pode escolher
entre propor acção de anulação ou interpor recurso. 533 Havendo, porém, acordo das partes
em atribuir a uma instância arbitral a competência para apreciar o recurso, mantém-se a
possibilidade de propositura de acção de anulação nos tribunais judiciais. Isto porque esta
cláusula implica a renúncia ao recurso junto dos tribunais judiciais.534

5.8.1. Acção de anulação

5.8.1.1. Prazo e competência

a. O prazo de interposição da acção de anulação é de um mês, nos termos do artigo 28.º


LAV. Trata-se de um prazo substantivo ao qual se aplica o artigo 279.º CC e que,
portanto, não se suspende em férias. Isto porque do que falamos não é de um prazo
processual, a que se aplique o Código de Processo Civil. Repare-se que a arbitragem é
um exercício de jurisdição privado. O direito a requerer a anulação da arbitragem é, ao
fim e ao cabo, o exercício de um direito substantivo – o direito de acção ou e defesa – que
por alguma razão foi postergado na arbitragem que se pretende invalidar. Trata-se,
portanto, de um direito substantivo e, logo, sujeito às regras gerais do exercício dessas
posições jurídicas.

b. A LAV nada diz sobre a competência para apreciar a acção de anulação, mas essa
determinação não está isenta de dúvidas. É necessário analisar separadamente cada um
dos índices de competência.

Em relação à competência internacional, os tribunais portugueses seriam competentes se


a arbitragem se tiver realizado em Portugal, na medida em que a causa de pedir ocorreu
em território português (alínea c) do n.º1 do artigo 65.º CPC). 535 Esta norma foi revogada
pela nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela
Lei n.º 52/2008. Este diploma só entrou, porém, em vigor (em 14 de Abril de 2009) para

533
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 993.
534
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5.
535
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 956.
205

áreas territoriais limitadas – as novas comarcas piloto do Alentejo Litoral, Baixo Vouga e
Grande Lisboa-Noroeste. Não se percebe, assim, se esta revogação se aplica apenas a
estas comarcas, se a todo o país. Trata-se de uma regra que não tem relação com a
restante LOFTJ, pelo que se deve entender que o preceito se encontra revogado em todo o
território nacional.

Revogada esta alínea, só haveria competência internacional dos tribunais portugueses nos
casos em que haja aplicação do princípio da coincidência ou da necessidade. Isto é, nas
situações em que a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras da
competência territorial estabelecidas na lei portuguesa e, ainda, quando o direito
invocado não possa tornar-se efectivo senão através da propositura de uma acção em
tribunal português (desde que existam elementos de conexão com a nossa ordem
jurídica).

Tendo em conta que este último índice é de rara aplicação, temos que apenas haveria
competência internacional dos tribunais portugueses para a acção de anulação de
sentença arbitral quando o réu fosse domiciliado em Portugal – artigo 85.º CPC. Haveria,
assim, uma forte redução da competência internacional nesta área e uma redução
arbitrária, na medida em que não se entende o porquê da distinção.

Será, assim, mais correcto manter a posição anterior – a de que os tribunais portugueses
são competentes para a acção de anulação de sentença arbitral proferida em arbitragem
localizada em Portugal. E há argumentos legais e doutrinais que sustentam esta
conclusão, mesmo sem o resguardo do artigo 65.º c) CPC. Em primeiro lugar, o artigo
37.º LAV manda aplicar a lei portuguesa às arbitragens localizadas em Portugal, donde se
retira logicamente que os tribunais portugueses serão os mais aptos a decidir estas acções.
Em segundo lugar, como veremos à frente, a doutrina tem defendido que o tribunal
territorialmente competente para a propositura da acção de anulação é o do local do
proferimento da sentença arbitral, por analogia com o artigo 90.º n.º2. Pelo que havendo
competência territorial, aplicar-se-ia o princípio da coincidência. Por último, é doutrina
206

pacífica a nível internacional que o tribunal competente é o do local da arbitragem, com


base no artigo V e) da Convenção de Nova Iorque.536

Assim, em conclusão, deve entender-se que os tribunais portugueses são


internacionalmente competentes para apreciar as acções de anulação de sentença arbitral
proferida em arbitragem localizada em território português.

Quanto à competência interna, há que começar por distinguir as arbitragens abrangidas


pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos e as restantes. Quanto às
primeiras determina o artigo 186.º CPTA que a competência é do Tribunal Central
Administrativo, tribunal de 2ª instância na jurisdição administrativa.537

Quanto às restantes arbitragens, há que separar as comarcas que estão sujeitas à nova
LOFTJ e as outras. Só há, porém, diferenças a assinalar (e afinal de pouca monta) em
relação à competência em razão da matéria.

Em qualquer caso, não se levantam dúvidas em relação à competência em razão da


hierarquia – tribunal de 1ª instância – e à competência em razão do valor – determinada
em função do valor da causa arbitral. Os problemas surgem com a competência material e
com a competência territorial.

No que diz respeito à competência territorial, o raciocínio mais simples seria aplicar, sem
qualquer especialidade, o artigo 85.º CPC, concluindo-se pela atribuição de competência
ao tribunal do domicílio do réu. A doutrina, porém, não parece muito satisfeita com esse
índice, defendendo como competente o tribunal do lugar do depósito da sentença arbitral
nos casos em que ela tenha de ser depositada. Paula Costa e Silva refere, ainda, que teria
sido preferível estabelecer para os restantes casos (em que o depósito foi dispensado) o
local do seu proferimento, como se fez para a acção de execução de sentença judicial.538

Se se entender que o critério do local de depósito é o que determina a competência


territorial, teríamos como consequência directa o alargamento da competência

536
Alan Redfern e Martin Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,
2004, p. 507.
537
Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 2004, p.
396.
538
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 957.
207

internacional dos tribunais portugueses. Este resultado é, sem dúvida, o mais coerente
com as regras aplicáveis à arbitragem.

Quanto à competência material, a dúvida está em escolher entre os tribunais de


competência genérica e os tribunais de competência especializada. Poderia entender-se
que a competência seria daquele tribunal ou jurisdição que tivesse competência para o
litígio materialmente considerado, para o litígio discutido na acção arbitral. 539 No entanto,
a legislação nenhuma norma contém e, na medida em que os tribunais de competência
genérica têm competência residual, parece não subsistir dúvidas de que são esses os
tribunais competentes.540

Assim, por exemplo, numa acção arbitral relativa a um contrato de trabalho, o tribunal
competente será o tribunal comum ou o de competência especializada laboral? Se
analisarmos o artigo 85.º da velha LOFTJ ou o artigo 118º da nova, não há qualquer
referência à acção de anulação de decisões arbitrais. Tratando-se de uma acção cível
caberá então na competência das varas (ou grande instância), juízos (ou média instância)
ou pequena instância cível em função do valor – artigos 97.º, 99.º e 101.º da velha LOFTJ
e 128.º a 130.º da nova.

É preciso chamar a atenção para o facto de a nova LOFTJ ter eliminado a competência
específica, tratando agora estes juízos como os juízos de competência especializada cível.
Deixou, portanto, de ser competência em razão da forma do processo, para ser um nível
de especialização dentro da área cível. As regras mantém-se, porém, com uma
formulação idêntica, tendo portanto carácter residual em relação aos restantes juízos de
competência especializada. Logo, o raciocínio mantém-se: não estando a acção de
anulação de sentença arbitral prevista na competência dos juízos de competência
especializada, deverá ser atribuída aos juízos de competência especializada civil.

Para além dos argumentos formais, faz sentido que a atribuição da competência seja para
os tribunais de competência genérica, na medida em que os fundamentos de anulação

Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.


539

540
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 957. Contra: Lima
Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1. Assim decidiu o
Acórdão STJ de 11/10/2001, Proc. n.º 01B2417.
208

previstos no artigo 27.º LAV são relativos a qualquer acção, tendo pouco que ver com o
mérito da causa.

Daí que a competência para o recurso já tenha de ter o tratamento inverso – mas aí
consegue-se esse resultado através da aplicação do princípio da equiparação previsto no
artigo 29.º n.º1 LAV de que falarei adiante.

c. A LAV/APA altera, mais uma vez, estas regras estipulando como regra a competência
do tribunal da relação do distrito onde se situe o lugar da arbitragem. Em caso de acção
de anulação haverá competência alternativa do tribunal da relação do distrito onde esteja
domiciliada o réu.

5.8.1.2. Fundamentos541

a. Os fundamentos da acção de anulação estão previstos no artigo 27.º LAV, norma que
parece indicar a exclusão de quaisquer outros542, mas alguma doutrina tem vindo a
defender a inclusão de outras causas, ainda que com cautela.543

Assim, Lima Pinheiro aponta quatro motivos adicionais de anulação: desrespeito de


regras processuais fixadas pelas partes, decisão de equidade não autorizada pelas partes,
manifesta não aplicação do Direito escolhido pelas partes e violação de ordem pública.544

O argumento para inclusão da ordem pública como fundamento de anulação da sentença


arbitral é a sua consagração na Convenção de Nova Iorque, instrumento internacional que
vigora em Portugal, e no processo de revisão de sentenças estrangeiras previsto no nosso
Código de Processo Civil, no artigo 1096.º CPC 545. Segundo Lima Pinheiro, se a violação
de ordem pública impede o reconhecimento de uma decisão arbitral estrangeira em
Portugal, por maioria de razão deve ser considerada causa de anulação de uma sentença

541
Utilizo neste ponto o texto escrito com Assunção Cristas, intitulado “A violação de ordem
pública como fundamento de anulação de sentenças arbitrais” e publicado nos Cadernos de
Direito Privado em 2010.
542
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, in ROA, 1992 (Ano 52), p. 921.
543
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, in ROA, 2007 (Ano 67),
p. 3, disponível em www.oa.pt.
544
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 3.
545
Aplicável às decisões arbitrais estrangeiras, nos termos do artigo 1097.º CPC.
209

arbitral nacional.546 Assim, de acordo com a posição deste autor, a violação de ordem
pública é fundamento de anulação de sentenças arbitrais, mas apenas a ordem pública
internacional.

Paula Costa e Silva defende já posição diversa – entende também que a ordem pública
funciona como limite à aplicação do Direito pelos árbitros (assim como pelos tribunais
judiciais). Mas, a ordem pública a que se refere é a interna. Admite, assim, que a violação
de uma regra de ordem pública interna pode implicar a anulação da sentença arbitral.

Perante a não consagração deste fundamento como causa de anulação na LAV, distingue
três situações: se a violação está na convenção arbitral, a invalidade reconduz-se à não
arbitrabilidade do litígio ou à incompetência do tribunal; se a violação está no processo
arbitral, há desrespeito dos princípios fundamentais do processo; se a contrariedade se
encontra na própria sentença arbitral, há que paralisar os efeitos desta última por
recursos aos critérios gerais de direito.547

Repare-se, então, que se trata aqui de ordem pública interna e não internacional, como
defende Lima Pinheiro – estes dois conceitos, como se verá, têm níveis de abrangência
muito diferentes.

A jurisprudência não é, a este propósito, pacífica: no Caso Golf das Amoreiras 548 a
recorrente alegou como fundamento de anulação, entre outros, a violação de ordem
pública. O tribunal entende que é um vício que não pode ser objecto de acção de
anulação, não chegando sequer a analisar a sua ocorrência. 549 Já o Acórdão Cláusula
Penal II550, partiu-se precisamente do pressuposto contrário: a ordem pública é
fundamento de anulação da sentença arbitral, limitando-se depois a decisão a definir se
naquele caso teria havido a dita violação.

Por outro lado, a LAV/APA não lista nos fundamentos de anulação a violação da ordem
pública. O artigo 46.º é dedicado ao pedido de anulação e segue com grande fidelidade o
546
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 3.
547
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, in ROA, 1992 (Ano 52), p. 945.
548
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2006, Processo n.º1465/2006-2.
549
No Acórdão STJ de 24 de Outubro de 2006, Processo n.º 06B2366, foi igualmente decidido
que os fundamentos do artigo 27.º são taxativos.
550
Acórdão STJ de 10.7.2008, Proc. N.º 08A1698.
210

artigo 34 da Lei-Modelo da UNCITRAL. Precisamente no n.º3 b) (correspondente ao n.º


2 da Lei-Modelo), é eliminada a referência à ordem pública nacional.

Justifica-se esta ausência, em nota de roda pé do Projecto, com três argumentos: a actual
LAV não prevê como fundamento de anulação a violação da ordem pública, pelo que o
Projecto se limita a manter essa norma; há um risco de reexame do mérito, algo que poria
em causa a eficácia da arbitragem; por último, não há regime idêntico para as sentenças
judiciais, caso as partes renunciem ao recurso.

Robin de Andrade, em desenvolvimento destas ideias, defende, ainda, que as situações


em que os árbitros decidem contra a ordem pública são casos de invalidade da própria
convenção de arbitragem e, logo, há um problema de competência do tribunal arbitral,
que é ele próprio fundamento de anulação.551

Parece-me que há alguma confusão nesta discussão, com esgrimir de argumentos de


diferente âmbito e dignidade. Convém tratar a questão desde o seu início.

Erigir como fundamento de anulação a violação de ordem pública deve ser interligado
com a questão da arbitrabilidade. Repare-se: se apenas for possível arbitrar litígios
absolutamente disponíveis, isto é, litígios em que todo o regime aplicável é dispositivo, o
problema da violação da ordem pública colocar-se-á em situações raras, na medida em
que os árbitros não têm normas imperativas para aplicar. A violação da ordem pública
consistirá aqui apenas na infracção de princípios também eles imperativos, essenciais do
nosso Direito.

Pelo contrário, se estivermos perante um litígio cujo regime seja em absoluto


indisponível, isto é, constituído unicamente por regras de direito imperativo, há
possibilidade de não aplicação dessas normas imperativas e, logo, de violação da ordem
pública. Na minha leitura da LAV, terá sido esta a razão por que se terá excluído do artigo
27.º a violação da ordem pública.

A ordem pública desempenha, portanto, uma dupla função – por um lado, impõe
restrições à arbitrabilidade dos litígios, por outro é fundamento de anulação. Na lei
francesa, por exemplo, a ordem pública é a única restrição à arbitrabilidade dos litígios na
551
Robin de Andrade, Decisão arbitral e ordem pública, 2010, p. 10.
211

arbitragem internacional.552 É certo que os problemas são diversos, mas não é raro que os
Estados relacionem arbitrabilidade e ordem pública para reforçar a aplicação de certas
regras ou o seu controlo sobre certas matérias que julgam essenciais.553

Ao tratar-se deste tema554, admitiu-se que o conceito de arbitrabilidade é hoje muito mais
amplo do que a letra da lei, não subsistindo dúvidas de que são arbitráveis direitos
sujeitos a regimes compostos por normas imperativas. Entendeu-se que o conceito de
litígio arbitrável abrange o relativo aos direito que são relativamente indisponíveis. O que
é o mesmo que dizer que apenas não são arbitráveis os litígios em absoluto indisponíveis,
aqueles que não dependem da vontade das partes para serem exercidos. É um conceito
amplíssimo de arbitrabilidade que, no âmbito do direito privado, deixa muito pouco de
fora.

Ao aceitar-se este alargamento, tem necessariamente de permitir-se um correspectivo


controlo estadual da aplicação do direito imperativo, controlo que é feito através da
verificação da aplicação das normas de ordem pública interna. Esse controlo deve, aliás,
ser mais exigente – quanto mais se alarga a arbitrabilidade, maior será o âmbito de
controlo estadual, mais cuidado e abrangente terá de ser o conceito de ordem pública
interna.

A doutrina e a jurisprudência têm defendido a consideração da ordem pública como


fundamento de anulação da sentença arbitral. Parece-me que um sistema coerente de
arbitragem tem de admitir essa regra. Pense-se numa sentença proferida com fundamento
em discriminação pela raça ou pelo género. Ou numa sentença que reconheça negócios
manifestamente usurários. É evidente que, pedida a sua anulação ou a sua execução, o
Estado, a comunidade, não o poderá fingir não ver a violação.

Este risco é superior ao colocado por uma necessidade de reexame do mérito da acção.
Este é o segundo argumento avançado para excluir a ordem pública como fundamento de
anulação. Não me parece, porém, que se possa sustentar autonomamente. É claro que a

552
Jean-François Poudret e Sébastien Bresson, Droit compare de l’arbitrage international, 2002,
p. 311.
553
Gary Born, International Commercial Arbitration – volume I, 2009, p. 771.
554
Cfr. Infra 5.3.4..
212

sentença arbitral tem um valor jurisdicional e que a acção de anulação não visa reapreciar
a decisão dos árbitros; mas não pode comparar-se sem mais esta sentença à judicial como
se da mesma realidade se tratasse. É este, parece-me, o erro de raciocínio da justificação
da APA na opção do seu projecto.

Como disse já, a acção de anulação é a condição da atribuição de força jurisdicional à


sentença arbitral. É por essa razão, aliás, que é irrenunciável. Os fundamentos que
integram essa acção impõem o respeito pelas regras mínimas do que o Estado português
pode validar enquanto exercício privado de jurisdição. O argumento de Robin de Andrade
– a equiparação entre sentença arbitral e judicial – prova de mais: teríamos de pura e
simplesmente eliminar a acção de anulação.

A sentença arbitral é, por via da LAV, no seu artigo 26.º, equiparada à sentença judicial,
mas não significa isto que seja igual. Pelo contrário, são realidades desiguais, com
distintas fontes de legitimação, como percursos processuais diversos, com características
variadas. Não é admissível, obviamente, uma equiparação absoluta e pretendê-lo é
arbitrário.

A diferente natureza das sentenças arbitrais e judiciais não é fundada em qualquer


discriminação, é decorrente precisamente da fonte dos seus poderes, contratual num caso,
legal noutro; e no carácter obrigatoriamente público da judicial, ao contrário do que é
permitido e normal na arbitragem – a confidencialidade. As sentenças judiciais são
proferidas por órgãos de soberania, as arbitrais por privados, temporariamente
incumbidos do exercício de poderes jurisdicionais de fonte privada.

É tudo isto que justifica a necessidade de existência da acção de anulação e a


impossibilidade da sua renúncia. É isto também que justifica que o Estado possa não
aceitar equiparar a sentença arbitral à proferida pelos tribunais judiciais. Não o aceitará
quando não houver fonte válida de jurisdição (invalidade, ineficácia ou inexistência de
convenção) ou quando for violada a ordem pública, processual ou material. A ordem
pública processual está consagrada expressamente no artigo 27.º n.º1 c), a ordem pública
material tem de entender-se implicitamente consagrada.
213

b. E chegado a este ponto é necessário entrar na segunda questão apontada – a do


conceito de ordem pública interna.

A ordem pública interna deve ser distinguida da ordem pública internacional. A ordem
pública internacional está no coração da ordem pública interna, pelo que uma regra que
não pertence à ordem pública interna não pode ser considerada como uma norma da
ordem pública internacional.555-556

A ordem pública interna contém os princípios e regras considerados como essenciais para
determinado Estado, no caso, para o Estado Português. A sua amplitude é
consideravelmente maior que a ordem pública internacional. A definição dos limites de
ordem pública nacional são, assim, matéria de direito interno, justificando-se plenamente
o recurso à doutrina de Teoria Geral de Direito Privado.

As definições são vagas e imprecisas, como não poderia deixar de ser. Refere-se os
princípios injuntivos implícitos na nossa ordem jurídica557, os interesses fundamentais
que o nosso sistema jurídico procura tutelar 558, uma ordem normativa em si extra-jurídica,
mas recebida pelo direito559.

A definição de Carlos Mota Pinto é um pouco mais completa, ao referir o conjunto de


princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão
substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que
devem prevalecer sobre as convenções privadas.560

Baptista Machado acompanha e desenvolve esta noção, valendo a pena transcrever as


suas palavras: “Em direito interno costuma qualificar-se como de ordem pública (ordem
pública interna) aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que

555
Emmanuel Gaillard e John Savage, Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial
Arbitration,1999, p. 954.
556
Sobre ordem pública internacional, ver Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 469
e seguintes.
557
Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português – I – Parte Geral – Tomo I, 2000, p.
507-8.
558
Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica – Vol. II, 2003, p. 335; Ferreira de
Almeida, Contratos II, 2007, p. 234, nota 474.
559
Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil – Volume II, 1985, p. 270.
560
Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1996, p. 551.
214

formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem


económico-social, pelo que são, como tal, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.
Seriam, assim, de ordem pública, entre outras, aquelas normas que estabeleçam as
regras fundamentais da organização económica, as que visam garantir a segurança do
comércio jurídico e proteger terceiros, as que tutelam a integridade física dos indivíduos
e a independência da pessoa humana e protegem os fracos e incapazes, visando
satisfazer um interesse geral da colectividade, etc.”561

O conceito é impreciso, mas há alguns pontos que podemos dar como assentes. Primeiro,
a ordem pública não incorpora todas as normas imperativas do ordenamento jurídico
português. Segundo, pode conter regras não escritas, os tais princípios gerais implícitos,
mas fundamentais, do nosso sistema jurídico.

Resolvido isto, a dificuldade está em determinar, em cada caso, que princípios são esses.
Julgamos a este propósito que a melhor postura metodológica é a que admite a vigência
desses princípios562, mas numa perspectiva em simultâneo realista e sistemática. Realista
no sentido em que serão princípios vigentes aqueles que a sociedade vislumbra como
essenciais, como estruturantes da sua vida social, económica, familiar, etc.. Sistemática
no sentido em que estes princípios – que serão mais ideias genéricas sobre regras básicas
de convivência social – têm de ser incorporados pelo sistema jurídico, o que significa que
têm de ser formulados de forma coerente e articulada entre si. Este trabalho cabe,
obviamente aos juristas, que aplicarão critérios que lhes permitam reconhecer os
princípios válidos e a sua correcta articulação (norma de reconhecimento).563

Assim, o que faz parte ou não da ordem pública interna variará consoante o momento
histórico em que se viva – quando falamos em negócios, por exemplo, circunstâncias
imprevistas como a crise financeira que se abateu sobre o mundo, podem determinar
diferentes percepções do essencial e do acessório, do justo e do injusto, do equilibrado e
do desequilibrado. Mas só em relação a cada problema em concreto se poderão
determinar em abstracto as regras essenciais. O que se tem de fazer é determinar na
561
J. Batista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, 1995, p. 254.
562
Conforme as teorias de Dworkin – cfr. António Manuel Hespanha, O Caleidoscópio do
Direito, 2007, p. 127.
563
Herbert Hart, O conceito de Direito, 2007, p. 111 e seguintes.
215

matéria em discussão os princípios injuntivos aplicáveis. Esta é uma tarefa que só


encontra resposta no estudo do direito material aplicável ao caso. Não é um problema da
arbitragem ou do processo, mas uma questão do ramo de direito material que é aplicável
naquele caso concreto.

c. A LAV estabelece sete fundamentos de anulação: não arbitrabilidade do litígio;


incompetência do tribunal; irregularidade de constituição do tribunal arbitral; violação de
princípios processuais fundamentais; falta de assinatura dos árbitros; falta de
fundamentação; excesso e omissão de pronúncia.

É comum a doutrina e a jurisprudência equipararem alguns destes vícios aos previstos no


artigo 668.º b) CPC.564 Esta equiparação não é, porém, correcta. O artigo 668.º CPC
estabelece vícios processuais tão graves que não permitem a produção de efeitos pela
sentença. São, ao fim e ao cabo, o mínimo formal que uma sentença tem de conter para
que o seja. Já o artigo 27.º LAV contém o mínimo para que se possa atribuir validade ao
processo arbitral – o que está em causa é o respeito pelo due process, pelo processo justo
numa tramitação privada. No artigo 27.º LAV trata-se do reconhecimento de um processo
inteiro como jurisdicional, do mínimo para que possa ser ratificado enquanto tal. Já no
artigo 668.º CPC falamos só de sentença, de um acto (o mais importante, claro, mas
apenas um) de um processo judicial.

Os vícios previstos no artigo 27.º LAV, ainda sendo processuais, vão muito além do
estipulado no artigo 668.º CPC. Dizem respeito a questões tão importantes e amplas
como a convenção de arbitragem, a constituição do tribunal, as regras de tramitação
processual, a validade da sentença arbitral e o princípio dispositivo. A equiparação dos
dois preceitos não é, assim, acertada. Como não é acertada a utilização para a arbitragem
da doutrina e jurisprudência que dessa norma tratam.

O primeiro fundamento de anulação previsto no artigo 27.º LAV é o da arbitrabilidade do


litígio. Há aqui uma remissão para o artigo 1.º LAV, norma já tratada a propósito da

564
Ver Caso Golf das Amoreiras (Acórdão STJ 2-10-2006 - Proc. n.º 1465/2006-2), com
abundante citação de jurisprudência. Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão
Arbitral, 1992, p. 938-9.
216

convenção arbitral, para onde se remete.565 A verificação a fazer é, precisamente, a de


saber se é ou não admissível clausula arbitral em determinada litígio.

O segundo fundamento de anulação diz respeito à incompetência do tribunal e está


previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 27.º. A incompetência do tribunal arbitral ocorre
quando a convenção de arbitragem não é, por qualquer razão, eficaz. Seja porque é
inexistente (pense-se numa falsificação de uma convenção arbitral), seja porque é
inválida (pense-se na celebração em coacção), seja porque já caducou (nos termos do
artigo 4.º LAV). Também há incompetência do tribunal arbitral nas situações em que o
tribunal arbitral julga um litígio não abrangido pela convenção (o que, afinal, se reconduz
à inexistência de convenção).

O terceiro fundamento de anulação, previsto na mesma alínea b) do n.º1 do artigo 27.º


LAV, consiste na irregularidade de constituição de tribunal arbitral. Há irregularidade de
constituição sempre que se violem as regras dos artigos 11.º e 12.º LAV.

A incompetência do tribunal e a irregularidade da sua constituição só são considerados


fundamentos de anulação da sentença arbitral se forem alegados no processo arbitral.
Quanto à incompetência do tribunal, essa alegação terá, em regra, de ser feita até à
apresentação da defesa (artigo 21.º n.º3).

Este mesmo prazo deve ser aplicado analogicamente à irregularidade de constituição do


tribunal.566 Haverá, porém, que tomar em consideração a ocorrência de factos
supervenientes que impliquem também eles a incompetência do tribunal. E também,
ainda que mais dificilmente, a irregularidade de constituição, na medida em que a
superveniência engloba a objectiva e a subjectiva. Um exemplo de um facto posterior à
apresentação de defesa que gera incompetência do tribunal é a caducidade da convenção
arbitral por decurso do prazo para decidir (alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º LAV). Na
maioria dos casos o decurso desse prazo terá lugar já depois da apresentação da
contestação.567

565
Cfr. supra 5.3.4.
566
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 932.
567
Cfr. considerações feitas no ponto relativo à decisão arbitral sobre eventualidade do abuso de
direito se a alegação desta caducidade for contraditória com a postura da alegante no tribunal.
217

A alínea c) do artigo 27.º determina que é anulável a sentença arbitral que tenha sido
proferida em processo que haja violado princípios processuais fundamentais. São esses
princípios o da igualdade das partes, da citação do réu, do contraditório, da audição das
partes.568

A norma impõe um requisito para que haja causa de anulação: além da violação da regra
processual, é necessário que essa violação tenha tido influência na decisão final. A
determinação deste requisito não é fácil, sendo necessário elaborar um juízo de prognose
casuístico. No caso Caso Comissão Paritária569 não houve audição da parte passiva
previamente à tomada de decisão (porque ela era revel). O tribunal entendeu, porém, que
tal violação não teve consequências ao nível da decisão final, pelo que não acarreta
nulidade. O tribunal limita-se a dizer: “Na realidade, os factos provados não revelam a
essencialidade para o desfecho do litígio da omissão pela comissão arbitral da audição
do recorrente previamente à prolação do acórdão arbitral, sendo certo que aquele não
cumpriu o respectivo ónus de alegação e de prova.” Não se vislumbra qual o critério
utilizado – poderá dizer-se que sempre que haja revelia operante é inútil ouvir o
demandado? Não me parece que faça muito sentido. É certo que a influência decisiva na
resolução do litígio será de difícil ocorrência – repare-se que não é apenas de influência
que se trata, mas de influência decisiva. Pelo que se teria de demonstrar que o vício
processual determinou decisão diferente daquela que foi proferida pelo tribunal arbitral.

Esta demonstração será, na maioria dos casos, praticamente impossível. É preciso aqui
utilizar algum bom senso, não adoptando nem perspectivas muito rígidas, nem muito
flexíveis. É preciso analisar, perante o caso concreto, se a falha é ou não importante para
o cumprimento dos princípios do processo justo em bloco, e não olhar isoladamente para
a omissão ou violação.

Perante a violação de uma regra fundamental do processo justo, deve o tribunal judicial –
perante o qual a sentença arbitral foi impugnada – analisar todo o processo arbitral para
aferir se aquela falha põe em causa a justiça processual de toda a acção. Se assim for,

568
Segundo Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 181, nota 28, o princípio da audição
prévia das partes integra o direito de defesa.
569
Supremo Tribunal de Justiça em 24 de Junho de 2004.
218

poderá realmente haver influência decisiva na resolução do litígio e, logo, justificar-se a


anulação.

O quinto fundamento de anulação, relativo às assinaturas dos árbitros já foi supra tratado,
pelo que para lá se remete.570

O sexto fundamento de anulação da sentença arbitral é a falta de fundamentação da


sentença arbitral – artigo 27.º n.º1 d) LAV.

O dever de fundamentação da sentença arbitral está previsto no artigo 23.º n.º3 LAV,
sendo corolário directo do dever de fundamentação das decisões judiciais
constitucionalmente previsto no artigo 205.º CRP.

É interessante, porém, notar que a LAV/APA permite, no seu artigo 42.º n.º3, a dispensa
por acordo das partes da fundamentação, mas caso não haja essa dispensa, mantém como
fundamento de anulação a não fundamentação da decisão - artigo 46.º n.º 3 a) vi).

O exacto âmbito deste dever de fundamentação tem sido matéria discutida pela doutrina.
De acordo com alguma, a decisão considera-se fundamentada quando houver justificação
de facto e de direito, ainda que sumária, sobre cada uma das pretensões deduzidas. 571 Já
outros autores defendem que só haverá violação do dever de fundamentação geradora de
nulidade quando haja falta absoluta de motivação.572

É evidente que a existência ou inexistência de fundamentação impõe uma sua análise, não
bastando a mera constatação de que estão escritas algumas frases. É que se assim fosse
poderia chegar-se a resultados aberrantes, como o de entender-se que há fundamentação
se se escrevesse qualquer coisa, designadamente algo que nada tem a ver com o processo
em discussão. Pelo que o dever de fundamentação só se cumpre quando houver uma
justificação sumária sobre cada uma das pretensões, como defende a primeira das teses
referidas. É necessário apreciar concretamente os fundamentos e as excepções aduzidas
em relação a cada uma das pretensões. Assim como é necessário explicar as razões que
levam a que a decisão seja aquela e não outra.

570
Cfr. supra p. 200.
571
Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, p. 153 e 172.
572
Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 939.
219

Não é inútil ressaltar a importância da fundamentação num processo civil justo. Aliás, a
consagração constitucional dessa exigência é prova desta essencialidade. Nas palavras de
Correia de Mendonça e Mouraz Lopes, a obrigação de fundamentar é um dado
civilizacional adquirido.573

O padrão da fundamentação deve ser, num processo actual, o da inteligibilidade da


decisão para as partes, isto é, o que interessa é que o tribunal (judicial ou arbitral ou
outro) consiga explicar às partes porque decidiu assim. Mesmo que estas não concordem
com a decisão, devem perceber porque decidiu o tribunal nesses termos. 574 É que a ratio
da fundamentação - impedir o arbítrio através da verificação racional – só é cumprida se
se puder perceber a decisão. Só percebendo se pode controlar.

Assim, só há cumprimento do dever de fundamentação quando resulte claro, para uma


pessoa média, o caminho e a razão da decisão. E isto, quer se queria quer não, faz parte
das garantias mínimas de um processo justo para que possa ser considerado vinculativo
para as partes. Se não for cumprido, implica anulação nos termos da lei. O que está em
causa é a seriedade da arbitragem, a segurança das pessoas que a ela recorrem, o respeito
pelos direitos dos cidadãos, designadamente o direito a uma justiça própria de um Estado
de Direito.

A circunstância de num processo se ter decidido com fundamento em equidade poderia,


de alguma forma, alterar a conclusão a que acabámos de chegar a propósito da
fundamentação. Isto é, sendo a fonte da decisão a equidade poderia não se exigir o
mesmo em termos de justificação da sentença.

A doutrina não tem, porém, assim entendido – pelo contrário, porque a decisão segundo a
equidade não é uma decisão arbitrária, a justificação racional e inteligível é tão ou mais
necessária que a da resolução segundo o direito estrito. De acordo com Paula Costa e
Silva “Só através da fundamentação é possível afastar o arbítrio da solução do caso

573
Correia de Mendonça e José Mouraz-Lopes, Julgar: Contributo para uma análise estrutural
da sentença civil e penal, 2004, p. 205.
574
Mariana França Gouveia, Os poderes do juiz cível na acção declarativa 2007, p. 55.
220

concreto, sendo de afastar qualquer caminho que permita que a arbitragem em equidade
se transforme em arbitragem-arbítrio.”575

Assim, na decisão segundo a equidade o dever de fundamentação é ainda acrescido. Isto


é, estando em causa critérios que não estão publicamente escritos, torna-se ainda mais
importante, ao nível das garantias das partes e da justiça do processo, a sua explanação e
explicação.

A Lei da Arbitragem Voluntária nada diz em situações em que haja contradição entre
fundamentos e decisão. Por ser fundamento não previsto directamente no artigo 27.º LAV
e, com este argumento, foi defendido que não é causa de anulação da sentença. 576 Parece-
me porém que este vício é equiparável à falta de fundamentação. Pelas mesmíssimas
razões que o dever de fundamentação exige uma apreciação material. A questão coloca-se
mo mesmo nível da anterior: inteligibilidade.

A LAV/APA permite, no seu artigo 45.º n.º2, o esclarecimento de qualquer obscuridade


ou ambiguidade da sentença ou dos seus fundamentos, a requerimento das partes ou
oficiosamente pelo tribunal.

De acordo com o artigo 27.º n.º1 e) da Lei da Arbitragem Voluntária, constitui vício da
sentença arbitral “ter o tribunal conhecido de questões de que não podia tomar
conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.”
Refere-se este preceito aos vícios de excesso e de omissão de pronúncia, vícios que
decorrem de violações do princípio dispositivo. Este é o sétimo e último fundamento de
anulação da decisão arbitral.

O princípio dispositivo é um dos pilares do direito processual civil, tanto no impulso


processual inicial, como na delimitação objectiva e subjectiva da instância. A definição
do objecto da acção e do número e posição das partes cabe apenas a estas.577

575
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 941.
576
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 939. Acórdão STJ de 2
de Outubro de 2006, Processo n.º 1465/2006-2.
577
Mariana França Gouveia, Os poderes do juiz cível na acção declarativa, 2007, p. 52.
221

Como é referido pela doutrina, num processo dominado pela vontade das partes como a
arbitragem a vinculação ao princípio dispositivo é ainda mais relevante.578

Para o vício em análise interessa a vertente objectiva do princípio dispositivo, isto é, a


delimitação dos poderes e competências do tribunal ao objecto do processo tal como
alegado pelas partes. O objecto do processo é constituído pelo pedido e pela causa de
pedir, limitando ambos as possibilidades de actuação do tribunal.

Digno de nota a este propósito é o Caso Cláusula Penal I 579, em que o tribunal arbitral
condena não com fundamento nos danos alegados pelo requerente da acção arbitral mas
com base numa cláusula penal que nenhuma das partes havia invocado. Com razão, o
Supremo Tribunal de Justiça mandou anular a decisão.580

d. A LAV/APA altera significativamente a matéria da impugnação da decisão arbitral,


aproximando-a do estilo e das regras da Lei-Modelo UNCITRAL, esta por sua vez muito
inspirada no artigo V da Convenção de Nova Iorque.

Em primeiro lugar, estabelece que a acção de anulação é tramitada como recurso de


anulação, entrando, pois, no tribunal da relação competente. A LAV/APA não regula
nenhum aspecto do processo de anulação, sendo provável que se coloquem dificuldades
face à tramitação muito simplificada do recurso de apelação, assente obviamente no
pressuposto que na Relação não se produz prova.

O longuíssimo artigo 46.º, único do capítulo VII da LAV/APA, trata da matéria da


anulação da sentença arbitral. São diversos os fundamentos de anulação previstos, à
primeira vista mais do que os constantes do artigo 27.º da actual LAV. O preceito
pretende, também à semelhança deste último, ser taxativo.

O primeiro fundamento diz respeito à convenção de arbitragem. Será anulável a sentença


arbitral proferida com base numa convenção arbitral inválida. O preceito pormenoriza a
situação de incapacidade de uma das partes, assim como explica que a invalidade se afere
pela lei escolhida pelas partes ou, na falta dela, pela lei portuguesa. Trata-se de uma
578
Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 943.
579
Acórdão STJ de 21 de Outubro de 2003, Processo n.º 03A2318.
580
Mais discutível é a opção da anulação parcial e da não ressurreição da parte do pedido
principal em que tinha havido prova.
222

tradução do artigo 34.º n.º2 a) i) da Lei-Modelo, que se reconduz à incompetência do


tribunal arbitral, fundamento previsto no artigo 27.º n.º1 b).

O segundo fundamento de anulação previsto no artigo 46.º LAV/APA refere-se à não


notificação da designação de um árbitro ou não citação para a acção arbitral ou, ainda
mais amplamente, omissão que impeça a parte requerente de ter tido oportunidade de
fazer valer os seus direitos. Reconduz-se à violação dos princípios do processo justo, aqui
numa formulação mais ampla, sem remissão para as correspondentes normas, em especial
o artigo 30.º LAV/APA.

No ponto iii) do artigo 46.º n.º2 a) LAV/APA é estabelecido como motivo de anulação a
incompetência do tribunal arbitral por se pronunciar sobre litígios não contidos nela.
Repare-se que não é o mesmo fundamento previsto no ponto v). Aqui do que se trata é de
excesso ou omissão de pronúncia, o fundamento já constante no artigo 27.º n.º1 e) da
actual LAV.

De seguida, da LAV/APA determina ser motivo de anulação da sentença arbitral o não


cumprimento das regras processuais escolhidas pelas partes ou, na sua ausência,
constantes da lei. Há neste fundamento alguma sobreposição com o previsto no ponto ii)
deste preceito.

É ainda anulável a sentença que não tenha sido assinada ou não contenha fundamentação,
de acordo com as regras do artigo 42.º para o qual remete o ponto vi) da alínea a) o n.º3
do artigo 46.º LAV/APA.

É ainda motivo de anulação a notificação da sentença depois de decorrido o prazo para a


sua prolação, tal como ele é fixado pelas regras do artigo 43.º. Nos termos deste preceito,
o decurso do prazo extingue o processo arbitral e a consequente competência dos árbitros,
mas nenhum efeito produz quanto à convenção de arbitragem que se mantém, assim,
plenamente eficaz. Daí a necessidade de prever um fundamento específico de anulação,
na medida em que não poderá, como na actual LAV, reconduzir-se ao fundamento
genérico de incompetência.

O último fundamento de anulação é o único de conhecimento oficioso e diz respeito à


arbitrabilidade do litígio objecto da sentença. Como se disse já a LAV/APA não segue
223

aqui a Lei-Modelo que enumera ainda como fundamento de anulação de conhecimento


oficioso a violação de ordem pública.

e. A anulação da sentença arbitral implica um juízo puramente cassatório: o tribunal


judicial não pode substituir a decisão arbitral por outra. 581 Perante a anulação é necessário
então determinar como poderão as partes resolver o seu litígio – através de nova acção
arbitral ou através de acção judicial?

Segundo Lima Pinheiro, a anulação da decisão não implica caducidade da convenção


arbitral (na medida em que tal causa não consta do artigo 4.º LAV). Por outro lado, se se
esgota com a decisão o poder jurisdicional dos árbitros, tem de haver novo processo de
constituição e tribunal arbitral e novo prazo para a decisão. Só assim não acontecerá
quando o tribunal judicial anule a sentença com fundamento em invalidade da própria
convenção de arbitragem. Nesta situação e porque a sentença judicial transitada vincula
as partes, já é admissível a propositura de acção judicial.582

Já na opinião de Paula Costa e Silva, a decisão arbitral de mérito esgota a finalidade da


convenção de arbitragem (que é a resolução do litígio). Já o mesmo se não passa com a
decisão final de forma. Assim, na primeira situação não é possível propor nova acção
arbitral, cabendo aos tribunais judiciais a competência para dirimir o litígio. Resultado a
que as partes poderão sempre obviar celebrando nova convenção arbitral. Se, ao
contrário, a decisão anulada é uma decisão de forma, de absolvição da instância, então a
convenção de arbitragem não está esgotada pelo que se pode, de novo, iniciar um
processo arbitral.583

Qualquer um dos autores não admite, porém, que a sentença baixe ao tribunal arbitral
para eventual correcção de erros.584 Tal consequência parece ser contrária quer à
autonomia do tribunal arbitral perante os tribunais judiciais, quer face à extinção do poder
jurisdicional dos árbitros com a sentença. Este último argumento não tem, porém, força

581
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 961.
582
Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 4.
583
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 964-5.
584
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 1001.
224

decisiva, na medida em que a mesma regra existe para os tribunais judiciais e a baixa do
processo é possível.

No Acórdão da Relação do Porto de 11 de Novembro de 2003 585, julgou-se verificado o


vício de falta de fundamentação por ter sido feita a motivação da matéria de facto através
da análise crítica das provas. A consequência da decisão não foi, porém, a anulação pura e
simples da sentença arbitral, mas o reenvio do processo para o tribunal arbitral para que
procedesse a essa fundamentação. Deve dizer-se, porém, que este Acórdão foi proferido
em recurso de decisão arbitral, embora a decisão tenha com fundamento um vício gerador
de anulação.

A LAV/APA estabelece, quanto ao primeiro problema, que após a anulação da sentença,


as partes terão de iniciar outro processo arbitral, pressupondo, portanto, a eficácia da
convenção de arbitragem (artigo 46.º n.º9). Quando à segunda questão, o projecto
estabelece que o tribunal judicial pode “dar ao tribunal arbitral a possibilidade de
retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer medida que o tribunal arbitral julgue
susceptível de eliminar os fundamentos de anulação.” Prevê-se, pois, o envio o do
processo para o tribunal arbitral (que ressuscitará), mas não se ordena que faça o que quer
que seja, respeitando-se a sua autonomia e a inexistência de qualquer hierarquia entre
ambos.

Esta não é uma questão fácil de resolver. Se numa interpretação literal parece evidente
que ou há anulação ou não há anulação, este resultado do tudo ou nada é manifestamente
contrário aos princípios de economia processual e de eficiência. Nesta óptica faz sentido
que o tribunal arbitral, que viu a sua sentença anulada por razões formais, possa refazê-la
corrigindo o vício. Não deixa, porém, de ser uma solução algo inconfortável por jogar
mal com a autonomia da arbitragem.

Julgo, assim, que é útil adoptar as regras consagradas na LAV/APA para suprir estas
lacunas.

Um problema diferente é o da possibilidade de anulação parcial da sentença arbitral.


Desde que a sentença seja cindível e o vício não implique a nulidade de toda a decisão, é
585
Processo n.º 0324038.
225

admissível a anulação parcial.586 Tal situação colocou-se no Acórdão do Supremo


Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2003587 em que o tribunal decidiu-se pela
anulação parcial, mantendo a condenação no pedido reconvencional e anulando o
restante. Sustentou a sua opção, face à lacuna da LAV, na maioria dos ordenamentos
jurídicos estrangeiros.

A LAV/APA mais uma vez dá cobertura a esta possibilidade, estipulando expressamente


no artigo 46.º n.º7, a possibilidade de anulações parciais da sentença arbitral.

5.7.2. Recurso

a. A LAV estabelece no artigo 29.º o princípio da equiparação da sentença arbitral à


judicial para efeitos de recurso. Significa isto, então, que o recurso da sentença arbitral
entra como recurso de apelação no tribunal da relação competente.

A competência hierárquica para conhecer os recursos da sentença arbitral está


estabelecida no artigo 29.º LAV: tribunais da Relação. Surgem, porém, dúvidas na forma
de determinação da competência territorial para a apresentação desse recurso. Os critérios
apresentados são o tribunal de primeira instância onde ocorreu o depósito da decisão (nos
termos do artigo 24.º LAV)588 ou o lugar onde o tribunal arbitral funciona, menção que
tem de constar da sentença arbitral (artigo 23.º n.º1 e)).589 Em regra o lugar será o mesmo.

Em qualquer caso podem sempre as partes celebrar pacto de competência, escolhendo a


Relação competente para a apreciação do recurso, na medida em que estamos perante um
critério de competência territorial.

No que diz respeito ao regime dos recursos, o prazo para interposição de recurso é de 30
dias, nos termos dos artigos 685.º e 685.º-A, sendo agora apresentadas com o
requerimento de interposição as alegações de recurso.

586
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 962; no mesmo sentido
referindo-se ao excesso de pronúncia, Maria José Capelo, A Lei de Arbitragem Voluntária e os
centros de arbitragem de conflitos de consumo, 1999, p. 108..
587
Processo n.º 03A2318.
588
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 998.
589
Carvalho Fernandes, Dos recursos em Processo Arbitral, 2003, p. 158.
226

Quando o modo de interposição, a lei não resolve as dúvidas: deve ser apresentado o
recurso perante o tribunal arbitral ou perante o tribunal da relação? A doutrina tem
centrado a discussão no artigo 25.º LAV que estabelece a extinção do poder dos árbitros.
Esta extinção teria como consequência a impossibilidade de os árbitros se pronunciarem
sobre o que quer que fosse após a prolação da sentença arbitral. Certo é, porém, que a
mesma norma existe para os tribunais judiciais (artigo 666.º CPC) e que não há quaisquer
dúvidas de que é sua a competência para receber e apreciar o pedido de interposição de
recurso.

Assim, parece ser mais consentâneo com o sistema positivo de recursos e ainda com o
princípio da equiparação da sentença arbitral à sentença judicial, a solução da
interposição do recurso junto do tribunal arbitral.590

b. A LAV/APA apenas prevê recurso caso as partes o estipulem (artigo 39.º n.º4). Caso
haja recurso, dará entrada no tribunal da relação do distrito do lugar da arbitragem, nos
termos do artigo 59.º n.º1 e). A LAV/APA nada mais regula sobre o recurso, pelo que se
aplicarão as regras do Código de Processo Civil.

5.7.3. Oposição à execução

O terceiro meio de impugnação da decisão arbitral é a oposição à execução. Nos termos


do artigo 815.º CPC, são fundamentos de oposição à execução baseada em sentença
arbitral todos os fundamentos de oposição à execução de sentença judicial e, ainda,
aqueles em que pode basear-se a anulação judicial da mesma decisão. Há aqui uma
remissão para o artigo 27.º LAV, pelo que são alegáveis nesta sede todos os fundamentos
da acção de anulação anteriormente referidos.

De acordo com o artigo 31.º LAV mesmo não tendo sido proposta acção de anulação
dentro do prazo fixado de um mês, podem os fundamentos de anulação ser alegados na
oposição à execução.

590
Carvalho Fernandes, Dos recursos em processo arbitral, 2003, p. 158.
227

Se for proposta acção de anulação e, em simultâneo, execução de sentença arbitral,


coloca-se o problema de saber se em oposição podem ser alegados os mesmos
fundamentos de anulação. A doutrina divide-se, defendendo Paula Costa e Silva 591 a
inadmissibilidade dos mesmo fundamentos nas duas acções e Lebre Freitas592 a posição
contrária. Argumenta a primeira com a possibilidade de contradição de julgados e o
segundo com a imediata exequibilidade da sentença arbitral. A consequência é a da
suspensão de uma das instâncias, por regra a de anulação. Impede-se, assim, a
contradição de julgados e garante-se a defesa legítima do executado. No entanto, no rigor
dos princípios o que se verifica é litispendência, já que fundamentos e pedido (de
anulação da sentença arbitral) são idênticos. 593 Assim, o remédio da suspensão é inútil, na
medida em que, decididos os embargos, a acção de anulação em que foram alegados os
mesmos fundamentos não poderá continuar sob pena de ofensa de caso julgado. Por outro
lado, não se pode impedir o executado de se defender no processo executivo, impedindo,
no mínimo, o pagamento aos credores – artigo 818.º n.º4 CPC.

A LAV/APA estabelece que o executado não pode alegar os fundamentos de anulação se


tiverem sido já rejeitados enquanto fundamento de um pedido de anulação da sentença
arbitral e, mais, se já tiver decorrido o prazo (60 dias de acordo com o artigo 46.º n.º2
LAV/APA) para essa impugnação. Permite-se ainda sempre o conhecimento oficioso – e
logo a invocação – da inarbitrabilidade do litígio. As regras constam do artigo 48.º
LAV/APA e tentam encontrar um equilíbrio entre preterição do direito a pedir a anulação
da sentença arbitral e executar algo intolerável com o ordenamento jurídico português.
Julgo que também deveria ser ressalvado a violação de ordem pública, podendo ser
oficiosamente conhecida pelo tribunal judicial.

Uma questão diferente é a da liquidação da decisão arbitral. A dificuldade surge apenas


no caso em que a liquidação se não possa fazer por simples cálculo aritmético. Isto
porque a reforma da acção executiva, operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de
Março, veio alterar a competência para a liquidação da sentença judicial. Tal liquidação

591
Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 960.
592
Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 182.
593
Paula Costa e Silva, Os meios de impugnação, 1996, p. 205.
228

deixou de ser feita numa fase preliminar da acção executiva, mas na acção declarativa,
renovando-se para esse efeito a instância (artigo 378.º n.º2 CPC).

Aplicar esta solução à sentença arbitral que condene em obrigação genérica não parece a
melhor. Implica a renovação de um tribunal arbitral de composição tópica e existência
efémera. É preferível integrar a lacuna através do mecanismo dos títulos extra-judiciais
de obrigações não liquidadas, isto é, a liquidação no próprio processo executivo.594

A inserção – em 2008 – da palavra judicial a seguir a sentença no artigo 805.º n.º3 CPC
confirma esta interpretação.

Paula Costa e Silva, A Execução em Portugal de decisões arbitrais nacionais e estrangeiras,


594

2007, ponto 33.


229

VI

JULGADOS DE PAZ

6.1. Caracterização

Os Julgados de Paz, criados em 2001, pela Lei 78/2001, de 13 de Julho, iniciaram a sua
actividade no ano de 2002. Nesta altura eram apenas quatro (Lisboa, Seixal, Vila Nova de
Gaia e Oliveira do Bairro) e a título experimental. Hoje, em 2010, são cerca de 20 595,
distribuindo-se irregularmente pelo país. Aliás, uma das críticas apontadas ao sistema é
precisamente não haver uma lógica compreensível na expansão da rede dos Julgados de
Paz.596 Tendo como objectivo o desenvolvimento sustentado da rede, o Governo
encomendou ao ISCTE um estudo597. Através de uma análise cuidada dos fins destes
tribunais e da realidade social portuguesa, a investigação conclui que devem existir 120
julgados de paz em Portugal (incluindo os já existentes). Os Julgados de Paz a criar
devem sê-lo em 12 fases de acordo com a prioridade de instalação, entendendo-se como
ideal a criação de 8 Julgados de Paz por biénio.

595
Para a sua localização, ver www.gral.mj.pt. Para uma cronologia da instalação, cfr. Cardona
Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 52.
596
Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006 p. 204.
597
Disponível em www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt
230

Os Julgados de Paz são verdadeiros tribunais inseridos na oferta da Justiça pública. São
órgãos de soberania de exercício do poder judicial 598, previstos na Constituição da
República Portuguesa (artigo 209.º n.º2). A sua distinção em relação aos tribunais comuns
decorre de diversos aspectos, devendo realçar-se a sua teleologia, o que tem depois
repercussão na sua forma de actuação e regime. Isto é, os Julgados de Paz praticam uma
justiça alternativa, muito marcada pela proximidade e pela tentativa de alcançar uma
solução por acordo, através das fases de mediação e de conciliação.

Os Julgados de Paz são, então, tribunais não judiciais599 ou mistos600, tendo em conta a
sua natureza obrigatória (e não voluntária como os outros meios de resolução alternativa
de litígios) e os métodos que utilizam na resolução do conflito (procurando sempre o
acordo e afastando a concepção adversarial de litígio).

A questão da competência assume aqui papel importante. Desde a publicação da lei dos
Julgados de Paz que se coloca a dúvida sobre se a competência dos Julgados de Paz é ou
não obrigatória, isto é, se o autor é obrigado a propor acção no Julgado de Paz quando ele
exista no concelho e tenha competência na matéria.601

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 24 de Maio de 2007 602 decidiu no


sentido da alternatividade da competência dos Julgados de Paz. Os argumentos são
vários: desde a análise puramente normativa das regras aplicáveis até aos trabalhos
preparatórios da Lei dos Julgados de Paz, passando pela possibilidade de a acção
inicialmente proposta no Julgado de Paz ser posteriormente remetida aos tribunais
judiciais. Este, aliás, parece ser o argumento decisivo. Não faz sentido, de acordo com o
Acórdão, afirmar que os tribunais judiciais não têm competência para aquelas acções, se
podem vir a tê-la posteriormente, bastando que uma das partes deduza um incidente (por
exemplo, intervenção de terceiros) ou requeira a prova pericial.603

598
Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 46.
599
Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 51.
600
Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006 p. 115.
601
A competência dos Julgados de Paz está prevista nos artigos 8.º, 9.º e 10º LJP.
602
Acórdão 11/2007, publicado no Diário da República de 25 de Julho.
603
Conforme está previsto nos artigos 41.º e 59.º n.º3 LJP.
231

O Acórdão não foi tirado por unanimidade, tendo havido três votos contrários ao seu
sentido. Um deles, da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, deu lugar a voto de
vencido. Nessa declaração a Conselheira rebate os argumentos da posição vencedora,
acrescentando uma ideia importante (e que aliás não foi tocada pelo Acórdão). Trata-se da
circunstância de a alternatividade ser unilateral, isto é, de caber ao autor escolher o
Julgado de Paz ou o tribunal comum, sendo o réu obrigado a segui-lo. Esta
alternatividade unilateral é estranha a qualquer meio de resolução alternativa de litígios,
na medida em que estes procedimentos são por regra voluntários, sendo exigida a adesão
de ambas as partes. A solução consagrada pelo Acórdão de uniformização é difícil de
entender, enquadrando-se mal no princípio da igualdade das partes.

Miguel Teixeira de Sousa rebateu, porém, este argumento, fechando o ciclo: a


voluntariedade é alargada ao réu, podendo este opor-se à competência do Julgado de Paz
onde a acção foi proposta.604 Embora defenda que os Julgados de Paz não pertencem à
jurisdição comum, inserindo-se numa outra, diferente e própria, o Autor entende que
obrigar as partes a escolher uma justiça alternativa é contraditório precisamente com a
ideia própria da justiça de proximidade oferecida pelos Julgados de Paz. Essencialmente
por esta razão (e por nenhum argumento da outra tese ser decisivo), Miguel Teixeira de
Sousa entende, então, que os Julgados de Paz apenas terão competência para a acção se
demandante e demandado concordarem (implícita ou expressamente) nessa atribuição.
Assim, numa acção proposta num Julgado de Paz, o demandado poderá opor-se à
submissão do seu caso a essa jurisdição, impedindo, portanto, o Julgado de decidir.
“Qualquer outra solução – que implicaria necessariamente que o réu ficaria sujeito à
propositura da acção num julgado de paz – seria contrária aos princípios da igualdade
no acesso à justiça (cfr. art.13.º da CRP) e da igualdade das partes em processo (art. 3.º-
A do CPC)”605

604
Miguel Teixeira de Sousa, A Competência dos Julgados de Paz: a alternativa consensual,
2008, p. 58.
605
Miguel Teixeira de Sousa, A Competência dos Julgados de Paz: a alternativa consensual,
2008, p. 58.
232

Há aqui uma clara aproximação do regime dos Julgados de Paz à arbitragem – a


jurisdição de paz passa a ser uma jurisdição voluntária, dependente da vontade
consensual das partes.

Em coerência com o exposto, Miguel Teixeira de Sousa entende que as partes podem
celebrar pacto de competência, atribuindo, nos termos do artigo 100.º CPC, competência
aos Julgados de Paz.606 Parece-me, porém, que esta norma não é automaticamente
aplicável ao caso, na medida em que se dirige à competência e aqui falamos de
jurisdição. A aplicação do artigo 99.º CPC, este dirigido à competência internacional,
também não será adequada, até porque estabelece como regra a alternatividade da
atribuição de competência. Isto é, se se aplicasse esta norma, o pacto atributivo de
jurisdição aos Julgados de Paz permitiria que o autor escolhesse entre propor a acção nos
tribunais judiciais ou na justiça de paz, sem que o réu pudesse opor-se. Tal resultado
recolocaria a questão da igualdade das partes – afinal, a consensualidade exigida seria
frustrada.

Apenas um mês e meio após a prolação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência,


é proferida pela Relação de Lisboa uma outra decisão em sentido contrário que não só
discorda da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, como entende que ela é
inconstitucional. Refiro-me ao Acórdão de 12 de Julho de 2007 607 que contraria, ponto
por ponto, os argumentos do STJ.

A polémica volta a estar, assim, instalada. Nem jurisprudência, nem doutrina conseguem
alcançar um mínimo de consenso sobre esta questão. Há, até agora, três possibilidades de
resolução da questão da competência dos Julgados de Paz: exclusiva; alternativa, à
escolha do demandante; alternativa consensual, ou seja, apenas por escolha de
demandante e demandado.

Os argumentos em disputa são diversos e da mais variada índole. Julgo que os mais
importantes se podem resumir a três: o modo de interpretação das regras legais de
competência, a consequência de a primeira opção da alternatividade resultar numa

606
Miguel Teixeira de Sousa, A Competência dos Julgados de Paz: a alternativa consensual,
2008, p. 58.
607
Processo n.º 6403/200-7.
233

violação do princípio da igualdade (donde surge a questão da inconstitucionalidade), a


interpretação das regras de relação entre Julgados de Paz e jurisdição comum (remissão
do processo em casos de incidentes e de prova pericial e a possibilidade de recurso para a
primeira instância).

Mais importante que conciliar normas legais é encontrar nelas o reflexo dos princípios
que espelham. Há que estabelecer a filosofia dos Julgados de Paz, o que faz sentido face à
sua natureza e estrutura e depois interpretar as regras nesse sentido, e não fazer
precisamente o contrário.

Até porque, como se pode concluir pela leitura dos dois Acórdãos, é perfeitamente
possível interpretar em sentido contrário as mesmíssimas normas legais. A questão, como
muitas, é de sistema e não de regras.

Já antes tomei posição sobre esta questão. Disse então: “Na minha opinião, os textos
normativos não oferecem grandes dúvidas sobre esta questão – a competência é
exclusiva. Tendo em conta a competência residual dos tribunais comuns (artigo 18.º
LOFTJ) e os artigos 8.º e seguintes da Lei dos Julgados de Paz (Lei 78/2001, de 13 de
Julho) é difícil compreender as posições que sustentam ser a competência destes
meramente facultativa.”608

É necessário, porém, acrescentar mais alguma coisa – ao nível dos argumentos e das
regras – a esta solução.

Penso que do ponto de vista da coerência do sistema, a solução mais adequada é a da


exclusividade. Vejo com alguma dificuldade a criação de tribunais pelo Estado numa
lógica concorrencial. Por outro lado, o argumento da violação do princípio da igualdade –
ao obrigar-se o réu a sujeitar-se à vontade do autor – não pode ser ignorado. Há aqui um
desequilíbrio que não tem qualquer justificação. Este desequilíbrio não se verifica em
nenhum outro meio voluntário de resolução de litígios, pois em todos eles se exige a
adesão das duas partes envolvidas.

A reversão desta crítica através da aproximação da justiça de paz à arbitragem, tornando-


a dependente da vontade das partes, coloca problemas não despiciendos de regime. Antes
608
Mariana França Gouveia, Prefácio, in Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 6.
234

de mais, parece-me mais adequado aplicar aos Julgados de Paz as regras sobre convenção
de arbitragem – trata-se, na verdade de um problema, se assim colocado, de jurisdição
voluntária alternativa. O mais próximo desta situação é a arbitragem e não a competência
convencional. Seja qual for a norma aplicável, a celebração de uma convenção de justiça
de paz (chamemos-lhe assim) teria necessariamente de excluir a competência dos
tribunais judiciais, como acontece com a convenção arbitral. Teria de ter efeitos
potestativos sob pena de trazer novamente a questão da igualdade das partes.

Repare-se: se se adoptar a posição de Miguel Teixeira de Sousa, na falta de convenção o


autor continua a ter a possibilidade de optar pelos tribunais judiciais ou pelos Julgados de
Paz, mas o réu não. Porque, se o autor optar por propor a acção nos tribunais judiciais, o
réu não pode opor-se, tendo de aceitar a competência dos tribunais judiciais. Não há,
pois, igualdade entre as partes. Isto é, mesmo a alternativa consensual não garante a tão
proclamada igualdade.609

Adoptar a posição de Miguel Teixeira de Sousa significa, ainda, que inexistindo tal
convenção o demandado poderia sempre arguir a incompetência do Julgado de Paz,
obrigando este a extinguir o processo. Este resultado não é, do ponto de vista da
administração da Justiça, aceitável. E nem se compreende que alguma vez tenha sido esta
a intenção do legislador. Querer deixar ao demandante a opção de propor a acção nos
julgados de paz tribunais comuns, ainda se pode admitir. Mas pensar que o Estado
instituiu uma justiça pública, formal, de fonte inteiramente voluntária é, no mínimo,
bizarro. Basta, aliás, ler os artigos 9.º e seguintes LJP para perceber que a origem da sua
competência é, em primeira linha, legal, não convencional. O atraso processual que
implica esta solução, a negação do princípio da economia e da eficiência processual é
intolerável.

Pensemos ainda no seguinte: que interesse atendível poderá ter o demandado na recusa da
tramitação processual nos Julgados de Paz? Não há seguramente diminuição de garantias
(face ao processo sumaríssimo ou sumário), nem fica prejudicado o seu direito a um
609
Diga-se, ainda e aliás, fazendo um paralelismo com o Processo Civil, que a escolha do autor
quando há diversos tribunais territorialmente ou internacionalmente competentes é aí a
regra.Vejam-se os artigos 87.º CPC e artigo 6.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de
22 de Dezembro de 2000.
235

processo justo, a uma decisão definitiva por um representante imparcial e público do


poder judicial. Tenho alguma dificuldade em entender esta necessidade de igualdade
como um valor absoluto, sem quaisquer interrogações.

Entendo, portanto, que a competência dos Julgados de Paz é exclusiva e que tal conclusão
se retira facilmente da letra da lei, da coerência do sistema e da solução mais adequada à
lacuna legal (se se entender que há lacuna).

Por outro lado, porém, numa óptica de sistema diversificado é interessante colocar os
Julgados de Paz como uma opção ao lado dos restantes meios de resolução alternativa de
litígios. Até porque o seu modelo de resolução se adequa a certos tipos de disputas – os
litígios de proximidade -, mas não a outros.

Os Julgados de Paz foram criados com base no modelo dos tribunais multi-portas. A ideia
seria ter um centro de resolução de litígios que teria num único lugar diversas ofertas de
justiça – judicial, justiça de proximidade, arbitragem, mediação, conciliação, negociação,
entre outras – que poderiam ser escolhidas pelos utentes à entrada. Haveria uma espécie
de triagem do processo e aconselhamento, cabendo ao autor a opção de escolher o meio
mais adequado. Neste sistema ideal, a competência seria, entre todos, verdadeiramente
alternativa, como se se tratassem de várias especialidades entre a mesma ciência. Em
função da patologia, as pessoas seriam encaminhadas para a respectiva especialidade.

Este sim seria o melhor modelo para os Julgados de Paz, aliás para a oferta pública de
justiça, uma oferta diversificada e integrada.

Se assim fosse, julgo que o problema da violação do princípio da igualdade seria


ultrapassável, na medida em que o que estaria em causa seria uma característica do
sistema público de justiça. E a escolha não seria das partes ou de uma delas, mas de um
serviço de justiça.

Há alguma dificuldade na inserção destes tribunais na organização judiciária portuguesa.


Dadas as suas características especiais, tais como um corpo de magistrados autónomos e
com diferente formação, um órgão de gestão independente (o Conselho de
Acompanhamento dos Julgados de Paz), a diferente forma de abordagem do litígio e de
processo, diria que estes tribunais estão fora da jurisdição comum. Tal entendimento
236

parece ter reflexo na disposição constitucional – os tribunais comuns encontram-se


previstos no n.º 1 do artigo 209.º CRP e os Julgados de Paz no n.º2 - e foi expressamente
referida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.610

Há, porém, uma regra que joga contra esta autonomia – a da recorribilidade das decisões
dos Julgados de Paz para os tribunais judiciais, quando o valor da acção seja superior a
metade da alçada da 1ª instância – artigo 62.º LJP. Acresce que este recurso é para os
tribunais de 1ª instância e não para a relação, o que não permite sequer uma equiparação
dos Julgados de Paz aos tribunais de 1ª instância. Ao invés faz parecer que eles são
qualquer coisa como uma pré ou sub-instância, um minus em relação à jurisdição
comum.611

Terão, provavelmente, sido razões de cautela que levaram o legislador a consagrar esta
solução. Legislando quando ainda não existia qualquer Julgado de Paz, terá pensado ser
mais sensato permitir um recurso das decisões ou, pelo menos, de parte delas. Neste
momento, porém, em que experiência já leva alguns anos é de repensar a solução. Das
duas uma: ou se estabelece a regra de irrecorribilidade (que é o que acontece neste tipo de
acções propostas em tribunal judicial e até joga bem com o entendimento da competência
alternativa) ou se estabelece, como na actual Lei de Arbitragem Voluntária, a regra da
recorribilidade para a Relação, equiparando os Julgados de Paz a tribunais de primeira
instância. É difícil dizer qual a melhor solução: do ponto de vista do sistema, a solução da
irrecorribilidade parece ser a mais coerente; do ponto de vista do controlo da actividade,
faz sentido a existência de recurso. É ainda pensável uma terceira via inspirada, agora, na
arbitragem: eliminar o recurso e consagrar apenas a possibilidade de requerer a anulação
da decisão com fundamentos de forma ou com base na violação da ordem pública.

O outro aspecto da relação entre Julgados de Paz e jurisdição comum é o envio dos
processos quando é deduzido algum incidente ou é requerida a prova pericial. Nos termos
do artigo 41.º e 59.º n.º3 LJP, suscitado algum incidente ou requerida prova pericial, o
juiz de paz remete o processo para o tribunal judicial.
610
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, A Competência dos Julgados de Paz: a
alternativa consensual, 2008, p. 58.
611
Cardona Ferreira, Julgados de Paz, 2001, p. 81; Miguel Teixeira de Sousa, A Competência dos
Julgados de Paz: a alternativa consensual, 2008, p. 56.
237

Não é inteiramente fácil justificar esta norma – repare-se que ela implica a possibilidade
de desaforamento voluntário pelas partes do Julgado de Paz. São aliás frequentes as
deduções de incidentes com o único intuito de retirar o processo da Justiça de Paz. Basta
ao demandado requerer a realização de uma perícia e, mesmo que tal pedido seja
manifestamente inútil, o juiz de paz vê-se obrigado a enviar o processo para os tribunais
comuns, extinguindo a instância no Julgado de Paz. Como se pode explicar esta regra?

Numa análise global das normas da Lei dos Julgados de Paz, a única explicação que
encontro é a simplicidade querida para a tramitação processual nestes tribunais. De
acordo com o artigo 2.º n.º2 LJP, os procedimentos dos Julgados de Paz estão concebidos
e são orientados, entre outros, pelo princípio da simplicidade.

Sendo o processo concebido para ser simples, é natural que se não admitam
complexidades, como as introduzidas por provas complicadas ou intervenções de
terceiros. O pensamento do legislador foi claramente: ou o processo é simples ou não tem
lugar aqui. Como, porém, não poderia impedir que estes incidentes existissem, porque
isso implicaria violação do due processo of law, optou por retirar o processo do Julgado
de Paz quando tal se verificasse.

O que o legislador não pensou foi, naturalmente, que esta regra seria fonte de abuso por
parte de quem não tem interesse num processo célere.

A tudo isto nos levou a problemática da competência exclusiva ou alternativa (consensual


ou não) dos julgados de paz. Porque o argumento essencial tem precisamente a ver com
estas regras – com a interpretação de que elas retratam uma espécie de sujeição dos
julgados de paz aos tribunais comuns. E que a competência destes está sempre latente.

A explicação destas regras demonstra, porém, que não é esta a sua razão de ser. Que nada
têm que ver com uma pensada relação de sujeição dos julgados de paz aos tribunais
comuns. Nenhum argumento, parece-me, se pode retirar destas regras quanto à
competência alternativa. São apenas soluções encontradas para aspectos específicos do
regime processual dos julgados de paz e à sua natureza experimental inicial. Atente-se
que esta lei nunca foi alterada, vigorando já há quase uma década.
238

Chega, então, o momento de se tomar posição. Já referi que, em teoria, preferiria um


sistema de alternatividade absoluta entre todos os meios de resolução de litígios. Nos
tempos actuais, porém, julgo que o único entendimento coerente é o da obrigatoriedade
da competência dos julgados de paz. Sendo estes tribunais públicos constitucionalmente
previstos, retira-se da lei que a sua jurisdição não se funda na vontade das partes (como a
arbitragem voluntária). É uma jurisdição pública, legal – tem como fonte a lei e é, nessa
medida, obrigatória para ambas as partes.

É possível, porém, introduzir nesta obrigatoriedade um regime de consensualidade, mas


precisamente no sentido contrário ao defendido por Miguel Teixeira de Sousa. Se as
partes quiserem, poderão excluir a competência dos Julgados de Paz. Poderão fazê-lo
previamente à propositura da acção, através de convenção. Poderão fazê-lo através da
propositura da acção nos tribunais judiciais, desde que o réu aí não invoque a
incompetência do tribunal judicial. À semelhança da convenção de arbitragem, tal
incompetência dos tribunais judiciais não deve ser de conhecimento oficioso, pelo que só
haverá absolvição da instância se o réu a arguir.

Parece-me que o sistema tem de admitir esta possibilidade – se é possível celebrar


convenção de arbitragem, então também se tem de admitir a celebração de convenção
atributiva da competência à jurisdição comum. Nenhuma regra ou princípio de
organização judiciária impede esta atribuição de competência.

A competência dos julgados de paz é, assim, exclusiva, mas supletiva – as partes poderão
optar, expressa ou tacitamente, por outra jurisdição – a judicial ou a arbitral. Esta solução
é coerente com os dados do sistema jurídico e, em simultâneo, com a alternatividade
consensual postulado do direito privado e da resolução alternativa de litígios.

6.2. Princípios

Os princípios que regem os Julgados de Paz estão inscritos no artigo 2.º da Lei 78/2001,
de 13 de Julho. Este artigo é o mais importante deste diploma, devendo ser padrão de
239

interpretação de todas as suas regras.612 Os princípios estabelecidos são o da participação,


do estímulo ao acordo, da simplicidade, da adequação, da informalidade, da oralidade e
da economia processual.

O princípio da participação cívica dos interessados pretende trazer o cidadão para os


Julgados de Paz, tornando-o parte activa do processo. Ao invés do procedimento judicial,
onde a parte nunca ou raramente fala, nos Julgados de Paz a presença das partes é
essencial ao desenvolvimento da sua filosofia. Só pode haver justiça de proximidade se
os litigantes estiverem presentes. O afastamento dos utentes do sistema de Justiça
tradicional é uma das marcas da crise da justiça. O processo, criado para dar garantias de
igualdade e de imparcialidade613, tornou-se num ritual gasto, opaco, labiríntico, numa
palavra, incompreensível para quem nele não trabalha. 614 A excessiva formalidade, aliada
a uma tecnicidade apurada, não permite que as pessoas entendam o que se passa. Por
outro lado, este afastamento é propositado, é consciente, já que se entende que as partes
não são as pessoas mais indicadas para tratar do seu litígio. A intermediação por um
advogado, profissional deontologicamente marcado por uma certa distância das partes e
das suas posições pessoais, é explicada precisamente por esta teleologia. Não é sequer
suposto que as partes comuniquem directamente com o juiz – as limitações aos
depoimentos de parte são grandes.615-616

Ora, os Julgados de Paz – como aliás, em geral, os meios de resolução alternativa de


litígios – partem precisamente da opção oposta, do entendimento de que são as partes as
pessoas melhor colocadas para resolver os seus problemas. Esta discussão não é jurídica
– embora tenha aí reflexos. Não vou, pois, entrar nela. Posso apenas dizer que me parece
que qualquer uma das teses estará correcta: haverá situações em que as partes estarão
melhor sem intermediários e haverá casos em que o oposto é verdade. Nos Julgados de

612
Cardona Ferreira, Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, 2001, p.
19.
613
Mariana França Gouveia, Os Poderes do Juiz Cível na Acção Declarativa, 2007, p. 63.
614
Mesmo um jurista, recém-licenciado ou não, que não esteja habituado aos tribunais, neles não
se sente plenamente à vontade.
615
Artigos 552.º e 553.º CPC.
616
Para uma comparação pormenorizada, João Chumbinho, Julgados de Paz na Prática
Processual Civil, 2007, p. 54-58.
240

Paz é o primeiro entendimento que predomina, sem prejuízo de o juiz de paz decidir por
sentença, se as partes não conseguirem resolver o litígio.

O princípio da participação cívica está directamente relacionado com o estímulo ao


acordo, à auto-composição dos litígios. Significa que a parte não é mera espectadora do
desenrolar do seu caso, mas participante informada da sua resolução. Em concretização a
tramitação dos Julgados de Paz contém dois momentos para a obtenção deste acordo: a
mediação extra-judicial e a conciliação judicial. A mediação é feita por um mediador,
escolhido pelas partes ou (o que é a regra) indicado pelos serviços do Julgado de Paz. A
conciliação é tentada pelo juiz, no início da sessão de julgamento. No processo, as partes
podem passar pelas duas tentativas de obtenção de acordo ou só por uma – a conciliação
– se prescindirem da fase de mediação. Fase que é, sempre, de adesão voluntária.

Nota-se nos Julgados de Paz a forte motivação para o acordo, muito maior, parece-me
(embora não o possa confirmar objectivamente617) que nos tribunais judiciais. Criou-se de
alguma forma uma dinâmica de conciliação, na medida em que se sabe que o juiz vai
mesmo, mas mesmo, esgotar todas as possibilidades de obtenção do acordo. No entanto,
também é necessário ter alguma cautela nessa procura do acordo, de forma a não
incomodar intoleravelmente as partes, nem as comprometer em relação a algo que, afinal,
não querem. É importante que os juízes tenham a sensibilidade para perceber quando é e
quando não é alcançável a transacção e, por outro lado, que não utilizem o seu poder
judicial para forçar esse consenso. Estas questões foram já tratadas no capítulo dedicado à
conciliação, para o qual se remete.618

Os restantes princípios dizem já respeito especificadamente ao procedimento nos


julgados de paz. São princípios comuns ao processo civil, com excepção da regra da
informalidade, mas que assumem singular importância nos Julgados de Paz. Há desde
logo uma diferença sistemática para o Código de Processo Civil – na Lei 78/2001 os
princípios constam do artigo 2.º, logo na abertura do diploma; no Código estas regras
essenciais encontram-se espalhadas, muitas vezes sem sequer estarem expressamente

Ver, a este propósito, as notas de Joana Paixão Campos, A Conciliação judicial, 2009, p. 71 e
617

seguintes.
618
Cfr. supra ponto 4.2..
241

consagradas.619 Esta diferença de arrumação é importante, mais importante do que à


primeira vista se possa pensar. Impõe claramente uma interpretação dos restantes
preceitos conforme a estes princípios: como se fossem parâmetros de constitucionalidade.

O princípio da adequação deve ser aproximado do dever de gestão processual previsto no


artigo 2.º do Regime Processual Civil Experimental (Decreto-Lei 108/2006, de 8 de
Junho), nos termos do qual o juiz tem de promover a adequação, a eficiência processual e
a agilização.620 Estes deveres são mais fáceis de executar quando as regras processuais
são pouco pormenorizadas e quando não há uma tradição prática associada aos
procedimentos. É precisamente o que se passa nos Julgados de Paz, pelo que é recorrente
a aplicação destes princípios na resolução de problemas concretos.

6.3. Competência

Para além da questão da competência alternativa ou obrigatória, é importante referir os


critérios de atribuição de competência territorial e material dos Julgados de Paz.

Tal matéria está regulada nos artigos 8.º e seguintes da Lei dos Julgados de Paz. Em razão
do valor, os Julgados de Paz têm competência para acções cujo valor não exceda a alçada
do tribunal de 1ª instância (actualmente 5.000€).

O artigo 9.º contém as matérias que são da competência dos Julgados de Paz. As matérias
estão descritas individualmente através da sua caracterização jurídica, pelo que o que não
se encontra aqui especificamente previsto não cabe na competência destes tribunais.

Podemos agrupá-las em dois grandes grupos: matéria civil e matéria criminal. Na matéria
civil estão previstas algumas questões tratadas nos direitos reais (entrega de coisas

619
O princípio da simplicidade está nos artigos 137.º e 138.º; o da adequação no artigo 265.º-A; o
da oralidade está disperso por várias normas, desde as que prevêem a audiência preliminar e o
julgamento (artigos 508.º e 652.º), até às normas que impedem, salvo casos excepcionais, o
depoimento escrito (artigo 621.º e 639.º); o princípio da economia processual está disperso por
diversos mecanismos processuais, que passam pela adequação, pluralidades objectivas e
subjectivas, incidentes com elas relacionados (reconvenção, intervenção de terceiros) e,
novamente, com a simplicidade dos actos, prevista nos artigos 137.º e 138.º. Ver, por todos, Lebre
de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 169 e seguintes.
620
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 33-36.
242

móveis, direitos e deveres de condóminos, certos litígios entre proprietários de prédios,


acções possessórias, usucapião e acessão, entre outras) e no direito das obrigações
(cumprimento das obrigações, arrendamento urbano, responsabilidade civil,
incumprimento contratual, garantia geral das obrigações).

É importante tomar em consideração a restrição prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º


LJP: não há competência do Julgado para apreciar e decidir acções destinadas a efectivar
o cumprimento de obrigações pecuniárias de que seja ou tenha sido credor uma pessoa
colectiva. Quis-se com esta restrição impedir a invasão dos Julgados de Paz pelos
chamados litigantes de massa.

Apesar da clareza da letra da norma, ela tem suscitado viva polémica doutrinal e
jurisprudencial. Cardona Ferreira, pugnando pela alteração do normativo, acaba por
entender que esta exclusão de competência tem como limite as pessoas colectivas sem
fim lucrativo e até as micro-empresas, designadamente de tipo familiar.621

Em sentido contrário, alguma jurisprudência interpreta a exclusão como incluindo apenas


as pessoas colectivos stricto sensu, isto é, as pessoas morais (associações, fundações e
pessoas colectivas públicas). O Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Dezembro de
2006622 decidiu um caso em que um hospital pedia contra uma seguradora o pagamento
de uma dívida decorrente de prestação de cuidados de saúde. A acção foi proposta no
tribunal de pequena instância cível, que se julgou incompetente por a matéria ser da
competência da Justiça de Paz. A Relação de Lisboa analisa primeiro a questão da
exclusividade ou alternatividade da Jurisdição de Paz e só depois o problema específico
da interpretação do artigo 9.º LJP. A este propósito entende que: “Nas acções para
cobrança de dívidas das pessoas colectivas, tendo em conta que estas não visam o lucro
económico, não há lugar à justa composição do litígio por acordo das partes, pelo que
seria um contra senso incluí-las na competência material dos Julgados de Paz.”

Mais recentemente surgiu na jurisprudência da Justiça de Paz um outra tese, que se pode
resumir a considerar que a excepção só se aplica quando se trate de litigância de massa.
Podemos exemplificar esta orientação com a sentença do Julgado de Paz de Coimbra de
621
Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 59, nota 89.
622
Processo n.º 8759/2006-8, disponível em www.dgsi.pt
243

28 de Junho de 2007623, que desenvolve o tema com amplíssima fundamentação. Parte, no


essencial, da intenção da norma – que foi a de impedir o entupimento dos Julgados de
Paz – para restringir a letra da lei à litigância de massa. Define depois litigância de massa
de acordo com as seguintes características: “1) a repetição em grande escala (em massa)
de acções do mesmo tipo; 2) propostas por empresas grandes litigantes /habituais de
venda de bens e de prestação de serviços (caso de seguradoras, operadoras de
telecomunicações, financeiras, designadamente de crédito ao consumo, fornecedoras de
água, gás e electricidade, etc.); 3) terem essas acções por objecto a cobrança de dívidas
(a maioria, de baixo valor); e 4) serem essas dívidas resultantes de contratos de adesão.”
A sentença conclui que todas aquelas acções que não se enquadrarem nestas situações
estarão afastadas da exclusão da alínea, pelo que os Julgado de Paz serão competentes.

A ratio legis do artigo 9.º é, sem qualquer dúvida, o afastamento da litigância de massa.
Isto porque o essencial da Justiça de Paz é a sua filosofia de proximidade, algo
impossível de realizar se o número de processos for avassalador. Certo é, porém, que a
letra da lei acabou por excluir muito mais acções, na medida em que a sua letra de
estende a toda a litigância comercial, seja ou não de massa. Nos dias que correm, em que
toda a actividade económica, por mais pequena que seja, se constitui através de uma
sociedade comercial, esta opção acabou por significar uma exclusão importante e algo
injustificada.

Assim, a própria Justiça de Paz foi, paulatina, mas firmemente, admitindo a litigância
comercial. Certo é, porém – e é um aspecto que não pode ser omitido – que em muitos
Julgados de Paz tal admissão se justificou por um instinto de sobrevivência. Essa era, ao
fim e ao cabo, o único tipo de litigância existente na sua área territorial de competência.

Será esta leitura admissível? É sem dúvida uma acepção restritiva da lei, tão restritiva que
se aproxima de uma interpretação correctiva, na forma de redução teleológica. E a
interpretação correctiva é, em termos clássicos, inadmissível.

Estes argumentos formais não convencem, porém, já que, como por várias vezes já se
disse, não se tem sobre o Direito uma postura positivista, de acordo com a qual a lei é a

623
Processo n.º 49/2007-JP, disponível em www.dgsi.pt
244

única fonte do Direito. A lei é talvez a mais importante, mas não única. A determinação
da regra, da qual a interpretação da lei é um dos passos necessários, necessita também de
analisar outras fontes e outros argumentos. Uma outra fonte é, evidentemente a
jurisprudência. Ora, temos, aqui, sem dúvida, uma jurisprudência firme (embora apenas
dos Julgados de Paz) e, mais importante, uma aceitação social desta competência. As
empresas, bem servidas pelo Julgado de Paz, a ele retornam, aceitando e até lhe
atribuindo competência. Há aqui uma espécie de voluntariedade que, embora não seja a
fonte da competência (que é a lei), como que valida esta atribuição.

O ponto fraco da tese estará na determinação do que é e do que não é litigância de massa.
Por exemplo, na sentença do Julgado de Paz de Santa Maria da Feira de 22 de Julho de
2008624 entende-se que se trata de litigância de massa por, aparentemente, a empresa
credora ter mais de 10 trabalhadores. Parece aqui querer misturar-se o critério da
litigância de massa com o do número de trabalhadores, o que não faz muito sentido.

Há, pois, cautelas a ter neste domínio. Se, em abstracto, a solução de restringir a exclusão
da competência aos litigantes de massa parece ser boa, os critérios que o determinam
devem privilegiar a clareza e facilidade de aplicação.

Em relação à matéria penal, a competência está prevista no n.º 2 do artigo 9.º LJP,
incluindo apenas os pedidos de indemnização cível pelos crimes aí previstos (ofensas
corporais simples, difamação, injúrias, furto simples, dano simples, alteração de marcos e
burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços). O Julgado de Paz só tem
competência para apreciar o pedido de indemnização cível quando não haja sido
apresentada participação criminal ou após desistência da mesma.

As matérias procuram claramente um determinado tipo de litigância: conflitos entre


pessoas singulares, disputas de proximidade, problemas entre cidadãos. São estas,
realmente, as áreas de litigância a que os Julgados de Paz melhor se adequam. É aqui que
a proximidade da Justiça melhor se adequa à resolução do problema.

624
Processo n.º 45/2008-JP, disponível em www.dgsi.pt
245

Quanto à competência territorial, a Lei dos Julgados de Paz estabelece no seu artigo 11.º
que as acções referentes direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis e as acções de
divisão de coisa comum devem ser propostas no julgado de paz da situação dos bens.

Já as acções relativas ao cumprimento e ao incumprimento contratual são propostas, nos


termos do artigo 12.º, à escolha do credor, no julgado de paz do lugar em que a obrigação
devia ser cumprida ou no julgado de paz do domicílio do demandado. É interessante
referir que a regra não acompanha a protecção ao devedor prevista no artigo 74.º n.º1
CPC. Este preceito foi alterado em 2006 para consagrar a regra do domicílio do réu como
imperativa, pretendendo proteger a posição do réu, devedor, que seria, assim, sempre
demandado no local do seu domicílio. A regra dos Julgados de Paz não foi alterada nesta
altura, mantendo-se, portanto, como opção do credor a competência territorial.

Por último, o artigo 13.º LJP estabelece como regra geral de competência territorial o
domicílio do réu.

Repare-se que estas regras têm ainda a função, face à situação actual, de delimitar a
jurisdição dos Julgados de Paz. Na medida em que estes não têm cobertura nacional, a
aplicação destas regras determinará se a acção pode ou não ser proposta num julgado de
paz, conforme esteja nesse concelho instalado ou não.

6.4. Tramitação processual

A tramitação nos Julgados de Paz é simples, aproximando-se das formas de processo


sumário ou sumaríssimo. O processo inicia-se com um requerimento inicial que pode ser
apresentado oralmente ou por escrito (artigo 43.º). Segue-se, depois, a citação do
demandado, que nunca pode ser edital (artigo 46.º).

Assim, caso se não consiga citar pessoalmente o demandado, o processo segue à revelia,
sendo prática nos Julgados de Paz pedir-se à Ordem dos Advogados a nomeação de um
representante oficioso do revel.625 A inadmissibilidade da citação edital nos Julgados de
Paz justifica-se aparentemente com a simplicidade processual, isto é, pretendeu-se que o

625
Cardona Ferreira, Julgados de Paz, 2001, p. 64.
246

processo nos Julgados de Paz seja simples e escorreito. É precisamente a mesma razão
que não permite incidentes de intervenção de terceiros ou produção de prova pericial. A
ideia – algo egoísta – é que só são tramitados processos sem complicações.

Face a esta ratio legis, a frustração da citação pessoal poderia ter duas consequências: ou
a extinção do processo nos Julgados de Paz e a sua remessa oficiosa para os tribunais
judiciais (como acontece quando aqueles incidentes surgem); ou, como se fez na prática,
ficcionar que a citação se encontra feita e nomear defensor oficioso para o ausente.

Nenhuma das soluções é muito confortável. Se a primeira implica um esvaziamento


enorme dos Julgados de Paz, a segunda pode colocar problemas ao nível do direito de
defesa, na medida em que há, por muito que custe admiti-lo, falta de citação, fundamento
de nulidade de todo o processo – artigo 195.º e 771.º CPC.

Não pode haver processo sem direito de defesa e não há direito de defesa sem citação.
Um processo judicial, qualquer que ele seja, não pode prosseguir sem citação. Mas
também é certo que a citação edital é, por si só, uma hipocrisia, um simulacro de citação,
um cumprimento formal do direito de defesa. Mas é uma hipocrisia necessária porque o
titular do direito não pode ficar refém da dificuldade em encontrar o sujeito passivo da
relação.

Como ponderar então estes dois interesses?

O melhor sistema seria aproveitar o regime de citação edital do Regime Processual


Experimental, nos termos do qual a citação edital é feita pela publicação de anúncio em
página informática de acesso público (artigo 5.º RPE). Mesmo não se aplicando este
regime aos Julgados de Paz, nada impede que seja seguido, haja condições técnicas para
o fazer. É um sistema simples e que cumpre o mínimo das garantias.

Na citação do demandado marca-se logo a data da pré-mediação (artigo 45.º n.º 2 LJP)
ou, se o demandante tiver prescindido dessa fase, do julgamento. Esta solução simplifica
e acelera o procedimento, sem prejuízo de as datas serem alteradas se a citação se atrasar
ou se as partes não tiverem disponibilidade para os dias marcados.
247

Entramos, então, na fase da mediação que se inicia com a pré-mediação, sessão destinada
a explicar às partes em que consiste a mediação e a verificar a sua predisposição para
resolver o caso através da celebração de um acordo (artigo 49.º LJP). Se as partes
aderirem, passa-se à mediação propriamente dita, que pode ter lugar no mesmo dia. A lei
determina que esta deva ser feita com mediador diferente (artigo 50.º n.º4 LJP), mas a
prática nos Julgados de Paz tem sido de se manter o mesmo mediador, desde que
autorizado pelas partes. É justificada pela inadequação da lei à realidade – não faz
sentido, segundo dizem mediadores e juízes, remarcar a sessão para outro dia e outro
mediador, obrigando as partes a nova deslocação ao Julgado. Esta razão não colhe,
porém, nos casos em que está no Julgado mais do que um mediador em simultâneo, o que
se verifica nos Julgados de Paz com mais movimento. A mudança de mediador garante a
independência do primeiro face ao resultado da sua diligência. Embora não me pareça
dramático, julgo que faz sentido tentar, salvo forte inconveniente, seguir o esquema legal.

Se as partes alcançarem o acordo na mediação, este é homologado pelo juiz na presença


das partes (artigo 56.º LJP). A sentença homologatória tem, naturalmente, força
executiva.626

Se a mediação não tiver sucesso, o processo é encaminhado para marcação do


julgamento. Entretanto, corre o prazo para contestar (10 dias a contar da citação, nos
termos do artigo 47.º). Na contestação o demandado pode deduzir reconvenção, mas em
termos bastante limitados. Se esta existir, o demandante responde no mesmo prazo de 10
dias (artigo 48.º).

Uma das dificuldades do regime processual dos Julgados de Paz é o efeito da revelia. Isto
porque, nos termos do artigo 58.º n.º2, tal efeito (o da confissão dos factos) apenas se
verifica quando o demandado para além de não ter contestado, não tenha comparecido ao
julgamento e não tenha justificado essa falta. Isto é, para que se dêem como provados os
factos não basta a não contestação, é ainda necessário a falta não justificada do
demandado à audiência final. Esta norma tem conduzido ao entendimento de que o
demandado não contestante pode impugnar os factos na audiência final. Aliás pode

626
Cfr. a propósito da homologação, o ponto 3.8.3..
248

apresentar prova, na medida em que os meios probatórios são oferecidos na audiência. 627
A grande dificuldade reside na possibilidade de deduzir, apenas na audiência, excepções
ao pedido.

Presenciei, certo dia, uma situação em que a demandada não contestante compareceu à
audiência transportando consigo os bens cujo pagamento a demandante exigia. Exibiu
esses bens, ficando claro para todos os presentes que eles eram defeituosos. Alegou –
embora o não soubesse - uma excepção de cumprimento defeituoso. Outra vez, numa
acção proposta pela administração do condomínio contra um condómino em que era
exigido o pagamento de quotas de condomínio em atraso, o condómino – que não havia
contestado – afirmou na audiência que tinha acordado com o anterior administrador a
dedução às quotas do valor de umas obras urgentes que tinha feito nas partes comuns do
edifício. Tratava-se, assim, de uma compensação que, sendo de valor inferior ao pedido,
constituía uma excepção peremptória.628

Nestes casos, que fazer? Ignorar aquilo que as partes dizem parece violento e contrário à
filosofia dos Julgados de Paz.

Há aqui dois valores conflituantes que produzem resultados contraditórios. Tendo em


conta o princípio da verdade material, deveria permitir-se a alegação de factos novos na
audiência. Ao contrário, se atentarmos no princípio do contraditório, não é legítimo
sujeitar o demandante à alegação de factos surpresa, sem lhe conceder hipóteses de
defesa, nomeadamente de apresentação de prova. Acresce que a possibilidade de alegar
factos novos (como aliás a oportunidade de impugnar os factos apenas em audiência)
esvazia de sentido a regra da contestação e do seu prazo. Não obstante também seja
verdade que o sistema de preclusão português é muitíssimo rígido, hipotecando o direito
de defesa ao cumprimento de prazos peremptórios inflexíveis, o que não se coaduna tão
facilmente como se julga com o direito de defesa.
627
Uma outra dificuldade relaciona-se com a impossibilidade de notificação de testemunhas pelo
Julgado de Paz – artigo 59.º n.º2. No entanto, tal regra tem sido casuisticamente derrogada:
quando haja razões ponderosas que imponham a notificação (designadamente por ser a única
forma de a testemunha comparecer no Julgado), o Julgado de Paz notifica a testemunha para a
audiência de julgamento.
628
Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado – Volume 1.º,
2008, p. 531.
249

Se uma solução formalista, parece mais defensável, faz alguma impressão postergar por
essa razão a verdade material. E, mais, como estamos num processo de proximidade, em
que as pessoas envolvidas estão ali, em frente ao juiz, é muito complicado fazer-lhes
compreender esta distinção técnica entre impugnação e excepção 629, explicar-lhes que
podem dizer umas coisas, mas não podem dizer outras.

A solução para esta situação tem de passar pela conciliação dos dois valores. Parece-me
que em situações que o justifiquem, se deve permitir que o juiz admita os novos factos e,
em simultâneo, convide o demandante a apresentar prova em audiência posterior,
suspendendo-se aquela sessão. Com esta possibilidade, respeita-se o princípio do
contraditório e a verdade material, sacrificando-se a economia processual e a regra da
concentração da defesa, prevista no artigo 489.º CPC. Regra consequente do princípio da
preclusão, princípio que aliás não está previsto na Lei dos Julgados de Paz.

Na audiência de julgamento, o juiz faz uma nova tentativa de resolução do litígio por
consenso, através da conciliação.630 Não sendo tal possível, produz-se a prova e, por fim,
é proferida a sentença (artigo 60.º). A lei manda que a sentença seja oral – proferida em
audiência de julgamento. Pressupõe a lei, assim, que a sentença seja imediata, o que na
maioria das vezes não é observado. Esta sentença imediata é, porém, importante na lógica
da participação cívica e da justiça de proximidade, valores justificantes da criação dos
Julgados de Paz.631

As sentenças que excedam metade da alçada da primeira instância são recorríveis para os
tribunais judiciais – artigo 62.º LJP. O recurso tem efeito meramente devolutivo e segue o
regime geral da apelação. O preceito refere-se ao recurso de agravo, mas este deixou de
existir com a revogação dos artigos 734.º e seguintes do CPC, operada pelo Decreto-Lei
303/2007, de 24 de Agosto.

629
Distinção que, aliás, nem do ponto de vista técnico é fácil ou isenta de críticas – cfr. Mariana
França Gouveia, A Prova, 2008, p. 334.
630
Cfr. supra Capítulo IV sobre Conciliação.
631
Aplicam-se aqui as mesmas razões de regra idêntica prevista no Regime Processual
Experimental - Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 144-146.
250

VII

CRITÉRIOS DE SELECÇÃO

a. Um aspecto importante da resolução alternativa de litígios é encontrar critérios que


permitam escolher o método mais adequado a cada tipo de litígios. Será difícil encontrar
um critério único e decisivo, o essencial é conhecer muito bem as características de cada
um dos métodos, porque é em função desses traços que se adequará a certo tipo de
conflitos.

Na literatura americana há já algum trabalho efectuado em relação a critérios de


adequação do método ao caso. De entre os vários estudos, podemos destacar como os
mais citados os seguintes: International Institute for Conflict Prevention and Resolution
(CPR)632, a do Federal Judicial Center633 e, por último, a de um texto recente de Sander e
Rozdeiczer634.

632
Disponível para venda em www.cpradr.org.
633
Disponível gratuitamente em www.fjc.gov.
634
Frank Sander e Lukasz Rozdeiczer, Selecting an appropriate Dispute Resolution Procedure,
2005, p. 387 e seguintes.
251

b. A proposta do Guide to Judicial Management of Cases in ADR, de Robert Niemic,


Donna Stienstra e Randall Ravitz, baseia-se em dois critérios, características das partes e
do litígio.

Em relação às características das partes, são sugeridas algumas perguntas chave que
devem ser colocadas no momento da escolha: quais os benefícios que as partes podem
retirar dos meios de resolução alternativa de litígios (melhor resultado, poupança de
tempo e dinheiro, manutenção da relação); quem são as partes e os seus advogados e se
podem usar efectivamente os meios de resolução alternativa de litígios; se há partes não
representadas; se há partes públicas; se o acordo depende de informação que as partes
querem manter confidencial.

Já quanto às características do caso, deve analisar-se se envolve questões jurídicas novas,


precedentes ambíguos (diríamos jurisprudência contraditória), questões constitucionais
ou de ordem pública; se o público deve ter informação sobre o caso e a sua solução; se é
uma questão simples ou complexa; se há várias partes; se já houve tentativas para
alcançar um acordo; se é possível ser decidido apenas com base em prova documental.

c. Na proposta de Sander e Rozdeiczer, a adequação do método ao caso deve ser feita


tendo em conta três aspectos: objectivos das partes, características do litígio que o
aproximam de um meio de resolução alternativa de litígios e, por último, características
do litígio que o afastam de um meio. Podemos sintetizar a metodologia em três palavras:
interesses, características e obstáculos.

A análise deve começar pelos interesses das partes, que podem ser os mais variados:
celeridade, privacidade, vingança pública, obter uma opinião neutral, reduzir custos,
manter o relacionamento com a contra-parte, criação de um precedente, recuperação
máxima ou mínima do crédito, criação de novas soluções, controlo do processo, mudança
da responsabilidade da decisão para uma terceira pessoa, supervisão do tribunal,
transformação da atitude ou do comportamento da contraparte, etc., etc..

Após a identificação dos objectivos das partes, que podem ser diversos e até
contraditórios, deve fazer-se uma sua hierarquização, ou seja, colocar por ordem quais os
mais importantes e quais os menos importantes.
252

De seguida, Sander e Rozdeiczer atribuem pesos diferentes a cada interesse para cada um
dos meios de resolução alternativa de litígios. Por exemplo, o objectivo celeridade obtém
pontuação 3 na mediação, pontuação 1 na arbitragem e 0 na via judicial. Já ao objectivo
vingança pública é atribuída uma pontuação de 0 na mediação e de 3 na via judicial. É
apresentada uma tabela com 13 objectivos e suas pontuações. Esta tabela pode ser ainda
aumentada com outros interesses das partes e com outros mecanismos de resolução de
litígios.

A tabela proposta pelos autores tem como pressuposto os meios de resolução de litígios
dos Estados Unidos da América. É, porém, perfeitamente possível adequar estes critérios
aos meios conhecidos entre nós. O resultado seria este:

Julgados
Interesse/Meio Negociação Mediação Arbitragem de Paz Tribunal

Celeridade 3 3 1 2 0

Privacidade 3 3 2 0 0
Vingança
pública 0 0 2 3 3

Opinião neutral 0 1 3 3 3

Baixos custos 3 3 0
-3[1] 3 0

Manutenção da
relação 3 3 1 2 0

Criação de
precedente 0 0 2 3 3

0
253

Máxima ou
mínima
recuperação 0 0 2 2 3

Criação de
novas soluções 3 3 1 0 0

Controlo do
processo pelas
partes 3 3 3 2 0

Controlo do
resultado pelas
partes 3 3 1 1 0

Supervisão
judicial 0 0 2 3 3

Alteração dos
comportamentos 1 3 0 2 0

Sugerem, então, os autores que se somem as pontuações, utilizando um elemento de


ponderação em função da importância relativa dos interesses em consideração. No fim, o
método mais pontuado será o mais adequado.

Este critério tem, porém, uma dificuldade, não muito difícil de antecipar: que fazer
quando a contra-parte tem outros interesses ou os hierarquiza de forma diferente?

Os autores dão um exemplo de um divórcio em que a mulher quer manter o assunto


privado, mas o marido pretende que se saiba o que realmente aconteceu.

Para ultrapassar este problema, os autores apresentam dois outros critérios a utilizar em
conjunto com este. Assim, após a análise dos interesses passa-se ao exame das
254

características objectivas do litígio, de forma a entender quais são os aspectos que


aconselham a utilização de um método. São exemplos dessas características: boa relação
entre os mandatários, boa relação entre as partes, disponibilidade de uma ou ambas as
partes de pedir perdão, vontade do chegar a uma solução consensual, partes beneficiariam
de protecções processuais formais, relação do litígio com outras questões.

Por último, é objecto de atenção os obstáculos a uma solução consensual do litígio. Por
exemplo, má comunicação, necessidade de expressar emoções, diferentes visões dos
factos ou do direito, múltiplas partes, diferenças entre os interesses dos advogados e dos
seus clientes, etc..

Um óbice (ou não) desta metodologia de escolha do meio de resolução alternativa de


litígios é estar centrado na mediação – aliás tal é expressamente referido pelos seus
autores que entendem que a mediação é sempre um bom método. Na sua opinião mesmo
que não conduza a um acordo das partes é um caminho para que um outro procedimento
produza melhores resultados.

c. Não haverá métodos de escolha infalíveis e, parece-me, o segredo estará no


conhecimento do caso e dos métodos disponíveis. Terão um papel fundamental os
magistrados, mas sobretudo os advogados que conhecem melhor os seus constituintes. A
mediação será o meio de resolução ideal quando o conflito tem subjacente muitas
questões conexas (sejam elas pessoais e/ou comerciais) e se trata de uma relação jurídica
prolongada, quer isso seja vontade ou não das partes. Casos típicos como os das relações
familiares, laborais e de vizinhança. Mas também situações comerciais de anos. Na
clarificação das posições, dos interesses, na possibilidade de sair fora do objecto do
litígio, de encontrar soluções globais e criativas, encontram-se os trunfos da mediação.

É óbvio, porém, que nem todos os casos poderão ser resolvidos por esta via, há situações
em que as partes apenas aceitam uma decisão de um terceiro – essencialmente porque os
interesses são inconciliáveis, mas também porque as características das partes poderão
não se adequar à mediação. Partes muito agressivas ou, pelo contrário, manipuláveis;
grandes corporações “sem cara” ou consumidores para quem é indiferente comprar nesta
loja ou na do lado, poderão apenas aceitar uma decisão de um terceiro, não pretendendo
255

transigir no seu direito. Se assim for, há ainda que ponderar a possibilidade de uma
conciliação judicial. Um terceiro com uma fonte especial de persuasão, como o juiz ou o
árbitro, poderá obter resultados diferentes da mediação. Por último, entre as opções
adjudicatórias, arbitragem, julgados de paz e tribunal judicial, a escolha dependerá, mais
uma vez, das características do caso.
256

Bibliografia

AA. VV., A Introdução da mediação vítima-agressor no ordenamento jurídico português,


Coimbra, Almedina, 2005

Alfaiate, Filipe, A prova em arbitragem: perspectiva de Direito Comparado, in II


Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa,
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271

JURISPRUDÊNCIA

(Os casos citados no texto são indicados por ordem alfabética)

1. Acidente de viação – RP, 8 de Maio de 1995, CJ Tomo III, p. 206

2. Acordo-Quadro – RL, 10 de Fevereiro de 2009, Proc. n.º 3859/2008-7

3. Apresentadora de televisão - STJ, 3 de Maio de 2007, Proc. N.º 06B3359

4. Beira-Mar – RE, 17 de Outubro de 1998, CJ, Tomo IV, p. 292

5. Cláusula penal II – STJ, 10 de Julho de 2008, Proc. n.º 08A698

6. Comissão paritária I – STJ, 24 de Junho de 2006, Proc. n.º 04B2190

7. Dação em pagamento – RL, 30 de Setembro de 2010, Proc. n.º


5961/09.1TVLSB.L1-8

8. Dutco – Acórdão da Cour de Cassation, 7 de Janeiro de 1992, Revue de


l’Arbitrage, 1992 (N.º 3), p. 470-2

9. Eco Swiss contra Benetton - Acórdão do TJCE de 1 de Junho de 1999, Eco


Swiss China Ltd contra Benetton International NV, Proc. C-126/97, CJ 1999, p. I-
03055
272

10. Golfe das Amoreiras – RL, 2 de Outubro de 2006, Proc. n.º 1465/2006-2

11. Indemnização de clientela - RG, 16 de Fevereiro 2005, Proc. n.º 197/05-1

12. Insolvência - RL, 25 de Junho de 2009, Proc. n.º 984/08.0TBRMR.L1-8

13. Mitsubishi - Mitsubushi Motors Corporation v Soler Chrysler-Plymouth, 473


U.S. 614, L. Ed. Ed 444 (1985)

14. Nova Delhi – STJ, 11 de Outubro de 2005, Proc. n.º 05A507

15. Ovarense – RP, 24 de Novembro de 1997, CJ, Tomo V, p. 246

16. PT – STJ, 4 de Outubro de 2005, Proc. n.º 05A2222

17. Royalties – STJ, 23 de Outubro de 2003, Proc. n.º 03B3145

18. Seis árbitros – RP, 3 de Fevereiro de 2009, Proc. n.º 0825802

19. Sementes de Milho - RP, 11 de Janeiro de 2007, Proc. n.º 0636141

20. Teleweb – RL, 18 de Maio de 2004, Proc. n.º 3094/2004-7

21. Trespasse – RL, 5 de Junho de 2007, Proc. n.º 1380/2007-1


273

ÍNDICE

Abreviaturas
Nota sobre jurisprudência

Nota prévia

1. Introdução
1.1. Noção
1.2. Antecedentes
1.3. Em Portugal

2. Negociação
2.1. Noção
2.2. Modelos

3. Mediação
3.1. Noção.
3.2. Pleno domínio das partes e interesses
3.3. A função do advogado na mediação
3.4. O Mediador
3.5. Sistemas de integração
3.6. Fases e técnicas
3.7. Sistemas públicos de mediação
3.8. O Direito da mediação
3.8.1. A convenção de mediação
3.8.2. A mediabilidade
274

3.8.3. Homologação do acordo


3.8.4. Confidencialidade

4. Conciliação
4.1. Noção
4.2.
4.3.

5. Arbitragem
5.1. Noção e natureza jurídica
5.2. Espécies
5.3. Convenção arbitral
5.3.1. Noção e natureza jurídica
5.3.2. Modalidade, em especial a adesão unilateral prévia
5.3.3. Requisitos
5.3.4. Arbitrabilidade
5.4. Efeitos positivo e negativo da convenção de arbitragem
5.5. Constituição do tribunal
5.6. Estatuto do árbitro
5.7. Processo arbitral
5.7.1. A escolha das regras processuais
5.7.2. Alegações das partes
5.7.3. Fase intermédia
5.7.4. Prova
5.7.5. Limites às regras processuais – os princípios fundamentais do
processo justo

5.8. Arbitragens complexas


5.9. Decisão arbitral
5.10. Impugnação da decisão arbitral
5.10.1. Acção de anulação
275

5.10.1.1. Prazo e competência


5.10.1.2. Fundamentos
5.10.2. Recurso
5.10.3. Oposição à execução

6. Julgados de Paz
6.1. Noção
6.2. Princípios
6.3. Competência
6.4. Tramitação processual

7. Critérios de selecção

Bibliografia
Jurisprudência

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