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GEOGRAFIA, EXPERIÊNCIA E IMAGINAÇÃO: EM DIREÇÃO A

UMA EPISTEMOLOGIA GEOGRÁFICA.

DAVID LOWENTHAL

“As mais fascinantes “terras incógnitas” de todas são aquelas que


repousam dentro dos corações e mentes dos homens.” Com essas palavras,
John K. Wright concluiu seu discurso presidencial diante a Associação de
Geógrafos Americanos em 1946. Este paper considera a natureza destas
terras incógnitas, e a relação entre o mundo exterior e as imagens em nossas
mentes.
O GERAL E A VISÃO GEOGRÁFICA DO MUNDO.

Nem o mundo, nem nossas imagens dele são idênticos à geografia.


Alguns aspectos da geografia são recônditos, outros obscuros, ocultos ou
esotéricos; contrariamente, existem muitos aspectos familiares de coisas que a
geografia raramente considera. Mais do que qualquer outra disciplina, contudo,
o objeto de interesse da geografia aproxima o mundo do discurso geral: o
presente palpável, a vida cotidiana do homem na Terra, são raramente
distantes do nosso interesse profissional. “Não há nenhuma ciência” escreveu
um futuro presidente de Harvard, um século e meio atrás, “que vem tão
frequentemente em uso na vida comum.” Essa visão da geografia permaneceu
um lugar comum no pensamento contemporâneo. Mais que a Física ou a
Fisiologia, Psicologia ou Politica, a Geografia observa e analisa aspectos do
meio na escala e nas categorias que geralmente são apreendidas na vida
cotidiana. Por mais que os metodologistas pensem em como a geografia deva
ser, o temperamento de seus praticantes torna-os católicos e multifacetados.
Em seu grupo de interesses e capacidades – concreto e abstrato, acadêmico e
prático, analítico e sintético, interno e externo, histórico e contemporâneo, físico
e social – os geógrafos refletem geralmente o homem. “Este tratamento de
Repolhos e Reis, catedrais e linguística, comércio de petróleo, ou comércio de
ideias” como Peattie escreveu, “faz um congresso de geógrafos mais ou menos
um comitê sobre o universo”.
A curiosidade geográfica é, para ser claro, mais estreitamente focado do
que a da humanidade: é também mais consciente, ordenado, objetivo,
consistente, universal e teorético do que são as perguntas comuns sobre a
natureza das coisas. Como a geografia, contudo, um largo universo de
discursos centra no conhecimento e ideias sobre o homem e o meio; qualquer
um que inspeciona o mundo ao seu redor é, em alguma medida, um geografo.
Como com conceitos especificamente geográficos, o mais compreensivo
mundo de ideias que nós compartilhamos concerne as variáveis formas e
conteúdos da superfície da terra, o passado, o presente e o potencial – “uma
torrente de discurso sobre tabelas, pessoas, moléculas, raios de luz, retinas,
ondas de ar, números primos, aulas infinitas, alegria e tristeza, bem e mal”.
Compreende verdade e erro, fatos concretos e relações obscuras, leis
evidentes e hipóteses ténues, dados desenhados da ciência natural e social, da
história, do senso comum, da intuição e experiência mística. Certas coisas
parecem está agrupadas espacialmente, seriada temporalmente, ou
causalmente relacionada: a hierarquia dos lugares urbanos, a marcha anual da
temperatura, a localização da indústria. Outras características do nosso
universo compartilhado parecem únicas, amorfas, ou caóticas: a população de
um país, uma característica específica de uma região, a forma de uma
montanha.

ASPECTOS UNIVERSALMENTE ACEITOS DA VISÃO DE MUNDO.

Por mais multifacetada que seja sua composição, há um consenso geral


sobre o caráter do mundo e o modo como é ordenado. Explicações de um
fenômeno particular diferem de uma pessoa para outra, mas sem concorrência
básica como para as coisas da natureza, não haveria nem ciência nem senso
comum, concordância, nem discursão. O mais extremo herege não pode
rejeitar a essência de uma visão predominante. “Mesmo a dissidência mais
afiada ainda opera por uma submissão parcial para um consenso existente,”
raciocina Polanyi, “o revolucionário precisa falar em termos que as pessoas
possam entender”.
A maioria do conhecimento público pode, em teoria, ser verificado. Eu
conheço pouco da geografia da Suécia, mas outros são melhores informados;
Se eu estudar por um tempo e duro o bastante, eu posso aprender
aproximadamente o que eles sabem. Eu não posso ler os caracteres nos
jornais chineses, mais não duvido que eles transmitam informação para os
chineses; assumindo que existe um mundo em comum, os caminhos de outras
pessoas para simbolizar o conhecimento precisam ser significativos e
aprendíveis.
O universo do discurso geográfico, em particular, não é confinado aos
geógrafos; é compartilhado por bilhões de amadores ao redor do globo. Alguns
primitivos isolados ainda são ignorantes do mundo lá fora; muitos mais, poucos
sabem para além de seus próprios países e modos de vida; mas a maioria dos
habitantes da terra possuem, ao menos, rudimentos da imagem do mundo
compartilhado. Mesmo pessoas inocentes na ciência tem acesso a elementos
da nossa geografia, tanto inato quanto aprendido: as relações normais entre
imagem e terreno; o cenário distinto de objetos sobre a face da Terra: uma
textura usual, peso, aparência, e estado físico da terra, ar e água; a transição
regular do dia para a noite; a divisão de áreas para indivíduos, família ou grupo.
Além de tais universais, o consenso geográfico tende a ser aditivo,
científico, e cumulativo. Escolas ensinam números crescentes que o mundo é
uma esfera com certos continentes, oceanos, países, pessoas, e modos de
viver e ganhar a vida; o tamanho, formato, e características gerais da terra são
conhecidos por mais e mais pessoas. O horizonte geral da geografia tem
expandido rapidamente. “Até cinco séculos atrás, um sentido primordial ou
regional do espaço dominado por assentamentos humanos por toda parte”;
hoje, a maioria de nós compartilha a concepção de um mundo comum a todos
os experientes.

O CONSENSO GERAL NUNCA COMPLETAMENTE ACEITO.

Toda a humanidade pode no progresso do tempo, como Whittlesey


sugere ter “o sentido de espaço atual ser ou está próximo a mais avançada
fronteira do pensamento.” Mas nenhum, contudo, inclinado a explorar, visitar
frequentemente aquela fronteira, ou tem pesquisado mais do que uma curta
passagem dela. “Os homens primitivos,” de acordo com Boulding, “vivem em
um mundo na qual tem um espaço desconhecido, uma fronteira de medo
povoada por uma imaginação aquecida. Para o homem moderno, o mundo é
uma superfície próxima e completamente explorada. Essa é uma mudança
radical no ponto de vista espacial”. Mas a inovação é superficial; nós somos
ainda provincianos. “Mesmo em terras onde a geografia é parte de um currículo
escolar compulsório, e entre pessoas que possuem informações consideráveis
sobre a Terra,” Whittlesey pontua, “o horizonte do mundo é aceito em teoria e
rejeitado na prática”.
O “medo das incógnitas” ainda está conosco. De fato, “quanto mais a
ilha do conhecimento se expande no mar da ignorância, maior é sua fronteira
para o desconhecido.” As visões do mundo primitivo foram simples e
consistente o bastante para cada participante compartilhar a maior parte de sua
substância. Dentro da sociedade cientifica ocidental, ninguém realmente
compreende mais do que uma pequena fração da publica visão do mundo
teoricamente comunicável. A quantidade de informações que um indivíduo
pode adquirir em um instante, ou em uma vida inteira é finita e minusculamente
comparado com o que o meio apresenta: muitas questões são tão complexas
para descrever, muito menos resolver, em um comprimento de tempo
praticável. Os horizontes do conhecimento estão expandindo tão rápido quanto
qualquer pessoa possa acompanhar. A proliferação de novas ciências estende
nossos poderes de sentir e pensar, mas suas técnicas rigorosas e linguagens
técnicas dificultam a comunicação: o campo comum do conhecimento se torna
uma diminuta fração da reserva total.
Por outro lado, nós tendemos a assumir coisas como sendo
conhecimento comum na qual podem não ser; o que parece para mim uma
perspectiva geral pode ser somente para mim. Os mais dedicados partidários
para um consenso frequentemente enganam suas próprias crenças para um
consenso universal. Para uma grande parte da nossa visão de mundo, nós
temos fé mais no que nos é dito pela ciência. Mas nós podemos ter errado;
como Chisholm pontua, “nós todos somos bastante capazes de acreditar
falsamente a qualquer momento que uma dada proposição é aceita pelos
cientistas do nosso circulo cultural”. Nas nossas impressões da visão de mundo
compartilhada, nós nos assemelhamos a mãe carinhosa que assiste ao desfile
do seu filho atrapalhado, e conclui alegremente, “todo mundo estava fora do
passo a não ser meu Johnnie”.

A VISÃO DE MUNDO NÃO COMPARTILHADA POR ALGUNS.


Os mais fundamentais atributos da nossa compartilhada visão do mundo
estão limitados, além disso, aos adultos sensatos, saudáveis e sensíveis.
Idiotas não podem, adequadamente, conceber o espaço, o tempo, ou a
causalidade. Psicóticos distinguem pobremente entre eles mesmo e o mundo
exterior. Místicos, claustrofóbicos, e aqueles assombrados pelo medo de
espaços abertos (agorafobia) tendem a projetar os seus próprios espaços
corporais como extensões do mundo lá fora; Eles são frequentemente
incapazes de delimitar eles mesmo do resto da natureza. Esquizofrênicos
frequentemente subestimam tamanhos e sobrestimam distancias. Depois de
um dano no cérebro, inválidos falham em organizar seus ambientes ou podem
esquecer locais familiares e símbolos. Prejuízos como afasia, apraxia, e
agnosia cegam suas vítimas das relações espaciais e conexões lógicas
evidenciadas para a maioria. Outros sofredores de alucinações podem
identificar formas mas regularmente alteram o numero, tamanho, e formato
dos objetos (poliopia, dismegalopsia, dismorfopsia), veem eles sempre em
movimento (oscilopsia), ou localizam tudo no mesma distância indefinida
(porropsia).
Uma medida justa da função sensorial é também pré-requisito para a
visão geral do mundo comum. Nenhum objeto aparenta ser muito o que se
sente; a primeira vista, aqueles que nasceram cegos não apenas falham em
reconhecer formas visuais como não veem nenhuma forma em absoluto, salvo
por uma massa giratória de luz colorida. Eles podem ter conhecido objetos pelo
toque, mas não tem nada como a concepção comum de espaço com objetos
em seu interior. Um mundo puramente visual seria também uma abstração
irreal; um concreto e estável sentido de meio depende da sinestesia, visão
combinada com som e toque.
Para ver o mundo mais ou menos como os outros o vem, precisa-se
sobre tudo crescer. O muito jovem, assim como o muito doente, são incapazes
de discernir adequadamente o que são eles próprios e o que não é. Uma
criança bem pequena não é apenas o centro de seu universo, ele é o universo.
Para uma criança mais jovem, tudo no mundo está vivo, criado pelo e para o
homem, e dotado com vontade: o sol o segue, os seus pais construíram as
montanhas, as árvores existem porque elas foram plantadas. Como Piaget
colocou tudo parece ser intencional; “a criança se comporta como se a
natureza fosse carregada com propósito,” e assim sendo consciente. As
nuvens sabem o que elas estão fazendo, porque elas têm um objetivo. “Não é
por causa de a criança acreditar que as coisas são vivas que ela vai considera-
las como obedientes, mas é por causa dela considerar elas como serem
obedientes que ele as considera como vivas.” Perguntada sobre o que alguma
coisa é a criança jovem geralmente diz que é para alguma coisa – “uma
montanha é para escalar” – na qual implica que ela tem sido feita para aquele
propósito.
Incapaz de organizar objetos no espaço, prever lugares fora de vista, ou
generalizar de uma experiência perceptual, crianças jovens são especialmente
geógrafos pobres. Para aprender que existem outras pessoas, que percebem o
mundo de diferentes pontos de vista, e que uma estável visão comunicável das
coisas não pode ser obtida de uma perspectiva somente, leva-se muitos anos.
Animismo e artificialismo cedem apenas gradualmente para perspectivas
mecânicas e explicações. “nenhuma experiência direta pode provar para uma
mente inclinada em direção ao animismo que o sol e as nuvens não são nem
vivo nem consciente”; a criança precisa perceber primeiro que seus pais são
seres superpoderosos que fazem o universo centrado nele mesmo. Piaget
traça o desenvolvimento em crianças da objetividade conceitual e perceptual,
sobre a qual a mais primitiva e provinciana geografia depende. Novamente na
velhice, contudo, a perda progressiva da audição, deficiências da visão, e
outras enfermidades tendem a isola-lo da realidade e criar literalmente uma
segunda infância geográfica.
Diferente como eles são do nosso próprio, os meios percebidos, dizem,
que maioria das crianças de mesma idade (ou de muitos esquizofrênicos, ou de
alguns viciados em drogas) pode assemelhar-se de perto uma da outra. Mas
existe pouco comunicação ou entendimento mutuo de uma característica
conceitual entre as crianças. Não importa quantas características suas imagens
de mundo possam ter em comum, elas não têm qualquer visão compartilhada
das coisas da natureza.

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