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ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE 165

Desafios da comunicação em Unidade


de Terapia Intensiva Neonatal para
profissionais e usuários
Challenges of communication in Neonatal Intensive Care Unit for
professionals and users

Carla Andréa Costa Alves de Campos1, Luciano Bairros da Silva2, Jefferson de Souza Bernardes3,
Andressa Laiany Cavalcante Soares4, Sonia Maria Soares Ferreira5

RESUMO Comunicar notícias com sensibilidade é competência dos profissionais de saúde.


Para analisar falas de profissionais e familiares de internos da Unidade de Terapia Intensiva
Neonatal de um Hospital Universitário, foi realizada pesquisa qualitativa tendo como ins-
trumentos entrevistas e Roda de Conversa, norteados pelo protocolo SPIKES. As categorias
produzidas foram analisadas por meio das Práticas Discursivas e Produção de Sentidos. Os
resultados evidenciaram ambiência desumanizada; sobrecarga de serviço; ausência de local e
falta de treinamento para comunicar notícias e apontam a importância de valorizar a comuni-
cação em saúde para melhorar a qualidade do trabalho e relações interpessoais.

PALAVRAS-CHAVE Comunicação. Notícias. Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.

1 Universidade Federal de ABSTRACT Reporting news sensitively is the responsibility of health professionals. In order to
Alagoas (Ufal) – Maceió
(AL), Brasil. Centro analyze speeches of professionals and family members of patients of the Neonatal Intensive
Universitário Cesmac - Care Unit of a university hospital, qualitative research was conducted with interviews and
Maceió (AL), Brasil.
carla@dcampos.com.br Conversation Wheel as instruments, guided by the SPIKES protocol. The categories produced
2 Centro Universitário
were analyzed by the Discursive Practices and Sense Production. The results showed dehuman-
Cesmac – Maceió (AL), ized ambience; service overload; absence of place and unpreparedness to communicate news and
Brasil. they point out the importance of promoting health communication to improve the quality of
lucianopsico@yahoo.com.br
work and interpersonal relations.
3 Universidade Federal de
Alagoas (Ufal) – Maceió
(AL), Brasil. KEYWORDS Communication. News. Intensive Care Units, Neonatal.
jbernardes.ufal@gmail.com

4 Centro Universitário
Cesmac – Maceió (AL),
Brasil.
andressa.laiany@hotmail.
com

5 Centro Universitário

Cesmac – Maceió (AL),


Brasil. Universidade Federal
de Alagoas (Ufal) - Maceió
(AL), Brasil.
sonia.ferreira@cesmac.
edu.br

DOI: 10.1590/0103-11042017S214 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. ESPECIAL, P. 165-174, JUN 2017
166 CAMPOS, C. A. C. A.; SILVA, L. B.; BERNARDES, J. S.; SOARES, A. L. C.; FERREIRA, S. M. S.

Introdução quanto o paciente quer saber;

Comunicação pode ser compreendida como d) Knowledge – passar o conhecimento,


um conjunto de ações, incluindo compor- compartilhar a informação;
tamentos verbais e não verbais usados nas
relações entre as pessoas. Não se reduz, e) Emphaty – empatia para responder aos
portanto, ao ato de falar simplesmente. sentimentos do paciente;
Comunicação é relação (SILVA, 2012). É a partir
e por meio da relação com o outro que o ser f ) Strategy e summary – estratégia para
humano se torna humano (GUARESCHI, 2007). combinar o planejamento terapêutico do
Com relação à comunicação de notícias paciente.
em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal Não existe regra única para uma comuni-
(Utin), para comunicar bem, exige-se que o cação adequada, tampouco um único modelo
profissional de saúde reconheça a importân- para toda situação. A eficácia do processo
cia desse ato e tenha preparo e sensibilidade, de comunicar má notícia depende da sen-
especialmente quando necessita comunicar sibilidade e flexibilidade para adequar uma
más notícias. Algumas vezes, dispor-se ao técnica profissional para cada circunstância,
lado de uma pessoa, mesmo que em silêncio, dependendo dos contextos cultural, social,
pode comunicar mais que muitas palavras educacional e familiar (SILVA, 2012).
(SILVA, 2012). A comunicação é a palavra-chave Vale lembrar que a comunicação é uma das
na formação de profissionais e nas práticas competências preconizadas nas Diretrizes
de trabalho em equipe, na busca de consen- Curriculares Nacionais do curso de graduação
sos para construção de projetos em prol dos de Medicina no Brasil (BRASIL, 2014). A partir da
usuários (PEDUZZI, 2001). relação entre os sujeitos, há a produção de um
Buckman (1984) sugeriu que a comunicação vínculo, essencial para efetivar a humanização,
de notícias difíceis aos pacientes é uma habi- isto é, um processo de ligação afetiva e ética
lidade, e ‘não um dom divino’, e que pode ser entre profissionais, usuários e gestores, que
ensinada e compreendida por todos, como promove uma convivência de apoio e cuidado
parte vital do trabalho de cuidar dos doentes. mútuos (BRASIL, 2004, 2013).
O mesmo autor e colaboradores propõem O Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), por
um protocolo com seis passos estratégicos, meio da Política Nacional de Humanização
com o objetivo de orientar o profissional da (PNH) e do HumanizaSUS (BRASIL, 2004),
saúde no momento da comunicação, deno- reforça a importância do acolhimento dentro
minando-o protocolo SPIKES, um dos mais das Utins, sendo esse, a ferramenta-chave da
didáticos para comunicar más notícias (BAILE PNH para efetivar a humanização, valori-
ET AL., 2000; BUCKMAN, 2005): zando o vínculo e a aceitação das diferenças
entre os envolvidos, como meio de inclusão
a) Setting – começar adequadamente, pre- social, sem esquecer do cuidado com os pro-
parando o ambiente, como, o que e quem fissionais da saúde, a educação continuada
deve estar presente, ou seja, o início pro- desses profissionais e o apoio dos gestores
priamente dito, incluindo atitudes cordiais que fazem parte do tripé da PNH da saúde:
normais; usuários, profissionais e gestores.
No entanto, são frequentes as dificulda-
b) Perception – percepção do quanto o pa- des vivenciadas pelas equipes de saúde em
ciente sabe sobre sua doença; Unidade de Terapia Intensiva (UTI), como: o
estresse de lidar com a morte e com as famílias,
c) Invitation – convite para descobrir o a escassez de recursos materiais e humanos, a

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falta de união e de comprometimento de alguns assistente social e a psicóloga não atendem


membros, levando a sensações de fracasso, exclusivamente à Utin.
cansaço e desânimo (LEITE; VILA, 2005). Foram convidados a participar da pes-
Tudo o que se transmite ao outro não quisa: profissionais da equipe de saúde da
representa somente informação, mas prin- referida Utin e familiares de recém-nascidos
cipalmente o sentimento que ela consegue internos nesta. Buscou-se a proporcionalida-
mobilizar, especialmente quando se fala de de entre o número de participantes, de leitos
saúde e doença ou de vida e morte. Não há disponíveis e das categorias profissionais.
como fugir, faz parte da vida dar e receber Tendo como base os 10 leitos disponíveis na
notícias boas e difíceis (SILVA, 2012). Utin, aceitaram participar 10 familiares de in-
Apesar das inovações tecnológicas em ternos e 10 profissionais da equipe de saúde,
saúde, a comunicação permanece sendo sendo a quantidade de cada área de atividade
uma ferramenta de trabalho desafiadora e profissional na pesquisa proporcional a quan-
indispensável para os profissionais da área. tidade na equipe, ou seja, como na equipe há
Dessa forma, esta pesquisa teve como objeti- maior número de técnicos de enfermagem,
vo analisar as falas de profissionais de saúde nesta pesquisa, essa categoria também teve
e familiares de internos de uma Utin relati- um número maior de participantes.
vas à produção da comunicação de notícias, Em razão da dificuldade de encontrar horá-
em um Hospital Universitário, na região rios comuns entre os profissionais da equipe da
Nordeste, Brasil. Utin, estes foram convidados individualmente
Diante da relevância e da importância da e levados para ambiente reservado, garantindo
comunicação na Utin, justifica-se analisar o anonimato e o sigilo da participação. Pensou-
como são produzidas as notícias nesse am- se, no início, em realizar Roda de Conversa com
biente, sob a observação das conversas com a equipe multiprofissional, assim como realiza-
a equipe multiprofissional e os familiares de da com os familiares, no entanto, por meio da
neonatos internados, visando à redução do observação participante da pesquisadora, no-
sofrimento de todos os envolvidos. tou-se que seria pouco viável agrupar a equipe
em um único momento.
Foram realizadas 10 entrevistas semies-
Métodos truturadas, com uso de roteiro com per-
guntas norteadoras, construído a partir das
Esta pesquisa qualitativa (MINAYO, 2014), foi etapas presentes no protocolo SPIKES, (BAILE
desenvolvida em uma Utin de um Hospital ET AL., 2000), apresentado na introdução deste
Universitário, da região Nordeste, Brasil. Na artigo e utilizado para auxiliar o profissional
época possuía 10 leitos de internação para de saúde na comunicação de más notícias.
recém-nascidos, frequentemente ocupados, Os 10 familiares que participaram
pois era única Utin pública disponível para acompanhavam pacientes recém-nascidos
partos de risco no estado. A equipe de pro- em diferentes estágios de diagnóstico e
fissionais de saúde exclusiva da Utin estava períodos de internação. Eles foram con-
composta por: 13 médicos pediatras, 10 vidados a uma Roda de Conversa, em am-
médicos residentes de pediatria, 9 enfermei- biente reservado, com 2 horas de duração.
ras, 3 enfermeiras residentes, 22 técnicos de As Rodas de Conversas são ferramentas
enfermagem e 1 fisioterapeuta, distribuídos para abertura à interação social, permitin-
de acordo com a carga horária de cada profis- do aos grupos produzirem novos sentidos
sional em escalas de plantão de 6 ou 12 horas. sobre suas práticas, teorias e crenças (SPINK;
Geralmente o plantão dispunha de 1 médico, MENEGON; MEDRADO, 2014; BERNARDES ET AL., 2015).
1 enfermeira e 3 técnicos de enfermagem. A Para a Roda de Conversa, foi utilizado um

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roteiro com perguntas norteadoras, também cotidiano, em busca dos sentidos produzidos
inspiradas no protocolo SPIKES (BAILE ET a partir daí. Utilizando-se do material trans-
AL., 2000), as quais não precisaram ser feitas, crito, foram produzidos Mapas Dialógicos
pois os participantes dialogaram sobre elas (NASCIMENTO; TAVANTI; PEREIRA, 2014), por meio da
de maneira voluntária e informal durante transcrição integral (SPINK; LIMA, 1999).
a Roda de Conversa. Ao final, foi solicitada A partir dos Mapas Dialógicos, produ-
avaliação do grupo sobre a atividade que ziram-se os Repertórios Linguísticos. Os
participaram. Todas as falas fizeram parte Mapas Dialógicos são instrumentos criados
do material de análise. com o objetivo de garantir a visibilidade da
Roteiro com as perguntas norteadoras organização das informações, permitindo a
para as entrevistas e Roda de Conversa: todo leitor o acompanhamento sistemático
Com relação à primeira letra do proto- e crítico do produto do trabalho de pesquisa
colo SPIKES, o S, correspondente ao termo (SPINK; LIMA, 1999). Os Repertórios Linguísticos
Setting (ambiente): são ferramentas que tentam associar conteú-
Para os profissionais: Você usa ambiente dos a depender dos contextos. Só se entende
adequado para dar notícias? o sentido produzido pela fala quando se
Para os familiares: Qual local do hospital analisa o contexto mais amplo de perguntas,
você é chamado para receber notícias? Você respostas e intervenções (SPINK, 2004). Partindo
considera este local ideal, certo, apropriado? dos Repertórios Linguísticos, foram pro-
Com relação à quinta letra, o E, corres- duzidas as seguintes categorias de análise:
pondente ao termo Emphaty (empatia): Relações entre os profissionais; e Relações
Para os profissionais: Você usa alguma es- entre profissionais e familiares.
tratégia para comunicar notícias? Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
Para os familiares: Com qual profissional Ética em Pesquisa do Centro Universitário
você se considera mais à vontade para tirar Cesmac, sob Parecer nº 981.561, tendo
suas dúvidas? os participantes assinado o Termo de
As entrevistas semiestruturas e a Roda de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Conversa foram gravadas em áudio e pos- antes do início da pesquisa. O anonimato dos
teriormente transcritas na íntegra. Durante participantes foi garantido substituindo-se
a realização da pesquisa, a equipe fez uso os nomes dos profissionais e dos pesquisado-
do Diário de Campo (DIEHL; MARASCHIN; TITTONI, res por flores e os de familiares por pássaros,
2006), que foi produzido para registro das porque essas imagens figurativas remetem a
observações, conversas e acontecimentos. encontros e relações, enfim, a produção de
O Diário de Campo possibilitou perceber o comunicação. Foi utilizada a metáfora pássa-
percurso da equipe de pesquisa, seus cami- ros e flores não simplesmente para manter o
nhos e interações. O olhar atento fez parte sigilo das falas, mas principalmente na ten-
das atividades desenvolvidas e auxiliou o tativa de harmonizar uma temática tensa.
material de análise. Por fim, a escrita do Optou-se por manter as falas e as expressões
Diário foi incorporada ao cotidiano das ati- sem correções gramaticais, para evitar mu-
vidades dos pesquisadores. danças nos sentidos produzidos.
Para a análise das entrevistas e da Roda
de Conversa, foi utilizado o referencial teó-
rico-metodológico das Práticas Discursivas Resultados e discussão
e Produção de Sentidos no Cotidiano (SPINK;
LIMA, 1999; SPINK, 2004), que centra a análise na A análise das falas será apresentada em duas
linguagem em uso. Nesse referencial, parte-se categorias: a primeira trabalha as relações
das formas como os sujeitos falam de seu entre os profissionais de diferentes áreas

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que compõem a equipe de saúde da Utin; na impõe-se ante a falta de treinamento da


segunda, são discutidas as relações produzi- equipe em lidar com a morte. A experiência
das entre os profissionais e os familiares. de luto, quando falece um recém-nascido,
promove nos profissionais a vivência de sen-
Relações entre os profissionais timentos de culpa em situações como essa,
assumindo o luto como fracasso técnico, e
Nessa categoria, foram trabalhadas as falas não como elemento da vida. Em relação a isto,
das relações entre os próprios profissionais. Orquídea (fisioterapeuta) refere: “Sempre
Estes identificaram a fragilidade da sua pre- me sinto mal após dar notícias ruins”.
paração para comunicar notícias e a grande A competência técnica e a prepara-
diferença entre a teoria e a prática na rotina ção da equipe para humanização devem
profissional. ser igualmente valorizadas (KOVÁCS, 2005).
Os profissionais apontaram que foi Humanização essa, que muitas vezes não é
atuando em serviço que se depararam exercida na prática, pela falta de condições
com a necessidade de comunicar notícias, de trabalho necessárias à equipe, que, por
somente então criando estratégias para isso. sua vez, supervaloriza a técnica sobre as
Apresentaram repertório vinculado à falta relações interpessoais. Rosa (residente de
de treinamento para esse trabalho, tanto pediatria) desabafa: “Já deu vontade de ficar
para atuar em equipe como para lidar com longe de dar informações, de se afastar das fa-
situações de luto e morte, o que demonstra a mílias e fazer só o trabalho técnico”.
necessidade de maior cuidado com a equipe Entretanto, as Diretrizes Curriculares
multiprofissional de saúde. Margarida (en- Nacionais do curso de graduação em Medicina
fermeira) queixa-se: “... quando se fala de definem a comunicação como competência
humanizar só se pensa no cliente, mas a nossa profissional, que, por meio de utilização de
equipe é muito sofrida”. Gérbera (psicóloga) linguagem compreensível no processo te-
reclama: “Deveria ter projetos de humaniza- rapêutico, estimula o relato espontâneo da
ção também para a equipe se sentir acolhi- pessoa sob cuidados, tendo em conta os as-
da”. E Orquídea (fisioterapeuta) completa: pectos psicológicos, culturais e contextuais,
“Porque a gente lida com a dor, a gente vê sua história de vida, o ambiente em que vive
muito sofrimento”. e suas relações sociofamiliares, assegurando a
Uma estratégia utilizada pelos trabalha- privacidade e o conforto (BRASIL, 2014).
dores para não entrarem em sofrimento é au- No cotidiano de trabalho das Utins, são
sentando-se da relação com o outro, a fim de frequentes as sensações de desmotivação dos
criar proteção, com atitudes de ataque, frieza, profissionais diante da falta de estrutura e da
insensibilidade e afastamento, mecanização sobrecarga de trabalho, ocasionando uma
do serviço ou coisificação (SILVA, 2012), como série de conflitos, como se refere Papoula
deparou-se Girassol (médica) em sua fala: (médica) ao seu cotidiano: “a sobrecarga de
trabalho é que leva às brigas” e completa:
pedi ao pai para fazer a necropsia antes da morte “Não está na rotina dar notícias e se estivesse
do filho, depois me senti péssima com essa in- não daria pra cumprir porque a sobrecarga de
sensibilidade. Parecia que eu estava lidando com trabalho não permite”. Embora a comunica-
uma caixa. ção de notícias aos pacientes esteja descrita
como competência do profissional médico, a
Jasmim (técnica de enfermagem) assume: equipe opta por não incluir essa competên-
“Eu saio de perto pra não ver dando a notícia”. cia no processo de trabalho, a fim de resguar-
O exercício profissional com a finalida- dar-se e proteger-se de sofrimentos laborais,
de de garantir a vida dos recém-nascidos físicos e emocionais (BRASIL, 2014).

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De acordo com Silva e Queiroz (2011), faz-se flexibilidade da divisão do trabalho. Lírio
necessária a construção de modos de enfren- (assistente social) fala:
tamento aos estressores, como a sobrecarga
de trabalho, a fim de buscar maior entrosa- Especialmente na área de saúde, ela requer um
mento com a equipe, conhecimento das reais trabalho em equipe. Cada profissional com sua
dificuldades do serviço e promover soluções. especificidade dentro da equipe multi tem que
Esses conflitos quase sempre são apresen- se entender como equipe e a questão da inter-
tados em torno de processos de comunica- disciplinaridade, onde entra o saber específico, a
ção, por exemplo, como diz Jasmim (técnica particularidade de cada profissional, onde eu vou
de enfermagem): “Tem pediatras que não ter um limite.
sabem como falar, a forma como se fala, a
forma como se pede, isso interfere muito”.
Somam-se ainda as desigualdades técni- Relações entre profissionais e
cas e socioeconômicas entre as diferentes ca- familiares
tegorias profissionais na Utin, que reforçam
as relações de subordinação, produzindo A respeito das relações entre os profissionais
relações e disputas de poder em um jardim da equipe e os familiares dos internos, houve
pequeno e sem manutenção, como referido repertórios indicando o trabalho na Utin,
por Jasmim (técnica de enfermagem): fortemente centrado nos procedimentos,
com ausência na rotina cotidiana de momen-
Tem pediatras que falam como se tivessem falan- tos para comunicação de notícias e outras
do com a empregada da sua casa. Acham que a relações interpessoais.
gente tá aqui pra obedecê-las e eu sei que a gen- Passar informações é diferente de comu-
te tá aqui pra fazer o melhor pelo paciente, não nicar notícias. Silva (2012) discute a diferença
o que ela quer, o que ela manda. Acham que sua entre dar notícias e comunicá-las, sendo a
opinião tem que ser superior à do outro... primeira, determinada por sua isenção de
comprometimento por parte de quem passa
Essas desigualdades dificultam a comuni- essas notícias, diferindo da segunda, que
cação entre a equipe e, consequentemente, a exige um envolvimento entre aqueles que
relação entre os profissionais, o que também comunicam e os que são comunicados.
interfere na relação com os usuários. Essa categoria foi marcada pela fala dos
O trabalho dos profissionais deriva da familiares pela ausência de orientação e
prática centrada no médico, o que caracteri- acolhimento por parte dos profissionais. Tal
za os trabalhos como diferentes tecnicamen- ausência passa pela falta de orientação, local
te e mais que isso, desiguais na valorização adequado e flexibilidade na organização e
social e econômica (DUARTE; SENA; XAVIER, 2009). rotina do trabalho.
Tulipa (técnica de enfermagem) confirma: Entretanto, também há reconhecimento
por parte dos familiares quando a comu-
[...] só em pensar que vai trabalhar com deter- nicação adequada e a orientação levam ao
minado médico, a cabeça já fica meio aperreada cuidado. Em suma, fica claro nos repertó-
antes de começar, porque ele já chega reclaman- rios utilizados nessa categoria que informar
do, já chega cobrando [...]. é diferente de comunicar. A comunicação
busca sempre a relação com orientação.
Peduzzi (2001) destaca a necessidade dos Sabiá (mãe) fala: “[...] tem umas que têm um
profissionais de saúde de preservarem as relacionamento com a gente, de chegar pra
especificidades de cada trabalho, man- conversar: mãe e aí? Como é que tá?” e Bem-
tendo as diferenças técnicas, porém com te-vi (avó): “[...] tem as pessoas que eu me dou

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muito bem, tem umas que conversa mais, que desconsideram os problemas estruturais e
a gente se sente mais à vontade de perguntar”. de gestão do trabalho, entretanto exigem
A falta do acolhimento leva inseguran- seus direitos de acesso e cuidado em saúde.
ça aos pais (COSTA; KLOCK; LOCKS, 2012). O medo Sabiá (mãe): “Entendo que a senhora trabalha
determina submissão nas relações inter- demais, mas também tem que me entender”.
pessoais na Utin. Como o (a) filho (a) está Outro repertório presente nas falas foi
na incubadora, sob o domínio da equipe de relativo à flexibilidade na organização do
profissionais, as famílias verbalizam tal in- processo de trabalho (DUARTE; SENA; XAVIER,
segurança e medo por meio de sentimentos 2009). Os contatos e as relações de afeto não
de vingança, por exemplo, quando diz Sabiá podem ser construídos seguindo uma série
(mãe): “De repente elas (profissionais) vão ter de rotinas, mas, sim, produzidos no cotidia-
raiva de você e desconta no seu filho”. no das relações intersubjetivas e superan-
Além da insegurança e medo, em função do o esperado ou controlado (FERRAZ; GOMES;
da ausência de orientações, os familiares MISHIMA, 2004). Essas relações também são de-
sentem receio até em tocar seus filhos e não terminadas pelas condições e organizações
se sentem orientados quanto ao que podem de trabalho, o que torna a comunicação em
ou não fazer dentro da Utin. Sabiá (mãe): “Eu saúde mais difícil de ser realizada na prática.
nunca peguei no meu filho”. Segundo Holz e Bianco (2014), convém, na or-
Por isso, orientações são fundamentais ganização do trabalho, considerar as regras
para evitar sofrimentos desnecessários. e adaptá-las às situações sempre singulares.
Em um diálogo da Roda de Conversa, fica Para Trinquet (2010), a gestão coloca-se mais
explícito o quanto pode ser difícil para os como uma arte do que como uma técnica.
pais verem seus filhos na Utin e que alguns Dessa forma, como consequência do
procedimentos simples para os profissionais tópico anterior, a ausência de local adequado
são muito complicados de compreender aos e a falta de treinamento da equipe para co-
olhos dos pais. “[...] elas tavam pocando meu municar notícias, parecem interferir negati-
fio com um tubo!” Falcão (mãe). “Pocando?” vamente nas relações interpessoais, levando
Violeta (autora). “[...] elas tavam trocando o novamente à ausência de cuidados e acolhi-
tubo mulher!” Andorinha (mãe). mentos, por exemplo, quando diz Girassol
Embora não exista uma definição de (médica): “Não existe ambiente adequado
quem deve comunicar as notícias, os fa- para dar notícias”.
miliares só desejam acessibilidade e dis- Há diferença entre passar as informações
ponibilidade de tempo (KOWALSKI ET AL., 2006). e comunicar as notícias. Andorinha (mãe):
Tucano (mãe) revela: “[...] a gente procura “A gente só ouve: é grave!” O descaso leva aos
quem tem mais jeito, não sei se é médico desencontros, gerando conflitos e piorando a
ou enfermeiro”. Embora as Diretrizes relação interpessoal. Violeta (autora): “O foco
Curriculares Nacionais do curso de gra- tá sendo um duelo entre paciente e médico”.
duação em Medicina definam que o pro- Ao ponto de pensarem em agressão física.
fissional médico deva estar preparado Andorinha (mãe): “Eu ia dar na médica”.
para comunicação de notícias, esta com- Os pais podem lidar melhor com a morte
petência não é exclusiva dessa categoria quando ficam satisfeitos com o cuidado pres-
profissional. tado ao seu filho (BROSIG ET AL., 2007), como obser-
Há familiares que compreendem as vou Margarida (enfermeira): “Infelizmente
dificuldades vivenciadas pelos profissio- ela (bebê) faleceu no outro dia, e a família veio
nais na sua difícil rotina laboral, porém me procurar pra agradecer”. Gérbera reflete:
exigem o mínimo de cuidado nas relações “[...] algumas pessoas da equipe fizeram
entre eles. Nesse sentido, os familiares não a diferença...”; e Lírio (assistente social)

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172 CAMPOS, C. A. C. A.; SILVA, L. B.; BERNARDES, J. S.; SOARES, A. L. C.; FERREIRA, S. M. S.

reconhece: “alguns profissionais vão além da sofrimentos produzidos pelo cotidiano de


técnica, procuram ter diálogo”. Felizmente, trabalho em Utin, tanto as dificuldades so-
foram apontados encontros entre os familia- fridas pelos familiares quanto pelos profis-
res e a equipe multiprofissional. sionais da equipe de saúde. Nesse sentido,
qualificar a comunicação, passa pela neces-
sidade de ampliar as relações interpessoais.
Conclusões Torna-se imprescindível a valorização
dos desafios da comunicação de notícias e
Neste trabalho, evidenciou-se a desvaloriza- do aprimoramento das relações entre flores
ção da comunicação de notícias no cotidiano e pássaros naquele jardim. Assim como a
de trabalho em uma Utin pela: ausência de produção do cuidado ao recém-nascido
ambiente adequado e reservado para conver- em Utin centrado na família e na equipe
sas; falta de treinamento da equipe profissio- multiprofissional.
nal para informar aos familiares a evolução
clínica ou escutar suas dúvidas e ansiedades;
não previsão na rotina e nos processos de Colaboradores
trabalho de momentos para acolhimento dos
familiares e da equipe multiprofissional. Carla Andréa Costa Alves de Campos –
Em função disso, foi identificado que os Concepção, planejamento, análise e inter-
profissionais da Utin produziam estratégias pretação dos dados. Elaboração do rascunho
de defesa, distanciamentos e não envol- e revisão crítica do conteúdo. Aprovação da
vimento com os familiares, a fim de evitar versão final do manuscrito.
maiores sofrimentos no trabalho. Os fami- Luciano Bairros Da Silva – Concepção,
liares, por sua vez, vivenciavam sentimen- planejamento, análise e interpretação dos
tos de insegurança, medo e subordinação dados. Elaboração do rascunho e revisão
ante a não disponibilidade dos profissio- crítica do conteúdo. Aprovação da versão
nais para trocas e encontros. As relações final do manuscrito
interpessoais entre profissionais e familia- Jefferson de Souza Bernardes –
res mostraram-se frágeis, direcionadas à Concepção, planejamento, análise e inter-
disputa, e, até mesmo hostis, gerando sofri- pretação dos dados. Elaboração do rascunho
mento para todos os envolvidos. e revisão crítica do conteúdo. Aprovação da
Apontou-se a preocupação com o maior versão final do manuscrito.
investimento de profissionais e familiares Andressa Laiany Cavalcante Soares –
para qualificar a comunicação de notícias, Concepção, planejamento, análise e inter-
a partir de atos de respeito e cuidado com pretação dos dados. Elaboração do rascunho
o outro. Sugere-se criação de estratégias e revisão crítica do conteúdo. Aprovação da
de união e organização dos profissionais versão final do manuscrito.
e familiares, proporcionando: momentos Sonia Maria Soares Ferreira – Concepção,
para reflexão da equipe multiprofissional planejamento, análise e interpretação dos
com os gestores; a escuta das necessidades dados. Elaboração do rascunho e revisão
dos familiares e dos profissionais; e desen- crítica do conteúdo. Aprovação da versão
volvimento de espaços para trabalhar os final do manuscrito. s

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Referências

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livering bad news: application to the patient with can- Estudo, Maringá, v. 11, n. 2, p. 407-415, 2006.
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DUARTE, E. D.; SENA, R. R.; XAVIER, C. C. Processo
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Recebido para publicação em agosto de 2016
Versão final em março de 2017
Conflito de interesses: inexistente
SPINK, M. J.; MENEGON, V. M.; MEDRADO, B.
Suporte financeiro: a pesquisa recebeu financiamento por meio de
Oficinas como estratégia de pesquisa: articulações bolsa do Programa PSIC de iniciação científica
teórico-metodológicas e aplicações ético-políticas.

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