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PEDRO PINOTE
O
REINO DA FLORESTA
QUE SECOU
RAYOM RA

SÉRIE HISTÓRIAS MÁGICAS

* PEDRO PINOTE

* O REINO DA FLORESTA QUE SECOU

* O VELOCINO

[ DIREITOS AUTORAIS 75.012 ]

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PEDRO PINOTE E O REINO DA FLORESTA QUE SECOU

CAPÍTULO I

CONVERSA FRANCA

As aulas haviam reiniciado. A rua, durante o dia, ficava mais tranquila


porque a meninada não se reunia como em férias. Assim, nas manhãs,
somente por acaso um e outro se encontravam. Mas não demoravam e logo
se despediam, porque os deveres escolares os chamavam, ou suas próprias
mães. Às tardes, as mesmas coisas, pois estudando em turnos diferentes
somente se reuniam em maior número pelo começo da noite, defronte à casa
de Dino, debaixo do poste de luz.

Nesta primeira semana eles achavam distrações no ambiente escolar, em


meio ainda a uma atmosfera de reencontro, e quase se esqueciam das
peripécias aprontadas nas férias. Assim, qualquer tropeço, escorregão ou
casual trombada, acontecidos nos intervalos das aulas, nos recreios, nas
saídas ou chegadas à escola, transformavam-se em grandes motivos de
risos e deboches. Um simples desafio de habilidade pessoal ou exibição de
força acabava virando atração. Isto, sem dúvida, os fazia esquecer os dias
de férias, pelo menos momentaneamente.

Às noites suas reuniões acabavam sendo de certo modo repetições do que


acontecia durante o dia, pois o contágio daquelas brincadeiras voltava com
eles e só falavam da escola.

Mas veio o sábado; com ele a necessidade de algo fazerem para não
ficarem ociosos. Uma coisa difícil de explicar os atraiu para os lados da casa
velha, a todos os oito, e ao contemplarem o palco vazio e os bancos de
madeira sob o sol, sobreveio-lhes estranha vontade de ali sentar-se. E mais:
desejavam sentir novamente a emoção da espera, de ouvir a agradável e
harmoniosa voz de Leal, o contador de histórias. Um olhou para o outro e
cada olhar foi uma condenação: tinham abandonado os três amigos que tão
longe os haviam levado. Naquela semana sequer haviam falado deles – dos
três heróis – feito um único comentário! Seria possível uma reconciliação?

De repente, Esmeralda aparece pelo pátio, saindo da casa, notando-os ali,


parados, com caras de quem olha para o nada e pensa estar vendo alguma
coisa. Vem-lhes ao encontro sorrindo, fazendo brilhar os olhos verdes. Os
meninos notaram, pela primeira vez, que ela de perto era muito mais bonita.
Ainda mais com aqueles cabelos loiros enfeitados de pequenas tranças por
sobre a cabeça. Antes a tinham somente visto a certa distância, no palco,
junto ao tio, a representar com bonecos. Mas apesar desta admiração,
pretenderam ir saindo de mansinho, envergonhados de terem sido
surpreendidos, justamente ali.
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- Bom dia! Vocês desejam alguma coisa? Que voz bonita, que dentes
brancos, que pele lisa e clara!
- Bem..., é que, nós. Não, nada não! - respondeu Edu, bastante corado.
- Não?
- Não! - reafirmou Jorge.
- Querem entrar e falar com meu tio? Ele está lá dentro com meu pai, lendo
jornal.
- Pra que incomodar, né? - reafirmou Tião, coçando a cabeça.
- É... Deixe pra outra vez - reconfirmou Dino.
- Não incomoda nada, ele gosta de crianças. Pronto, ela precisava dizer
aquilo! O entusiasmo imediatamente esfriou e ficaram mais ainda sem graça.
- Vamos, entrem! - insistiu com carinho. Eles se entreolharam com jeito de
quem é novo num lugar e não sabe como proceder ou onde enfiar as mãos.
Mas não tendo como escapar do convite, foram entrando, um a um,
parecendo passar pelo interior de um corredor polonês.
- Esperem um momento, eu vou chamar titio - disse ela saindo. Eles
respiraram meio aliviados. Magriça aproveitou e foi logo se sentando num
dos bancos, dizendo:
- Quem diria a gente ia se sentir assim, neste lugar que já foi nosso!
- É mesmo, a gente até parece estar com medo do seu Leal - completou
Dino.
- Já pensaram se, ao invés do seu Leal, fosse um daqueles camaradas da
polícia que morasse aqui? - imaginou inconvenientemente Tião.
- Qual? - perguntou Magriça como se realmente não lembrasse.
- Aquele que dona Cinira mandou chamar pra prender a gente! - relembrou
Tião dando especial entonação às palavras.
- Ih, Tião! Não venha de novo inventar histórias, ainda mais de coisas que
nunca aconteceram. Veja se cala esta boca! - repreendeu-o Zecão. Tião riu.
Leal surgiu detrás do palco, saudando-os:
- Ora, que prazer, bom dia amigos! – Mediante a saudação e cativante
sorriso, os meninos responderam quase ao mesmo tempo – vejo que não me
esqueceram. Vieram me visitar ou solicitar algo?
- Bem..., nós... - gaguejou Jorge.
- Visitar! - socorreu-o Tião.
- Que ótimo, não querem entrar?
- Não, não senhor, obrigado! - respondeu Magriça excitado, lembrando
ainda da caveira.
- Então vamos nos sentar aqui mesmo e conversar, o sol está gostoso.
Sentaram-se todos junto a Magriça se apertando num só banco, tomando-o
por inteiro. Leal sentou-se dois bancos adiante voltado para eles. Sob o sol,
seus cabelos brilhavam muito e os meninos notaram isto.
- Então, gostaram das aventuras do Pedro Pinote?
- Eu gostei mais do Cabelos de Ouro - respondeu Japonês. Leal riu
gostosamente.
- Seu Leal, o senhor já foi palhaço? - perguntou de supetão Dino, levando
por isso uma cotovelada de Zecão, soltando um ai...! Leal não se
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surpreendeu com a pergunta e foi respondendo com habitual tranquilidade e


sorriso franco:
- Palhaço de viver fazendo sempre espetáculos eu realmente nunca fui,
porém em algumas ocasiões, em emergências, foi preciso que me fizesse
palhaço. Conforme já lhes disse, o que eu fazia, sem dúvida, eram
representações de peças com bonecos ou atores. Mas no fundo, prestando
um pouco de atenção em tudo, a gente acaba vendo que tanto palhaços,
atores ou bonecos, acabam fazendo as mesmas coisas.
Os meninos não entenderam muito bem o que Leal dizia e começaram a se
remexer no banco.
- E o senhor era engraçado? - perguntou desta vez, Japonês, tomando-se
de coragem.
- Bem, as crianças e os adultos riam muito com as coisas que eu fazia, por
isto eu creio que era engraçado.
- O senhor andava naquele carro velho que se desmancha todo? - foi a vez
de Tião.
- Andava, ele fazia tchuc-tchuc, tchuc-tchuc, soltando fumaça por todos os
lados, espirrando água ou se explodindo. Os meninos já riam e se
descontraíam completamente.
- Andava em cima de elefantes? - a pergunta agora era de Jorge.
- Andei somente uma vez. A moça que deveria fazer o número ficou doente,
então nós tivemos de improvisar um passageiro, e este acabou sendo eu.
- O elefante era brabo? - voltou a perguntar Japonês, bastante curioso.
- Não, não, era mansinho. Ele comia amendoins, balas ou qualquer outra
coisa de que gostasse de nossas mãos. Era muito amigo.
- Tinha leão, gorila, urso e onça? - quis saber Tião, falando rapidamente,
quase atropelando as palavras.
- Ei, calma lá! – respondeu rindo – os circos em que trabalhei não eram
assim tão ricos que pudessem ter tantos animais ao mesmo tempo. Em
certos espetáculos tínhamos um ou outro bicho, mas não tantos! Afinal,
somente companhias ricas e estrangeiras podem ter um zoológico assim, de
uma só vez. Para fazer graça, na ausência de bichos, de vez em quando a
gente se fantasiava deles e fingia que eram verdadeiros.
- O senhor viu um leão comer alguém? - perguntou Dino.
- Comer, não, mas causar danos, sim. O povo sempre desobedece às
ordens e chega muito perto das jaulas. Há pessoas que enfiam a mão lá
dentro para alisar os bichos e aí as coisas acontecem.
- E quando eles fogem, não atacam as pessoas? - a pergunta veio de
Antonio Carlos.
- Durante o tempo em que viajei com circos, jamais um animal fugido da
jaula atacou uma pessoa. Eles eram muito bem alimentados e somente
atacariam se estivessem famintos ou fossem provocados. Escaparam
pouquíssimas vezes, mas eram logo recapturados, sem muitos problemas.
- O seu circo pegou fogo alguma vez? - Magriça quis saber.
- Fogo? - repetiu Leal.
- É, de morrer gente, de sair todo mundo gritando, como passa no cinema e
na televisão - Magriça confirmava a sua estranha curiosidade.
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- Meu filho, estas coisas horríveis raramente acontecem. Perigo de incêndio


há em qualquer lugar. Em circos, todos ficam muito atentos e mal um
princípio de fogo começa eles correm para apagá-lo.
- Faz tempo que não aparece um circo por aqui. Estou com saudade. - o
lamento foi de Dino.
- Mas temos um teatro, não está com saudade também?
- Estou, puxa se estou! Foi a melhor coisa que Leal escutou ali. Pareceu
tornar-se então como um deles, um menino. E perguntou quase
entusiasmado:
- E os outros, estão também com saudade?
- Estamos!
- Tamos!
- Estou sim!
- Cabelos de Ouro e seus amigos devem estar alegres com isso.
- E pode? - surpreendeu-se Tião.
- Mas claro que sim! Será que vocês não sabiam que eles já os conhecem e
começam a morar em seus pensamentos?
- Essa não! - exclamou Jorge.
- Essa sim – reafirmou Leal – eles viviam em seus próprios mundos,
amando a tudo e a todos. Mas ao conhecê-los de perto passaram a amá-los
especialmente. E como vocês também os amam, esta união irá ficando cada
dia mais forte.
- Mas..., mas..., eles nunca conversaram com a gente - Edu estava confuso.
- Conversaram, sim senhor, e vocês os escutaram.
- Como? - perguntou Jorge.
- No lado de lá sempre que pensavam neles. No lado de cá, de vez em
quando.
- Chi, seu Leal, o senhor está deixando a gente encucado. Será que o
senhor podia trocar tudo isto em miúdos? - sugeriu Tião, coçando a cabeça.
- Ainda não, queridos, mas pensem a respeito disto e continuem a prestar
atenção nas aventuras destes três personagens. E que tal fazermos uma
nova apresentação amanhã à tarde, se não chover, naturalmente?
- Boa! - aplaudiu Zecão, logo se envergonhando.
- Viva!
- Eu topo!
- Então ficamos combinados. Espalhem a notícia. Às três da tarde iremos
narrar outra aventura de Pedro Pinote ou Cabelos de Ouro e seus amigos.

CAPÍTULO II

UMA VOLTA E MEIA

Não chovera pela madrugada embora o dia acordasse com o céu nublado.
Perto das onze o sol surgiu meio espremido pelas nuvens escuras, mas,
indeciso, desaparecera. Mais adiante surgiu de novo; a princípio ainda
preguiçoso, porém logo se decidindo a permanecer. A partir daí, o otimismo
da criançada se transformou, pois torciam para que não chovesse.
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O Teatro Jornada do Amanhã voltava a ficar lotado. Muitos rostos


desconhecidos figuravam agora na platéia. Leal notou isso com satisfação
tão logo surgiu no palco. Sem outras referências, além do tradicional:
"senhoras e senhores muito boa tarde, tenho o prazer de apresentar...", foi
iniciando a narrativa do novo episódio:
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Curado daquela tristeza que o levara a adoecer, Pedro Pinote voltava a viver
como sempre. Seus pais aceitaram Teovaldo e Petisco, julgando com isso
que estariam contribuindo com sua cura. O menino não quis fazer a menor
referência sobre o que lhe sucedera; guardava segredo a respeito de seus
novos amigos, do disco de ouro e das aventuras fantásticas que
experimentara.

Um problema surgira: como manter escondido o disco de ouro com estojo


e cinto? Não poderia andar com eles por aí; arriscando-se a esquecê-los no
banheiro após o banho, ou no quarto ao trocar de roupas. Poderiam também
vê-los acidentalmente de mil maneiras, ou senti-los num abraço. Que fazer,
então?
- Compre um cofre, Pinote, guarde-os lá. Feche o cofre com cadeado e
traga a chave no pescoço - sugeriu Teovaldo.
- É mesmo, Teovaldo, eu não tinha pensado nisto. É uma excelente ideia!
- Currupáco!

O menino pediu aos pais o cofre. Eles estranharam tal pedido e quiseram
saber tudo direitinho. Ele se embaraçou: disse-lhes desejar guardar coisas
que não queria que fossem vistas.
- Que coisas, Pedro?
- Coisas minhas, já disse. Não quero que ninguém as veja ou pegue!
- Nem seu pai ou sua mãe?
- Ih, mãe, não complique. São coisas minhas e de mais ninguém, só
interessam a mim. Será que não tenho o direito de guardar minhas coisas?

Sua mãe não se convenceu, nem o pai. Mas resolveram consentir, afinal
poderia ser somente um capricho de menino.
- Ah, finalmente vou retirá-los debaixo do colchão! - disse a Teovaldo no
quarto onde dormia com seus amigos.

O cofre era pequeno, daria para deixá-lo sobre a mesa; era bom e forte.
Tinha um disco de segredo, mas nada de cadeado. Pedro não ficou satisfeito
e o levou a um ferreiro. Mandou que soldasse duas hastes: uma na porta e
outra na lateral. Desta forma poderia colocar um cadeado e assegurar-se de
que ninguém o abriria, mesmo que descobrissem o segredo. O trabalho foi
feito e Pedro ficou satisfeito. A partir dai passou a andar com a chave
dependurada no pescoço, mas resolvera guardar o cofre debaixo da cama.
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Passada quase uma semana Pedro estava inquieto. Não lhe faltara trabalho
naqueles dias. Por causa de sua doença fora obrigado a estudar muito, a
colocar as matérias em dia e a fazer dois trabalhos de pesquisa: um de
história e outro de ciências. Com todas estas ocupações durante o dia não
pudera mesmo sequer pensar sobre aquela viagem mágica. Às noites, antes
de dormir, sentava-se à beira do leito para trocar algumas palavras com
Teovaldo. Mas logo o cansaço o dominava e se jogava de cabeça no
travesseiro, dormindo.

Mas chegou o sábado. Pelas oito da manhã ele pulou da cama satisfeito,
cheio de vigor, esfregando as mãos, indo para os lados de Teovaldo.
- É hoje, Teovaldo, vamos viajar de novo! Já estava começando a ficar
nervoso de tanto estudar, a semana não queria acabar nunca!
- Currupáco! - exclamou o papagaio meio desanimado.
- Que foi? Não está satisfeito com a ideia?
- Currupáco! - continuou a exclamar.
- Vamos, ânimo! Será que prefere ficar aqui, neste quarto, enquanto Petisco
e eu conhecemos coisas novas e fascinantes?
- Não sei... , não sei - o desânimo era agora evidente.
- Não sabe o quê?
- Não sei se vou. Estou muito bem aqui com as penas de minhas asas e de
meu rabo. Daquela vez quase perdi tudo, currupáco!
- Não exagere, Teovaldo, foram só uns sustinhos à toa. Não deram nem pra
meter medo ou será que deram?
- Medo, medo, não. Mas um pouco de receio deram sim. Se a gente vai se
meter com coisas que não nos dizem respeito, podemos acabar muito mal.
- Coisas que não nos dizem respeito? Ora, seu papagaio acomodado. Como
é que não nos dizem respeito? Então não se lembra do que nos disse Servo-
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- Lembro, sim, daquele baixinho prosa, lembro-me muito bem!
- Então será que não valeram à pena os riscos porque passamos para
sabermos que os minerais têm vida, alma e energia? Que as almas e os
corpos de uns avançam e se enchem de beleza enquanto outros se atrasam?
E tudo o que vimos com nossos próprios olhos? Estas coisas não lhe
ensinaram nada?
- Bem, ensinar, ensinaram, mas...
- Mas o quê?
- Não me convenceram, currupáco!
- Ora, assim é demais.

Pedro saiu resmungando e foi ao banheiro. Após o café procurou Petisco


falando-lhe ao ouvido. O cãozinho latiu satisfeito, abanou o rabo e ficou em
expectativa. Pedro entrou novamente dizendo a sua mãe que sairia a passear
com Petisco, talvez demorasse, mas que ela não ficasse preocupada. Ela,
atarefada na arrumação da casa, nem ligou muito ao que lhe foi dito, fazendo
breve aceno de cabeça.
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Tendo Pedro colocado o cinto saíram ambos, ele e o cão, atravessando a


rua, tomando o rumo da mata que muito bem conheciam. Quando
começavam a embrenhar-se ouviram atrás um ruído, voltando-se.
- Ei, vocês não podem sair assim sem me avisar! – protestou irritado
Teovaldo, vindo pousar no ombro do menino.
- Ué, você não disse que não queria ir?
- Eu não disse isso, não senhor, eu disse que não sabia!
- E agora, você já sabe?
- Sei!
- Então?
- Então, o quê?
- Vem ou não vem?
- Que pergunta!
- Arre! Eu acho que ele disse sim, não foi, Petisco? O cãozinho somente
latiu.

Os três se aprofundaram pela mata. Em certo local pararam debaixo de uma


árvore, certificando-se de que não havia ninguém pelos arredores.
- E pra onde você pretende ir, Pinote? – perguntou o papagaio.
- Bem, eu estive fazendo um trabalho esta semana na escola, sobre a flora,
e achei que gostaria de conhecer um pouco mais sobre o reino vegetal do
lado de lá. Que acham?
- Pra mim está bem – disse Teovaldo. Petisco latiu novamente.

Pedro ficou satisfeito e voltou-se para o nascente; puxou a camisa xadrez


para fora das calças, abriu o estojo e retirou o disco de ouro. Teovaldo como
já estivesse sobre seu ombro direito assim permaneceu. Pedro arcou-se
trazendo Petisco para debaixo de seu braço, apertando-o suavemente contra
o corpo e colou o disco pouco acima do umbigo, pronunciando:
- Senhor do Espaço eu quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar; me
leve pro Reino da Floresta!

O disco de ouro rebrilhou como um sol de muitas cores. Em três segundos


eles desapareciam de sob a árvore e da vista de todas as coisas. E neste
redemoinho em que mergulhavam, Pedro pôde ainda ver num relance que
seu relógio marcava exatamente nove horas!
- Pronto, chegamos!
- Ué, que lugar feio! – reclamou Teovaldo.
- Não tem planta viva alguma! – observou Petisco, que deste lado podia
falar.
- É mesmo, só vejo galhos e troncos secos. Até parece que um incêndio
aconteceu por aqui! – admirou-se o menino, que deste lado chamava-se
Cabelos de Ouro.

Realmente, a visão que os três tinham não era nada animadora: uma
floresta inteira a perder de vista, transformada em milhares e milhares de
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esqueletos. Não havia uma plantinha sequer que fosse verde, nem uma
minúscula folha, nem um capinzinho: estava tudo seco!

Cabelos de Ouro colocou Petisco no chão e resolveu caminhar um pouco.


Mas o panorama em nada mudava; a desolação era total.
- Não vejo nada vivo, Cabelos de Ouro – afirmou Teovaldo.
- Nem eu! – confirmou Petisco.
- Eu também não, amigos. Creio que deveríamos sair daqui e procurar outro
lugar.

Neste momento Petisco começou a latir, se metendo por entre uns galhos e
desaparecendo.
- Petisco, volte aqui! – o menino chamou-o, preocupado.
- Lá adiante, Cabelos de Ouro, ele está farejando algo. Acho que descobriu
alguma coisa!

O menino saiu atrás do cão, se enfiando também por debaixo de galhos


secos. Teovaldo se encolhia sobre o seu ombro meio desequilibrado, batia
as asas e reclamava:
- Cuidado, cuidado, currupáco!

Cabelos de Ouro finalmente alcançou Petisco e se arcou para examinar o


que havia detrás de um tronco.
- Oh, um anão! – exclamou surpreso, ajoelhando-se diante dele.
- Outro? – reclamou Teovaldo.
- Mas este é diferente – explicou Petisco.

De fato era um ser diferente daquele que haviam encontrado noutra


jornada, no Reino das Pedras, e que se chamava Servo-38. Este se vestia
como uma pessoa comum, embora com pessoais detalhes. Usava calças
justas azuis, que as enfiava nas botas marrons à altura das canelas. A
camisa de mangas inexistentes, esfiapadas aos ombros, era amarela. Tinha
na cabeça um gorro vermelho com uma pequena bola na comprida ponta
que se dobrava para baixo. Estava ali, sentado junto aquele tronco seco,
com braços envolvendo as pernas encolhidas e rosto apoiado sobre os
joelhos.
- Ei, amigo, como se chama? – perguntou o menino. O ser nem se mexeu,
ficando como estava.
- Quem é você? – insistiu.
- Sou um gnomo, rapaz, não está vendo? – finalmente respondeu com voz
abafada e rosto ainda escondido.
- Um gnomo? – repetiu interrogativamente Teovaldo.
- Um gnomo? – Cabelos de Ouro também se surpreendeu.
- É..., um gnomo, sim, que coisa! Vão embora, deixem-me em paz! –
respondeu zangado.
- Mas por que está assim? – perguntou Teovaldo.
- Porque sim!
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- Mas o que houve? – voltou a insistir Cabelos de Ouro.


- Que houve? Então vocês não estão vendo, ora essa! – continuou zangado,
levantando a cabeça pela primeira vez. Os três puderam então observar-lhe a
fisionomia. Seus olhos, a barba inteira e sobrancelhas eram negros. A testa
era vincada e as orelhas muito grandes para o seu tamanho.
- Você diz..., da floresta? – Petisco perguntou desta vez
- É..., da floresta, de tudo isto que virou em nada! – respondeu ainda com
zanga. Ele se levantou diante de Cabelos de Ouro; sua altura seria de pouco
mais de um metro.
- Como isto aconteceu? – insistiu Cabelos de Ouro.
- Aconteceu, acontecendo. Foi secando, secando e pronto! – respondeu
rispidamente, batendo as mãos contra as coxas.
- E quando tudo isso ficou seco? – Teovaldo perguntou.
- Quando eu não sei. Somente sei que aqui não se trabalha mais!
- E tinha gente que trabalhava aqui?
- Claro que tinha, menino bobo! Não lhe disse que sou um gnomo? Os
gnomos são responsáveis pela conservação da forma e vida de todas as
plantas!
- São??
- Claro que somos! Trabalhamos dia e noite, aqui, ali e acolá; não somos
preguiçosos, não! E esta floresta era linda, cheia de árvores frondosas e
frutíferas, com trepadeiras esparramadas, flores coloridas por todos os
lados. Os pássaros cantavam, os animais corriam e pulavam, os córregos
murmuravam. As ondinas bailavam, os silfos se embalavam sobre a aura
perfumada das árvores. Tudo era beleza, tudo!
- Oh!
- Currupáco!
- Au, au! Silêncio, porém logo Teovaldo voltou a perguntar:
- Que são ondinas e silfos?
- São vidas que habitam as águas e o ar, ora essa. E nós agora não temos
mais nada pra fazer e ficamos por aí – mostrou com braço direito estendido
e mão aberta, fazendo movimento adiante, da esquerda para a direita.
- Mas por que você não se muda para outra floresta? – perguntou Teovaldo.
- Ora por quê? Porque não posso, gnomos precisam ficar até o fim!

- Dim-dom, dim-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom,


dim-dom! Dim-dom, dim-dom!

Uma espécie de canto muito bem entoado penetrou agudamente os seus


ouvidos.
- Ei, que é isso? – espantou-se Cabelos de Ouro, se levantando e
procurando.
- É alguém cantando! – afirmou Teovaldo.

- Dim-dom, dim-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom,


dim-dom! Dim-dom, dim-dom!
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O canto se repetia agora mais próximo.


- Ele está vindo, Cabelos de Ouro! – gritou nervosamente Petisco.
- Mas de onde? O canto parece surgir de todos os lados ao mesmo tempo!

De repente: “craac!”, o estalido de um galho, e eles puderam perceber uma


direção.
- Ali, Cabelos de Ouro, um vulto negro, currupáco! – gritou assustado
Teovaldo, batendo as asas.
- Cuidado, ele está vindo, au, au!

- Dim-dom, dim-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom,


dim-dom! Dim-dom, dim-dom!

Eles agora o viam de perto, parado à sua frente.


- É um velho todo de preto! – gritou Teovaldo.
- E como uma bengala na mão! - surpreendeu-se Petisco.
- Não é bengala, Petisco, é um cajado – corrigiu-o Cabelos de Ouro.

O velho sorria-lhes estranhamente. Estranha também era sua veste negra:


uma túnica larga, brilhosa, toda pregueada, e um capuz. As mangas da
túnica eram justas até o início dos antebraços, alargando-se dai para diante.
Calçava sandálias trançadas, também negras. O cajado no qual se apoiava
era ligeiramente sinuoso, tendo encravadas na coroa sete pedras verdes que
a contornavam. Ele era bastante alto, de olhos verdes como as pedras.
Embora fosse muito velho e de cabelos brancos, sorria como um jovem.
Quando começou a falar, surpreendeu a todos com uma voz musicada:

Eu venho saudar-vos, oh vós que chegais,


Aqui neste reino sem vida e sem luz,
Eu venho cantando pra vós que aqui estais,
De negro vestido, cajado e capuz.

Do reino não sois e assim logo vejo,


Nem a mim conheceis vejo isto também,
E se posso adivinho: existe um desejo,
O meu nome saber por que sou um alguém.

- Chi..., ele fala em verso. Cada um que me aparece! - reclamou Teovaldo.


- Sim senhor..., eu quero dizer, nós queremos saber quem é - respondeu o
menino.

Sou o mago do tempo cá deste reinado,


Que o verde não tem porque vida esgotou,
Vivo há milênios no lado encantado,
Sou velho, sou jovem, me chamam Armou.
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- Mas como o senhor pode viver tanto tempo aqui, onde não existe nada?
O gnomo nos disse que ele não pode mais trabalhar porque tudo morreu!

Estou lá, estou cá, daqui nada me afeta,


E do ar me alimento e mais d'água e do vento,
A agir, eis, porém, a vontade me alerta,
Pois outros precisam colher seu sustento.

Algo terrível um alguém construiu,


Com mal na cabeça, no corpo, na mão,
E com malquerença ao calor consumiu,
Da vida, da terra, das seivas, do chão.

As plantas secaram, secou toda terra,


A água que tinha em vapor se desfez,
E a vida que em corpos se guarda e se encerra,
Das aves, dos bichos, se foi de uma vez.

Voaram, andaram, correram depressa,


Abrigos, refúgios e coisas buscaram,
Deixando-me a mim; solitário e sem pressa,
E gnomos, coitados, que a terra encantaram.

- Ué, como é que o senhor sendo tão poderoso nada fez para impedir isto? -
interferiu Teovaldo.
- É..., por quê? - ajudou-o Petisco.

Poder que carrego no tempo resumo,


E nele registro o que vejo e alcanço,
As eras eu vejo pra's almas dou rumo,
No agora sou sempre, e em passado me lanço.

Na estrada do tempo é que posso rolar,


Atuar cá nos reinos não posso fazer,
É minha tarefa aos espaços olhar,
E de coisas diversas só posso dizer.

Porém, quero agir a vontade me enceta,


Por isso procuro o herói que me ajude,
Que parta, que busque e se lance na meta,
Que faça e resolva o que aquilo eu não pude.

- Já vi tudo, vai sobrar pra nós. Já estava demorando! - reclamou Teovaldo.


- Mas como alguém pode ajudar? O que poderá fazer? - perguntou Cabelos
de Ouro.

Possua este herói muita força e coragem,


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Tenh' alma bondosa e vontade tenaz,


Disposto ele busque onde tantos não podem,
Que saiba partir dando voltas pra traz.

Por isso viajante que ao ver-te chegando,


Com aura dourada disposto a rasgar,
Da vida mistérios eu vim caminhando,
Alegre, cantante, para em ti confiar.

- Em mim confiar?
- Não falei? Eu sabia, currupáco!

O mago prosseguiu, falando agora para todos:

E quão vosso é o direito de aqui recusar-vos,


De nada fazerdes não sois obrigados,
E de vós não direi nada posso acusar-vos,
Se assim vão ficar tal floresta e reinado.

Cabelos de Ouro começou então a pensar. Que pena, bem que tudo podia
estar como antes. Mas nada. Tudo aqui é morte, até parece um cemitério! Ele
baixou a cabeça e encontrou o rosto sisudo do gnomo que o olhava com
expressão interrogativa. Voltou-se de novo para Armou e encontrou-lhe o
mesmo sorriso. O mago aguardava como o próprio tempo.

- Bem que eu gostaria de ajudar com meus amigos, mas o que poderíamos
fazer senhor Armou?

Nada sei vos dizer do que ides fazer,


Nem vos posso prever do que hão de passar
Que é certo, porém, mil perigos haver,
E coisas terríveis caminhos fechar.

- Seja o que for estou agora disposto. Levarei meus valentes amigos
Teovaldo e Petisco! – Cabelos de Ouro finalmente se decidia.
- Currupáco... – fez Teovaldo, desanimado.
- Au, au! – fez Petisco mais ativo.
- Além do mais, continuou o menino, levo comigo o disco de ouro que
haverá de nos transportar à salvo.

O disco que pode a lugares levar-vos,


E de volta trazer-vos à salvo também,
Aviso, entretanto, não vai transportar-vos,
Pois neste lugar tal efeito não tem.

- Não tem?
- Estamos fritos, currupáco!
14

- Como então? Que lugar é este, onde fica?

Lugar que vos falo pertence ao passado,


Na mente, no tempo tereis de viajar,
Por isso que o disco de brilho dourado,
Não pode ao presente fazer-vos voltar.

Que para a jornada vos seja possível,


Bem antes da porta vós tendes d’estar,
E aquela que roda uma roda no incrível,
Menino, resposta, tu tens de lhe dar!

Cabelos de Ouro coçou a cabeça em dúvida. Mas como tinha dado a sua
palavra, confirmou-a:
- Está bem, eu tentarei, eu e meus companheiros!

A vós um alerta é preciso fazer-vos,


Pensai, refleti, e guardado há de estar,
Resposta agradando e puderdes meter-vos,
Depois de repente quiserdes escapar.

Meu nome gritando onde esteja hei de ouvir,


Perigo enfrentando ou com medo, talvez,
Farei num relance a vós todos sumir
Mas uma somente e somente uma vez!

Porém a missão sendo aqui interrompida,


A ninguém permitido será lá voltar,
Esperança aos reinos pra sempre é perdida,
Jamais novamente se pode tentar.

- Chi... Cabelos de Ouro, no que fomos nos meter! – reclamou Teovaldo.


- Se sairmos de lá antes do tempo tudo estará perdido! – lamentou Petisco.
- Que missão difícil, amigos. Ainda nem a começamos e tudo parece já
estar contra nós. O disco de ouro não nos servirá; teremos de responder
perguntas para atravessar a porta do tempo; e agora esta última. É um
grande desafio, mas vou aceitar. Alguém quer desistir?

Silêncio. Ele então se voltou para Armou:


- Estamos prontos, senhor Armou. Pode levar-nos até a porta que nos
conduzirá ao passado!

Armou sorriu com mais beleza e levantou os braços, segurando numa das
mãos o seu cajado. Em seguida recomeçou:
- Dim-dom, dim-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom,
dim-dom! Dim-dom, dim-dom!
15

Oh! Seres do anel, da memória e momento,


Navegai pelo éter no intemporal,
Aqui vos invoco daqui me apresento,
Carregai estes três para aquém do portal!

E sacudiu o cajado por sobre eles. As pedras verdes lançaram então


súbitas faíscas que se transformaram em luminosa, fosforescente e flutuante
areia verde que os cobriu da cabeça aos pés. Vuuupt! Sumiram dali,
ressurgindo noutro lugar.
- Uma floresta! – observou surpreso o menino.
- Esta é verde – confirmou Petisco.
- Ui, que calafrio! – reclamou Teovaldo.
- Também sinto um mal estar e creio que já estou sabendo por quê.
- Por que Cabelos de Ouro? – perguntou o cão
- Reparem melhor nas árvores e nas flores, e me digam o que veem.
- É mesmo..., estão em pé, mas não parecem vivas! – exclamou Petisco.
- Dão a impressão que não têm almas – observou Teovaldo.
- Exatamente, amigos. Não há energia nelas, estão morrendo. Pelo que
sabemos das almas das coisas, as formas das plantas deveriam conter uma
nuvem, uma luz ou qualquer coisa assim. Pelo menos foi o que nos falou
Servo-38 a respeito das almas, lembram-se?
- E aqui a gente não vê nada disso – reafirmou Petisco.
- Mas como é que pode? – perguntou Teovaldo.
- Bem, eu creio que o senhor Armou nos enviou para uma faixa do passado
quando este reino não tinha ainda secado e nem se transformado numa
floresta cemitério. Mas pelo jeito não está faltando muito para isto. Vamos
andar um pouco, afinal temos de encontrar a tal porta.

E começaram a andar. A floresta estava gélida. Um silêncio de assustar era


o que encontravam em todas as direções e caminhos que tomavam. Não
viam nem ouviam pássaros ou animais. As flores que ainda existiam
pendiam dos caules ou estavam caídas pelo chão. Em certos trechos
pisaram sobre milhares de folhas. Depois cruzaram os leitos quase secos de
dois riachos vendo somente filetes de água. Era tudo muito desolador!

De repente ouviram algo: uma espécie de choro. Petisco saiu em disparada,


latindo, e desapareceu detrás de arbustos. Cabelos de Ouro veio em
seguida, chamando-o, e o encontrou pouco adiante a farejar junto ao tronco
de uma árvore.
- Oh! É o mesmo gnomo que encontramos na outra floresta! – exclamou
surpreso.
- Essa não! Como ele veio parar aqui? – perguntou Teovaldo.
- Está sentado na mesma posição que o encontramos antes! – admirou-se
Petisco.

O gnomo soluçava sem se incomodar com a presença dos três.


16

- Ei, amigo, somos nós! – falou Cabelos de Ouro em tom alegre,


acocorando-se e apoiando as mãos no chão, olhando-o mais de perto. O
gnomo, entretanto, não deu a menor importância, continuando com a cabeça
apoiada sobre os joelhos, como da outra vez. O menino continuou a tentar:
- Estamos aqui para ajudar, não se lembra? O senhor Armou confia em nós.
Não chore, vamos achar a porta e mergulhar no tempo!

Mas o gnomo desta feita não queria mesmo saber de falar e continuou a
soluçar. E soluçava com tamanho sentimento que Teovaldo e Petisco já
começavam a ficar tocados.
- Currupáco, currupáco!
- Hum, hum!
- Creio que não adianta mesmo, disse o menino coçando a cabeça e
desistindo, além do mais ele não nos conhece aqui porque voltamos no
tempo. Vamos seguir, amigos!

Seguiram. Quando muito tinham andado não vendo nenhuma novidade,


pararam para descansar.
- Uff..., como é longe esta porta – disse o menino sentando-se num pedaço
de grama quase seca.
- Que coisa difícil, está tudo complicado, que droga! – reclamou Teovaldo.
- Será que viemos parar no lugar certo? - perguntou Petisco.
- Acho que sim, o senhor Armou não nos mandaria para outro lugar.
- Não sei, não sei...! – duvidou o papagaio.

Após o descanso prosseguiram. De novo caminharam até não agüentar


mais. Como a noite começasse a chegar eles se aconchegaram debaixo de
uma árvore, sobre um colchão de folhas, e dormiram profundamente. Ao
acordarem o dia raiava – triste como tudo ali – e viram que estavam cobertos
de outras folhas que haviam caído durante a noite.
- Precisamos continuar – disse Cabelos de Ouro se levantando.
- Mas para onde? – perguntou Teovaldo.
- Não farejo nada que seja diferente do que já vimos – disse Petisco.
- Não importa, temos de procurar. Vamos em frente.

Retomaram a caminhada. Entravam aqui, saíam ali; desviavam-se de um


galho, rodeavam um tronco de árvore, tomavam um estreito caminho, depois
outro, e nada! Não viam qualquer sinal de vida; nem uma simples e
despreocupada borboleta, um inseto vagabundo ou preguiçosa lagarta!
- Ai, que vontade de desistir! – reclamou Teovaldo.
- Huuum! – ganiu Petisco com desânimo.
- Não falem assim, já se esqueceram do que o senhor Armou nos disse? Ele
confia em nós!
- Mas sequer achamos a porta, quanto mais o lugar! – reclamou de novo o
papagaio.
- Não faz mal, vamos continuar – reafirmou o menino.
17

Adiante foram surgir numa clareira rodeada de altos arbustos. Para além da
clareira um estreito caminho se mostrava como a única alternativa para
prosseguirem. Cabelos de Ouro adiantou-se e entrou no caminho, Petisco
vinha logo atrás. O menino lutava para se desvencilhar dos galhos que o
atrapalhavam. No seu ombro Teovaldo reclamava; levantava um pé, depois
outro, se encolhia todo ou abria as asas para se equilibrar.

Em certo trecho o caminho alargou-se, e adiante mais ainda, até que


terminou num tapete de grama. Na extremidade oposta deste tapete verde,
havia duas grossas e velhas árvores como se fossem duas grandes colunas.
Entre elas a passagem se estreitava, permitindo passar somente uma pessoa
de cada vez. Cabelos de Ouro se aproximou e quando ia cruzar o vão entre
as árvores, foi advertido:
- Menino de cabelos dourados aonde vai com tanta pressa? Ele olhou para
todos os lados, mas não conseguiu ver quem lhe falava. Petisco latiu
nervosamente.
- Quem é?
- Sou eu – respondeu a mesma voz.
- Eu quem?
- Aonde vai, menino, com seus companheiros? – continuou a voz,
ignorando sua pergunta.
- Estamos procurando a porta do tempo – respondeu simplesmente.
- A porta do tempo, ora quem diria, um simples menino!
- E um papagaio chamado Teovaldo! – intrometeu-se Teovaldo.
- E um cão valente chamado Petisco! – falou também o cãozinho.
- Três tipos diferentes! E acham que podem passar pela porta do tempo,
assim, somente querendo?
- Bem..., quero dizer..., sim senhor! – respondeu o menino.
- Senhora!
- Senhora?

Então eles viram de quem se tratava. Ela veio escorregando e parou ao alto,
bem diante deles, entre ambas as árvores. Suspendeu a enorme cabeça e
lançou sua língua muito vermelha para fora, olhando-os atentamente.
- Uma serpente, au, au!
- Cruz credo, currupáco!
- Uma serpente? – indagou espantado Cabelos de Ouro.
- Sim, uma serpente, confirmou ela, e aqui estou para impedi-los...
- Impedir-nos? – interrompeu Cabelos de Ouro.
- Ou abrir-lhes a porta!
- A porta? Então a porta é aqui?
- Sim, no meio destas árvores, mas ninguém passará sem antes desvendar
um enigma.
- Qual enigma?
- Um enigma, não importa qual. Mas para onde pretendem ir?
- Para o passado, quero dizer, mais ainda – respondeu Cabelos de Ouro.
18

- Para o passado? Que temeridade, jovem audaz! Não sabe por acaso que
se rebuscarmos ao passado podemos nos perder nos caminhos que já
foram?
- O senhor Armou nos disse que se precisássemos de ajuda era só gritar o
seu nome!
- É isso mesmo, ele disse! – confirmou Teovaldo já meio irritado com
aquela conversa.
- Não é disso que estou falando, gente, estou falando da cabeça!
- Cabeça?
- É..., da cabeça, sim! O passado faz girar a cabeça e o que passou volta a
passar. O bem retorna como bem, mas o mal retorna como mal; então dá
uma confusão deste tamanho! A gente acaba não sabendo direito quem
somos ou o que fizemos.
- Ai, ai, vamos entrar bem mais uma vez! – resmungou Teovaldo.
- Mas isso pode acontecer conosco?
- Claro que sim, pode com todo mundo. Mas por que está pensando nisto
se ainda nem desvendou o enigma?
- Então pergunte logo e deixe de conversa fiada! – enervou-se Teovaldo.
- Psiu..., quieto, Teovaldo, ela só está nos alertando.
- Ora, o que ela devia fazer era primeiro perguntar, depois alertar,
currupáco.
- Está bem, então eu vou perguntar uma única vez. Preste bastante atenção,
menino, porque eu não vou repetir. Somente você poderá responder:

O que é que corpo não tem,


Cabeça ou membros também;
Está dentro de tudo,
E fora de tudo ele existe;
Não tem boca e nem olhos,
Mas tudo ele engole e assiste;
Está aqui, esteve ali, está acolá,
E onde quer que estejamos,
Igualzinho ele será. Não é Deus!

- Está difícil mesmo! – comentou Teovaldo.


- Eu também não sei – falou Petisco.

Cabelos de Ouro trouxe a mão ao queixo e começou a pensar. Olhou para o


chão, para o alto; repetiu algumas palavras do enigma e de repente gritou:
- O tempo!!
- O tempo! Bravos menino! - disse a serpente. Petisco latiu comemorando.
- Boa Cabelos de Ouro, viva! – comemorou também Teovaldo, logo
resmungando - ué, nem sei por que estou tão alegre se só vamos enfrentar
perigos!
- Agora, menino, você e seus amigos poderão passar, mas antes você
precisará me dizer que lugar é esse do passado em que deseja ingressar.
19

- Queremos ir para onde alguém fez uma coisa que secou esta floresta
inteira.
- Ah, já sei! – disse a serpente.

Ela então escorregou para um galho seco que ficava mais ao alto, apontado
para diante do caminho, entre as duas árvores, e apoiada neste galho
formou um grande anel com seu grosso e comprido corpo, quase tocando o
chão. Trouxe a ponta da cauda para dentro da boca, retirou-a da boca e
falou:

- Preste muita atenção, menino, eu não vou repetir. Você irá segurar a
minha cabeça e puxa-la para baixo, dando uma volta e meia no meu corpo
para a esquerda. Daí entrarão pelo meu anel e você pensará com firmeza
onde deseja chegar, dando depois três passos à frente. Lembre-se bem, uma
volta e meia para a esquerda, e o passado retornará. Adeus e boa sorte!

Cabelos de Ouro assentiu e se aproximou da serpente. Ela novamente


mordia a extremidade da cauda. O menino ficou na ponta dos pés e puxou-
lhe a cabeça conforme ela havia ensinado, girando seu verde e grosso corpo
para a esquerda, completando uma volta. Em seguida, sem retirar a mão,
puxou-a de novo e ela continuou a deslizar, ficando a meio caminho, de
cabeça para baixo. Ele então se curvou tomando Petisco nos braços, tendo
já Teovaldo no ombro, e atravessou o anel pensando firmemente no lugar ou
situação que buscava, dando os três passos. Pluuft! Sumiu quase tudo em
redor. Ele virou-se olhando para trás, notando que o lugar de onde tinham
vindo houvera desaparecido completamente. O que existia agora era outro
panorama, embora de uma floresta!

Como tivesse de andar, ele recolocou Petisco no chão e foram saindo


cautelosamente. Observaram logo que a vegetação, embora de mesma
qualidade, estava novamente com outro aspecto. Ninguém falava. Petisco à
frente ia farejando tudo e de repente percebeu algo:
- Ali, Cabelos de Ouro, naquela árvore imensa, tem alguma coisa se
mexendo nela! Eles correram para lá e notaram que uma nuvem penetrava a
árvore até a copa. A nuvem mostrava-se agitada e de luz fraca.
- Que alma esquisita de árvore. Até parece que está sofrendo – observou o
papagaio
- Tem razão, Teovaldo, e acho que está mesmo. Está passando por uma
agonia, veja como algo a puxa, mas ela procura prender-se no corpo da
árvore!
- Que luta! O que será isto? – perguntou Petisco.
- Ainda não tenho a menor ideia; mas pelo que vejo ela é a primeira alma
vegetal que encontramos nesta floresta. Nenhuma outra planta possuía
alma.
- Lá adiante, Cabelos de Ouro, tem outra. Ela também está lutando assim! –
gritou Teovaldo.
20

- Ali, vejam, outra, e está se desprendendo. Pronto, sumiu! – apontou


Cabelos de Ouro, mais do que admirado. Eles se apressaram em direção da
árvore notando como ela imediatamente começava se transformar, perdendo
de pouco em pouco a vida que possuía. Cabelos de Ouro pôs as mãos no
tronco.
- Está frio, parece morto! – falou admirado.

Súbito Petisco latiu. Alguma coisa se moveu detrás de um arbusto: era um


vulto, e foram em sua direção. Nada encontraram, mas Petisco farejou e saiu
correndo. Cabelos de Ouro o seguiu. Adiante perceberam novos
movimentos. Aproximaram-se mais e encontraram algo.
- Uma escada, e vai para o fundo! Aquele vulto que não conseguimos
alcançar deve ter descido por ela, vamos! – disse o menino.

Cabelos de Ouro segurou Petisco e começou a descer. À medida que


desciam viam que a escada com degraus escavados na terra era toda
iluminada por archotes presos às paredes. A escada era imensa!
- Uff! Que calor aqui embaixo!
- Estou ficando sufocado – reclamou Petisco.

Quando os degraus terminaram estavam no começo de um túnel.


Prosseguiram pelo túnel também iluminado por archotes, notando o final
dele a alguns metros adiante. Apressaram-se e finalmente atingiram a saída.
Porém nova surpresa os aguardava:
- Veja, Cabelos de Ouro, veja! – excitou-se Teovaldo.
- Uma cidade!!

CAPÍTULO III

FUGA DESENFREADA

Era realmente uma cidade, mas muito estranha. Daquele patamar onde se
encontravam, bem no meio de uma pedreira cercada por morros de terra
preta, podiam distinguir parte dela. As casas eram de arquitetura jamais
vista; pareciam como o fogo de tochas que houvesse endurecido. Os
telhados eram pontiagudos lembrando chamas e as paredes tinham sulcos
de cima abaixo. Eram todas arredondadas e de um vermelho muito vivo.

Dali podiam ver centenas de archotes e imaginaram que a cidade inteira


deveria ter milhares de casas. Não havia qualquer movimento pelas ruas ou
pelas casas; parecia estar tudo deserto.
- Que cidade feia! – resmungou Teovaldo.
- Sem graça nenhuma e ainda iluminada por tochas – comentou também
Petisco.
- Têm razão, amigos; é uma cidade realmente muito esquisita.
- Que fazemos, Cabelos de Ouro? – perguntou Petisco.
- Vamos descer e investigar!
21

Saíram do patamar e desceram por um caminho cheio de voltas. Ao término


viram-se diante de um alto muro protegendo a cidade e de dois portões de
ferro que se juntavam.
- Um dos portões está entreaberto, vamos entrar – apontou Cabelos de
Ouro.
- Lá vem confusão, currupáco!
- Deixe de se lamentar, Teovaldo, se até aqui chegamos não fica bem
recuarmos.

Entraram. Porém tão logo deram os primeiros passos alguém gritou:


- Pare! Você está cercado!

Centenas de seres que estavam escondidos detrás do muro surgiram com


lanças nas mãos. Os três heróis se assustaram, espantando-se com o tipo
físico deles. Eram absolutamente da mesma cor das casas, isto é,
vermelhos. Pareciam do mesmo material. Seus membros possuíam
pequenas faíscas endurecidas que se lançavam para cima. As mãos e pés
tinham formato pontiagudo, mostrando somente um grande dedo. As
cabeças e rostos pareciam com o desenho de tochas; os olhos e bocas eram
ovais e puxados para cima. Buracos substituíam os narizes. As orelhas,
também puxadas para cima, colavam-se às cabeças. Possuíam alta estatura;
eram magros e andavam com relativo desembaraço. Neste momento
cercavam os três visitantes e apontavam-lhes as lanças.
- Esperem, viemos em paz! – falou-lhes o menino.
- Cuidado, é ele mesmo, o espião do Sol, vejam os seus cabelos! – gritou
um deles.
- Espião do Sol?
- Currupáco!
- Sim, é você mesmo e não tente nos enganar, os seus cabelos mostram
isso! Um vozerio espalhou-se entre eles.
- Ouçam, é um engano! Eu não sou espião do Sol, os meus cabelos são
assim mesmo!
- Chega! Vamos levá-los ao grande imperador. Ele saberá o que fazer com
vocês! – ordenou o que comandava.

Imediatamente formaram fileiras pelos flancos. O soldado que estava atrás


encostou a ponta da lança nas costas do menino. O comandante colocou-se
à frente e as alas passaram a marchar. Cabelos de Ouro segurou Petisco e
começou a andar. Na medida em que iam passando pelas casas o
comandante ia gritando:
- Tudo sob controle, o espião é nosso prisioneiro! Os moradores então
saíam e gritavam comemorando:
- O espião é nosso prisioneiro! O espião é nosso prisioneiro!

E foram andando sob a iluminação de archotes. Dobravam por uma


esquina, seguiam em frente, entravam noutra rua e continuavam no mesmo
22

passo. Por todos os lugares o comandante gritava e anunciava que o espião


era seu prisioneiro.

Logo apontaram numa rua mais larga que terminava numa casa gigantesca
de construção igual a todas as outras. A enorme casa ligava-se a uma
montanha mais atrás. Cabelos de Ouro teve a impressão que de dentro da
casa se podia ingressar no interior da montanha. Ao se aproximarem da
escadaria os soldados pararam e o comandante gritou-lhes:
- Entremos no palácio de nosso grande imperador!

Imediatamente um destacamento de seis homens trouxe os prisioneiros


para a escadaria, mantendo-os no meio, enquanto um sétimo soldado
acompanhava o comandante. Subiram até a soleira da altíssima porta. O
destacamento parou e o comandante deu dois passos, alcançando a grande
argola, batendo-a três vezes contra a porta. A porta abriu-se e todos
entraram num salão imenso, alto e largo, completamente vazio.
- Ufa, que calor! – reclamou Teovaldo.
- Sniff, sniff! – fez Petisco sem nada conseguir farejar.

Atravessaram o salão. Havia realmente muito calor ali dentro e Cabelos de


Ouro já sentia muitas gotas de suor a escorrer-lhe pelo corpo. Ao final
subiram mais três compridíssimos e largos degraus, que iam de um lado a
outro das paredes, e se viram defronte a uma nova porta, porém menor do
que a anterior. Desta vez o próprio comandante a empurrou e eles,
temerosos, pararam na soleira.
- Oh! É uma bola de fogo gigantesca!! – gritou o menino.
- Essa não! – exclamou Teovaldo.
- Ela se move!! – observou Petisco.

Neste salão, que era também imenso, a bola de fogo ardia intensamente.
Ocupava metade do espaço e tinha muitos metros de altura. O calor era
terrível. Cabelos de Ouro e seus amigos jamais poderiam entrar.
- Vamos! – ordenou o comandante.
- Não podemos, vamos nos queimar! – protestou o menino.
- Mas como um espião do Sol pode ter medo do fogo? – admirou-se o
comandante.
- Eu não sou espião do Sol, já disse, eu sou do lado de lá!
- Viu como está mentindo? Do lado de lá só existe o Sol, então você veio
mesmo do Sol!

Neste exato instante a bola de fogo começou a estalar, movendo-se mais


intensamente de um lado a outro. O comandante vendo aquilo se precipitou
para dentro e se arremessou ao chão, de braços estendidos, assim
permanecendo. Os guardas fizeram o mesmo. Teovaldo aproveitou-se e
cochichou ao ouvido do menino.
- Cabelos de Ouro, nós podemos correr por este degrau até aquela parede.
Lá tem uma entrada, quem sabe dá pra fugirmos daqui!
23

- É uma boa ideia, mas antes precisamos saber o que é isto.


- Droga de curiosidade. Por causa dela vamos acabar virando assado no
espeto! – reclamou o papagaio.

A bola de fogo continuava a estalar e uma forma saiu de dentro dela, logo
acompanhada de sete outras. A primeira era alta. As sete menores se
afastaram um pouco.
- Fale comandante!– ordenou a mais alta. O comandante ainda estirado
começou:
- Grande imperador, capturamos três invasores. Um deles é o espião do Sol
que tanto temíamos um dia viria nos espionar.
- O espião do Sol? Estamos com sorte!

À medida que falava ele ia tomando aspecto de um corpo de homem


inflamado, o mesmo acontecendo com as sete bolas menores. Ele adiantou-
se dois passos e os sete fizeram o mesmo.
- O espião do Sol! – falou admirando o menino.
- O espião do Sol!! – repetiram os sete. Ele olhou melhor para os três e os
convidou:
- Entrem, quero-os aqui mais perto de mim.
- Não podemos, imperador. O calor é forte demais, não agüentaríamos!
- Ora, como um espião do Sol não resiste ao nosso calor?
- Mas eu não sou...
- Cale-se! – gritou. Ele então se virou para a bola de fogo, levantando os
braços, sendo imitado em tudo pelos pequenos seres.
- Então nosso fogo é mais poderoso, somos os mais poderosos!
- Somos os mais poderosos! – repetiram os sete. Ele voltou-se para
Cabelos de Ouro.
- O Sol o mandou aqui para talvez fazer um acordo conosco. Já nos teme,
não é?
- Não, senhor imperador, eu estou aqui para saber por que o reino da
floresta está secando.
- Ah, ah, ah! – gargalhou, e os sete também gargalharam – se já está
secando é porque eu mandei secar.
- Mandou secar?
- Sua cabeça de pavio aceso! – enraiveceu-se Teovaldo.
- Sim, mandei, e mandarei secar outra floresta, depois outra, e mais outra,
ah,ah,ah!
- Eu pensei que só na Terra tinha cientista louco! – comentou Petisco.
- Mas como, imperador, para quê?
- Como? Para Que? Ora, então o Sol não lhe contou?
- Não é isso, é que..., bem, não contou não!
- Se não contou é porque não sabe, mas eu vou mostrar-lhe. Olhe para
aquele lado! - ele fez um movimento com o braço e a bola de fogo decresceu
num pedaço, deixando à mostra alguma coisa atrás dela.
- Oh! São seres transparentes que estão entrando na bola de fogo! –
admirou-se o menino.
24

- Exatamente, e saindo do outro lado, veja! – mostrou com a mão.

Espantados, Cabelos de Ouro e seus companheiros viam centenas


daqueles incríveis seres entrando e saindo da bola de fogo. Seus corpos
eram como plástico finíssimo e transparente, ou como bolha de sabão.
Tinham cabeça, tronco e membros, mas não tinham fisionomia; nos rostos
viam-se somente buracos de olhos, de nariz e boca. Logo todos sumiram.
- O que eles fazem?
- Ao saírem daqui vão entrar na terra, pedras, árvores ou qualquer coisa
existente. Nada os impede. Neste momento estão indo para o solo daquela
floresta para continuar a roubar sua energia. Depois retornam e descarregam
aqui na minha “gema de fogo”, voltando para buscar mais lá na floresta.
Nem as pedras se agüentarão, nem os rios permanecerão nos seus leitos
quando o solo começar a perder sua energia vital!
- Mas como eles conseguem fazer isto?
- Fazendo. Com meu poder modifiquei a maneira deles trabalhar. Agora, ao
invés deles levarem a energia daqui do fundo da terra para cima, eles a
roubam da superfície e a trazem para mim, ah, ah, ah! Os sete riram também.
Ele, satisfeito, continuou:
- Com isso tudo morre, porém nós vamos ficando cada vez mais fortes, até
que buuum...! Subiremos para tomar o Sol como prisioneiro!
- O senhor não deveria fazer isto, imperador. Está prejudicando todos os
reinos, toda a vida existente! – repreendeu-o o menino.
- Faço, sim, ora essa! E chega de conversa! Agora venham, vou levá-los
para dentro da minha “gema de fogo,” lá ficarão presos!
- Estamos fritos, Cabelos de Ouro, precisamos sair daqui – cochichou
novamente Teovaldo ao seu ouvido. O comandante se levantou e ordenou
aos guardas que os trouxessem. Cabelos de Ouro então gritou, jogando
Petisco ao chão:
- Agora, Petisco, corra! E se atirou sobre um dos guardas, derrubando-o.
Teovaldo equilibrou-se no ar e saiu voando sobre Petisco. Cabelos de Ouro
vinha em seguida, correndo como podia.
- Peguem-nos, peguem-nos! – gritava o comandante perseguindo-os. Os
três conseguiram chegar ao final daquele comprido degrau e se enfiaram
pelo buraco existente na parede.
- É um túnel, vamos! – falou o menino.

O túnel conduzia para baixo. Eles foram descendo e tropeçando porque a


claridade era pouca. Adiante a claridade aumentava e puderam enxergar
melhor. Escutavam os passos de seus perseguidores cada vez mais
próximos. De repente pararam ao início de ampla galeria iluminada por uma
luz que oscilava. A luz provinha de várias frestas das paredes. O calor era
bastante forte e Cabelos de Ouro estava completamente banhado de suor, o
mesmo se dando com Petisco. O calor também incomodava a Teovaldo,
talvez mais do que a eles, devido as suas penas.
- E agora, aonde vamos, currupáco!
- Petisco, não está farejando algo?
25

- Nada ainda, Cabelos de Ouro.


- Então vamos entrar por aquele caminho. Ao que parece existem cavernas
por aqui. Com sorte talvez os enganemos. – disse o menino apontando para
adiante.

Entraram, mas logo escutaram os ruídos dos passos dos soldados e se


apressaram. O caminho era estreito, as rochas estavam quentes. Não
demorou chegaram noutra galeria iluminada por tochas. A galeria era
circular e tinha outras entradas pelas paredes. Cabelos de Ouro escolheu
uma e ingressaram. Ao darem os primeiros passos, Teovaldo gritou:
- Uau! Vejam! As tochas estão andando!
- Não são tochas, são seres com as cabeças em chamas! – falou o menino.

Os seres vieram cercá-los. Seus corpos eram idênticos aos dos soldados
que os perseguiam, com a diferença de que estavam incandescentes e com
cabeças inflamadas.
- O imperador mandou! O imperador mandou! – diziam em coro, ao mesmo
tempo em que iam formando um círculo em torno dos três. De repente uma
faixa de fogo os uniu pelas cabeças, formando um único anel. Logo o anel
desceu pelos seus corpos até o chão se transformando num tubo ardente,
deixando os três amigos totalmente cercados e em grande perigo de serem
assados vivos.

CAPÍTULO IV

DJAYAN, UM AMIGO

O calor estava insuportável e o tubo ardente formado pelos seres se


fechava cada vez mais. Chamas avermelhadas se lançavam para dentro e
logo os alcançariam.
- Estamos perdidos, não temos saída! – falou nervosamente Petisco.
- Grite, Cabelos de Ouro, grite – pediu Teovaldo.
- Gritar o quê?
- Para Armou, ele é o único que pode nos tirar daqui!
- Mas e depois, e depois? - perguntou angustiado.
- O depois fica pra depois, currupáco.
- Grite, Cabelos de Ouro, já não agüento mais! – pediu também Petisco.
- Não posso, será o fim do reino da floresta! Teovaldo então desesperado
levantou vôo e desapareceu sobre o tubo.
- Teovaldo escapou! – gritou Petisco.
- Tomara que sim.

O tubo vinha se fechando, eles já não tinham mais como se agüentar.


Cabelos de Ouro trazia o braço à frente dos olhos e Petisco protegia os seus
com as patinhas. De repente uma pedra foi lançada na cabeça de um
daqueles seres, rolando para dentro do tubo, parando aos pés do menino.
Viera de Teovaldo, que lá de cima a deixara cair, batendo as asas em seguida
26

e novamente desaparecendo. Cabelos de Ouro viu que o círculo de fogo


diminuíra quando a pedra batera na cabeça daquele ser e teve uma ideia.
Procurou e achou uma pedra grande que a segurou com ambas as mãos.
Nisto, Teovaldo voltou com outra pedra nas patas. Cabelos de Ouro gritou-
lhe:
- Jogue no mesmo, Teovaldo!

Teovaldo fez como solicitado e o menino, por sua vez, lançou sua pedra no
mesmo ser. "Plict," "Ploft," fizeram ambas, atingindo a cabeça dele, fazendo-
o cair. Imediatamente formou-se uma abertura onde ele caíra e Cabelos de
Ouro agarrou Petisco, pulando pela abertura, escapando daquele inferno de
chamas.

- Por aqui, venha! - chamou Teovaldo, mostrando um grande túnel. Cabelos


de Ouro correu mais do que pode, entrando pelo túnel. Os seres, entretanto,
não lhe deram tréguas e vieram em suas perseguições. Os soldados vieram
logo atrás, já transformados também em seres de chamas.
- Depressa, Cabelos de Ouro, depressa! - gritava Teovaldo voando sobre
sua cabeça. Cabelos de Ouro fazia o que podia, evitando tropeçar, porque a
claridade era insuficiente. De repente: "chááp!", um dardo de fogo atingiu a
parede, próximo a ele; "chááp!", "chááp!", outro e mais outro.
- Eles estão atirando, uái, currupáco! Teovaldo foi atingido por um deles,
cambaleando no seu voo, caindo ao chão. Cabelos de Ouro largou Petisco e
segurou Teovaldo.
- Como está, Teovaldo?
- Ai, ai, os miseráveis queimaram o meu rabo, mas acho que foi só de
raspão.
- Vamos, Cabelos de Ouro, não podemos perder tempo! - alertou Petisco,
impaciente, vendo a aproximação dos seres.

Cabelos de Ouro recomeçou a escapada com Teovaldo junto à cintura.


Petisco partiu na frente, correndo em zig-zag. Os dardos continuavam a ser
lançados perigosamente. Súbito, os fugitivos chegaram ao final daquele
túnel e dobraram para a direita. Havia uma rampa e começaram a descê-la. O
som de algo que conheciam fez com que o menino e o cão parassem a fim
de escutar, porém os seus perseguidores chegaram ao topo da rampa
lançando novos dardos. Cabelos de Ouro e Petisco partiram novamente.
Chegando ao final da rampa ouviram uma voz:
- Ei, entrem por aqui, depressa!

Do lado esquerdo da rampa, um menino de cabelos negros e longos, muito


claro, vestindo somente um saiote também branco e tendo uma tiara de
prata sobre a testa, acenava-lhes. Cabelos de Ouro nem pode entender
direito o que era aquela aparição porque um dardo atingiu-lhe a perna, acima
do tornozelo, fazendo-o dar um pulo atrás.
- Uiii! Que dor!!! - gritou e gemeu, abaixando-se e pondo a mão no local
atingido.
27

- Depressa, venha, senão será tarde demais - chamou-o de novo o estranho.


"Chááp!", outro dardo raspou-lhe o ombro; "chááp!", outro fez Petisco saltar
para o lado e latir. Cabelos de Ouro esforçou-se, pondo-se de pé. Petisco já
pulava para o lado do estranho e aguardava ansioso.
- Rápido, Cabelos de Ouro, eles vão nos alcançar! - gritou Teovaldo, que
apesar de tudo permanecia ainda em sua mão.

Cabelos de Ouro levantou-se e saiu mancando, entrando pelo túnel


indicado. O estranho ia à frente, seguido de Petisco; Cabelos de Ouro vinha
mais atrás. Poucos metros haviam vencido e novamente os seres de fogo se
puseram nos seus calcanhares, entrando pelo túnel. "Chááp!", "chááp!",
novos dardos foram lançados, passando muito próximos de suas cabeças.
- Depressa, falta pouco agora, é logo depois daquela curva1 - apontou o
estranho, olhando para Cabelos de Ouro que vinha mancando e se atrasava.
O som que haviam escutado da rampa tornava-se agora mais audível, e
chegando à curva Cabelos de Ouro gritou:
- Água, estamos salvos!
- Ainda não – alertou o estranho – precisamos antes cruzar aquela cortina!

Os seres chegaram à curva, mas temerosos por causa da umidade no chão


não prosseguiram. Entretanto passaram a disparar os dardos com melhor
pontaria e mais intensamente. Os fugitivos se abaixavam e pulavam, mas
felizmente conseguiram alcançar a cortina d'água, cruzando-a, pondo-se
definitivamente a salvo.

Cabelos de Ouro e Petisco, exaustos, jogaram-se pelo chão, mal


conseguindo respirar. Teovaldo pulou para uma pedra e ali permanecia, ao
passo que o estranho que os salvara os observava de pé. Passados poucos
minutos ambos recuperaram o controle da respiração vendo que se
encontravam numa imensa e alta gruta. A água que formava a cortina que
tinham atravessado tomava um lado inteiro da gruta, prosseguindo por uma
fenda no chão. Vinha do teto, lá de cima, de onde descia também claridade
através de um buraco. O ambiente era fresco e úmido e eles aproveitaram
para beber e lavar-se.
- Graças a você, amigo, estamos salvos - falou Cabelos de Ouro, cujas
palavras receberam aprovação de seus companheiros.
- Não foi nada, pessoal, afinal os twichz não são flor que se cheire. A
propósito, chamo-me Djayan.
- Sou Cabelos de Ouro.
- Teovaldo, seu criado.
- Sou Petisco.
- Como nos encontrou, Djayan? - perguntou Cabelos de Ouro
- Isso não vem ao caso agora, o importante é que consegui trazê-los. Como
estão todos?
- Eu já estou bem - respondeu prontamente Teovaldo.
- Eu também – falou Petisco.
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- Minha perna ainda dói muito. Deixe-me ver como está – falou Cabelos de
Ouro levantando uma perna das calças. Ao baixar a meia viu que havia um
ferimento. Estava vermelho e sem pele, como forte queimadura. Ele
recolocou a meia, gemendo, e verificou que a perna das calças, acima do
tornozelo, estava também queimada. Ficou de pé e ensaiou alguns passos.
- Dói, mas creio que dará para caminhar.
- Então vamos acompanhar a extensão da gruta. Lá adiante tomaremos
outro caminho; não é muito longe. – apontou Djayan.

Assim fizeram. Djayan ia à frente. O som produzido pela água, embora forte,
agradava-os. A água descia por um lado inteiro do caminho e os três heróis
tinham a sensação de estar dentro de uma cachoeira. Mais adiante Djayan
parou dizendo:
- Aqui entramos! Eles olharam para todas as direções e nada viram, exceto
o corredor adiante e a cortina d água caindo neste lado.
- Onde? – perguntou Teovaldo. Petisco somente farejou.
- Nada vejo Djayan – afirmou Cabelos de Ouro. Ele sorriu e indicou com a
mão:
- Entramos bem aqui, pelo interior da água. Existe uma abertura na parede
que nos conduzirá a um túnel. Vamos!
- Segure-me, Cabelos de Ouro, currupáco.

Djayan penetrou pela água dando um único pulo, desaparecendo. Eles,


indecisos, aguardavam.
- Venham, não temam! – gritou-lhes do outro lado.
- Vamos Petisco? – perguntou o menino, tendo já Teovaldo entre as mãos.
- Vamos! – respondeu o cão. E pularam.
- Ótimo, estamos todos aqui. Vamos seguir adiante – disse Djayan
indicando o caminho.

O túnel era curto. Logo atingiram um patamar. Havia certa claridade; assim
podiam caminhar com desembaraço. Tudo ali era úmido, mas eles se
sentiam bem. Djayan apontou para o túnel da esquerda e prosseguiram.
Logo pararam. Os três viram então algo que os surpreendeu: um portal
perfeitamente quadrado, de pedra clara e transparente. Ali existia uma
energia que vibrava.

De cada lado um homem montava guarda. Possuíam cor branca como


Djayan, porém um deles tinha os cabelos louros e o outro os cabelos
negros. O louro usava uma tiara dourada na testa, um medalhão da mesma
cor no peito mostrando um sol, e braçadeiras de igual cor nos pulsos. O de
cabelos negros usava a tiara prateada, igual à de Djayan, um medalhão da
mesma cor no peito, mostrando uma lua crescente, e braçadeiras nos
pulsos, também prateadas. Os trajes eram saiotes iguais. Portavam tridentes
da cor dos metais que usavam, apoiando-os junto a um dos pés. Eram
cravejados de pedras em várias cores. Ante a aproximação dos três
visitantes eles cruzaram os tridentes ao alto, bem no meio do portal, e as
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pedras faiscaram deixando-os imediatamente paralisados. Djayan,


entretanto, falou-lhes:
- São amigos, deixem-nos passar! Eles descruzaram os tridentes e os três
voltaram a se locomover.
- Ui, fiquei preso! – reclamou Teovaldo
- Eu também – disse Petisco.
- Foi por causa dos tridentes, mas agora estamos livres – disse Cabelos de
Ouro.
- Venham, acompanhem-me – convidou Djayan.

Entraram numa espécie de caixa retangular, transparente, clara e levemente


rosada. Ela transmitia, além da cor, luz própria, possivelmente pela energia
que nela vibrava. Produzia um som muito agradável. Ao seu final, entraram
por um largo túnel. Uma névoa branca espalhava-se por todo o espaço.
Raios de luz branca provindos das paredes, do chão e teto, cruzavam-se: era
tudo fantástico!
- Que lindo, Djayan, nunca vi nada igual! – admirou-se Cabelos de Ouro
- Que fumaça é essa, será gás? – perguntou Petisco.
- Isto não é fumaça, é vapor d'água! – respondeu Djayan.
- Para que serve? – insistiu o menino.
- Saberão depois. Vamos prosseguir. Tão logo deram os primeiros passos
alguma coisa começou a suceder-lhes.
- Estou me sentindo leve, parece até que vou voar! – falou alegremente
Cabelos de Ouro.
- Eu também! – falou Petisco.
- E eu! E nem estou batendo as asas!

Djayan ria, continuando a caminhar. Mais adiante aquela névoa branca


terminou e outra azul veio espalhar-se. Repetia-se tudo o que acontecera
com a névoa branca. Os raios azuis cruzavam-se da mesma maneira pelas
paredes, teto e chão. Veio depois uma névoa rosa, uma violeta, uma verde,
uma laranja e finalmente uma dourada, acontecendo efeitos iguais em todas
elas. Ao término daquele túnel eles estavam tão mais leves que pareciam
não possuir corpos.

Adiante nova passagem os aguardava, antecedida por uma cortina


maravilhosa que não era nem água ou vapor. Parecia, talvez, gelatina, a mais
fina que pudesse existir, com luz correndo pelo seu interior nas exatas cores
que tinham visto há pouco. A cortina movia-se e vibrava, produzia um som
que era envolvente e macio. Djayan voltou a falar-lhes:
- Agora temos de parar em frente a esta cortina e pularmos de uma só vez,
gritando o nome do lugar onde queremos chegar. Onde vou levá-los chama-
se: O Vale Guardado do Quarto Reinado na Terra de Djan.
- Que nome grande e complicado! – reclamou Teovaldo.
- Nem tanto, vamos repetir para não errar – comandou Cabelos de Ouro.
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Repetiram uma, duas, três vezes. Ao final sabiam tudo de cor sem cometer
enganos. Djayan fez sinal para Cabelos de Ouro e ele tomou Petisco nos
braços. Teovaldo aninhou-se no seu ombro. Ficaram então em posição e
repetiram juntos a um só tempo: O Vale Guardado do Quarto Reinado na
Terra de Djan..., e pularam para dentro da cortina!

CAPÍTULO V

O VALE GUARDADO DO QUARTO REINADO NA TERRA DE DJAN

- Oh! Isto não pode existir! – falou Cabelos de Ouro, quase boquiaberto.
- Currupáco!
- Au, au!

Os quatro foram surgir próximo à margem de uma incrível bacia onde sete
cachoeiras se derramavam. Tudo ali era grandioso! As sete cachoeiras
possuíam, cada qual, águas de um matiz diferente. As águas brilhavam e
resplandeciam, cantavam e se misturavam. Produziam ao encontro de todas,
combinações multicoloridas. Respingos voavam; pequenas ondas se
formavam refletindo, vibrando e transmitindo suavidade. Criaturas cheias de
alegria espalhavam-se por toda a bacia. Umas mergulhavam do ar, outras
das pedras junto às margens ou mesmo das próprias margens que eram
verdes, entremeadas de flores e de pequenas plantas.

Muitas daquelas criaturas vinham caindo junto com as águas lá do alto, do


início das cachoeiras; algumas planavam no meio da queda, paravam no ar
ou desciam com menor velocidade. Possuíam véus finíssimos que as
cobriam em certos instantes, ou as descobriam. Os cabelos pareciam não
molhar-se, esvoaçavam sobre seus ombros e tinham a mesma cor dos véus.
Havia pássaros, animais e grande número de outros seres encantados. O Sol
brilhava sob um céu muito azul. Tudo transpirava uma atmosfera de paz e
harmonia.
- Quem são aquelas moças que dançam e cantam nas águas? – perguntou
Cabelos de Ouro em certo instante. Djayan logo respondeu:
- São as ondinas, também chamadas de yaras ou nereidas. Você não as
conhecia?
- Não! – respondeu simplesmente.
- Só ouvimos falar - intrometeu-se Teovaldo do ombro de Cabelos de Ouro -
o gnomo da floresta nos disse que lá existia antes as ondinas.
- E mais os silfos – completou Petisco, já no chão.
- Os silfos? Vejam lá no alto, sobre a floresta. Os raios e as formações de
luz são eles.
- Que bonitos, são pequenos! – admirou-se Cabelos de Ouro.
- Ei, Cabelos de Ouro, sua roupa, veja só! – espantou-se Petisco.
- Está vestido igual à Djayan! – surpreendeu-se Teovaldo.
- Ué, onde está toda a minha roupa, estou só de saiote?
31

- E por que nós não? – interrogou-o Teovaldo, falando também por Petisco.
Djayan rindo começou a explicar-lhes:
- As aves e os animais daqui não usam saiotes ou outras vestes, só os
encantados. Reparem, as ondinas têm véus e eu tenho saiote.
- Então você é um encantado? – perguntou Cabelos de Ouro.
- Sim, das profundezas do reino das sete águas. Lá vive um rei, o rei de
todos e eu sou um de seus súditos. Aqui também há uma rainha e as
ondinas são suas súditas.
- E onde está a rainha? – Cabelos de Ouro voltou a perguntar com
interesse.
- Nas águas, nas correntezas, nas cachoeiras, nas ondinas. Está em todas
as partes, em todos estes lugares.
- Chiii..., que complicação! – reclamou Teovaldo.
- Voltando às vestes. Por que acabei vestido assim se não sou um
encantado?
- Suas roupas não eram apropriadas para o local, por isso a magia do Vale
o vestiu assim.
- A magia do Vale?
- Sim, a magia de tudo. Não vê como tudo aqui é mágico e perfeito? Todos
os de fora que raramente entram aqui precisam adaptar-se às sete correntes
da perfeição deste Vale, como vocês fizeram. Nestes momentos em que aqui
permanecem transformam-se também em encantados como nós.
- E por que este lugar é chamado de Quarto Reinado na Terra de Djan? –
perguntou ainda o visitante. Djayan calmamente continuou a responder:
- Existem vários reinos que se desenvolvem durante os vários reinados.
Este é somente o Quarto Reinado na Terra de Djan, o grande Ser que tudo
sabe e tudo possui.
- E por que você nos trouxe aqui, Djayan?
- Para ajudá-los a fim de que em troca vocês nos ajudem. Sabemos que
pretendem auxiliar ao Reino da Floresta que secou. Mas para isto precisam
combater o mal entranhado nas chamas dos twichz. Entretanto, precisarão
descer mais para o interior da Terra a fim de encontrar o Senhor da Chama.
Só ele, Cabelos de Ouro, e somente ele poderá ensiná-lo como vencer os
twichz, com a ajuda de seus companheiros, naturalmente.
- Descer mais..., não podemos, é muito quente!
- Não dá, não dá não, currupáco!
- Eis porque desejamos ajudá-los. Se você não os vencer, Cabelos de Ouro,
nós também deste Vale e de toda a Terra de Djan, correremos igual perigo!
- Mas por que vocês não se unem e não os enfrentam?
- Não podemos, nossa natureza é outra. Somos plásticos, passivos, sem o
poder de combater. Somos o bem, a pureza; não lutamos contra o mal.
Somente alguém humano como você e puro de coração, poderá enfrentar
esta ameaça. Se eles vencerem partirão também para o seu mundo
colocando em perigo todas as outras coisas existentes.
- Mas não há ninguém aqui deste lado que os enfrente?
32

- Você é humano e por isso tem certas vantagens. Somente os humanos


possuem a magia da palavra que pode tanto construir como destruir em
todos os mundos.
- Cada vez nos enrascamos mais! – voltou a reclamar Teovaldo.
- E como vocês pretendem nos ajudar a descer ainda mais, sem que nos
queimemos?
- Já olhou o ferimento de seu pé? Cabelos de Ouro baixou os olhos e
admirou-se:
- Sumiu, não tem mais nada!
- Nossas águas o curaram. Esta é uma das maneiras que temos de protegê-
los contra o calor e o fogo. Então aceita?
- Aceito.
- Aceito – repetiu Petisco
- Eu também! – confirmou bravamente Teovaldo.
- Estão dispostos a partir imediatamente?
- Estamos! – respondeu Cabelos de Ouro. Mediante aquela decisão, Djayan
voltou-se para as águas e começou uma invocação:
- Ondinas, nereidas, yaras, irmãs das sete águas! Filhas de um grande e
sábio rei e de mãe toda generosa. Vocês que trazem sob seus véus o
segredo das sete profundezas, das sete emanações e das sete purezas dos
reinos das sete águas. Venham e tragam a sua magia de encantadas!

No mesmo instante um verdadeiro exército daquelas belas criaturas saiu


das águas e começou a rodear Cabelos de Ouro e seus dois amigos. Com
sua dança e canto os iam cobrindo com véus em sete cores, uns sobre
outros. Ao término, eles se sentiram vestidos, mas os véus tinham
desaparecido em seus corpos e nada parecia ter existido.
- Pronto, estão vestidos com os sete véus mágicos. Agora poderão partir e
penetrar os labirintos das profundezas do reino das chamas sem serem
afetados. Porém, tratem de tudo realizar rapidamente porque os véus
somente suportarão sete tempos. Cada tempo que se conclua fará derreter
um véu e vocês sentirão isto. Cuidado!
- E como vamos sair daqui?
- Agora será fácil. Bastará mencionar o nome do lugar onde desejam estar e
pular juntos para frente, como fizemos há pouco.
- E qual é este lugar?
- Ninguém consegue estar diante do Senhor da Chama por um simples
desejo. Vocês terão de percorrer labirintos, pular sobre abismos e escapar
das chamas que guardam aquele reino. Assim, para iniciar a descida
precisarão começar do Salão das Sete Cavidades Ardentes.
- O que tiver de ser que seja, vamos de uma vez! – decidiu-se Cabelos de
Ouro tomando Petisco nos braços. Teovaldo permanecia em seu ombro. E
repetiram em coro:
-... O Salão das Sete Cavidades Ardentes!

CAPÍTULO VI
33

O SENHOR DA CHAMA

Vuuupt! Os três foram aterrissar num lugar estranho.


- Mais cavernas, mais labirintos! – reclamou Teovaldo.
- Não está calor aqui, Cabelos de Ouro! – surpreendeu-se Petisco.
- Possivelmente estará, porém não sentimos por causa dos véus.
- É realmente um lugar com sete entradas, mas uma sobre a outra –
observou Teovaldo.
- Exatamente. E isto nos obriga a tomar a primeira delas aqui embaixo.
- É, as outras são mais altas, só o Teovaldo alcançaria – entendeu Petisco.
- Eu não; eu vou com vocês aqui por baixo mesmo, currupáco!
- Então vamos! – comandou o menino.

Entraram. Era um túnel escuro e Cabelos de Ouro caminhava


cautelosamente. Súbito uma claridade intensa surgiu diante deles e uma
parede de vivas chamas veio fechar-lhes o caminho. As chamas cantavam e
dançavam.
- Como vamos prosseguir? – perguntou Petisco temeroso.
- É impossível, currupáco! Cabelos de Ouro tentou chegar mais perto,
porém as chamas se alvoroçaram e ele recuou.
- Vamos voltar! – sugeriu Petisco. Entretanto eis que nova parede de vivas
chamas vem surgir atrás dos três, impedindo-os de qualquer tentativa de
fuga.
- Vamos atravessar, precisamos seguir em frente. Estamos cobertos pelos
véus, nada nos acontecerá – falou o menino sem qualquer dúvida, pulando
para o interior da parede em chamas.
- Conseguimos! – festejou Teovaldo. Porém tão logo chegaram ao outro
lado, uma nova e idêntica parede veio colocar-se diante deles.
- Outra, essa não! – irritou-se Petisco.
- Vamos seguir. Temos de vencê-la também!

Assim fizeram penetrando através da nova parede em chamas. Mas logo em


seguida encontraram outra; depois outra e mais outra. Mas a todas iam
ultrapassando até que o túnel terminou e nada mais veio surgir. Então se
viram diante de uma rampa ascendente, feita em semicírculo, ao lado de uma
cratera a perder de vista para o alto. Subiram a rampa. Ao término
encontraram uma cavidade na rocha e novamente entraram. Era um novo
túnel escuro, e Cabelos de Ouro foi tateando. De repente surge-lhes à frente
um verdadeiro exército de seres em chamas, em duas alas, deixando um
corredor no meio percorrido por comprida língua de fogo. Neste mesmo
instante os três heróis sentiram que algo se derretia em seus corpos e
evaporava.
- Que foi isto? – perguntou Petisco.
- Foi-se o primeiro véu, teremos ainda seis.
- Que fazemos, Cabelos de Ouro? – Petisco novamente ficava nervoso.
34

- Vamos atravessar. Se as paredes não nos impediram estes seres também


não nos impedirão.

Possuído desta coragem o menino saiu correndo pelo interior do fogo


carregando os companheiros. Os seres inflamados tentavam impedi-los de
todas as maneiras. Tomavam várias formas para assustá-los e se lançavam
diante de Cabelos de Ouro. Mas nada conseguiam; os três heróis foram
surgir no interior de gigantesca gruta onde existiam muitos caminhos, sob
um teto sustentado por diversos pilares.

Lá no fundo viram três aberturas de túneis. Cabelos de Ouro resolveu que


entraria numa delas e correu pelo interior da gruta. Mas quando alcançava a
metade do caminho começou a sair intenso fogo das três entradas, muito
mais intenso do que todos os que até agora tinha visto ou enfrentado. O
terrível fogo se lançava das aberturas para adiante e em direção ao teto.

Cabelos de Ouro parou sem saber se prosseguia. Enquanto se decidia, uma


avalanche de pedras veio caindo do teto, bloqueando as bocas dos três
túneis. Eram pedras enormes. Umas caíam e rolavam para o meio da gruta.
Cabelos de Ouro, temeroso, correu para o lado e descobriu uma larga fenda
no chão, que se estendia para muito além, constituindo-se num verdadeiro
abismo. Era profundo e ele acompanhou a sua borda, tentando descobrir
qualquer coisa que lhes servisse. A avalanche continuava forte e o fogo que
a provocava também.

- Estamos sem saída. O perigo agora são as pedras! – falou Teovaldo.


- Ali adiante tem uma rampa, vamos descer por ela! – apontou Cabelos de
Ouro. A estreita rampa levava para o fundo do abismo e ele começou a
descê-la. A certa altura uma nova ameaça veio encontrá-los: o abismo era
tomado pelo fogo! Labaredas subiam não permitindo enxergar nada do
fundo.
- Não consigo enxergar um palmo, se falsear o pé poderemos cair!
- Cruz credo, isto pode ser o nosso fim, currupáco.
- Vou tentar seguir tateando a parede. E prosseguiu com todo o cuidado,
penetrando o fogo. O tempo ia passando. Cabelos de Ouro lutava contra
aquelas terríveis labaredas até que chegou ao fundo.
- Chegamos! – falou satisfeito.
- No fundo do inferno! – completou Teovaldo.
- Seguirei tateando, ainda não consigo enxergar nada. Assim ele continuou
até que sua mão se perdeu num vazio. Tinha chegado à abertura de um novo
túnel. Prosseguiu e as chamas ficaram para trás.
- Aqui estaremos a salvo por enquanto – afirmou Teovaldo. O menino
continuou, porém três metros adiante parou.
- Uma ponte sobre um abismo, que estranho! – apontou. O local era uma
pequena gruta iluminada por uma faixa de luz que oscilava, vinda de uma
fenda da parede.
- É feita de rocha, começa larga e termina estreita – observou Petisco.
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- Vou atravessá-la, não tenho escolha novamente – decidiu-se Cabelos de


Ouro, já andando.
- O abismo é fundo, não consigo ver o final – reclamou Teovaldo.
- Não olhe para baixo, Cabelos de Ouro, você pode ficar tonto! – solicitou o
cãozinho.
- Não olharei, afinal a claridade aqui não é grande coisa.

Ao atingir o meio da ponte uma horrível boca que cuspia fogo os assustou.
Logo tomou a forma de uma grande cabeça de dragão e se colocou
exatamente na outra extremidade da ponte!
- Outra ameaça! – falou Cabelos de Ouro decepcionado. Mal isto se deu
voltaram a sentir outro véu se derreter.
- Derreteu mais um! – alertou Petisco.
- Agora restam cinco! – falou Cabelos de Ouro.

A cabeça de dragão passou a lançar fogo na direção dos três. A boca se


abria vomitando labaredas e as ventas pareciam dois lança-chamas. As
línguas ardentes os envolviam, mas apesar de tudo Cabelos de Ouro
resolveu continuar sem se intimidar. A cabeça vendo isto começou a dirigir
suas labaredas para o chão, no final da ponte, tornando aquele trecho
incandescente. Logo um pedaço da rocha tremeu e ameaçou desprender-se.
- Veja, Cabelos de Ouro, a cabeça de dragão está começando a destruir a
ponte! – falou preocupado Teovaldo.
- Preciso me apressar antes que isto aconteça, mas posso cair no abismo!

O resultado da ação do fogo causou o deslocamento do bloco da pedra que


realmente caiu no abismo feito enorme brasa, ficando um vão no final da
ponte. Imediatamente a cabeça começou a lançar mais chamas sobre o
trecho seguinte, fazendo-o imediatamente incandescer.
- Se a cabeça destruir o outro pedaço não conseguiremos atingir a margem,
depressa Cabelos de Ouro! – Petisco gritou.
- Vou correr e tentar pular.
- Cuidado, é distante, podemos cair, currupáco!

Mas decidido, Cabelos de Ouro correu valentemente em direção ao perigo.


Nada conseguia enxergar do lado oposto, mesmo assim investiu contra a
cabeça de dragão.
- O chão está partindo, cuidado! – gritou Petisco assustado. O bloco que
virava em brasa caiu no abismo, porém o menino já havia impulsionado o
corpo, conseguindo pular.
- Viva, conseguimos, currupáco! – festejou Teovaldo.
- Esta foi por pouco, ufa! – exclamou Cabelos de Ouro.

Entretanto a cabeça de dragão não se deu por vencida e voltou a atacá-los,


lançando suas labaredas na parede ao lado.
- Cuidado, ela está provocando uma avalanche! – gritou Petisco.
- Vamos sair daqui!
36

Cabelos de Ouro virou-se e se lançou em disparada por um caminho junto a


uma parede de rocha. Procurava escapar das quedas de pedras. Mas a
cabeça de dragão tomou-lhe a dianteira e provocou novos desabamentos.
- Cuidado, cuidado, currupáco! – torcia-se todo Teovaldo no ombro do
menino.
- Au, au! – latia Petisco, temeroso.

Cabelos de Ouro pulava e se desviava como podia. Às vezes era alvejado


por uma ou outra pedra que lhe causava alguma dor. Também Teovaldo e
Petisco sofriam com pedaços de pedras.

Cabelos de Ouro conseguiu alcançar uma curva e viu mais adiante o


abismo formar um “T”. Ele contornou aquela curva e notou que agora corria
paralelo a um rio de lavas!
- Vejam, falou parando meio resfolegado, somos acompanhados agora por
um rio de lavas, o abismo ficou para trás, naquela curva!
- É mesmo, reconheceu Teovaldo, e as lavas chegam até aqui em cima!

Como o menino parasse por um instante, a cabeça de dragão se aproveitou


disto e lançou fortes línguas de fogo aos seus pés. O fogo incandesceu onde
ele pisava e partiu o chão, separando um bloco de pedra, fazendo-o perder o
equilíbrio.
- Cuidado, Cabelos de Ouro, cuidado! – alertou Petisco.
- Cuidado, cuidado, cuidado! – gritou Teovaldo.
- Vamos cair no rio, uaii...!

E caíram. Na queda Cabelos de Ouro largou Petisco. Teovaldo, no entanto,


conseguiu se equilibrar no ar, batendo as asas.
- É o fim dos dois – lamentou o papagaio.

Mas Teovaldo se enganara. Cabelos de Ouro e Petisco, ao invés de serem


devorados pelas lavas, batiam os pés e mãos acompanhando a correnteza,
nadando como se estivessem num rio de águas comuns.
- Ai, caramba, eles estão nadando! – exclamou surpreso e satisfeito indo
pousar na cabeça de Cabelos de Ouro.
- Os véus nos protegeram de novo - falou o menino enquanto procurava
nadar. Mal ele disse isto, outro véu derreteu-se – restam agora quatro! –
lembrou.

A correnteza puxava muito e eles nadavam como podiam. As lavas


borbulhavam, estalavam e lançavam respingos para todos os lados. Súbito,
após a curva daquele rio incomum, o menino observou que a correnteza
começou a ficar mais fraca. Notou também que as lavas os lançavam para
próximo da margem e gritou para que Petisco ficasse atento porque iria
tentar sair do rio. Num certo instante, Cabelos de Ouro gritou e nadaram
mais fortemente para a direção de umas pedras, conseguindo segurar-se
37

nas suas pontas. Logo pularam para a margem pisando o solo firme, e
descansaram.

Cabelos de Ouro prosseguiu em seguida, novamente segurando Petisco e


tendo Teovaldo no ombro. Agora não mais caminhavam à margem do rio,
mas noutra direção, sobre um largo patamar. Adiante viram a entrada de uma
gruta gigantesca, jamais antes vista, e que recebia um foco de fortíssima luz.
Mas de repente levaram um grande susto e Cabelos de Ouro pulou
espantado, enquanto Teovaldo voava de seu ombro. Repararam então que
um pequeno vulcão de um fogo absolutamente vermelho explodira próximo
de onde estavam, jorrando sobre suas cabeças. Nada aconteceu em seguida
e o pequeno vulcão assim permaneceu. Cabelos de Ouro resolveu caminhar
com mais cuidado, mas outro vulcão idêntico deu-lhes novo susto.
Novamente se desviaram e outro vulcão explodiu. Porém convencidos de
que mais vulcões explodiriam não se assustavam.

Por vários metros estes fenômenos realmente iam se repetindo, mas de


repente, como num passe de mágica, todos eles se apagaram e nenhum
outro explodiu. Cabelos de Ouro chegou à entrada da gigantesca gruta, ali
parando. A luz que vinha lá de dentro os tocava, sendo de fato fortíssima.
- É muita luz – reclamou Teovaldo.
- Quase não enxergo nada – reclamou também Petisco.

Cabelos de Ouro protegia os olhos com uma das mãos, Petisco escondia
os seus com as patinhas, enquanto Teovaldo cobria a cabeça com uma das
asas. Quando Cabelos de Ouro tentou prosseguir duas grandes portas em
chamas fecharam a entrada, impedindo-o de entrar.
- Preciso atravessá-la, vou mergulhar dentro delas! – disse o menino
resolutamente. Assim ele fez, mas desta vez foi arremessado de volta,
caindo sentado no chão. Teovaldo permaneceu no ar batendo asas e Petisco
esparramou-se de barriga para cima.
- Uau, elas agora são sólidas, embora macias – admirou-se Cabelos de
Ouro – vou tentar novamente! Decidido, tomou novamente Petisco nos
braços, já com Teovaldo em seu ombro, e pulou de encontro às portas.
Porém, como da outra vez, bateu e voltou.
- É impossível! – gritou Teovaldo.
- Que fazer, não vejo nenhuma alternativa!
- Veja, Cabelos de Ouro, numa das portas surgiu uma enorme argola! -
alertou Petisco.
- É mesmo. Vou lá bater, talvez seja esta a solução! – falou o menino, se
encaminhando para lá e batendo a argola por três vezes contra uma das
portas.

Um som esquisito ecoou lá dentro por três vezes e a porta rangeu abrindo
uma fresta.
- Que desejais? – uma poderosa voz como forte trovão foi ouvida.
- Queremos ver o Senhor da Chama! – respondeu o menino.
38

Ambas as portas imediatamente se abriram, escancarando-se


completamente. A claridade voltou a jorrar e Cabelos de Ouro protegeu
novamente os olhos. Teovaldo, como antes, escondeu a cabeça debaixo de
uma das asas e Petisco ganiu correndo para trás do menino. Cabelos de
Ouro começou a andar lentamente seguido do cãozinho, chegando defronte
às portas que se abriram completamente. No momento que entraram
sentiram outro véu derreter-se.
- Restam agora três – cochichou o menino. A claridade era demasiada e
Cabelos de Ouro, impedido de prosseguir, gritou:
- Senhor da Chama, onde está? Não consigo vê-lo!

Viiiiiiiip..., viiiiiiip..., viiiiiiip...! Cantavam as chamas dentro daquela


gigantesca gruta. Cabelos de Ouro não agüentando fechou os olhos e de
novo gritou:
- Senhor da Chama, por favor, preciso falar-lhe, mas não consigo vê-lo, tem
luz demais!

Viiiiiiip..., viiiiiiip..., viiiiiiip...! Continuavam as chamas a cantar, porém de


repente a claridade começou a diminuir. E foi diminuindo até que puderam
abrir os olhos normalmente.
- Que gruta maravilhosa! – exclamou o menino deslumbrado.
- Nunca vi outra igual! – admirou-se Teovaldo.
- Que linda! - admirou-se também Petisco.

A gigantesca gruta era realmente maravilhosa e fantástica. Era muitas


vezes maior do que a maior de todas que até agora haviam conhecido. As
paredes tinham todas as cores; havia milhões de pequenas chamas dentro
delas, dentro das pedras. As pedras, como cristais, possuíam muitas
tonalidades e refletiam, cantavam ou assobiavam! O teto, o chão, o ar, todos
os lugares impregnavam-se de uma vibrante vida. E se estendia para o
interior da gruta, por tudo!

Pelo meio da gruta havia fogueiras de pedras que lançavam chispas de luz
como finas labaredas. Do interior das paredes iam surgindo figuras
coloridas nos formatos de quadrados, triângulos, losangos, estrelas de
quatro, cinco, seis ou mais pontas e outras. As figuras deslizavam um tempo
pelas paredes e depois se lançavam para fora, produzindo sons diversos.
Mas tão súbito como surgiam, desapareciam. Novas figuras apareciam da
parede, de diversas direções, deslizando retamente, em círculos ou em
outros movimentos. Nada ali permanecia tranqüilo, todas as coisas se
mexiam. Tudo era vida, cor, vibração!

Tendo admirado aquelas coisas maravilhosas, Cabelos de Ouro deu quatro


passos. A cada passo que dava um som diferente acontecia, saindo de todos
os lados. Mas ele não sabia direito se aqueles sons os estariam reprovando
ou não. Resolveu parar e chamar novamente:
39

- Senhor da Chama, onde esta?


- Aqui! Responderam as chamas nas paredes.
- Aqui!
- Aqui!
- Aqui! Responderam o chão, o teto e todos juntos. Petisco latiu assustado
e Teovaldo encolheu-se todo.
- Apareça, por favor, quero vê-lo!

As chamas de todos os lugares começaram a crescer e diminuir no mesmo


instante. Logo uma parede de fogo surgiu-lhes à frente.
- Aqui estou! – falou a parede.
- Senhor da Chama? – o menino perguntou surpreso.
- Surpreende-te? - respondeu a parede. Talvez assim te pareça melhor! E se
transformou de parede para um exército de seres inflamados que deixavam
entre eles um corredor de ardentes chamas.
- Ou talvez assim...! - continuou a se transformar agora em cabeça de
dragão, exatamente aquela que tanto os perseguira. Cabelos de Ouro deu
um passo para trás, espantado.
- Ou, possivelmente, estarei melhor assim...! – e se transformou nas duas
grandes portas que tinham se colocado diante deles à entrada da gruta.
- Porém, creio que assim estarei melhor, mais vibrante! E tornou a
desaparecer, fazendo voltar aquelas belíssimas formas de luz e cor por toda
a gigantesca gruta.
- Estás diante de mim, sempre estiveste!
- Mas por que, por quê? – Cabelos de Ouro parecia estar meio tonto.
- Porque sou o Senhor da Chama, aquele que não tem uma só aparência.
Tomo mil formas, mil variações e ainda assim sou eu mesmo, o Senhor da
Chama. Enfrentaste muitos perigos, mas diante de todos tiveste coragem e
firmeza, por isso chegaste. Agora fala, que desejas?
- Os twichz estão ameaçando todos os reinos. Secaram o reino de uma
grande floresta e ameaçam secar outras e outras. Como vencê-los?
- Os twichz nasceram de minhas chamas, mas ao tomarem formas
definitivas nos rumos do progresso de meu elemento, o fogo, se
alvoroçaram tornando-se ambiciosos. Não quiseram mais prestar
obediência, e formaram uma família rebelde. São pretensiosos, querem
chegar à crosta da Terra para dominar o Sol, o grande Hélios, o pai único de
nossas verdadeiras vidas. Seu chefe intitula-se o imperador. Com suas
ambições se transformaram realmente em grande ameaça para todos os
reinos, podendo devorá-los se não forem impedidos a tempo.
- Mas por que o senhor não os impede?
- Porque uma guerra entre nós teria conseqüências ruins. É preciso vencê-
los de outra maneira e tu podes, humano de coração puro e cabelos como o
fogo de Hélios!
- Mas eles parecem tão poderosos...
- Tendes coragem suficiente, tu e teus companheiros, provastes isso vindo
até aqui. Quereis tentar?
- Sim senhor, agora pretendemos ir até o fim!
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- Então me ouve. Deverás fazer o seguinte... Cabelos de Ouro ouviu


atentamente as palavras do Senhor da Chama. Ao final voltou a perguntar:
- E como chegar lá?
- Vá até a margem do rio de lavas, e de lá partirás!
- Obrigado Senhor da Chama!

CAPÍTULO VII

DE VOLTA À CIDADE DOS TWICHZ

Os três partiram rapidamente buscando o rio. Ainda nem bem o tinham


enxergado, novo véu se derreteu.
- Agora são só dois! – disse o menino com preocupação.
- Temos de nos apressar, currupáco.
- Senão seremos torrados! – completou Petisco.

Ao chegarem à margem do rio de lavas, havia ali um barco flamejante em


forma de flecha e dois seres inflamados os aguardando.
- Entrem – ordenou um deles.

Eles entraram e os dois barqueiros tomaram posições: um ia à frente e o


outro atrás, ambos sentados. Seguraram os remos, que eram como dois
raios, e começaram a levar o barco rio acima, com incrível agilidade. A
correnteza de lavas puxava forte, porém o barco deslizava como se ela não
existisse. Em determinado trecho eles encostaram à margem direita e o da
frente falou apontando:
- Entrem por aquele túnel que logo estarão na cidade dos twichz.

Cabelos de Ouro desceu com os dois amigos e os barqueiros


desapareceram rio acima. Logo entrou pelo túnel carregando Teovaldo no
ombro e Petisco numa das mãos, colado ao corpo. Havia escuridão e ele
tateava pela parede. Após percorrer por certo tempo notou uma claridade lá
adiante; ao final viu novamente aquela mesma cidade, desta vez de dentro
de seus muros e do alto.
- É a mesma cidade feia, currupáco.
- A mesma, sem modificações, exceto pelos moradores que agora andam
pelas ruas – confirmou o menino colocando Petisco no chão.

Súbito som muito agudo espalhou-se pelo ar. Um rebuliço imediatamente


começou entre os moradores da cidade. Eles todos passaram a correr em
direção da casa do imperador, lotando a grande praça que havia diante dela.
Soldados formaram fileiras pelos lados da grande escadaria, deixando ao
centro largo corredor. Logo o comandante apareceu ao alto da escadaria,
anunciando:
- Sua majestade o imperador!
41

Todos se ajoelharam baixando as cabeças. O imperador então surgiu pela


imensa porta, acompanhado daqueles sete seres em chamas e se aproximou
para ser visto por todos. Levantou os braços e falou:
- Podem levantar as cabeças e ficar em pé. Hoje é o dia da união e do
alimento. Repitam comigo: juramos sempre fidelidade, fé e obediência ao
nosso grande e único imperador que nos alimenta com seu eterno fogo.
Juramos sempre a ele obedecer sem nada pedir em troca porque ele nos dá
generosamente de seu fogo. Com sua sabedoria nos levará a conquistarmos
nosso maior inimigo, o Sol. Então seremos donos do mundo e nada nos
faltará. Que o imperador viva para sempre!

Eles repetiam palavra por palavra e quando o vozerio calou-se o imperador


estendeu os braços sobre a multidão, lançando labaredas que percorriam
incríveis distâncias. As labaredas ao tocarem cada um deles os deixava
incandescentes, como ferro em brasa. Então eles pulavam e se agitavam em
imensa alegria. Quando toda aquela multidão estava incandescente,
incluindo o comandante e os soldados, gritaram todos numa única voz:
- Viva o imperador! Viva o imperador! Viva o imperador!

Na medida em que gritavam, faíscas iam saindo de seus corpos, fazendo-os


agitar-se cada vez mais. E continuavam com aquele coro.
- Que coisa horrível! – reclamou Teovaldo.
- É de arrepiar! – falou Petisco.
- Eles são fanáticos e perigosos. É hora de tentarmos acabar com isto.
Vamos descer e deixar que nos agarrem!

E iniciaram a descida indo Petisco à frente. Chegando às ruas da cidade


aproximaram-se da casa grande e subiram pela extremidade do primeiro
degrau. A multidão continuava a gritar em coro. De repente um dos soldados
os viu chegando e gritou:
- Os fugitivos!
- Peguem-nos! – gritou o imperador. Os soldados correram e os cercaram.
Cabelos de Ouro segurou Petisco nos braços e ficou imóvel.
- Derreteu outro – cochichou Teovaldo.
- Falta somente um não podemos falhar ou seremos cozidos! – disse
Cabelos de Ouro também cochichando.
- Tragam o espião do Sol e seus amigos, tragam-nos! – gritava o imperador.
Eles os trouxeram e o imperador falou satisfeito para a multidão:
- Eis o espião do Sol. Foi mandado para roubar os nossos segredos. Nosso
inimigo deseja nos destruir, mas somos mais espertos. Vamos levá-los para
a gema de fogo e mantê-los presos, depois resolveremos o que fazer com
eles! A multidão gritou e aplaudiu.
- Um momento, imperador! Quero dar-lhe uma oportunidade e a todos os
seus comandados para que se arrependam. Vocês jamais conseguirão
chegar ao Sol, jamais!
- Cale-se, espião, você não sabe o que diz. Iremos alcançar a crosta do
planeta, pular e chegar ao Sol!
42

- É impossível, ele fica muito distante da Terra, ninguém consegue chegar


lá, desistam! Voltem para o comando do Senhor da Chama, ele os aceitará,
voltem!
- Eu sou o Senhor da Chama, o mais poderoso, o mais sábio e aquele que
irá tirar o trono do Sol. Eu sou o imperador do mundo e serei o seu rei. Agora
basta! Guardas tragam-nos!
- Esperem, não façam isto, vocês serão destruídos, ele está errado!

Mas os guardas o seguraram e o fizeram subir os degraus. Cabelos de Ouro


então se lembrando das palavras ensinadas pelo Senhor da Chama, gritou já
próximo do imperador:
- Oh! Hélios, fogo dos céus! Venha com seu raio que inverte, e ao mal faça
retornar!
- Não! Não! Não! – gritou o imperador.

Imediatamente raios e trovões faiscaram e explodiram. Uma gritaria


espalhou-se por toda aquela multidão e uma correria começou. O imperador
foi o primeiro a ser atingido por um raio e seu fogo aumentou
repentinamente, ficando totalmente vermelho. O vermelho logo se modificou
em violeta e ele desapareceu como se jamais tivesse existido. A multidão
inteira começou a sofrer o mesmo efeito e desaparecia. Em seguida a cidade
inteira se incendiou e começou a desmoronar.
- Vamos correr, Petisco, ou seremos soterrados! – falou Cabelos de Ouro
soltando-o no chão, saindo em disparada, desviando-se das fogueiras que
eram os seres que iam desaparecendo e de suas casas que desmoronavam.
A montanha no fundo casa do imperador começou a soltar blocos de pedra,
que vinham rolando e soterrando tudo.
- Depressa, Cabelos de Ouro, depressa, ou seremos esmagados! – gritava
Teovaldo. Mas estava difícil se desvencilhar de tudo e eis que em meio à
fuga Cabelos de Ouro reclamou:
- Oh, não! Lá se foi o último véu!
- Currupáco!
- Ufa, que calor! Agora poderemos nos queimar! – falou Petisco correndo
ao lado do amigo.

Atingiram as imediações dos portões que estavam fechados. Cabelos de


Ouro tentou subir por ele, porém mal o segurou teve de tirar as mãos.
- Ui, está quente! Não poderei pular!
- Cuidado! Cuidado! - gritou Petisco. Uma enorme pedra caída da montanha
veio rolando para onde se encontravam. Cabelos de Ouro e Petisco pularam
para o lado e Teovaldo voou alto. A pedra foi chocar-se contra o muro,
produzindo um imenso buraco.
- Vamos Petisco, é agora ou nunca!

Entraram pelo buraco que se formara. Petisco saiu adiante. Cabelos de


Ouro veio correndo ao máximo, enquanto Teovaldo voava pouco acima da
sua cabeça. Alcançando à base da pedreira, próximo de onde haviam
43

chegado ao início desta aventura, e subindo pelo mesmo caminho, ouviram


muito próximo o ruído de mais pedras que rolavam.
- Depressa, depressa, elas nos estão alcançando! – gritava Teovaldo em
seu voo.

De repente, o chão tremeu e rachou. Eles perderam o equilíbrio e caíram. A


cidade inteira, ou o que restava dela, foi engolida pela terra, formando-se
imensa cratera em seu lugar. A pedreira continuava a desmoronar e
gigantescos blocos de pedra permaneciam rolando.
- Precisamos alcançar o túnel! – apontou Cabelos de Ouro, se levantando.

O chão ainda tremia. A pedreira estalava e abria fendas. Finalmente


alcançaram a boca do túnel, entrando. Cabelos de Ouro suava demais e mal
conseguia respirar, o mesmo se dando com Petisco. Dentro do túnel a
situação também não era segura, pois tudo tremia e pedras soltavam-se do
teto e paredes. Avançaram alguns metros, mas pararam assustados, olhando
para trás. A boca do túnel por onde haviam entrado e o trecho que tinham
percorrido, desmoronavam produzindo enorme estrondo levantando uma
nuvem de poeira.
- Está caindo tudo - falou Petisco recomeçando a correr.
- Ui, o chão está agora tremendo mais! - disse Cabelos de Ouro bastante
assustado.

Novo trecho desmoronou dois metros atrás deles. Apavorados se lançaram


para frente. As pedras continuavam a se soltar; eles correram mais depressa
e finalmente atingiram a escada, ao final do túnel.
- Acho que não agüentarei subir - disse Cabelos de Ouro parando a fim de
tomar fôlego.
- Estou também quase caindo - falou Petisco.

Mas mudaram logo de ideia quando olharam para trás vendo o túnel inteiro
a desabar, empurrando sobre eles aquela enorme nuvem de poeira.
- Cóff, cóff, vamos embora! - falou o menino tossindo.
- Currupáco, currupáco! - Teovaldo somente reclamava, levantando
nervosamente um pé e depois outro sobre o ombro do amigo.

Petisco partia à frente, Cabelos de Ouro vinha em seguida pulando os


degraus dois a dois. No primeiro patamar pararam para retomar o fôlego. Os
desabamentos haviam cessado, mas o chão ainda tremia e a nuvem de
poeira tornava-se cada vez mais forte.
- Para frente, para frente! - incentivava Teovaldo.

Mas cansados como estavam somente conseguiam prosseguir lentamente.


A nuvem de poeira os envolvia completamente; eles mal enxergavam. Seus
olhos ardiam. Cabelos de Ouro tentou de novo subir os degraus dois a dois,
mas escorregou e caiu. Teovaldo pulou de seu ombro gritando:
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- Cuidado, cuidado! O menino se levantou com dificuldade. Teovaldo voltou


ao seu ombro e Petisco aguardava dois degraus acima.

Entretanto, novo perigo veio ameaçar-lhes: um tremor mais forte rachou a


escada bem no meio, de cima abaixo. A rachadura continuou a abrir-se
formando larga fenda. O menino e o cão pularam para um dos lados da
parede, apoiando-se nela. Uma onda de calor subiu da fenda e eles
amedrontados temeram afundar. Faltavam agora mais ou menos sete
metros. A claridade vinda da superfície já era percebida apesar da poeira.
Cabelos de Ouro se arrastava apoiando-se na parede, Petisco ainda seguia
dois degraus adiante, igualmente esgotado, com a língua de fora.
- Não desistam, falta pouco! - falava Teovaldo seguidamente.

De onde agora estavam já conseguiam enxergar a ponta do galho de uma


árvore. A claridade aumentava, mas suas forças quase acabavam. Quando
faltavam dois metros para saírem daquele buraco, um tremor definitivo
puxou a escada sob os seus pés, como se puxa um tapete. Porém, ambos,
num último esforço, dois segundos antes, se lançaram para cima, pularam e
conseguiram alcançar a superfície.

Mas não estavam ainda a salvo. A terra tremia muito e abria fendas ao
redor; ondulava como bandeira ao vento. Cabelos de Ouro e Petisco
deitados e sem forças não conseguiam se mexer.
- Mais um pouco, um pouquinho só, currupáco! - implorava Teovaldo
voando acima dos dois.

Tudo inútil, ambos haviam desfalecido. Súbito uma imensa cratera se abriu
levando para o fundo árvores, arbustos, grama e tudo o que existia naquele
círculo. Teovaldo batia asas e gritava, tentava puxar o menino pelos cabelos
e Petisco pelas orelhas. Cabelos de Ouro só gemia e Petisco um pouco
afastado gania. Para desespero do papagaio, a cratera alargou-se mais e
passou debaixo do corpo de Cabelos de Ouro. Um braço e uma perna dele
permaneceram no ar e o resto de seu corpo ficou cái-não-cái.

EPÍLOGO

Assim ficou Cabelos de Ouro, dependurado e desfalecido. Petisco, por


sorte, caíra um metro adiante, fora de perigo, pelo menos por enquanto.
Teovaldo andava nervosamente, bicava a cabeça de Cabelos de Ouro
tentando acordá-lo e resmungava. O tempo passou. Petiscou acordou antes,
e para ajudar a despertar o menino, lambia-lhe o rosto.
- Onde estou... Ui, que buraco! - acordou, finalmente, assustado, rolando
para o lado..
- Foi por pouco, por muito pouco! - reclamava Teovaldo ainda no chão, mais
aliviado.
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Cabelos de Ouro levantou-se com todo o cuidado e olhou para o fundo


daquela cratera, comentando:
- Isto foi o fim dos twichz e dos sonhos loucos de seu imperador. O Sol
ainda é o rei e sempre será!
- Quem tudo quer, tudo perde! - falou Teovaldo voando para o menino.
- É isto mesmo. Andemos um pouco para vermos como estão as coisas por
aqui - disse Cabelos de Ouro sacudindo a poeira da roupa e passando as
mãos nos belos cabelos.

Mas para a decepção deles, nada ali havia mudado. Eles se entristeceram.
Resolveram que chamariam por Armou. Porém, no exato instante em que o
menino ia chamar tendo já Petisco nos braços e Teovaldo no ombro, surge-
lhes no ar a serpente, enrolada num liso galho, de cabeça para baixo como a
tinham deixado.
- Um momento menino apressado, não se vá ainda não!
- Por quê?
- É, por quê? - interrogou-a, igualmente, Teovaldo.
- Será que não sabe que sua tarefa não terminou? Não viu como a floresta
ainda está abandonada?
- Sim, isto me deixou triste porque pensei que com o fim dos twichz, tudo
voltaria a ser como antes.
- Mas não voltou, não senhor. Está faltando algo e se você partir agora nada
terá conserto. E tudo o que foi feito não terá ajudado a floresta!
- Há algo mais a se fazer?
- Uma coisa pequena, porém muito importante.
- E o que é?
- Um apelo para a Semente Mãe.
- Semente Mãe?
- É menino, a Semente Mãe desta floresta que secou. Será que você não
sabe que toda a floresta possui uma Semente Mãe? Se assim não fosse
como é que as plantas iriam nascer?
- Mas onde fica a Semente Mãe?
- Fica para lá.
- Para onde?
- Para lá, menino perguntador, lá para cima onde as nuvens descem e se
transformam em alma de todas as coisas!
- Mas como?
- Se transformando, ora essa! Ela é a Semente Mãe e as almas são suas
filhas, e tudo é uma alma só, será que não entende? Cabelos de Ouro não
entendeu muito bem; não insistindo naquilo, mas quis saber:
- E qual apelo eu devo fazer?
- Um apelo qualquer, em voz alta, que venha do fundo de seu coração. Você
deve pedir que a alma da floresta volte à vida.
- E as pedras que perderam a alma, e os animais e pássaros que partiram e
os rios e córregos que secaram?
- Menino preocupado, deixe isto para lá. Se a floresta novamente vingar
tudo voltará como antes.
46

Cabelos de Ouro largou Petisco ao chão e parou a pensar. Coçou o queixo,


passou a mão nos cabelos e olhou para as copas secas das árvores. Como
uma ideia o socorresse, começou:
- Semente Mãe, que é a alma de todas as coisas deste reino, o mal já se foi,
mas falta a sua presença. Será que você podia de novo vir morar nesta
floresta? Nós ficaríamos muito felizes se isto acontecesse. Obrigado!
- Pronto menino do coração puro, agora é só esperar.
- Mas isto demora, leva muito tempo – reclamou o menino.
- Que importa o tempo? Ele está aqui, esteve ali, está acolá. O tempo não
passa, menino, são as coisas que passam!
- Então não veremos o resultado do apelo? – insistiu Cabelos de Ouro.
- Se o seu coração é puro sua palavra recria. Então o que é palavra é vida!
- Que bicho complicado, currupáco!
- Não entendi nada, também! – reclamou da mesma forma, Petisco.
- Está tudo muito certo, dona serpente, mas não podemos esperar para ver
as coisas passarem. Precisamos voltar para o nosso mundo. Como fazemos,
gritamos para o senhor Armou?
- Não, menino, você precisa fechar a porta que deixou aberta. Do contrário,
todas as vezes que viajar irá parar num lugar do passado. Chegue para junto
de mim e vire meu corpo para a direita, uma volta e meia..., para a direita!

Ele fez conforme a serpente havia explicado e a cabeça dela voltou a ficar
para cima. Cabelos de Ouro abaixou-se tomando Petisco nos braços, mas
quando ia entrar no anel formado pelo corpo da serpente, ela o interrompeu:
- Um momento, menino, se entrar agora ainda estará no passado, lembra-
se? Foi Armou quem o trouxe antes do portal. Mas se quiser voltar ao
presente de onde aceitou a missão, gire o meu corpo mais sete graus para a
direita, somente mais sete!
- Como é que eu vou saber onde são sete graus?
- Preste atenção porque não volto a repetir: pense em sete graus e gire
minha cabeça. Quando sua mão tremer, ali será. Cuidado, menino, se passar
de sete irá para o futuro. Ao transpor o meu anel pense no lugar onde deseja
estar e ande três passos!

Cabelos de Ouro passou Petisco para o outro braço, colocou a mão direita
sobre a cabeça da serpente, pensou em sete graus e veio puxando-a para a
direita com todo o cuidado......, bem devagarzinho. Afinal, sete graus é tão
pouquinho! De repente, sua mão tremeu como uma vara de pescar quando
um peixe é fisgado. Ele, satisfeito, largou-a.
- Pronto, disse sorrindo, abraçando de novo Petisco com os dois braços,
agora vamos. Adeus dona serpente!
- Adeus fogaréu infernal, adeus twichz, currupáco! – despediu-se também
Teovaldo.
- Adeus tudo o que é ruim! – disse Petisco.
47

E entraram pela porta do tempo. Cabelos de Ouro pensou naquele lugar de


onde haviam deixado o mago do tempo e andou os três passos ensinados
pela serpente. Vuuupt! Uma névoa os envolveu e záz, surgiram noutro
cenário.
- Estamos de volta! – comemorou o menino, pondo Petisco no chão.
- Veja, Cabelos de Ouro! As coisas estão mudadas neste lugar! – alertou
Teovaldo.
- É mesmo, no lugar de cada vegetal que secou já nasce outro verde!
- A Semente Mãe ouviu o meu apelo. A alma da floresta voltou!
- Cabelos de Ouro, ali há gnomos! – mostrou Petisco olhando para o local.
- É..., estão trabalhando felizes, que bom!

Resolveram caminhar para ver outras coisas e notaram que o leito de um


riacho começava a encher.
- Ouçam, um pássaro está cantando – observou Teovaldo.
- Viva! – gritava e pulava o menino. Petisco corria e dava cambalhotas.
Teovaldo voava e rodopiava no ar. Cansados de comemorar, Cabelos de
Ouro falou-lhes:
- Devemos ir para casa, já tivemos aventuras demais desta vez. Meu relógio
parou em nove horas. Não sei quanto tempo se passou desde que aqui
chegamos. Meus pais certamente estarão pensando que me perdi no mundo.
Vamos!

Ele abriu o estojo preso ao cinto e tomou Petisco num dos braços.
Teovaldo veio pousar em seu ombro. Virou-se para o nascente puxando o
disco sobre o plexo, acima do umbigo, e recitou:
- Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar, me
leve pro lado de lá! E pensou no lugar de onde tinham saído ao início de
tudo.
- Pronto, chegamos!

Ele olhou então para o relógio em seu pulso. Eram nove horas e sete
minutos.
- Nove e sete? Será que passamos somente sete minutos do lado de lá?
- Currupáco!
- Hum, hum – ganiu Petisco.

Eis que de repente uma nuvem azul se formou diante deles e duas figuras
surgiram inteiras no ar.
- Chi..., será mais confusão? – perguntou-se Teovaldo.

É o fim da jornada - quanto fostes leais!


E graças aos três todo mal acabou,
Deixar eu não posso que agora aqui estais,
A todos dizer que tão grato eu sou.!
48

O mundo aqui no lugar onde estamos,


Que hoje não sabe e haverá de saber,
Que todos os reinos que a todos amamos,
Aos três muito devem e inda hão de dever!

Que eu trago comigo pequena lembrança,


Que eu quero ela dar, pois que vem deste Armou,
E qual joia é pequena, mas muito ela alcança,
E que vinda de mim e se vem nela estou!

Eis aqui ampulheta: só de ouro e com grãos,


Que neste momento a vós quero entregar,
E quando a tiverdes segura nas mãos,
Somente a este mago podeis vós chamar!

Qual um raio, centelha, um segundo no espaço,


No lugar estarei num exato momento,
Pra servir-vos virei isto é certo vos faço
Tal e qual sei vos servem esse ar, este vento!

E a estendeu a Pedro. A ampulheta brilhava e rebrilhava; seus grãos de


ouro desciam um a um, produzindo sons agradáveis.
- É maravilhosa, senhor Armou!
- Também lhes trago algo, amigos, tomem! – disse Djayan, o outro que
viera, entregando a Pedro um pequeno peixe de prata, do tamanho de um
polegar – trouxe-o do fundo das sete águas, das urnas dos tesouros. É de
vocês. Se um dia estiverem em perigo, sobre as águas ou dentro delas,
soprem a boca deste peixe e imediatamente receberão ajuda.
- É um presente também maravilhoso, Djayan. Muito lhe agradecemos e ao
senhor Armou.
- Nada me tem a agradecer, adeus! – despediu-se Djayan, acenando.
- Adeus! – despediu-se também Armou, com um sorriso.
- Adeus! - responderam o menino e o papagaio. Petisco somente ganiu. A
nuvem desapareceu levando com ela os dois amigos.
- Bem, andemos agora – disse Pedro Pinote.
- Como vai a cabeça, menino? – perguntou a serpente, surgindo-lhe
adiante, ainda enroscada como um grande anel.
- Oh! É a senhora dona serpente?
- Como vai a cabeça? – repetiu a pergunta.
- A cabeça?
- Sim, os pensamentos!
- Confusos. Parece-me que somente sete minutos se passaram desde que
partimos daqui. Mas sinto que na realidade foi muito mais tempo!
- É isto, menino, é isto! O passado confunde. Ele está no tempo e não
sabemos se fomos ou se não fomos, mas quantas coisas trazemos! Então dá
uma confusão deste tamanho, e não sabemos se de fato fizemos!
- E isto é mal?
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- É mal quando se faz o mal. Mas você, menino, nada tem a temer por que
seu coração é como os seus cabelos. E não temam agora os seus dois
amigos. Não há perigo para eles porque suas mentes verdadeiras ainda
brotarão. Adeus, menino, adeus a todos e não pense sobre o tempo, viva o
momento! E sumiu também.

Cabelos de Ouro dirigiu-se então aos companheiros:


- Creio que agora ninguém mais nos visitará. Estes sete minutos em que
nos ausentamos valeram por metade de uma vida. É o tempo, é o tempo! –
encerrou rindo.
- Currupáco!
- Au, au!

Por Rayom Ra
[ Direitos autorais No 75.012 ]

Obra revista em 18-06-2018

SÉRIE HISTÓRIAS MÁGICAS

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Rayom Ra
http://arcadeouro.blogspot.com.br

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