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PEDRO PINOTE
O
REINO DA FLORESTA
QUE SECOU
RAYOM RA
* PEDRO PINOTE
* O VELOCINO
rayomra278@gmail.com
http://arcadeouro.blogspot.com.br
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CAPÍTULO I
CONVERSA FRANCA
Mas veio o sábado; com ele a necessidade de algo fazerem para não
ficarem ociosos. Uma coisa difícil de explicar os atraiu para os lados da casa
velha, a todos os oito, e ao contemplarem o palco vazio e os bancos de
madeira sob o sol, sobreveio-lhes estranha vontade de ali sentar-se. E mais:
desejavam sentir novamente a emoção da espera, de ouvir a agradável e
harmoniosa voz de Leal, o contador de histórias. Um olhou para o outro e
cada olhar foi uma condenação: tinham abandonado os três amigos que tão
longe os haviam levado. Naquela semana sequer haviam falado deles – dos
três heróis – feito um único comentário! Seria possível uma reconciliação?
- Bom dia! Vocês desejam alguma coisa? Que voz bonita, que dentes
brancos, que pele lisa e clara!
- Bem..., é que, nós. Não, nada não! - respondeu Edu, bastante corado.
- Não?
- Não! - reafirmou Jorge.
- Querem entrar e falar com meu tio? Ele está lá dentro com meu pai, lendo
jornal.
- Pra que incomodar, né? - reafirmou Tião, coçando a cabeça.
- É... Deixe pra outra vez - reconfirmou Dino.
- Não incomoda nada, ele gosta de crianças. Pronto, ela precisava dizer
aquilo! O entusiasmo imediatamente esfriou e ficaram mais ainda sem graça.
- Vamos, entrem! - insistiu com carinho. Eles se entreolharam com jeito de
quem é novo num lugar e não sabe como proceder ou onde enfiar as mãos.
Mas não tendo como escapar do convite, foram entrando, um a um,
parecendo passar pelo interior de um corredor polonês.
- Esperem um momento, eu vou chamar titio - disse ela saindo. Eles
respiraram meio aliviados. Magriça aproveitou e foi logo se sentando num
dos bancos, dizendo:
- Quem diria a gente ia se sentir assim, neste lugar que já foi nosso!
- É mesmo, a gente até parece estar com medo do seu Leal - completou
Dino.
- Já pensaram se, ao invés do seu Leal, fosse um daqueles camaradas da
polícia que morasse aqui? - imaginou inconvenientemente Tião.
- Qual? - perguntou Magriça como se realmente não lembrasse.
- Aquele que dona Cinira mandou chamar pra prender a gente! - relembrou
Tião dando especial entonação às palavras.
- Ih, Tião! Não venha de novo inventar histórias, ainda mais de coisas que
nunca aconteceram. Veja se cala esta boca! - repreendeu-o Zecão. Tião riu.
Leal surgiu detrás do palco, saudando-os:
- Ora, que prazer, bom dia amigos! – Mediante a saudação e cativante
sorriso, os meninos responderam quase ao mesmo tempo – vejo que não me
esqueceram. Vieram me visitar ou solicitar algo?
- Bem..., nós... - gaguejou Jorge.
- Visitar! - socorreu-o Tião.
- Que ótimo, não querem entrar?
- Não, não senhor, obrigado! - respondeu Magriça excitado, lembrando
ainda da caveira.
- Então vamos nos sentar aqui mesmo e conversar, o sol está gostoso.
Sentaram-se todos junto a Magriça se apertando num só banco, tomando-o
por inteiro. Leal sentou-se dois bancos adiante voltado para eles. Sob o sol,
seus cabelos brilhavam muito e os meninos notaram isto.
- Então, gostaram das aventuras do Pedro Pinote?
- Eu gostei mais do Cabelos de Ouro - respondeu Japonês. Leal riu
gostosamente.
- Seu Leal, o senhor já foi palhaço? - perguntou de supetão Dino, levando
por isso uma cotovelada de Zecão, soltando um ai...! Leal não se
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CAPÍTULO II
Não chovera pela madrugada embora o dia acordasse com o céu nublado.
Perto das onze o sol surgiu meio espremido pelas nuvens escuras, mas,
indeciso, desaparecera. Mais adiante surgiu de novo; a princípio ainda
preguiçoso, porém logo se decidindo a permanecer. A partir daí, o otimismo
da criançada se transformou, pois torciam para que não chovesse.
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Curado daquela tristeza que o levara a adoecer, Pedro Pinote voltava a viver
como sempre. Seus pais aceitaram Teovaldo e Petisco, julgando com isso
que estariam contribuindo com sua cura. O menino não quis fazer a menor
referência sobre o que lhe sucedera; guardava segredo a respeito de seus
novos amigos, do disco de ouro e das aventuras fantásticas que
experimentara.
O menino pediu aos pais o cofre. Eles estranharam tal pedido e quiseram
saber tudo direitinho. Ele se embaraçou: disse-lhes desejar guardar coisas
que não queria que fossem vistas.
- Que coisas, Pedro?
- Coisas minhas, já disse. Não quero que ninguém as veja ou pegue!
- Nem seu pai ou sua mãe?
- Ih, mãe, não complique. São coisas minhas e de mais ninguém, só
interessam a mim. Será que não tenho o direito de guardar minhas coisas?
Sua mãe não se convenceu, nem o pai. Mas resolveram consentir, afinal
poderia ser somente um capricho de menino.
- Ah, finalmente vou retirá-los debaixo do colchão! - disse a Teovaldo no
quarto onde dormia com seus amigos.
O cofre era pequeno, daria para deixá-lo sobre a mesa; era bom e forte.
Tinha um disco de segredo, mas nada de cadeado. Pedro não ficou satisfeito
e o levou a um ferreiro. Mandou que soldasse duas hastes: uma na porta e
outra na lateral. Desta forma poderia colocar um cadeado e assegurar-se de
que ninguém o abriria, mesmo que descobrissem o segredo. O trabalho foi
feito e Pedro ficou satisfeito. A partir dai passou a andar com a chave
dependurada no pescoço, mas resolvera guardar o cofre debaixo da cama.
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Passada quase uma semana Pedro estava inquieto. Não lhe faltara trabalho
naqueles dias. Por causa de sua doença fora obrigado a estudar muito, a
colocar as matérias em dia e a fazer dois trabalhos de pesquisa: um de
história e outro de ciências. Com todas estas ocupações durante o dia não
pudera mesmo sequer pensar sobre aquela viagem mágica. Às noites, antes
de dormir, sentava-se à beira do leito para trocar algumas palavras com
Teovaldo. Mas logo o cansaço o dominava e se jogava de cabeça no
travesseiro, dormindo.
Mas chegou o sábado. Pelas oito da manhã ele pulou da cama satisfeito,
cheio de vigor, esfregando as mãos, indo para os lados de Teovaldo.
- É hoje, Teovaldo, vamos viajar de novo! Já estava começando a ficar
nervoso de tanto estudar, a semana não queria acabar nunca!
- Currupáco! - exclamou o papagaio meio desanimado.
- Que foi? Não está satisfeito com a ideia?
- Currupáco! - continuou a exclamar.
- Vamos, ânimo! Será que prefere ficar aqui, neste quarto, enquanto Petisco
e eu conhecemos coisas novas e fascinantes?
- Não sei... , não sei - o desânimo era agora evidente.
- Não sabe o quê?
- Não sei se vou. Estou muito bem aqui com as penas de minhas asas e de
meu rabo. Daquela vez quase perdi tudo, currupáco!
- Não exagere, Teovaldo, foram só uns sustinhos à toa. Não deram nem pra
meter medo ou será que deram?
- Medo, medo, não. Mas um pouco de receio deram sim. Se a gente vai se
meter com coisas que não nos dizem respeito, podemos acabar muito mal.
- Coisas que não nos dizem respeito? Ora, seu papagaio acomodado. Como
é que não nos dizem respeito? Então não se lembra do que nos disse Servo-
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- Lembro, sim, daquele baixinho prosa, lembro-me muito bem!
- Então será que não valeram à pena os riscos porque passamos para
sabermos que os minerais têm vida, alma e energia? Que as almas e os
corpos de uns avançam e se enchem de beleza enquanto outros se atrasam?
E tudo o que vimos com nossos próprios olhos? Estas coisas não lhe
ensinaram nada?
- Bem, ensinar, ensinaram, mas...
- Mas o quê?
- Não me convenceram, currupáco!
- Ora, assim é demais.
Realmente, a visão que os três tinham não era nada animadora: uma
floresta inteira a perder de vista, transformada em milhares e milhares de
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esqueletos. Não havia uma plantinha sequer que fosse verde, nem uma
minúscula folha, nem um capinzinho: estava tudo seco!
Neste momento Petisco começou a latir, se metendo por entre uns galhos e
desaparecendo.
- Petisco, volte aqui! – o menino chamou-o, preocupado.
- Lá adiante, Cabelos de Ouro, ele está farejando algo. Acho que descobriu
alguma coisa!
- Mas como o senhor pode viver tanto tempo aqui, onde não existe nada?
O gnomo nos disse que ele não pode mais trabalhar porque tudo morreu!
- Ué, como é que o senhor sendo tão poderoso nada fez para impedir isto? -
interferiu Teovaldo.
- É..., por quê? - ajudou-o Petisco.
- Em mim confiar?
- Não falei? Eu sabia, currupáco!
Cabelos de Ouro começou então a pensar. Que pena, bem que tudo podia
estar como antes. Mas nada. Tudo aqui é morte, até parece um cemitério! Ele
baixou a cabeça e encontrou o rosto sisudo do gnomo que o olhava com
expressão interrogativa. Voltou-se de novo para Armou e encontrou-lhe o
mesmo sorriso. O mago aguardava como o próprio tempo.
- Bem que eu gostaria de ajudar com meus amigos, mas o que poderíamos
fazer senhor Armou?
- Seja o que for estou agora disposto. Levarei meus valentes amigos
Teovaldo e Petisco! – Cabelos de Ouro finalmente se decidia.
- Currupáco... – fez Teovaldo, desanimado.
- Au, au! – fez Petisco mais ativo.
- Além do mais, continuou o menino, levo comigo o disco de ouro que
haverá de nos transportar à salvo.
- Não tem?
- Estamos fritos, currupáco!
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Cabelos de Ouro coçou a cabeça em dúvida. Mas como tinha dado a sua
palavra, confirmou-a:
- Está bem, eu tentarei, eu e meus companheiros!
Armou sorriu com mais beleza e levantou os braços, segurando numa das
mãos o seu cajado. Em seguida recomeçou:
- Dim-dom, dim-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom,
dim-dom! Dim-dom, dim-dom!
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Mas o gnomo desta feita não queria mesmo saber de falar e continuou a
soluçar. E soluçava com tamanho sentimento que Teovaldo e Petisco já
começavam a ficar tocados.
- Currupáco, currupáco!
- Hum, hum!
- Creio que não adianta mesmo, disse o menino coçando a cabeça e
desistindo, além do mais ele não nos conhece aqui porque voltamos no
tempo. Vamos seguir, amigos!
Adiante foram surgir numa clareira rodeada de altos arbustos. Para além da
clareira um estreito caminho se mostrava como a única alternativa para
prosseguirem. Cabelos de Ouro adiantou-se e entrou no caminho, Petisco
vinha logo atrás. O menino lutava para se desvencilhar dos galhos que o
atrapalhavam. No seu ombro Teovaldo reclamava; levantava um pé, depois
outro, se encolhia todo ou abria as asas para se equilibrar.
Então eles viram de quem se tratava. Ela veio escorregando e parou ao alto,
bem diante deles, entre ambas as árvores. Suspendeu a enorme cabeça e
lançou sua língua muito vermelha para fora, olhando-os atentamente.
- Uma serpente, au, au!
- Cruz credo, currupáco!
- Uma serpente? – indagou espantado Cabelos de Ouro.
- Sim, uma serpente, confirmou ela, e aqui estou para impedi-los...
- Impedir-nos? – interrompeu Cabelos de Ouro.
- Ou abrir-lhes a porta!
- A porta? Então a porta é aqui?
- Sim, no meio destas árvores, mas ninguém passará sem antes desvendar
um enigma.
- Qual enigma?
- Um enigma, não importa qual. Mas para onde pretendem ir?
- Para o passado, quero dizer, mais ainda – respondeu Cabelos de Ouro.
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- Para o passado? Que temeridade, jovem audaz! Não sabe por acaso que
se rebuscarmos ao passado podemos nos perder nos caminhos que já
foram?
- O senhor Armou nos disse que se precisássemos de ajuda era só gritar o
seu nome!
- É isso mesmo, ele disse! – confirmou Teovaldo já meio irritado com
aquela conversa.
- Não é disso que estou falando, gente, estou falando da cabeça!
- Cabeça?
- É..., da cabeça, sim! O passado faz girar a cabeça e o que passou volta a
passar. O bem retorna como bem, mas o mal retorna como mal; então dá
uma confusão deste tamanho! A gente acaba não sabendo direito quem
somos ou o que fizemos.
- Ai, ai, vamos entrar bem mais uma vez! – resmungou Teovaldo.
- Mas isso pode acontecer conosco?
- Claro que sim, pode com todo mundo. Mas por que está pensando nisto
se ainda nem desvendou o enigma?
- Então pergunte logo e deixe de conversa fiada! – enervou-se Teovaldo.
- Psiu..., quieto, Teovaldo, ela só está nos alertando.
- Ora, o que ela devia fazer era primeiro perguntar, depois alertar,
currupáco.
- Está bem, então eu vou perguntar uma única vez. Preste bastante atenção,
menino, porque eu não vou repetir. Somente você poderá responder:
- Queremos ir para onde alguém fez uma coisa que secou esta floresta
inteira.
- Ah, já sei! – disse a serpente.
Ela então escorregou para um galho seco que ficava mais ao alto, apontado
para diante do caminho, entre as duas árvores, e apoiada neste galho
formou um grande anel com seu grosso e comprido corpo, quase tocando o
chão. Trouxe a ponta da cauda para dentro da boca, retirou-a da boca e
falou:
- Preste muita atenção, menino, eu não vou repetir. Você irá segurar a
minha cabeça e puxa-la para baixo, dando uma volta e meia no meu corpo
para a esquerda. Daí entrarão pelo meu anel e você pensará com firmeza
onde deseja chegar, dando depois três passos à frente. Lembre-se bem, uma
volta e meia para a esquerda, e o passado retornará. Adeus e boa sorte!
CAPÍTULO III
FUGA DESENFREADA
Era realmente uma cidade, mas muito estranha. Daquele patamar onde se
encontravam, bem no meio de uma pedreira cercada por morros de terra
preta, podiam distinguir parte dela. As casas eram de arquitetura jamais
vista; pareciam como o fogo de tochas que houvesse endurecido. Os
telhados eram pontiagudos lembrando chamas e as paredes tinham sulcos
de cima abaixo. Eram todas arredondadas e de um vermelho muito vivo.
Logo apontaram numa rua mais larga que terminava numa casa gigantesca
de construção igual a todas as outras. A enorme casa ligava-se a uma
montanha mais atrás. Cabelos de Ouro teve a impressão que de dentro da
casa se podia ingressar no interior da montanha. Ao se aproximarem da
escadaria os soldados pararam e o comandante gritou-lhes:
- Entremos no palácio de nosso grande imperador!
Neste salão, que era também imenso, a bola de fogo ardia intensamente.
Ocupava metade do espaço e tinha muitos metros de altura. O calor era
terrível. Cabelos de Ouro e seus amigos jamais poderiam entrar.
- Vamos! – ordenou o comandante.
- Não podemos, vamos nos queimar! – protestou o menino.
- Mas como um espião do Sol pode ter medo do fogo? – admirou-se o
comandante.
- Eu não sou espião do Sol, já disse, eu sou do lado de lá!
- Viu como está mentindo? Do lado de lá só existe o Sol, então você veio
mesmo do Sol!
A bola de fogo continuava a estalar e uma forma saiu de dentro dela, logo
acompanhada de sete outras. A primeira era alta. As sete menores se
afastaram um pouco.
- Fale comandante!– ordenou a mais alta. O comandante ainda estirado
começou:
- Grande imperador, capturamos três invasores. Um deles é o espião do Sol
que tanto temíamos um dia viria nos espionar.
- O espião do Sol? Estamos com sorte!
Os seres vieram cercá-los. Seus corpos eram idênticos aos dos soldados
que os perseguiam, com a diferença de que estavam incandescentes e com
cabeças inflamadas.
- O imperador mandou! O imperador mandou! – diziam em coro, ao mesmo
tempo em que iam formando um círculo em torno dos três. De repente uma
faixa de fogo os uniu pelas cabeças, formando um único anel. Logo o anel
desceu pelos seus corpos até o chão se transformando num tubo ardente,
deixando os três amigos totalmente cercados e em grande perigo de serem
assados vivos.
CAPÍTULO IV
DJAYAN, UM AMIGO
Teovaldo fez como solicitado e o menino, por sua vez, lançou sua pedra no
mesmo ser. "Plict," "Ploft," fizeram ambas, atingindo a cabeça dele, fazendo-
o cair. Imediatamente formou-se uma abertura onde ele caíra e Cabelos de
Ouro agarrou Petisco, pulando pela abertura, escapando daquele inferno de
chamas.
- Minha perna ainda dói muito. Deixe-me ver como está – falou Cabelos de
Ouro levantando uma perna das calças. Ao baixar a meia viu que havia um
ferimento. Estava vermelho e sem pele, como forte queimadura. Ele
recolocou a meia, gemendo, e verificou que a perna das calças, acima do
tornozelo, estava também queimada. Ficou de pé e ensaiou alguns passos.
- Dói, mas creio que dará para caminhar.
- Então vamos acompanhar a extensão da gruta. Lá adiante tomaremos
outro caminho; não é muito longe. – apontou Djayan.
Assim fizeram. Djayan ia à frente. O som produzido pela água, embora forte,
agradava-os. A água descia por um lado inteiro do caminho e os três heróis
tinham a sensação de estar dentro de uma cachoeira. Mais adiante Djayan
parou dizendo:
- Aqui entramos! Eles olharam para todas as direções e nada viram, exceto
o corredor adiante e a cortina d água caindo neste lado.
- Onde? – perguntou Teovaldo. Petisco somente farejou.
- Nada vejo Djayan – afirmou Cabelos de Ouro. Ele sorriu e indicou com a
mão:
- Entramos bem aqui, pelo interior da água. Existe uma abertura na parede
que nos conduzirá a um túnel. Vamos!
- Segure-me, Cabelos de Ouro, currupáco.
O túnel era curto. Logo atingiram um patamar. Havia certa claridade; assim
podiam caminhar com desembaraço. Tudo ali era úmido, mas eles se
sentiam bem. Djayan apontou para o túnel da esquerda e prosseguiram.
Logo pararam. Os três viram então algo que os surpreendeu: um portal
perfeitamente quadrado, de pedra clara e transparente. Ali existia uma
energia que vibrava.
Repetiram uma, duas, três vezes. Ao final sabiam tudo de cor sem cometer
enganos. Djayan fez sinal para Cabelos de Ouro e ele tomou Petisco nos
braços. Teovaldo aninhou-se no seu ombro. Ficaram então em posição e
repetiram juntos a um só tempo: O Vale Guardado do Quarto Reinado na
Terra de Djan..., e pularam para dentro da cortina!
CAPÍTULO V
- Oh! Isto não pode existir! – falou Cabelos de Ouro, quase boquiaberto.
- Currupáco!
- Au, au!
Os quatro foram surgir próximo à margem de uma incrível bacia onde sete
cachoeiras se derramavam. Tudo ali era grandioso! As sete cachoeiras
possuíam, cada qual, águas de um matiz diferente. As águas brilhavam e
resplandeciam, cantavam e se misturavam. Produziam ao encontro de todas,
combinações multicoloridas. Respingos voavam; pequenas ondas se
formavam refletindo, vibrando e transmitindo suavidade. Criaturas cheias de
alegria espalhavam-se por toda a bacia. Umas mergulhavam do ar, outras
das pedras junto às margens ou mesmo das próprias margens que eram
verdes, entremeadas de flores e de pequenas plantas.
- E por que nós não? – interrogou-o Teovaldo, falando também por Petisco.
Djayan rindo começou a explicar-lhes:
- As aves e os animais daqui não usam saiotes ou outras vestes, só os
encantados. Reparem, as ondinas têm véus e eu tenho saiote.
- Então você é um encantado? – perguntou Cabelos de Ouro.
- Sim, das profundezas do reino das sete águas. Lá vive um rei, o rei de
todos e eu sou um de seus súditos. Aqui também há uma rainha e as
ondinas são suas súditas.
- E onde está a rainha? – Cabelos de Ouro voltou a perguntar com
interesse.
- Nas águas, nas correntezas, nas cachoeiras, nas ondinas. Está em todas
as partes, em todos estes lugares.
- Chiii..., que complicação! – reclamou Teovaldo.
- Voltando às vestes. Por que acabei vestido assim se não sou um
encantado?
- Suas roupas não eram apropriadas para o local, por isso a magia do Vale
o vestiu assim.
- A magia do Vale?
- Sim, a magia de tudo. Não vê como tudo aqui é mágico e perfeito? Todos
os de fora que raramente entram aqui precisam adaptar-se às sete correntes
da perfeição deste Vale, como vocês fizeram. Nestes momentos em que aqui
permanecem transformam-se também em encantados como nós.
- E por que este lugar é chamado de Quarto Reinado na Terra de Djan? –
perguntou ainda o visitante. Djayan calmamente continuou a responder:
- Existem vários reinos que se desenvolvem durante os vários reinados.
Este é somente o Quarto Reinado na Terra de Djan, o grande Ser que tudo
sabe e tudo possui.
- E por que você nos trouxe aqui, Djayan?
- Para ajudá-los a fim de que em troca vocês nos ajudem. Sabemos que
pretendem auxiliar ao Reino da Floresta que secou. Mas para isto precisam
combater o mal entranhado nas chamas dos twichz. Entretanto, precisarão
descer mais para o interior da Terra a fim de encontrar o Senhor da Chama.
Só ele, Cabelos de Ouro, e somente ele poderá ensiná-lo como vencer os
twichz, com a ajuda de seus companheiros, naturalmente.
- Descer mais..., não podemos, é muito quente!
- Não dá, não dá não, currupáco!
- Eis porque desejamos ajudá-los. Se você não os vencer, Cabelos de Ouro,
nós também deste Vale e de toda a Terra de Djan, correremos igual perigo!
- Mas por que vocês não se unem e não os enfrentam?
- Não podemos, nossa natureza é outra. Somos plásticos, passivos, sem o
poder de combater. Somos o bem, a pureza; não lutamos contra o mal.
Somente alguém humano como você e puro de coração, poderá enfrentar
esta ameaça. Se eles vencerem partirão também para o seu mundo
colocando em perigo todas as outras coisas existentes.
- Mas não há ninguém aqui deste lado que os enfrente?
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CAPÍTULO VI
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O SENHOR DA CHAMA
Ao atingir o meio da ponte uma horrível boca que cuspia fogo os assustou.
Logo tomou a forma de uma grande cabeça de dragão e se colocou
exatamente na outra extremidade da ponte!
- Outra ameaça! – falou Cabelos de Ouro decepcionado. Mal isto se deu
voltaram a sentir outro véu se derreter.
- Derreteu mais um! – alertou Petisco.
- Agora restam cinco! – falou Cabelos de Ouro.
nas suas pontas. Logo pularam para a margem pisando o solo firme, e
descansaram.
Cabelos de Ouro protegia os olhos com uma das mãos, Petisco escondia
os seus com as patinhas, enquanto Teovaldo cobria a cabeça com uma das
asas. Quando Cabelos de Ouro tentou prosseguir duas grandes portas em
chamas fecharam a entrada, impedindo-o de entrar.
- Preciso atravessá-la, vou mergulhar dentro delas! – disse o menino
resolutamente. Assim ele fez, mas desta vez foi arremessado de volta,
caindo sentado no chão. Teovaldo permaneceu no ar batendo asas e Petisco
esparramou-se de barriga para cima.
- Uau, elas agora são sólidas, embora macias – admirou-se Cabelos de
Ouro – vou tentar novamente! Decidido, tomou novamente Petisco nos
braços, já com Teovaldo em seu ombro, e pulou de encontro às portas.
Porém, como da outra vez, bateu e voltou.
- É impossível! – gritou Teovaldo.
- Que fazer, não vejo nenhuma alternativa!
- Veja, Cabelos de Ouro, numa das portas surgiu uma enorme argola! -
alertou Petisco.
- É mesmo. Vou lá bater, talvez seja esta a solução! – falou o menino, se
encaminhando para lá e batendo a argola por três vezes contra uma das
portas.
Um som esquisito ecoou lá dentro por três vezes e a porta rangeu abrindo
uma fresta.
- Que desejais? – uma poderosa voz como forte trovão foi ouvida.
- Queremos ver o Senhor da Chama! – respondeu o menino.
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Pelo meio da gruta havia fogueiras de pedras que lançavam chispas de luz
como finas labaredas. Do interior das paredes iam surgindo figuras
coloridas nos formatos de quadrados, triângulos, losangos, estrelas de
quatro, cinco, seis ou mais pontas e outras. As figuras deslizavam um tempo
pelas paredes e depois se lançavam para fora, produzindo sons diversos.
Mas tão súbito como surgiam, desapareciam. Novas figuras apareciam da
parede, de diversas direções, deslizando retamente, em círculos ou em
outros movimentos. Nada ali permanecia tranqüilo, todas as coisas se
mexiam. Tudo era vida, cor, vibração!
CAPÍTULO VII
Mas mudaram logo de ideia quando olharam para trás vendo o túnel inteiro
a desabar, empurrando sobre eles aquela enorme nuvem de poeira.
- Cóff, cóff, vamos embora! - falou o menino tossindo.
- Currupáco, currupáco! - Teovaldo somente reclamava, levantando
nervosamente um pé e depois outro sobre o ombro do amigo.
Mas não estavam ainda a salvo. A terra tremia muito e abria fendas ao
redor; ondulava como bandeira ao vento. Cabelos de Ouro e Petisco
deitados e sem forças não conseguiam se mexer.
- Mais um pouco, um pouquinho só, currupáco! - implorava Teovaldo
voando acima dos dois.
Tudo inútil, ambos haviam desfalecido. Súbito uma imensa cratera se abriu
levando para o fundo árvores, arbustos, grama e tudo o que existia naquele
círculo. Teovaldo batia asas e gritava, tentava puxar o menino pelos cabelos
e Petisco pelas orelhas. Cabelos de Ouro só gemia e Petisco um pouco
afastado gania. Para desespero do papagaio, a cratera alargou-se mais e
passou debaixo do corpo de Cabelos de Ouro. Um braço e uma perna dele
permaneceram no ar e o resto de seu corpo ficou cái-não-cái.
EPÍLOGO
Mas para a decepção deles, nada ali havia mudado. Eles se entristeceram.
Resolveram que chamariam por Armou. Porém, no exato instante em que o
menino ia chamar tendo já Petisco nos braços e Teovaldo no ombro, surge-
lhes no ar a serpente, enrolada num liso galho, de cabeça para baixo como a
tinham deixado.
- Um momento menino apressado, não se vá ainda não!
- Por quê?
- É, por quê? - interrogou-a, igualmente, Teovaldo.
- Será que não sabe que sua tarefa não terminou? Não viu como a floresta
ainda está abandonada?
- Sim, isto me deixou triste porque pensei que com o fim dos twichz, tudo
voltaria a ser como antes.
- Mas não voltou, não senhor. Está faltando algo e se você partir agora nada
terá conserto. E tudo o que foi feito não terá ajudado a floresta!
- Há algo mais a se fazer?
- Uma coisa pequena, porém muito importante.
- E o que é?
- Um apelo para a Semente Mãe.
- Semente Mãe?
- É menino, a Semente Mãe desta floresta que secou. Será que você não
sabe que toda a floresta possui uma Semente Mãe? Se assim não fosse
como é que as plantas iriam nascer?
- Mas onde fica a Semente Mãe?
- Fica para lá.
- Para onde?
- Para lá, menino perguntador, lá para cima onde as nuvens descem e se
transformam em alma de todas as coisas!
- Mas como?
- Se transformando, ora essa! Ela é a Semente Mãe e as almas são suas
filhas, e tudo é uma alma só, será que não entende? Cabelos de Ouro não
entendeu muito bem; não insistindo naquilo, mas quis saber:
- E qual apelo eu devo fazer?
- Um apelo qualquer, em voz alta, que venha do fundo de seu coração. Você
deve pedir que a alma da floresta volte à vida.
- E as pedras que perderam a alma, e os animais e pássaros que partiram e
os rios e córregos que secaram?
- Menino preocupado, deixe isto para lá. Se a floresta novamente vingar
tudo voltará como antes.
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Ele fez conforme a serpente havia explicado e a cabeça dela voltou a ficar
para cima. Cabelos de Ouro abaixou-se tomando Petisco nos braços, mas
quando ia entrar no anel formado pelo corpo da serpente, ela o interrompeu:
- Um momento, menino, se entrar agora ainda estará no passado, lembra-
se? Foi Armou quem o trouxe antes do portal. Mas se quiser voltar ao
presente de onde aceitou a missão, gire o meu corpo mais sete graus para a
direita, somente mais sete!
- Como é que eu vou saber onde são sete graus?
- Preste atenção porque não volto a repetir: pense em sete graus e gire
minha cabeça. Quando sua mão tremer, ali será. Cuidado, menino, se passar
de sete irá para o futuro. Ao transpor o meu anel pense no lugar onde deseja
estar e ande três passos!
Cabelos de Ouro passou Petisco para o outro braço, colocou a mão direita
sobre a cabeça da serpente, pensou em sete graus e veio puxando-a para a
direita com todo o cuidado......, bem devagarzinho. Afinal, sete graus é tão
pouquinho! De repente, sua mão tremeu como uma vara de pescar quando
um peixe é fisgado. Ele, satisfeito, largou-a.
- Pronto, disse sorrindo, abraçando de novo Petisco com os dois braços,
agora vamos. Adeus dona serpente!
- Adeus fogaréu infernal, adeus twichz, currupáco! – despediu-se também
Teovaldo.
- Adeus tudo o que é ruim! – disse Petisco.
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Ele abriu o estojo preso ao cinto e tomou Petisco num dos braços.
Teovaldo veio pousar em seu ombro. Virou-se para o nascente puxando o
disco sobre o plexo, acima do umbigo, e recitou:
- Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar, me
leve pro lado de lá! E pensou no lugar de onde tinham saído ao início de
tudo.
- Pronto, chegamos!
Ele olhou então para o relógio em seu pulso. Eram nove horas e sete
minutos.
- Nove e sete? Será que passamos somente sete minutos do lado de lá?
- Currupáco!
- Hum, hum – ganiu Petisco.
Eis que de repente uma nuvem azul se formou diante deles e duas figuras
surgiram inteiras no ar.
- Chi..., será mais confusão? – perguntou-se Teovaldo.
- É mal quando se faz o mal. Mas você, menino, nada tem a temer por que
seu coração é como os seus cabelos. E não temam agora os seus dois
amigos. Não há perigo para eles porque suas mentes verdadeiras ainda
brotarão. Adeus, menino, adeus a todos e não pense sobre o tempo, viva o
momento! E sumiu também.
Por Rayom Ra
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* PEDRO PINOTE
* O VELOCINO
Rayom Ra
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