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FORTALEZA — CE
ANO 1 – VOL. 1 – NO 1 – JAN-JUN – 2008
2 JAN/JUN 2008
AVAL
REVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Ano 1 – vol. 1 – nº 1 – JAN-JUN – 2008
Publicação com o apoio do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas – MAPP/UFC, do Núcleo Multidisciplinar de Avaliação de
Políticas Públicas – Numapp/UFC e do Banco do Nordeste do Brasil (BNB)
Semestral
ISSN 1984-3100
CDD 361.43
Catalogação na publicação: Sonia Gomes Pereira – CRB8 7025
SUMÁRIO CONTENTS
5 EDITORIAL EDITORIAL
17 Políticas públicas, etnografia e a construção dos Indicadores Public policy, ethnography and the construction of
sócioculturais sociocultural indicators
Alicia Ferreira Gonçalves Alicia Ferreira Gonçalves
29 Apontamentos teóricos e metodológicos para a avaliação de Pointers for the theoretical and methodological evaluation of
programas de microcrédito microcredit programmes
Alcides Fernando Gussi Alcides Fernando Gussi
39 Considerações críticas sobre Desenvolvimento econômico Critical considerations on economic local development and
local e economia social social economy
Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu
49 Avaliação de políticas e programas governamentais: Politics and government programs evaluation: experiences in
experiências no Mestrado Profissional da UNEB the Professional Master´s degree
Maria de Fátima Hanaque Campos, Ana Maria Ferreira Maria de Fátima Hanaque Campos, Ana
Menezes, José Francisco Barreto Neto, Maria Auxiliadora Maria Ferreira Menezes, José Francisco Barreto Neto, Maria
Ornellas Farias Auxiliadora Ornellas Farias
59 Pesquisa de avaliação em serviços de saúde mental: uma Avaliative research in mental health services: a
proposta ético-estético-política ethics-aesthetic-political proposal
Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria
Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza
Nara Saldanha de Almeida Nara Saldanha de Almeida
71 Descentralização: análise da avaliação do Programa Saúde da Decentralization: analysis of the evaluation of Family Health
Família em Correia Pinto Program in Correia Pinto
Zenalda Martins Vanim de Moraes Zenalda Martins Vanim de Moraes
81 Como as pessoas com deficiência avaliam as políticas públicas Disabled people’s evaluation concerning the public policies
de saúde no Ceará on health in Ceará
Antonia Félix de Sousa Antonia Félix de Sousa
Maria de Nazaré de Oliveira Fraga Maria de Nazaré de Oliveira Fraga
TABLE INDICE
5 ÉDITORIAL EDITORIAL
17 Les politiques publiques, l’ethnographie et la construction du Políticas publicas, etnografia y la producción de los indicadores
Indicateurs du développement socio-culturels sócio-culturales
Alicia Ferreira Gonçalves Alicia Ferreira Gonçalves
29 Pointeurs pour l’enseignement théorique et méthodologique Notas teóricas y metodológicas para la evaluación de los
d’évaluation des programmes de microcrédit programas de microcrédito
Alcides Fernando Gussi Alcides Fernando Gussi
39 Considérations critiques sur éveloppement Économique local Consideraciones críticas sobre desarrollo económico local y
et d’économie sociale economia social
Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu Susana R. Presta e Liliana S. Landaburu
59 Recherche pour l’evaluation du services de santé mentale: un Investigación avaliativa en servicios de la salud mental: una oferta
projet esthétique-ethique-politique etica-estética-política
Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria Lia Carneiro Silveira, Maria Lucilane Sales da Silva, Maria
Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza Rocineide Ferreira da Silva, Monyk Neves de Alencar e Ariza Nara
Nara Saldanha de Almeida Saldanha de Almeida
81 Ce que pensent les handicapés en ce qui concerne les Como las personas minusvalidas evaluan las políticas públicas
politiques publiques de la santé au Ceará de salud en Ceará
Antonia Félix de Sousa Antonia Félix de Sousa
Maria de Nazaré de Oliveira Fraga Maria de Nazaré de Oliveira Fraga
qualidade, no Brasil, é uma tarefa hercúlea. os autores que submetem manuscritos para
Os que militam nos bastidores da editoração avaliação e posterior publicação, são gran-
bem sabem o que isto significa. Seus edito- des pilares de um periódico científico.
res, o pessoal de Secretaria, os revisores Agradecemos de modo especial ao Banco
técnicos e os pareceristas vivenciam a so- do Nordeste do Brasil – BNB, que viabilizou a
brecarga daí decorrente. Por isso, agrade- obtenção dos recursos necessários à con-
cemos o trabalho de nossos consultores, que cretização desta empreitada.
aceitaram a sobrecarga de emitir pareceres
sobre os manuscritos. Agradecemos também Lea Carvalho Rodrigues
aos autores que confiaram em nossa pro- Luiz Antônio Maciel de Paula
posta e nos enviaram seus manuscritos para Maria de Nazaré de Oliveira Fraga
avaliação. Os pareceristas, juntamente com Editores
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 7
Resumo: O artigo apresenta um conjunto Abstract: This article presents some essential
de tópicos considerados essenciais à efe- points that enable an accurate evaluation of
tivação de uma avaliação em profundidade social public policies. Our research is motivated
de políticas públicas de caráter social. A pro- by the widely understood inadequacies of the
posta é motivada pela constatação da insu- classic models for the evaluation of public po-
ficiência dos modelos clássicos de análise e licies. It will address the urgent need to
da necessidade cada vez mais premente de undertake research that takes into account
se realizarem pesquisas que considerem o con- the social, economic, political, and cultural
texto social, econômico, político e cultural, context, as well as the importance of
bem como a importância da análise insti- institutional analysis, the relations of power,
tucional, das relações de poder, dos interes- and the interests and values that permeate
ses e valores que permeiam os processos de the process of formulation and implementation
formulação e implementação dessas políticas. of those policies. First of all we presented the
Primeiramente, são apresentadas as princi- main theoretical-methodological lines in public
pais linhas teórico-metodológicas no campo policies evaluation, at world level and in Brazil;
da avaliação das políticas públicas, em nível then we presented your limits, and finally some
mundial e no Brasil; em seguida, apontam-se propositions for a procedural approach, multidi-
seus limites e, por fim, apresentam-se pro- mensional and interdisciplinar. A conclusion is
posições para uma abordagem processual, that a depth evaluation needs to accomplish
multidimensional e interdisciplinar. Conclui-se three analytic dimensions: content, context
que uma avaliação em profundidade precisa and institutional analysis of programs and
dar conta de quatro dimensões analíticas: politics, and both temporality and territoriality.
análise de conteúdo, de contexto e da traje-
tória institucional de programas e políticas, Keywords: public policies, evaluation, metho-
bem como do espectro temporal e territorial. dology.
*Mestre em antropologia social e doutora em ciências sociais pela UNICAMP, atualmente é professora do De-
partamento de Ciências Sociais da UFC (área de antropologia) e coordenadora do Mestrado em Avalia-
ção de Políticas Públicas da mesma universidade. E-mail: lea@ufc.br
8 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
para a realização de estudos avaliativos so- ter clara a definição de avaliação que acom-
bre essas políticas. As abordagens inter- panha a pesquisa. As diferentes abordagens
pretativas da avaliação de políticas, por exem- podem ser agrupadas, basicamente, em duas
plo, têm no método etnográfico um instru- propostas distintas: uma que entende avalia-
mento privilegiado de análise (Greene, 2001; ção como “medida” e outra que privilegia o
Lejano, 2006). Mas, é bom enfatizar, existem sentido de avaliação como “compreensão”4.
na antropologia um campo de discussões e Identificar-se com uma ou outra concepção
divergências e uma vasta literatura sobre o faz toda a diferença na condução da avalia-
estatuto da etnografia, sua abrangência ana- ção.
lítica, formas menos ou mais legítimas de apre- A proposta de uma avaliação em profundi-
sentação dos resultados e as especificidades dade implica, ainda, considerá-la como exten-
da aplicação desse instrumental em situa- sa, detalhada, densa, ampla e multidimensional,
ções diversas daquelas que foram vivenciadas o que, por si só, coloca a multi e a interdis-
pelos antropólogos clássicos, o que, eviden- ciplinaridade como condição primeira da tare-
temente, não deve ser desconsiderado. Ou fa de pesquisa.
seja, as ciências sociais, ao entrarem nesse A seguir, discriminam-se alguns tópicos aqui
debate e nessa prática relativos à avaliação considerados essenciais para a efetivação de
de políticas públicas, podem contribuir, não uma proposta de avaliação em profundidade
apenas com o fornecimento de instrumentais de políticas públicas de caráter social, sendo
metodológicos, mas também com a reflexão imprescindível que os trabalhos estejam a cargo
continuada sobre técnicas, conceitos e de uma equipe multidisciplinar de pesquisa:
paradigmas de interpretação e análise que se
dão no âmbito das disciplinas que compõem 1. Análise de conteúdo do programa
este campo do conhecimento. com atenção a três aspectos:
Concordando com a ênfase dos interpreta- formulação: objetivos, critérios, dinâ-
tivistas no lócus empírico como fonte de co- mica de implantação, acompanhamen-
nhecimentos a orientar os processos de to e avaliação;
implementação de programas, bem como sua bases conceituais: paradigmas orienta-
avaliação; na noção de processo como dores e as concepções e valores que
balizadora de toda avaliação, em contra- os informam, bem como os conceitos e
posição à lógica linear presente nos modelos noções centrais que sustentam essas
positivistas de análise; e na assertiva de que políticas;
o conhecimento produzido tem múltiplas di- coerência interna: não-contradição en-
mensões, conclui-se, portanto, que o esfor- tre as bases conceituais que informam
ço para desenvolver uma avaliação em pro- o programa, a formulação de sua imple-
fundidade das políticas públicas deve ser em- mentação e os itens priorizados para
preendido a partir de diferentes tipos de da- seu acompanhamento, monitoramento
dos e informações: questionários em novos e avaliação.
e variados formatos; grupos focais que ino- Esses três aspectos dizem respeito à
vem em relação às propostas tradicionais; análise do material institucional sob for-
entrevistas de profundidade aliadas às ob- ma de leis, portarias, documentos in-
servações de campo; análise de conteúdo ternos, projetos, relatórios, atas de reu-
do material institucional com atenção ao su- niões, fichas de acompanhamento, da-
porte conceitual e às formas discursivas nele dos estatísticos e outros.
expressas3; abordagem cultural, com com-
preensão dos sentidos formulados, em dife- 2. Análise de contexto da formulação
rentes contextos, sobre um mesmo progra- da política:
ma; etc. Levantamento de dados sobre o momen-
A partir destes pressupostos, considera- to político e as condições socioeconô-
se ainda que, tomando como premissa que micas em que foi formulada a política em
toda proposta de avaliação está informada estudo, com atenção para a articulação
por pressupostos e concepções sobre ciên- entre as instâncias local, regional, nacio-
cia e sobre a prática científica, é importante nal internacional e transnacional.
12 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
denotam falta de coerência entre a formula- analítica para além da política em si, seu marco
ção e a realização da proposta; ou, ainda, legal e seu conteúdo, e para além do recorte
dos pontos de fusão, referindo-me aqui, em empírico, de forma que se possam realizar
especial, à sobreposição de programas e à inferências mais gerais a partir de resultados
dificuldade de precisar, na avaliação, os re- localizados. Para tal, priorizam-se as noções
sultados da política específica que se quer de contexto, processo, trajetória, pluralidade,
avaliar7; e, finalmente, e talvez o mais im- interação e multidimensionalidade.
portante, a distância entre os sentidos atri- Evidentemente, estas proposições fazem
buídos pelos agentes institucionais às políti- parte de um esforço ainda inicial de obter
cas formuladas e aqueles percebidos pelos melhores ferramentas teóricas, conceituais e
supostos beneficiários, o que poderíamos metodológicas que orientem a avaliação de
classificar como discrepâncias semânticas. projetos sociais de uma perspectiva mais
Mais ainda, tratar uma política pública ou ampla, que possam, ao longo do tempo, com-
programa a ela vinculado, da forma aqui pro- por um conjunto de conhecimentos renovado
posta, implica considerar que sua avaliação e crítico em relação aos modelos dominantes
só fará jus ao termo se operar a abrangência de avaliação.
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ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 15
Résumé: Cet article présente des sujets Resumen: Este artículo presenta un conjun-
essentiels à une évaluation profonde des to de tópicos esenciales a la efetivación de
politiques publiques sociales. Notre travail est una evaluación en profundidad de políticas
motivé par l’inadaptation des modèles públicas de caracter social. La proposición se
classiques d’évaluation des politiques publiques dá por la constatación de la insuficencia de
et par le besoin urgent des recherches qui los modelos clasicos de analisis y de la
prennent en considération le contexte social, necesidad aún más premente de realización
économique, politique et culturel, sans négliger de investigaciones que consideren el contex-
l’importance de l’analyse institutionnelle, des to social, económico, político y cultural, así
relations de pouvoir et des intérêts et valeurs como la importancia del analisis institucional,
qui font partie du processus de formulation et de las relaciones de poder, de los intereses y
implémentation de ces politiques. valores involucrados en los procesos de
En premier de tout, nous avons présenter les formulación y implementación de esas políti-
principaux lignes théorique méthodologiques cas. Primeramente presentamos las principa-
dans évaluation des politiques publiques, à les lineas teórico-metodologicas, al nivel mun-
niveau du monde et au Brésil; alors nous avons dial y en Brasil; en seguida presentamos sus
presenter ses limites, et finalement quelques limites y, por fin, algunas proposiciones para
propositions pour une approche multidimen- un abordaje multidimensional y interdisicpli-
sionnelle et interdisciplinaire. Une conclusion naria. Una conclusión es que una evaluación
est qu’une évaluation profonde a besoin en profundidad necesita cumplir tres dimen-
d’accomplir quatre dimensions analytiques: siones analíticas: contenido, contexto y el
contenu, contexte et analyse institutionnelle análisis institucional de programas y políti-
de programmes et politiques, bien que les cas, así como el espectro temporal y
dimensions temporelle et territorial. territorial.
Notas
1
O paradigma gerencialista, no contexto da reforma do Estado, representa, em síntese, a subordinação do
Estado à racionalidade instrumental do mercado, sua lógica produtivista e de mensuração exclusiva-
mente econômica da relação custos/benefícios. Para uma crítica ao paradigma gerencialista, ver Costa
(2000).
2
Banco Mundial, 2004.
3
Para a apreciação de um excelente e inovador modelo de análise de formas discursivas institucionais, ver
Leitão (2005).
4
A respeito do conceito de avaliação, ver Holanda (2006) e Belloni et al. (2003).
5
Sobre a utilização da noção de trajetória, ver Gussi (2005).
6
Sobre uma perspectiva etnográfica de organizações e instituições, ver Gonçalves (1998, 2006); Gussi
(2005); Muniz (2006); Rodrigues (1997, 2004); Ruben (1995, 2004); Ruben et al. (2003).
7
Duas dissertações desenvolvidas no Programa de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da MAPP-UFC
apontaram dificuldades de percepção dos efeitos de políticas públicas sobre a qualidade de vida dos
seus beneficiários e, portanto, da avaliação de impacto, devido à sobreposição de programas referentes
a diferentes políticas (federais, estaduais e municipais) como PRONAF, Bolsa Família, aposentadorias,
Programa São José, Programa Luz para todos, Programa Cisternas e outros. Ver, a este respeito, Moroni
(2006) e Rolim (2005).
16 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 17
Resumo: Este artigo tem como finalidade Abstract: This article aims to launch a
lançar uma reflexão de natureza epistemo- reflection of nature epistemological on the
lógica sobre a construção de indicadores construction of socio-cultural indicators from
socioculturais, a partir de uma perspectiva an ethnographic perspective in the process of
etnográfica, no processo de avaliação ex post ex-post evaluation of public policies.
das políticas públicas baseado na formula-
ção de indicadores socioculturais. Keywords: public policies; socio-cultural
indicators; ethnography
Palavras-chave: políticas públicas; indica-
dores socioculturais; etnografia
*Mestre em política científica e tecnológica e doutora em ciências sociais pela U NICAMP , é professora do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professora do Programa
de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da UFC. E-mail: aliciafg1@gmail.com
18 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
tido, o paradoxo é que a mesma economia viços como oficinas mecânicas; ou das mu-
que cria os excluídos em massa confia à so- lheres mães de família que confeccionam ar-
ciedade a tarefa de reincluí-los, não na eco- tesanato utilizando os recursos locais. Inse-
nomia, mas no tecido social, acrescento eu, rem-se também nestes programas de finan-
por meio das políticas públicas de caráter ciamento as cooperativas de pescadores, de
social institucionalizadas pelo Estado. mulheres artesãs, grupos quilombolas, gru-
Contudo, também é fato que emergem, pos indígenas, cooperativas de pessoas com
no final da década de 1980, movimentos so- necessidades sociais, cooperativas de soro-
ciais, forças de resistência anticapitalistas positivos, cooperativas formadas por jovens
em escala planetária, como os eventos que da periferia, dentre outros grupos sociais.
antecederam a constituição do Fórum So- São todos “empreendimentos” que, em sua
cial Mundial. grande parte, atuam na informalidade. Ocorre
Neste cenário em que afloram os movi- que tais políticas estão pautadas em con-
mentos sociais contrários à ordem hege- ceitos e valores universalistas e abstratos
mônica do capital, a recuperação de uma que não se coadunam com conceitos e va-
moral da solidariedade e de pertencimento lores que remetem às tradições culturais dos
social no campo dos movimentos sociais e, grupos sociais-alvo de tais políticas.
simultaneamente, no campo acadêmico. E, Alguns estudos etnográficos, em sua
ao longo deste processo, emergem novos interface com a temática das políticas pú-
atores sociais que vão constituir o campo blicas, sinalizam para a incongruência entre
da economia solidária e, ao mesmo tempo, a universalismo e particularismo, como, por
instituição das políticas públicas imple- exemplo, os estudos de Coelho de Souza
mentadas pelo Estado – algumas por pres- (2007), com base no caso etnográfico das
são dos movimentos sociais, a exemplo do sociedades de língua jê do Brasil Central, e
Programa Nacional de Agricultura Familiar de Edir Pina de Barros, no artigo “Saúde in-
(PRONAF), do microcrédito e da Secretaria dígena, cosmologias e políticas públicas”, a
Nacional de Economia Solidária (SENAES) no partir do caso dos Kurã-Bakairi (do cerrado
Brasil 8 . Particularmente, no campo do norte-mato-grossense), que são ribeirinhos,
microcrédito, surge a experiência contem- pescadores e agricultores. Diz o autor que
porânea conhecida mundialmente, a do no Brasil há mais de 200 línguas, 180 indíge-
Grameen Bank. nas, e que as políticas de saúde não levam
O governo federal, por meio do Ministério em consideração a diversidade sociocultural.
do Trabalho e do Emprego (MTE), pretende, Em sua visão, o grande desafio é fazer com
ao menos no nível do discurso institucional, que os direitos garantidos na Constituição
investir maciçamente em operações de sejam postos em prática. No entanto, afir-
microcrédito articuladas à perspectiva da de- ma ainda, é grande o abismo que separa a
nominada economia solidária (ES) como al- pensar biomédico e o pensar das populações
ternativa privilegiada de combate à exclu- indígenas que associam o processo saúde-
são social9. doença a sua cosmologia.
A ideia central dos agentes políticos que Marcela Coelho (2007) confronta catego-
atuam institucionalmente é que as opera- rias êmicas que designam a cultura material,
ções de microcrédito articuladas à denomi- imaterial, conhecimento, transmissão de co-
nada economia solidária estão se constitu- nhecimento, e também da distinção e iden-
indo como um mecanismo poderoso de gera- tidade, com a “sociedade envolvente”. O
ção de trabalho e renda – portanto, de com- caso etnográfico é o das sociedades de lín-
bate à pobreza – em nosso país. Neste sen- gua jê do Brasil Central. Neste sentido, a
tido, tais operações são direcionadas a seg- autora questiona: direitos universais ou re-
mentos específicos da sociedade brasileira, lações particulares? Muitos antropólogos
a exemplo dos catadores de material reci- apontam as limitações de se estabelecerem
clado que encontramos em várias capitais marcos legais ancorados em princípios
do país; dos vendedores ambulantes que cir- universalistas e abstratos. Contudo, a ques-
culam nas cidades; do pequeno comércio, tão de fundo é a universalidade parcial dos
como lojinhas, supermercados, padarias; ser- princípios civilizatórios que embasam as de-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 21
ciais que são alvo das políticas públicas, além preciso observar as relações de poder, a eco-
do modo como as ressignificam. E uma das nomia, educação, condições ambientais, rede
dimensões centrais é a cultura como dimen- de proteção social das comunidades-alvo das
são simbólica que articula e media os aspec- políticas públicas, como instâncias que se
tos políticos, econômicos e sociais. articulam (e não são autonomizadas) na vi-
Em pesquisa anterior, na região semiárida são de mundo das pessoas
do estado do Ceará, pude constatar que, no Técnicos do Banco Central afirmam que
universo dos assentamentos de reforma agrá- uma consciência política reflexiva e um grau
ria, a economia solidária e o crédito solidário elevado de escolaridade são fatores que con-
são apreendidos a partir das categorias tribuem para o êxito das cooperativas de
classificatórias êmicas ancoradas na lógica crédito. Marcelo Néri, economista da Fun-
patrimonialista. Neste caso, o grupo social dação Getúlio Vargas (FGV), em seminário
não opõe solidariedade e patrimonialismo, mas no Banco do Nordeste do Brasil (BNB), afir-
articula ambas as categorias no plano sim- ma também que as comunidades com níveis
bólico; ou seja, ressignifica a economia soli- mais elevados de escolaridade são solo fértil
dária e o crédito a partir das relações para que as microfinanças promovam o de-
patrimonialistas constituídas historicamente senvolvimento local13. Neste sentido, grau
naquela região12. de consciência política, cultura política e
Essa visão de mundo ancorada em rela- educação local são três indicadores ou di-
ções clientelistas constitui-se num entrave mensões fundamentais para se avaliar a
ao desenvolvimento da economia solidária na performance das políticas públicas. Quanto
região. Assim, a partir do cruzamento de tais mais a cultura política de um grupo social
indicadores, poderemos apreender os limites aproximar-se do patrimonialismo, quanto
e as potencialidades das políticas públicas menor os anos de escolaridade formal e me-
como uma dimensão significativa a partir da nor o grau de reflexividade política, maiores
qual poderiam ser diminuídas a desigualdade os limites à atuação das políticas públicas.
social e a pobreza em nosso país. Podería- Refiro-me particularmente às baseadas nos
mos, por exemplo, perceber de que forma as laços de solidariedade e de reciprocidade.
relações de poder locais impedem ou esti- Neste sentido, tais indicadores “mensu-
mulam a formação de uma cultura política rariam”, a partir de um enfoque semiótico e
crítica, a autogestão, a solidariedade e a hermenêutico, graus de reflexividade, anos
reciprocidade, que são noções centrais para e qualidade de escolaridade e padrões de
a sustentabilidade dos empreendimentos di- cultura política. Obviamente que tais indica-
tos solidários. O pressuposto da ressigni- dores jamais poderiam ou teriam a preten-
ficação das políticas públicas remete-nos às são de abarcar toda a complexidade, a ri-
articulações entre as esferas local, regional queza e a dialética que são constitutivas do
e nacional e transnacional. Neste sentido, universo simbólico das pessoas que são des-
não podemos conceber o semiárido cearense tinatárias das políticas públicas.
como um universo simbólico autônomo e en- Contudo, o trabalho de construção de in-
cerrado em si mesmo, mas sim como um uni- dicadores socioculturais é artesanal, requer
verso simbólico constituído a partir da tradi- sensibilidade analítica, é denso (pois revela
ção cultural e das injunções do sistema fi- os significados) e, em princípio, microscópi-
nanceiro transnacional. Deste modo, a visão co; no entanto, remete-nos a problemáti-
de mundo dos sujeitos é constituída a partir cas mais amplas, como o desenvolvimento
do sistema cognitivo êmico, que por sua vez social, o combate à pobreza e a melhoria
engendra-se nas relações que se tecem en- das condições de vida das pessoas “que de-
tre indivíduo e sociedade. Neste sentido, é sejam formas distintas de felicidade”14.
24 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
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ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 27
Résumé: Cet article vise à lancer une réflexion Resumen: Este artículo presenta una reflexión
de nature épistémologique sur la construction epistemológica sobre la construcción de los
socio-culturelle des indicateurs d’une pers- indicadores sócio-culturales desde una pers-
pective ethnographique dans le processus pectiva etnográfica en los procesos de
d’évaluation ex post des politiques publiques. evaluación ex post de las políticas públicas
basados en la producción de los indicadores
Mots clés: politiques publiques; indicateurs sócio-culturales.
socio-culturelles; ethnographie
Palabras-clave: políticas publicas; indica-
dores sócio-culturales; etnografia
Notas
1
Adoto (apenas como ponto de partida) a definição de políticas públicas formulada no texto de Höfling
(2001). Segundo esta autora, a política pública é o “Estado em ação”. É o Estado implantando em um
determinado contexto histórico um projeto de governo por meio de programas e ações direcionados a
determinados segmentos da sociedade. A autora utiliza este conceito para pensar as políticas públicas
de caráter social na área da educação, mas penso que esta noção pode ser ampliada para pensar
também o microcrédito, a denominada economia solidária e outras políticas públicas. A perspectiva de
avaliação no presente texto coaduna-se com a proposta de Lejano (2006) e Rodrigues (2007), que se
inspiram em uma abordagem semiótica e hermenêutica.
2
Da perspectiva institucional, o referido projeto insere-se nos termos do convênio Fundeci/Bnb/UFC de 21
de março de 2006, que viabilizou uma turma do curso de mestrado em Avaliação de Políticas Públicas
com ênfase em desenvolvimento regional. O mestrado constituiu o Numapp–núcleo de pesquisa em
formato de projeto temático integrado de pesquisa que articula as pesquisas dos alunos direcionadas a
fornecer subsídios empíricos para a construção de uma metodologia de avaliação das políticas públicas
nas quais se mesclam as abordagens qualitativas e quantitativas, com ênfase no desenvolvimento
regional em articulação com as dimensões socioculturais. A primeira fase do projeto é a construção de
uma base de dados sobre programas e políticas públicas no estado do Ceará, a exemplo do Crediamigo,
Economia Solidária, Bolsa Família, Pronaf, Prodetur, dentre outros.
3
Cf. Barros, Edir Pina (2008).
4
Diz o professor: “Cada país deveria dispor de sua própria definição de pobreza (ter dez hectares de terra
coloca uma pessoa ao lado dos ricos num país fértil e do lado dos pobres num país desértico). Seria útil
que as organizações internacionais integrassem em suas análises os critérios de identificação da pobre-
za específicos de cada país, em vez de impor normas internacionais” (Yunus, 1997:97).
5
Sobre a crise da sociedade do trabalho, consultar Antunes (1995).
6
Sobre as várias dimensões e significados da globalização, ver Ianni (1996).
7
Godelier (2001:316-317) observa muito bem o paradoxo da sociedade capitalista que repousa no fato de
que a “sociedade só vive e prospera, portanto, ao preço de um déficit permanente de solidariedade”. O
autor conclui afirmando que não podemos esperar tudo do dom, “pois apenas os deuses dão tudo ou
tudo deram, precisamente, porém, porque não eram homens. O dom há de servir, mas esperando o
quê?”.
8
Sobre o processo de constituição do campo da economia solidária no Brasil, ver excelente tese de Lechat
(2004).
9
Sobre os vários sentidos que o termo economia solidária incorpora, cf. Noelle Lechat (2002), e sobre os
múltiplos sentidos da economia solidária no estado do Ceará, cf. Gonçalves (2006b e 2007).
10
Cf. Hall (2003); Tambiah (1997); Veena Das (1995); Hutchinson (1996).
11
Cf. Azanha (2002).
12
Cf. Gonçalves (2008).
13
Fórum BNB de Desenvolvimento realizado nos dias 17 e 18 de julho de 2008, em Fortaleza.
14
Malinowski (1978).
28 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 29
Resumo: Este artigo apresenta reflexões teó- Abstract: This article presents theoretical
rico-metodológicas iniciais para a avaliação and methodological considerations for the
de programas de microcrédito, especificamen- initial assessment of the microcredit
te o CrediAmigo do Banco do Nordeste – BNB. programmes, specifically the CrediAmigo of
Para tanto, este artigo: (i) expõe a discus- Banco do Nordeste – BNB. For both, this
são teórica que fundamenta as reflexões so- article (i) sets out the theoretical discussion
bre os programas de microcrédito, notada- that based on the reflections of microcredit
mente o CrediAmigo; e (ii) apresenta a pro- programmes, notably the CrediAmigo, (ii) and
posta metodológica que circunscreve uma submit the proposal methodological circums-
pesquisa etnográfica sobre o CrediAmigo com cribing an ethnographic research on the
base na trajetória institucional do programa, CrediAmigo based institutional trajectory of
desde sua elaboração entre os funcionários the program, since their development
do alto e médio escalão do banco nas depen- between the officials of high and medium
dências da Diretoria, das Áreas Operacionais grade in dependencies of the bank’s Board
e da Superintendência até sua execução fi- of Operating Areas and Superintendence until
nal pelos funcionários das Unidades CrediAmigo its final implementation by officials of
que atuam junto aos clientes de diversas co- CrediAmigo units that work closely with clients
munidades locais atendidas pelo programa. O from various local communities attended the
estudo da trajetória institucional do CrediAmigo programme. The study of institutional trajectory
visa verificar como vem sendo, de fato, imple- of CrediAmigo to verify and have been, in
mentado o microcrédito do BNB e, com isso, fact, implemented the microcredit the BNB
contribuir como um instrumento para sua ava- and thereby contribute as a tool for evaluation
liação, assim como a de outros programas de as well as from other programmes of
microcrédito. microcredit.
* Historiador, mestre em antropologia social e doutor em educação pela UNICAMP, é professor do Departamen-
to de Economia Doméstica e do Curso de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da UFC. E-mail:
agussi@uol.com.br
30 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
países e camadas sociais, de forma que nem ceiro nacional e o enfraquecimento dos ban-
todos participam igualmente do processo de cos públicos brasileiros. Quanto à diminui-
mundialização. O autor considera como ex- ção da participação dos bancos públicos no
cluídos deste os países que, impelidos pela conjunto do sistema bancário nacional, em
imposição das políticas de liberalização, par- que pese ainda a participação do Banco do
ticipam do movimento de forma marginal, do Brasil e da Caixa Econômica Federal, isso se
mesmo modo que, em cada país, camadas deveu principalmente à privatização dos ban-
da população são sistematicamente excluí- cos estaduais. Por tudo isso, os bancos pú-
das da participação nos benefícios auferidos blicos foram perdendo sua função de fomen-
pelo desenvolvimento do processo produti- tadores de políticas sociais de desenvolvi-
vo (Chesnais, 1996,1999). mento nos âmbitos federal e estadual (Gussi,
Apoiando-se nessas ideias, pode-se pen- 2001, 2004, 2007; Rodrigues, 2004).
sar que o Brasil, como parte da América La- Contudo, nesse cenário de mundialização
tina e ocupando posição de devedor no pla- do capital, retração do Estado-nação, imple-
no internacional, inclui-se no rol de países mentação das políticas neoliberais e rees-
marginalizados frente ao movimento de truturação do sistema financeiro, pode-se
mundialização do capital. Similarmente, considerar, analiticamente, a emergência de
quando se considera o território nacional, o embates políticos entre distintos atores
Nordeste brasileiro e parte significativa de quanto aos rumos desse processo no con-
sua população seriam duplamente excluídos texto das forças que atuam no Estado-na-
desse processo. cional, como indica Moraes (2004): “Mas os
Dentro deste quadro de mundialização do Estados nacionais são também arenas em
capital – excludente e seletiva – e comple- que conflitam outros sujeitos – grupos e clas-
mentar a ele, ganha força a política ideoló- ses, partidos e movimentos, novos atores
gica neoliberal que retoma e desenvolve os nessas relações. Mas, para fazê-lo, precisa
princípios de “mão invisível” do mercado como interagir não apenas com outros Estados,
orientadores da economia e redefine o ta- mas com forças que nesses Estados figu-
manho e a natureza do Estado-nação. As- ram, como sujeitos que disputam aquela are-
sim, ganham corpo políticas de desregula- na” (p. 4).
mentação, privatização e cortes no orça- Neste cenário de disputas e conflitos po-
mento do Estado, sobretudo o destinado às demos situar o BNB. Se o banco tem atrela-
políticas sociais. Ao mesmo tempo, aumenta do, de forma geral, suas políticas e seus pro-
o papel fiscalizador da implantação da políti- gramas às diretrizes gerais das políticas
ca neoliberal exercido por organismos eco- regidas pela mundialização do capital, ele
nômicos supranacionais – Banco Mundial, pode, contudo, ser posto como um agente
Fundo Monetário Internacional, Organização político regional, com um lugar diferenciado,
Mundial do Comércio –, novas autoridades pois permite a condução de outros proces-
políticas atuantes nos países periféricos como sos quanto aos rumos das políticas públicas
o Brasil, que muitas vezes orientam as dire- nacionais.
trizes de suas políticas sociais (Moraes, 2002, Tal argumento fundamenta-se, primeira-
2004). mente, no fato de que o BNB pensa-se como
Ainda neste contexto, quando se consi- uma instituição associada ao “desenvolvi-
dera especificamente o sistema financeiro mento do Nordeste”. Segundo Douglas
nacional e mundial, observa-se a ocorrência (1998), as instituições articulam sua legiti-
de um processo de reestruturação orienta- mação, que se dá no plano de uma ordem
da pela mundialização do capital. Essa rees- social equiparada às leis natureza, como se
truturação promoveu a abertura financeira a ordem social das instituições fizesse parte
da América Latina e, particularmente, do Bra- “de uma ordem natural das coisas”. Da mes-
sil, a partir do governo Fernando Henrique ma forma que Douglas (1998), podemos pen-
Cardoso, nos anos 1990 (Freitas, 1999; sar que o princípio de legitimação dos con-
Freitas e Prates, 1998, 2001). ceitos, regras, normas, valores e ações do
Disso resultaram a ampliação da presen- BNB, associado ao desenvolvimento, encon-
ça de bancos estrangeiros no sistema finan- tra-se “naturalizado” em seu pensamento
32 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
(idem, op. cit., p. 189). As trajetórias defi- nais; ressalta-se, como se verá adiante, que
nem-se como colocações e deslocamentos no essa investigação baseia-se na observação
espaço social, mais precisamente “nos esta- participante na instituição, a qual, dentre ou-
dos sucessivos da estrutura da distribuição tros procedimentos, vale-se da construção das
das diferentes espécies de capital que estão redes sociais nas quais os funcionários estão
colocados em jogo no campo considerado” (p. inseridos.
190). Essa noção de trajetória faz com que se Numa segunda fase, ainda de acordo com
abandone a ideia de que uma vida possa ser o organograma do banco e visando conhecer
compreendida como uma cadeia de aconteci- como se realiza operacionalização final do pro-
mentos, “sem outros vínculos que não a as- grama, a pesquisa foca os funcionários das
sociação a um sujeito” (idem, op. cit., p. 189). Unidades CrediAmigo, os responsáveis, enfim,
Similarmente ao que propõe Bourdieu para pela execução do programa em distintas loca-
pensar a trajetória de uma vida, a proposta lidades. Com a mesma finalidade proposta na
metodológica que ora apresento transpõe essa abordagem dos funcionários do alto e médio
noção para considerar um programa, ou, mais escalões, propõe-se conhecer como os funcio-
precisamente, a trajetória de um programa, o nários do pequeno escalão, que operacionalizam
CrediAmigo do BNB. Deste modo, parto da ideia o programa e atuam junto aos clientes, cons-
de que o programa não tem um sentido único troem suas representações sobre o BNB e o
e está circunscrito a ressignificações, segun- CrediAmigo no contexto de suas unidades.
do seus distintos posicionamentos nos vários Assim, investigam-se as trajetórias profissio-
espaços institucionais que percorre, ou seja, nais dos funcionários, a formação de distintos
de acordo com seus deslocamentos na insti- grupos, as relações sociais e de poder dentro
tuição. das unidades e fora delas, as relações com
A trajetória institucional do CrediAmigo bus- grupos de clientes do CrediAmigo nas comuni-
ca acompanhar as diferentes fases do pro- dades locais, além da margem de decisão que
grama: desde sua concepção, formulação e estes funcionários têm em relação à efetivação
implementação até sua operacionalização fi- do programa.
nal. Para construí-la, busca-se conhecer es- Finalmente, a pesquisa complementa-se
sas fases por meio da pesquisa entre os fun- com uma investigação que articula as duas
cionários inseridos nos diferentes níveis hie- fases anteriores, correspondentes, respectiva-
rárquicos nas dependências do BNB, de acor- mente, à elaboração e à execução do CrediAmi-
do com a estrutura organizacional. O conhe- go. Para tanto, buscam-se novamente os fun-
cimento empírico advindo deste procedimento cionários diretamente responsáveis pela ela-
corresponde às diferentes fases desse pro- boração do programa, sobretudo os do alto e
grama, detalhadas a seguir. médio escalões já identificados, para dialogar
Numa primeira fase, a pesquisa foca os fun- com alguns dados obtidos nas fases anterio-
cionários do alto e médio escalões, responsá- res da pesquisa, verificando em que medida
veis pela elaboração do programa – sua con- esses dados permitem modificar suas ideias
cepção, formulação e implementação – nas sobre a implementação do programa no âmbi-
diferentes esferas institucionais, a saber: a to institucional e considerar uma possível reela-
Diretoria, as Áreas Operacionais e a Superin- boração deste.
tendência. Com isso, pretende-se conhecer Esta proposta metodológica, da perspecti-
como os funcionários representam o programa va etnográfica, baseia-se, sobretudo, na ob-
no contexto de suas ações em sua área insti- servação participante entre os funcionários de
tucional, permitindo construir suas noções so- várias dependências do BNB. Para tanto, ob-
bre o BNB e o CrediAmigo. Para tanto, investi- servam-se, por um período de tempo, situa-
gam-se os perfis desses funcionários, suas tra- ções rotineiras envolvendo funcionários em sua
jetórias profissionais e afiliações teóricas, as área de trabalho, sobretudo as relacionadas
relações sociais dentro da organização, os di- ao programa, e outras situações extraordiná-
ferentes grupos profissionais e hierárquicos, rias, tais como treinamentos e reuniões admi-
suas múltiplas alianças, conflitos e embates, nistrativas, bem como ocasiões informais como
assim como as relações de poder entre as di- conversas esporádicas, encontros em inter-
ferentes hierarquias administrativas e funcio- valos de refeições, confraternizações etc. Es-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 35
pecificamente, entre os funcionários das Uni- Por fim, considero dois últimos pontos. Pri-
dades CrediAmigo, acompanham-se situações meiramente, que o estudo etnográfico da
de contato que estes realizam fora de suas trajetória institucional do CrediAmigo do BNB,
unidades com os grupos de clientes beneficia- ao pretender analisar as experiências dos
dos pelo crédito, nos loci dos empreendimen- programas de microcrédito a partir das múl-
tos econômicos destes últimos. tiplas significações de distintos atores em
Além disso, realizam-se: levantamento da seu contexto institucional, permite construir
documentação institucional sobre o progra- novos fundamentos teóricos e metodológicos
ma; aplicação de questionários semiestrutu- para a avaliação do CrediAmigo, assim como
rados entre os funcionários de diversos seto- dos demais programas do BNB.
res; entrevistas abertas com funcionários Outro ponto refere-se à importância de
estreitamente envolvidos nas ações do uma avaliação das políticas públicas de ca-
CrediAmigo, privilegiando como estratégia a ráter social destacar a trajetória institucional
construção de narrativas pessoais sobre sua de um programa, na medida em que, com
trajetória profissional a partir de histórias de essa estratégia metodológica, busca-se per-
vida (Gussi, 2005); formação de grupos focais ceber o grau de coerência e/ou dispersão
com funcionários de distintos setores. do programa ao longo do seu trânsito pelas
Apresento a seguir um quadro que condensa vias institucionais. Desta forma, por exem-
esta proposta metodológica: plo, a avaliação de um programa gestado na
esfera federal necessita da reconstituição
Quadro 1 – PROPOSTA METODOLÓGICA : A de sua trajetória, na qual o pesquisador per-
TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL DO P ROGRAMA ceba as mudanças nos sentidos dados aos
C REDIAMIGO DO B NB objetivos do programa e a sua dinâmica,
ALTA DIREÇÃO conforme adentra espaços institucionais di-
ferenciados e desce nas hierarquias até che-
ÁREAS OPERACIONAIS
gar à base, momento que corresponde ao
contato direto entre agente institucional e
sujeito receptor da política (Gussi; Gonçal-
SUPERINTENDÊNCIA
ves; Rodrigues, 2006).
S
Por tudo isso, acredito que essa esta pro-
posta metodológica venha também a servir
UNIDADE UNIDADE UNIDADE de ferramenta para a avaliação de outros pro-
CREDIAMIGO 1 CREDIAMIGO 2 CREDIAMIGO 3
gramas de microcrédito e de políticas públi-
cas de caráter social atualmente implemen-
GRUPO DE CLIENTES GRUPO DE CLIENTES GRUPO DE CLIENTES tados, permitindo refletir acerca dos seus li-
1 2 3 mites e possibilidades.
Referências bibliográficas
Résumé: Cet article présente théoriques et Resumen: Este artículo presenta considera-
méthodologiques pour l’évaluation initiale des ciones teóricas y metodológicas para la
programmes de microcrédit, en particulier le evaluación inicial de los programas de
CrediAmigo de Banco do Nordeste – BNB. Dans microcrédito, especificamente el CrediAmigo
les deux cas, cet article (i) définit la dis- del Banco do Nordeste – BNB. Por tanto, este
cussion théorique que sur la base des artículo (i) establece la discusión teórica so-
réflexions de programmes de microcrédit, bre las bases de las reflexiones de los pro-
notamment la CrediAmigo, et (ii) soumettre gramas de microcrédito, en particular el
la proposition méthodologique de circonscrire CrediAmigo, y (ii) presentar la propuesta
une recherche ethnographique de CrediAmigo metodológica que circunscribe una investigación
fondée sur la trajectoire institutionnelle du etnográfica del CrediAmigo basado em La
programme, depuis leur développement entre trayectoria institucional del programa, des-
les hauts et moyens fonctionnaires de la ban- de su desarrollo entre los funcionarios de
que dans les dépendances du Conseil de zones alto y mediano grado en las dependencias
d’exploitation et de surveillance, jusqu’à son hasta la Diretoría y Superintendencia del ban-
final d’exécution par les fonctionnaires de co hasta su ejecución final por parte de los
CrediAmigo unités qui travaillent en colla- funcionarios de las Unidades CrediAmigo que
boration étroite avec les clients de différentes trabajan en estrecha colaboración con los
communautés locales qu’ont participé à ce clientes de diversas comunidades locales
programme. L’étude de trajectoire institutio- asistidas por el programa. El estudio de la
nnelle de CrediAmigo a pour but de vérifier trayectoria institucional de CrediAmigo tiene
comment a été, en fait, mis en œuvre le por finalidad verificar como ha sido, de hecho,
microcrédit de BNB et et de contribuer ainsi puesto em práctica microcrédito del BNB y
comme un outil d’évaluation ainsi que d’autres contribuir como una herramienta para su
programmes de microcrédit. evaluación, así como de otros programas de
microcrédito.
Mots clés: politique publique; évaluation;
méthodologie; microcrédit; Banco do Nordeste Palabras-clave: políticas públicas; evaluación;
metodologia; microcrédito; Banco do Nordeste
Notas
1
Trata-se das reflexões teórico-metodológicos que orientam o projeto de pesquisa “Cultura, desenvolvimen-
to regional e avaliação de políticas públicas: trajetória institucional dos programas de geração de em-
prego e renda (CrediAmigo) do Banco do Nordeste”, financiado pelo CNPq/Fundação Cearense de Apoio
à Pesquisa – FUNCAP.
38 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 39
Susana R. Presta*
Liliana S. Landaburu**
Resumo: Neste artigo, tentamos rever criti- Abstract: In the present article we propose
camente as implicações dos planos locais de to check critically the implications of the plans
Desenvolvimento Econômico e de Economia of economic local Development and Social
Social (gerados pelo Ministério de Desenvol- Economy (generated by the Department of
vimento Social da Nação) em conexão com Social Development of the Nation) refering to
os agentes deles beneficiários. Neste senti- the agents beneficiaries of these plans. In
do, são relevantes para nossos objetivos de this sense, it is important, in our investigation
investigação o papel do Estado como insti- subjects, the place of the State as a habili-
tuição que promove e apóia o desenvolvi- tating institution of the local development,
mento local, as transformações em torno da the transformations concerning to the relation
relação capital-trabalho e a importância das capital/work and the importance of the
unidades domésticas, como fundamento da domestic units as fundament of the social
economia social e solidária. Para analisar esta and solidary economy. For the above
economia, fazemos referência ao caso da Sol mentioned, we refer to the case of the Sol
Foundation (Córdoba, Argentina), na qual fi- Foundation (Córdoba, Argentina) in which we
zemos nosso trabalho de campo com base have made our field work throught semi-
em entrevistas semiestruturadas e observa- structured interviews and remarks. Our
ções. Nossa análise permitiu-nos dar conta analysis allow us to understand more about
da existência de processos de subsunção do especifics subsumption processes of the work
trabalho ao capital invisibilizados nos planos to the capital that remain hidden on the plans
de desenvolvimento econômico local. of economic local development.
* Licenciada em ciencias antropológicas, FFyL, Universidade de Buenos Aires, UBA, becaria doctoral CONICET.
Correo eletrônico:spresta@hotmail.com.
** Licenciada em ciencias antropológicas, FFyL, Universidade de Buenos Aires, UBA. Miembro del NADAR
(Núcleo Argentino de Antropología Rural).
40 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
habilitador del segundo, al cual le compete está incluida en el sistema formal, relacio-
una posición destacada debido a su calidad nado con la producción, el intercambio y la
de financiador/garante y “socio”. El interés circulación de bienes de uso como de cam-
tanto del Estado como de la empresa puesto bio, es decir, inserta en el circuito productivo
en las capacidades productivas de las uni- del sistema capitalista. Acordamos con
dades domésticas y en el desarrollo de la Trinchero (2000) que la heterogeneidad de
economía doméstica no son casuales, pues situaciones por la que atraviesa la unidad
se vinculan con la necesidad de ejercer una doméstica en la reproducción ampliada del
vigilancia minuciosa sobre las formas de capital implica considerar la subsunción del
producción y reproducción social de estos trabajo al capital, concepto acuñado por Marx
sectores con el propósito de soslayar (1981), como un proceso no lineal y sujeto
cualquier posibilidad de conflicto social que a múltiples determinaciones, como así
pueda atentar contra el desarrollo del capi- también contemplar los procesos de
talismo actual. subsunción indirecta formal y real, categorías
En este sentido, Atria, en Pobreza rural y desarrolladas por Gutierrez Perez y Trapaga
capital social (CEPAL, 2003), también hace Delfín (1992) que sostienen:
referencia al concepto de capital social como
la “capacidad racional” para obtener recur- La subsunción indirecta formal se ca-
sos con el modelo empresario como marco. racteriza por la separación del pro-
Sin embargo, estos elementos novedosos en ductor doméstico de la propiedad
el enfoque sobre el desarrollo local coexisten económica, mas no jurídica, de sus
con representaciones sobre la sociedad y el medios de producción (propiedad
individuo, características de las teorías económica que pasa a ser del capital
desarrollistas de mitad del siglo pasado, que en virtud de su control indirecto de la
supuestamente ya se creían superadas. La producción) y por el hecho de que aún
importancia de la educación, como estrategia no se altera el proceso de trabajo lo
disciplinadora, extensiva de las disciplinas que hace que la subsunción tenga un
imperantes del ámbito empresarial, que remite carácter extensivo. La susbunción
a una ética del autodisciplinamiento (Pres- indirecta real implica la transformación
ta, 2004), implica sobretodo una reconfi- tecnológica radical del proceso laboral
guración de los sentidos del trabajo. A partir domestico, la introducción de formas
de esta ética del autodisciplinamiento, los intensivas de producción y el pleno
sujetos hacen propia toda responsabilidad acceso del campesino a la modernidad
sobre su situación socioeconómica, y son capitalista (p. 60).
ellos mismos quienes deben hallar un camino
de salida para asegurar su “ciudadanía Los constantes monitoreos por parte de
económica”. El énfasis puesto en la los agentes del Estado apuntan a formas pre-
educación (bajo la forma de capacitaciones) cisas de control sobre las prácticas de los
incentivada y supervisada por agentes del sujetos, justamente para “aumentar la
Estado y de las empresas refieren a la efectividad”, pero también la eficacia de una
creación de nuevos valores en tanto estra- disciplina avocada a la construcción de este
tegias disciplinadoras de la fuerza de trabajo. nuevo “trabajador emprendedor” creyente de
En este sentido, la disciplina empresarial se brindar a los demás y a sí mismo un trabajo
traslada, una vez más, a todos los ámbitos emancipado, libre de condicionamientos que,
de vida hasta apropiarse y resignificar toda en definitiva, se auto convence de la exis-
iniciativa que escape a su dominio, suscep- tencia de un orden natural de la cosas y de
tible de ser incorporada a los procesos de la realidad orden en el cual está en sus
valorización del capital. manos toda posibilidad de integración
Los emprendimientos productivos del socioeconómica, aunque esta no sea más
Proyecto Integral orientan sus producciones que una inestable ficción, que apunta a la
(girgolas) y servicios (jardinería) tanto al in- incorporación del trabajo humano en los
terior del Banco de Horas como al mercado procesos de valorización del capital.
formal. En este sentido la unidad doméstica En el capitalismo mundial el trabajo exis-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 43
última, lo cual resulta improbable. Las organi- tinos para la fuerza de trabajo, crearemos
zaciones de la economía social y solidaria alternativas de salud y educación, lograre-
coexisten sin excepción con el sistema mos la equidad social y la participación
económico formal. De este modo, se garan- ciudadana. Lo anterior guarda relación con
tiza la continuidad y extensión de la discipli- los textos de los acuerdos internacionales
na y dominación del mercado capitalista. como la Declaración del Milenio (2000) y el
En este sentido, los productores asociados, Consenso de Monterrey (2002), entre otros,
a partir de los microemprendimientos que productos indiscutibles del ejercicio de las
genera el programa, tienen una doble parti- formas de poder del capital. Estos últimos
cipación tanto en los circuitos de intercambio mencionan la erradicación de la pobreza, la
del Banco de Horas como también en el mer- aplicación de estrategias que proporcionen
cado formal local y/o nacional. Así, la a los jóvenes de todo el mundo la posibilidad
subsunción del trabajo al capital, mediante el real de encontrar un trabajo digno y pro-
mercado formal, es garantizada por dicha doble ductivo, el fortalecimiento de las inversiones
participación de los trabajadores en ambas prioritarias en educación y salud, la equidad,
instancias de intercambio. Los riesgos del la participación, la justicia, la transparencia,
emprendimiento son equilibrados con la la responsabilidad e inclusión. Asimismo, se
posibilidad de compra (de los productos y insta a la colaboración entre el sector priva-
servicios que se ofrecen en los circuitos de do y las organizaciones de la sociedad civil
intercambio) y venta (de su producto/servicio) en pro del desarrollo a partir de una economía
en el Banco de Horas. Sumado a esto, las de las donaciones. De hecho, el paradigma
relaciones de producción, es decir, la forma de desarrollo neoestructuralista (finales de
concreta de los procesos de trabajo en la los ’80 y principios de los ’90) enfatiza en la
economía social y solidaria, generan una implicación de los sectores de la sociedad
fuerza de trabajo, en definitiva, precarizada civil que puedan actuar como socios en el
y flexible, es decir, regida por la inestabilidad
proceso del desarrollo económico (Kay, 2004).
económica sujeta a los cambiantes requeri-
Sin ningún ánimo de desmerecer los esfuerzos
mientos del mercado formal, lo cual también
de quienes participan de estas iniciativas co-
implica una transferencia de los costos de
operativas, si miramos desde una perspecti-
reproducción hacia los propios productores.
va más amplia, resulta casi irrisorio que las
Mediante la articulación de la microeconomía
mismas sean estudiadas como ajenas al sis-
en un sentido no disruptivo, con los linea-
tema socioeconómico capitalista, como una
mientos macroeconómicos de la región, los
alternativa que anuncia el fin de la enajena-
agentes locales deberán vincularse reciproca
ción del ser humano.
y dependientemente a nivel local para
Becker (1987), desde una perspectiva neo-
garantizar las nuevas infraestructuras a des-
clásica, sostiene que las dotaciones y las
plegar a nivel global.
recompensas del mercado son producto de
Podemos pensar que al interior de los
la suerte, de forma que las rentas están de-
espacios locales opera un sistema integrado
de relaciones sociales contradictorias, las terminadas por la interacción entre suerte y
cuales son invisibilizadas al considerar la po- conducta maximizadora. Si volvemos a Razeto
breza un problema emergente de los desarrollos (2004), encontramos que las donaciones, las
desiguales alcanzados en la región, y enten- cuales se realizan mayormente en el marco
dida esta como una “situación, un estado de de las relaciones familiares, también parecen
distribución” y no como una relación social depender de la suerte: los pobres recibirán
dialécticamente conformada. menos donaciones que los ricos, por lo tan-
Sin ir más lejos, Razeto (2004) enfatiza la to, deberán incorporarse tempranamente al
importancia de una economía de las mercado laboral. Como menciona el autor, la
donaciones y la necesidad de una creciente riqueza no se relaciona únicamente con
responsabilidad social por parte de las nuestra interacción individual con el merca-
corporaciones. Sostiene que, a través de la do sino que está también determinada por
economía de la solidaridad, podremos supe- las donaciones (dotaciones de suerte) que
rar la pobreza, encontraremos nuevos des- nos ofrecen. Nos queda la impresión de que
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 45
instituidas que subyacen a su propia existen- locales opera un sistema integrado de rela-
cia. ciones sociales contradictorias, las cuales
En definitiva, el DEL, en tanto política pú- estratégicamente son invisibilizadas. En este
blica, contribuye a la consecución de dos marco, el concepto de capital social, parti-
objetivos primordiales. En primer lugar, se tra- cularmente, refiere a una forma de relación
ta de una forma de “reciclar” las capacida- social-associativa –, en donde saberes y
des de trabajo que el capital ha expulsado prácticas de los sujetos son reapropiados
sistemáticamente desde la década del ’70 a por los diferentes programas, transfor-
partir de los procesos de reconversión pro- mándose en una estrategia socioeconómica
ductiva en el marco de los cambios en los para mantener la dominación del capital
procesos de acumulación de capital y, en sobre el trabajo.
segundo lugar, contribuye a garantizar la La construcción de sentido, en la cual la
continuidad del mercado capitalista en base doble racionalidad económica ocupa un lu-
a nuevas formas de subordinación de las pro- gar central, propicia un modelo que preten-
ducciones domésticas insertas en los planes de articular lo macro económico – promovi-
de desarrollo. En este sentido, los límites de do y logrado por estos organismos multi-
la economía social y solidaria, en el marco laterales, incluido también el Estado, con lo
del DEL, se vinculan a la consolidación de micro – donde se incluirían los “pendientes”
las políticas neoliberales y la mundialización del modelo. En este sentido, las desigualda-
del capital. des sociales, los agentes, las relaciones
sociales existentes y hasta cierta historicidad
en la construcción de las mismas se visualizan
Consideraciones finales solo en el nivel macro (regional) y las relaci-
ones conflictivas entre los sectores se
amortiguan mediante el armado de empren-
Sostenemos desde una perspectiva dife- dimientos socio-productivos, como pro-
rente que los procesos de desarrollo puestas para lograr contribuir a objetivos
productivo a partir del programa analizado comunes sin contradicción y a través del
no implican solamente una difusión de mercado.
conocimiento, tecnología y desarrollo de ca- Es destacable la relevancia que adquiere
pacidades, sino, también, nuevas perspec- el conocimiento de intereses, capacidades,
tivas de acumulación de capital a partir de valores y estrategias de los agentes en
la apropiación de estos saberes y donde la dichas construcciones. Presupone que el
pobreza se convierte en la justificación del carácter local de la propuesta propicia un
DEL en tanto una nueva forma de subor- acceso mayor al conocimiento de normas y
dinación del trabajo al capital. articulaciones entre los agentes con los re-
La articulación del Estado y los progra- cursos disponibles, evidenciando un presu-
mas propuestos por los diversos organis- puesto ideologizado del funcionamiento de
mos implica considerar la situación del la sociedad que se autorregula por la libre
primero, dado que en América Latina, en competencia y que propone una distribución
particular, estos son deudores financieros de lazos sociales, donde al Estado le com-
de dichos organismos. pete sólo generar el marco normativo
Asimismo, la consideración de la pobre- necesario que permita el mejor desarrollo del
za como un problema emergente de los mercado. En estos nuevos espacios la
desarrollos desiguales alcanzados en la valorización del capital requiere indefecti-
región, en lugar de una relación social blemente una construcción institucional
enmarcada y dialécticamente conformada, im- coherente con los objetivos del Desarrollo
plica no ver que al interior de los espacios Económico Local.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 47
Referências bibliográficas
Résumé: Dans cet article nous suggérons Resumen: En el presente artículo nos pro-
mettre en doute l’efficace des conséquences ponemos revisar críticamente las implicancias
des programmes sociaux de développement de los Planes de Desarrollo Económico Local
économique local et d’économie sociale (Pla- y Economía Social (generados por el Minis-
nes de Desarrollo Económico Local y Econo- terio de Desarrollo Social de la Nación) en
mía Social), octroyés par le Ministère National relación con los agentes beneficiarios de los
de Développement Social argentin, face au mismos. En este sentido, adquieren relevan-
point de vue des récepteurs bénéficiaires. cia, en nuestros objetivos de investigación,
Notre recherche soulève l’importance du rôle el rol del Estado en tanto institución habi-
de l’État comme institution qui gère les litadora del desarrollo local, las transfor-
relations locaux, les transformations autour maciones en torno a la relación capital-
de la relation capital-travail et l’importance trabajo y la importancia de las unidades do-
des unités domestiques comme fondement mésticas como fundamento de la economía
de l’économie sociale et solidaire. À ce sujet, social y solidaria. Para esto último, nos re-
nous ferons référence au cas de la Fundación ferimos al caso de la Fundación Sol (Córdo-
Sol (Córdoba, Argentine) dans laquelle nous ba, Argentina), en el cual hemos realizado
avons réalisé notre terrain à partir des nuestro trabajo de campo a partir de entre-
interviews ouvertes et des observations. vistas semi-estructuradas y observaciones.
Notre analyse rend compte de l’existence des Nuestro análisis nos permite dar cuenta de
processus de subordination (subsumption) du la existencia de procesos de subsunción del
travail au capital, lesquels ne sont pas visibles trabajo al capital invisibilizados en los planes
dans le développement économique local. de desarrollo económico local.
Notas
1
Economía Solidaria o de la Solidaridad, la cual se fundamenta sobre formas de solidaridad ancladas en el
trabajo de los beneficiarios, pero también se complementa con donaciones obtenidas a partir de proyectos
de promoción de la economía popular, depende principalmente de las donaciones y de una cultura de
valores alejados del consumismo y el lucro. La economía solidaria se vincula con el concepto de empre-
sa social, es decir, “los emprendimientos que no sólo producen mercancías sino que “producen sociedad”
o lo social (formas sociales, instituciones y pautas de comportamiento)” (Coraggio, 1992: 114).
2
El Banco de Horas, pilar de la fundación, es una organización socioeconómica que da lugar a distintos
circuitos de intercambio a los cuales los socios se incorporan a través de diversas formas de prestaciones
en trabajo. Estas prestaciones adquieren la forma de “certificados”, “compromisos” o “cheques” de
trabajo que los socios firman por anticipado y entregan, sujetos a un plazo de dos meses, para ser
vendidos en el “mercado” a través de los circuitos de circulación en los cuales utilizan su propia moneda
social llamada “sol”. Los socios, en su mayoría, poseen trabajos informales (“changas”) o ningún empleo.
3
Existen otros emprendimientos, los cuales no abarcaremos en el presente artículo, a saber: un taller de
costura, taller de hilado y tejido artesanal y producción de milanesas vegetarianas y pastas caseras.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 49
Resumo: Este trabalho tem como objetivo Abstract: The objective of this work as the
analisar as práticas de avaliação de políti- review of the practices of evaluations of po-
cas e programas governamentais, particu- licies and government programs, particularly
larmente aquelas que se constituem em ob- those are the object of study by some
jeto de estudo de alguns mestrandos no masters under the Mestrado de Políticas Pú-
âmbito do Curso de Mestrado em Políticas blicas, Gestão do Conhecimento e Desen-
Públicas, Gestão do Conhecimento e Desen- volvimento Regional (PGDR) da Universidade
volvimento Regional (PGDR) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), which can assist
do Estado da Bahia (UNEB), que podem au- in decision-making on the implementation and
xiliar no processo de tomada de decisões monitoring of policies and government
sobre a implementação e acompanhamento programs. To achieve this goal, first expose
de políticas e programas governamentais. the main reasons for the adoption of the
Para alcançar este objetivo, primeiramente practice of evaluation. Secondly, we present
expomos as principais razões para a adoção the concepts commonly used in the field of
da prática da avaliação. Em segundo, apre- evaluation. Thirdly, we discuss methodo-
sentamos os conceitos comumente utiliza- logical proposals adopted. And, finally, we
dos neste campo. Em terceiro, discutimos present the final considerations.
propostas metodológicas adotadas. E, por
fim, apresentamos as considerações finais. Keywords: practice of valuation; public po-
licies; methodological proposals.
Palavras-chave: práticas de avaliação; po-
líticas públicas; propostas metodológicas.
* Doutora em história da arte pela Universidade do Porto, Portugal, professora titular do Departamento de Ciências
Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana e professora colaboradora do Programa de
Mestrado Profissional em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Univer-
sidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: fatimahanaque@hotmail.com
** Doutora em administração pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, com estágio de
pesquisa no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, professora titular
do departamento de Ciências Humanas da Universidade do estado da Bahia, UEBA, coordenadora do Pro-
grama de Mestrado Profissional em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regio-
nal da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: ammenezes@uneb.br
*** Mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desen-
volvimento Regional da Universidade Federal da Bahia (UFBA, graduado em Licenciatura em Filosofia e
assessor especial/ouvidor da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. E-mail: jfbneto@sec.ba.gov.br
**** Mestranda do Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), graduada em pedagogia e coordenadora I da Coordenação de Ensino Superior da
Secretaria de Educação do Estado da Bahia. E-mail:doraornellas1@yahoo.com.br, maofarias@sec.ba.gov.br
50 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
minação do Estado regulador (Villarreal, ciência. Segundo, a partir dos anos 1980,
1984). houve crescente processo de luta dos mo-
A visão neoliberal atribuiu como causa da vimentos sociais e de reivindicação pelos di-
crise a forte intervenção do Estado. Assim, reitos humanos e políticos junto aos gover-
o Estado provedor (Estado do Bem-Estar So- nos, que culminou com o processo de rede-
cial), o Estado arrecadador (carga tributária mocratização do país.
elevada), o Estado gastador (gastos maiores Armani (2004) ressalta que a crescente
do que as receitas), o Estado burocrático e o democratização política não foi acompanha-
Estado regulador (protecionismos) passaram da da redução da pobreza e das desigualda-
a ser sinônimos do “leviatã” que induziria a des sociais e o aumento das necessidades
uma economia ineficiente e ineficaz. de ações sociais proporcionou a transferên-
Assim, no bojo das transformações pelas cia de responsabilidades do governo federal
quais o Estado passou, decorrentes da im- para as organizações da sociedade civil –
possibilidade de ser substituído pelo Merca- cuja maioria não estava preparada para a
do, foi-lhe requerida uma atuação mais efi- atuação que delas se espera.
ciente, eficaz e efetiva. Desta forma, o Es- Segundo Costa e Castanhar (2003), à
tado assumiria uma função gerencialista, na medida que o poder público delega às agên-
qual o cidadão passaria a ser um cliente e, cias autônomas e empresas privadas a exe-
tal como todo cliente que paga por um pro- cução de serviços, cresce a necessidade de
duto, requer um serviço de qualidade. Para avaliação. A administração pública deve de-
atingir esses atributos, necessariamente, senvolver instrumentos e metodologias de
tem-se que atuar com um processo de ava- avaliação ágeis e de baixo custo, para a to-
liação. mada de decisão e para que a sociedade em
Esta surge, então, como uma ferramenta geral possa apreciar o desempenho dessas
gerencial útil, fornecendo aos formuladores agências.
de políticas públicas e aos gestores de pro- Neste sentido, cabem questionamentos
gramas condições para aumentar a eficiên- sobre o caráter econômico e técnico da ava-
cia e a eficácia dos programas governamen- liação restrita ao âmbito das instituições
tais. públicas ou privadas cuja preocupação está
Segundo Cunha (2006), na efetividade, ou seja, na aferição dos re-
sultados esperados e não esperados. Deve
O crescente interesse dos governos também ser percebida como geradora de me-
nos estudos de avaliação está relacio- canismos de informação para instrumentalizar
nado às questões de efetividade, efi- os movimentos sociais na luta pela amplia-
ciência, accountability e desempenho ção de direitos sociais. Assim, a avaliação
da gestão pública, já que estes estu- permite maior envolvimento dos interessa-
dos constituem-se em ferramenta para dos no ciclo das políticas públicas, isto é, na
gestores, formuladores e implementa- formulação, implementação e divulgação dos
dores de programas e políticas públi- resultados de programas e projetos sociais.
cas. As avaliações de políticas e pro- Segundo Silva (2001), na perspectiva da
gramas permitem que formuladores e avaliação, as políticas são geradas, sobretu-
implementadores tomem suas decisões do, a partir de decisões governamentais
com maior conhecimento, maximizando e,desde sua formação, envolvem alocação de
o resultado do gasto público, identifi- recursos, interesses diversos, divisão de tra-
cando êxitos e superando pontos de balho, riscos e incertezas sobre processos e
estrangulamento (p. 3). resultados, noção de sucesso e fracasso, fa-
zendo do desenvolvimento das políticas pú-
No caso brasileiro, podem-se identificar, blicas um processo contraditório e não linear.
ainda, outras razões para a utilização de pro- Na perspectiva do estado da Bahia, as
cessos avaliativos. Uma primeira razão rela- políticas centradas no setor educacional que
ciona-se à crise fiscal do Estado, que dimi- foram desenvolvidas na década de 1990, com
nuiu a capacidade dos governos de efetuar foco na tese da universalização e democra-
gastos e aumentou a pressão por maior efi- tização do ensino, implicaram uma tendên-
52 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
cia de aumento no atendimento e, conse- tenha o foco nas ciências sociais. Desta for-
quentemente, no número de matrículas; con- ma, inicialmente, faz-se necessário definir
cretizaram-se na forma de disponibilização alguns conceitos como programa e projeto.
de vagas e permanência de alunos na esco- Worthen; Sanders e Fitzpatrick (op. cit.) de-
la, o que correspondeu às diversas formas finem programa como uma intervenção pla-
de acesso ao ensino básico. nejada e constante que objetiva resultados
Com a descentralização governamental, específicos em resposta a um dado proble-
surge a oportunidade de novos programas em ma educacional, social ou comercial detecta-
nível estadual e municipal. A descentralização do previamente e que envolve equipe, cliente,
de recursos e novas competências na admi- organização, gestão e recursos na tentati-
nistração escolar buscaram avaliar o desem- va de atingir um objetivo.
penho dos sistemas escolares: eficiência da Ou seja, a ação planejada através de pro-
administração escolar, novos processos de gramas deve apresentar solução para um de-
aprendizagem relacionados ao domínio de terminado problema. Todavia, a noção do que
tecnologias da informação, repetência e eva- seja problema não é óbvia, apesar de povoar
são, domínio de competências e habilidades nosso cotidiano. Assim, faz-se necessário
no processo de aprendizagem etc. (memória, definir o que vem a ser problema. Segundo
2001). Garcia (2000), pode-se definir problema como
O programa PGDR, iniciado em 2006, teve uma desarmonia reconhecida como superá-
grande demanda da área de educação em vel ou evitável e determinados atores so-
virtude do estabelecimento de parcerias com ciais declaram-se dispostos a enfrentá-la.
a Secretaria de Educação do Estado da Esta situação está relacionada à argu-
Bahia. Desta forma, as pesquisas concen- mentação de Mitroff (apud Garcia, 2000: 25-
traram-se em estudos sistemáticos e avalia- 26):
ção de programas e projetos educacionais,
[...] muitas pessoas pensam que o ca-
com interesse na formulação e implemen-
minho pelo qual solucionamos os que-
tação das políticas educacionais baianas,
bra-cabeças (problemas estruturados)
medindo sua eficiência e eficácia, seus im-
deveria ser o padrão para medir o êxi-
pactos e benefícios.
to na resolução dos problemas sociais
(quase estruturados). Diferentemente
dos quebra-cabeças, os problemas so-
Avaliação de políticas
ciais não têm uma solução correta e
públicas: principais definições única, que é reconhecida e aceita como
tal por todas as partes afetadas pelo
problema [...]. As pessoas têm valores
A atividade de avaliação não é uma ação (e interesses) tão diferentes e partem
isolada, mas uma das etapas do processo de ideias tão diferentes sobre a socie-
de planejamento das políticas e programas dade desejada que o que é um proble-
governamentais; gera informações que pos- ma e uma boa solução para uma pes-
sibilitam novas escolhas e analisa resultados soa, em geral é irrelevante, estúpido,
que podem sugerir a necessidade de reorien- tolice e mesmo perverso para outra.
tação das ações para o alcance dos objeti-
vos traçados. Assim, segundo Worthen; Quanto a projeto social, Armani (2004)
Sanders; Fitzpatrick (2004), “avaliação é define-o como uma ação social planejada,
identificação, esclarecimento e aplicação de estruturada em objetivos, resultados e ati-
critérios defensáveis para determinar o va- vidades baseados em uma quantidade limi-
lor (valor ou mérito), a qualidade, a utilida- tada de recursos (humanos, materiais e fi-
de, a eficácia ou a importância do objeto nanceiros) e de tempo. E acrescenta que os
avaliado em relação a esses critérios” (p. projetos integram-se nos três níveis de for-
35).Salienta-se, assim, que o objetivo da mulação da ação social: no nível dos gran-
avaliação é determinar o valor de alguma des objetivos e eixos estratégicos de ação
ação, projeto ou programa que neste caso – a política; no nível intermediário em que as
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 53
políticas são desenhadas em linhas mestras cráticas, voltadas para o solicitador da ava-
de ações temáticas – programas; no nível liação.
da ação concreta delimitada por critérios pre- Cano (2006) avança nos estudos sobre
viamente determinados que possam realizar avaliação de programas educacionais consi-
as políticas e programas, isto é, os projetos. derando um novo foco em sua utilização, ou
Diante da diversidade de conceitos abor- seja, nos resultados práticos, que incluem
dados em avaliação de políticas públicas, os interesses dos usuários. Ademais, a ava-
Draibe (2001) coloca que é necessário o ava- liação pode não se limitar aos objetivos ini-
liador declarar, de início, suas preferências e ciais que a intervenção pretende melhorar e
escolhas sobre objetivos e natureza e tipo ampliar.
de avaliação para a realização da pesquisa, A diversidade de abordagens e concep-
assim como definir o terreno comum sobre o ções sobre avaliação traz variados tipos de
qual trabalhará a equipe. E mais, uma das métodos de coleta de dados e análise e téc-
decisões prévias do avaliador é identificar o nicas interpretativas baseados em métodos
recorte programático do seu objeto, poden- quantitativos e/ou qualitativos, como com-
do haver avaliações mais complexas e patíveis e complementares da avaliação de
abrangentes ou mais restritas (programas, programas educacionais.
projetos, ações).
Michel Scriven (apud Cano, 2006) esta-
beleceu a primeira distinção clássica entre Propostas metodológicas de
elas, sendo a somativa a que visa analisar
se o programa ou projeto “surte ou não o
avaliação de políticas
efeito desejado”, e, para tanto, é necessá- públicas: análise de
rio que o programa ou projeto social esteja
implementado. Produz informações sobre eta- experiências no PGDR
pas posteriores a sua implementação, verifi-
ca sua efetividade e faz o julgamento de
Visando atender a demanda dos diversos
seu valor geral. E a avaliação formativa
setores sociais e as necessidades do mundo
acompanha o programa ou projeto em de-
do trabalho do estado da Bahia, foi implan-
senvolvimento, visando melhorá-lo. Produz
tado em 2006 o PGDR, que privilegia o ensino
informações para os que estão diretamente
em nível profissional com forte relacionamen-
envolvidos com o objetivo de fornecer ele-
mentos para a realização de correções de to entre a teoria e a prática. O PGDR propõe
procedimentos, a fim de aperfeiçoar o pro- preparar profissionais conscientes para atua-
grama. rem como gestores públicos e profissões
Faria (2001) busca um lugar próprio para correlatas, de modo a preencher as neces-
a avaliação educacional no que concerne a sidades existentes nos diversos setores
metodologias adequadas e a fins específi- socioeconômicos regionais, vinculados às po-
cos. A partir de estudiosos do tema, cita líticas públicas e à gestão do conhecimento,
modelo desenvolvido que enfatiza a neces- voltados para o desenvolvimento regional.
sidade de análise dos objetivos e metas do As atividades desenvolvidas pelo PGDR têm
programa avaliado, comparando o desempe- fortalecido o compromisso social da UNEB por
nho com estes parâmetros, desenvolvendo meio do incremento da produção científica
uma pesquisa orientada para a decisão dos em âmbito local, com uma rede de investi-
formuladores e implementadores. Outro mo- gadores de natureza multidisciplinar, uma
delo citado trata de determinar o mérito do comunidade virtual de aprendizagem, bem
programa ou projeto educacional, enfatizando como o desenvolvimento de ações que pro-
a consistência cientifica do fenômeno estu- piciam o diálogo e a troca de conhecimentos
dado, levando a avaliação comparativa com entre a comunidade acadêmica, poder pú-
outros programas. Assim, o avaliador deve blico e sociedade civil; na gestão pública,
entender a lógica do programa, utilizando- tem propiciado a formação de servidores téc-
se de teorias sociais mais ampliadas. Estes nico-administrativos de instituições de ensi-
modelos visam análises detalhadas ou buro- no superior e órgãos públicos que atuam em
54 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
superior, são meios importantes para atingir res-especialistas das licenciaturas das uni-
os objetivos da equidade social e da geração versidades e pela complementação da for-
de oportunidades, melhorando as condições mação continuada, programada pelas ativi-
de competitividade desses jovens. dades de capacitação.
O Plano Estadual de Educação da Bahia A parceria da Secretaria de Educação com
(PEE), que define diretrizes da educação su- as universidades estaduais (UNEB, UEFS, UESB,
perior (2006) e salienta o destacado papel UESC) permitiu a interiorização das ações do
reservado às instituições que a ministram, em projeto em 32 municípios sede/campi das uni-
especial às universidades e aos centros de versidades, além de estendê-las aos municí-
pesquisa, de propulsoras por excelência da pios vizinhos às sedes dessas universidades.
produção científica, tecnológica e cultural, No ano de 2007, foi atendido um total de
essenciais ao desenvolvimento do país. 25.280 estudantes, distribuídos em 73 muni-
Considerando a relevância do papel da uni- cípios do estado, e isso significa a presença
versidade, o Plano Estadual de Educação do projeto nas 15 regiões econômicas da
aponta que a conclusão do ensino médio é Bahia.
uma situação que traz pressão por mais va- Essa realidade social e institucional vem
gas, principalmente nas universidades públi- sendo tema de uma pesquisa de avaliação de
cas (PEE, 2006). Essa realidade fez com que processo na qual se possam analisar os fato-
o governo do Estado implementasse políticas res que, ao longo da implementação, facili-
de ações afirmativas, com foco na inclusão tam ou impedem que o programa atinja seus
social e pautadas na diretriz governamental resultados da melhor maneira possível.
de acesso e permanência dos estudantes da Draibe (2001:31-33) propõe um esboço
rede pública no ensino superior. de metodologia chamada anatomia do pro-
Numa ação conjunta entre Secretaria da cesso geral de implementação, identificando
Educação (SEC) e Secretaria da Fazenda seus principais subprocessos ou sistemas:
(SEFAZ) foi lançado, em 2001, o Programa Faz
Universitário, em parceria com instituições de a) sistema gerencial e decisório;
ensino superior (IES) privadas, oportunizando b) processos de divulgação e informa-
bolsas de estudo aos alunos da rede pública ção;
de ensino, por meio de processo seletivo. Em c) processos de seleção (de agentes
2003, dando continuidade à política de de- implementadores e ou beneficiários);
mocratização do acesso ao ensino superior, d) processos de capacitação (de agen-
foi implantado o curso pré-vestibular, projeto tes ou beneficiários);
denominado Universidade para Todos, em par- e) sistemas logísticos e operacionais;
ceria com as quatro universidades estaduais: f) processos de monitoramento e ava-
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Uni- liação internos.
versidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
Universidade do Sudoeste do Estado da Bahia A partir dessa proposta metodológica, foi
(UESB) e Universidade Estadual de Santa Cruz feito um levantamento documental sobre a
(U ESC ). formulação e implementação do projeto. É
O Projeto Universidade para Todos nas- fato que a articulação da SEC com as uni-
ceu com o propósito de melhorar as condi- versidades estaduais determina um modelo
ções de competição dos estudantes da rede de gestão descentralizada e corresponsa-
pública no enfrentamento do processo sele- bilizada para o cumprimento das metas e ob-
tivo dos vestibulares das universidades pú- jetivos. Para isto, a equipe da UEFS elaborou
blicas e privadas, fazendo com que possam uma memória técnica e traçou o perfil dos
participar da seleção de forma menos desi- beneficiários; a avaliação de caráter formal
gual. O curso pré-vestibular tem modalidade foi realizada pela equipe da UNEB. Ambos os
presencial, com a carga horária de 800 ho- trabalhos datam de 2006 e buscam obter
ras, distribuídas em 11 disciplinas, lecionadas melhores resultados a cada ano. A partir dos
pelos graduandos das universidades, na con- indicadores: inserção dos estudantes no en-
dição de professores-monitores, supervisio- sino superior; resgate do estágio curricular
nados na prática pedagógica pelos professo- dos monitores-graduandos; material didáti-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 57
Referências bibliográficas
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58 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
Résumé: Ce travail a pour but d’analyzer les Resumen: Este documento objetiva examinar
pratiques d’évaluations de politiques et les las prácticas de las evaluaciones de las políti-
programmes gouvernementaux, particulière- cas y programas gubernamentales, en parti-
ment ceux qui se constituent objet d’étude de cular las que son objeto de estudio, algunas
quelques mestrandos dans le contexte du Curso en el marco del Curso de Mestrado em Políti-
de Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do cas Públicas, Gestão do Conhecimento e De-
Conhecimento e Desenvolvimento Regional senvolvimento Regional (PGDR) de la Universi-
(PGDR) da Universidade do Estado da Bahia dade do Estado da Bahia (UNEB), que puede
(UNEB ), ils que peuvent assister dans la ayudar en la toma de decisiones sobre la
procédure de prise de décisions sur la mise en aplicación y el seguimiento de las políticas y
oeuvre et le suivi de politiques et les pro- programas gubernamentales. Para lograr este
grammes gouvernementaux. Pour atteindre cet objetivo, en primer lugar exponemos las
objectif, premièrement nous exposons les razones principales para la adopción de la
principales raisons pour l’adoption de la prati- práctica de la evaluación. En segundo lugar,
que de l’évaluation. Dans en second, nous presentamos los conceptos de uso común en
présentons les concepts comumente utilisés el ámbito de la evaluación. En tercer lugar, se
dans le champ de l’évaluation. Dans troisième, discuten las propuestas metodológicas
nous discutons des propositions méthodolo- adoptadas. Y, por último, presentamos las
giques adoptées. Et, finalement, nous consideraciones finales.
présentons les considérations finales.
Palabras-clave: práctica de la evaluación;
Mots clés: pratiques d’évaluation ; politiques políticas públicas, propuestas metodológicas.
publiques ; propositions méthodologiques.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 59
Resumo: A atenção em saúde mental no Bra- Abstract: The mental health attention in Brazil,
sil, historicamente marcada por práticas historically marked by asylum practices, is
manicomiais, vem passando por intensas modi- undergoing intense changes since the 80 years,
ficações desde a década de 1980, com a pro- with the proposal of replacing the hospitalar
posta da substituição do modelo hospitalo- model by a network of alternative services.
cêntrico por uma rede de serviços alternati- However, to facilitate the deployment of a
vos. Entretanto, para viabilizar a implantação network really effective, we need to invest in
de uma rede realmente efetiva, precisamos in- the evaluation of what is already being done
vestir na avaliação do que já vem sendo feito
to support decision-making on future initiatives.
para subsidiar a tomada de decisões quanto às
On these assumptions, we present an eva-
iniciativas futuras. Partindo destes pressupos-
luative study based on the sociopoetic
tos, apresentamos uma avaliação baseada na
abordagem da sociopoética que, ao utilizar o approach that, by using the method of group-
método do grupo-pesquisador, considera o ca- researcher, considers the self-management
ráter autogestivo e a dimensão subjetiva dos character and the subjective dimension of the
atores envolvidos. Para apresentar o potencial involved actors. To display the potential of
desta abordagem em pesquisas avaliativas, this approach in evaluative research, we
descrevemos as etapas do método do grupo- describe the steps of the group-researcher
pesquisador e o exemplificamos com uma method and exemplify with a research
pesquisa desenvolvida em um Centro de Aten- developed in a Psychosocial Center of Forta-
ção Psicossocial do município de Fortaleza-CE. leza city.
dor, entendendo-o como um especialista ex- Neste contexto, o papel do avaliador afas-
terno (Furtado, 2001). ta-se da visão tradicional de um observador
A partir da década de 1980, percebe-se externo que vem apontar erros e estabelecer
no Brasil a constituição de um espaço propí- verdades. Dirige-se, antes, a propiciar um es-
cio à discussão de questões de teor qualita- paço autogestivo, no qual os sujeitos pos-
tivo, com ênfase em questões emancipa- sam, eles mesmos, identificar suas necessi-
tórias (Silveira et al., 2003). A abertura po- dades e dificuldades.
lítica após o período ditatorial, a entrada em Partindo destes pressupostos, apresenta-
cena de novos atores políticos preocupados mos um estudo de avaliação baseado na abor-
em discutir a participação social e a crítica dagem da sociopoética, que considera o ca-
às desigualdades (principalmente no setor ráter autogestivo e a dimensão subjetiva dos
saúde) exigem uma reflexão também acerca envolvidos no processo. Entendemos que,
dos processos de avaliação. Reconhece-se assim, pode-se possibilitar a reflexão sobre a
nesta corrente a necessidade premente de realidade das políticas de saúde mental, es-
avaliar para poder planejar e intervir, mas, ao pecialmente sobre as particularidades no
mesmo tempo, pode-se interrogar: Quem irá gerenciamento dos centros de atenção psicos-
avaliar? Como avaliar? E, acima de tudo, com social, e, ao mesmo tempo, proporcionar o sur-
que consequências? gimento de soluções para o enfrentamento das
Estas questões crescem em importância questões encontradas. Entendemos que, para
quando se percebe que avaliar não é apenas tanto, faz-se necessária a criação de espa-
um processo técnico, mas sim uma questão ços que facultem e estimulem a livre expres-
política na qual avaliador e avaliado sofrem são, a dinâmica do diálogo, o respeito à di-
mudanças qualitativas (Demo, 1999). A orien- versidade de opiniões e a tomada de deci-
tação qualitativa das pesquisas de avaliação sões coletivas.
enfatiza a dimensão subjetiva dos fenômenos, Entramos no espaço da produção de sub-
contextualizando-os historicamente. jetividades, uma realidade dinâmica e cons-
Para avançar neste sentido, precisamos tantemente construída. Sendo assim, não
incorporar às nossas discussões não só as podemos tentar cercá-la com instrumentos
preocupações com a qualidade formal (ins- estáticos e rígidos. Precisamos utilizar ferra-
trumentos e métodos), mas também a quali- mentas metodológicas que nos permitam rea-
dade política (processos e conteúdos) (idem, lizar a apreensão das questões produzidas
op. cit.). Entendemos que o primeiro passo sem, no entanto, congelá-las, e, por isso,
rumo a esta conquista é aquele que diz res- adotamos o método da sociopoética.
peito à participação ativa dos atores envol-
vidos nos serviços a ser avaliados, permitin-
do a multiplicação de visões acerca de suas Apresentando uma nova
práticas.
Se percebermos a avaliação como premis-
proposta para a pesquisa
sa básica para conduzir a tomada de deci- avaliativa
sões, não se pode admitir que se excluam
desta prática os sujeitos envolvidos direta-
mente em suas consequências. Quando tra- A sociopoética é uma prática e uma teo-
tamos de serviços de saúde, a avaliação en- ria da pesquisa que “[...] se propõe a uma
volve o resgate não só de profissionais de análise crítica da realidade social buscando
saúde, mas também de usuários do serviço, proporcionar a expressão da transversalidade
beneficiários últimos destas ações. Some-se dos desejos e poderes que agem, de manei-
ainda a importância de se resgatar a promo- ra inconsciente, na vida social” (Gauthier,
ção da saúde como conceito transversal a 1999:13).
todo este processo. Este tem sido definido Do ponto de vista epistemológico, a socio-
historicamente nas discussões de constru- poética foi gerada num encontro entre a pe-
ção do Sistema Único de Saúde como direta- dagogia do oprimido, a análise institucional
mente relacionado à participação social nas e a escuta mitopoética. Da pedagogia do
políticas de saúde. oprimido, herdou o método do grupo-pes-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 63
Nesse estudo, o local escolhido foi um dos centros de atenção psicossocial do município de
Fortalezaii. Procuramos o serviço e solicitamos um momento com a equipe para apresentar
nossa proposta e convidar os que pretendessem dela participar. Neste momento, fizemos a
apresentação de toda a equipe envolvida na pesquisa, a exposição do projeto e a discussão
sobre a sua realização, juntamente com a negociação das oficinas de produção. Estavam
presentes na reunião três assistentes sociais, uma médica, uma pedagoga, um enfermeiro,
duas auxiliares de enfermagem e duas psicólogas. Os objetivos da pesquisa e sua metodologia
foram detalhados, por meio da explicação das oficinas de produção e do grupo-pesquisador.
Inicialmente, notamos os profissionais um pouco reticentes, mas, com as discussões que se
seguiram acerca do caráter autogestivo da pesquisa, percebemos que o grupo mostrava-se
mais seguro com relação à nossa proposta e que os profissionais foram se disponibilizando a
participar. Explicamos ao grupo que os usuários também fariam parte da pesquisa, pois são
elementos fundamentais na percepção acerca das ações oferecidas pelo CAPS. Pedimos que
os profissionais convidassem alguns usuários entre aqueles que tinham maior participação
no serviço (os que já fazem parte do Conselho de Saúde local, por exemplo), por entender-
mos que estes estão mais próximos do processo de gestão do CAPS. Solicitamos ainda que
todos os participantes assinassem o termo de consentimento e dessem permissão para que
as oficinas seguintes fossem gravadas e fotografadas. Em seguida, marcamos a primeira
oficina de produção dos dados.
Análise dos dados – O método da so- tona os elementos que o constituem; tudo
ciopoética propõe três momentos de análise aquilo que foi capturado ao longo de sua vida
dos dados: a realização da análise dos dados e, agora, possa ser utilizado como referencial
pelo grupo-pesquisador, a análise realizada de análise. Segundo Gaulthier (1999), os
pelo pesquisador e a contra-análise dos da- facilitadores participam discretamente deste
dos. A análise do grupo-pesquisador é um momento, realizando uma escuta sensível à
momento da pesquisa em que o grupo traz à fala do grupo.
A análise do grupo pesquisador aconteceu à medida que cada grupo apresentava suas
imagens e o restante do grupo-pesquisador analisava a cena apresentada. Em seguida,
aqueles que discordassem da imagem exposta refaziam a cena de outra forma, para que
novamente o grupo-pesquisador pudesse analisá-la. Após esta discussão, os grupos que
propuseram inicialmente as cenas apresentavam sua representação.
Em seguida, o facilitador da pesquisa tam- mos esta categorização levando em conta tan-
bém realiza sua análise, utilizando-se de ân- to os conteúdos semióticos como os semânti-
gulos diferentes. O primeiro tratamento dos cos; tanto os do afeto como os da razão.
dados é feito através da categorização das Podemos afirmar que, na lógica dos aconteci-
falas, procurando identificar palavras-chave, mentos, este momento é o que nos permite
cortando e classificando os dados de acordo identificar as séries, perceber como elas se
com suas relações de compossibilidade (“aná- distribuem, não esquecendo de garantir um
lise classificatória”). É importante que efetue- espaço também para o não-senso.
O segundo momento de criação é chama- ses dados, procurando ligar aquilo que a
do “análise transversal”, em que se identifi- categorização separou, construindo um tex-
cam passagens, fluxos e relações entre es- to mais fluido (Gauthier, 2004).
Ao se debruçar sobre as condições de acesso e presteza dos serviços, o grupo aponta como
principal problema a sistemática de organização do atendimento, principalmente a demora
no tempo de espera. O acolhimento do cliente deve iniciar-se ainda na recepção, e se
consegue com atenção, a mão no ombro, segurando, olhando nos olhos, transmitir uma
mensagem: “Eu estou te recebendo!”. Entretanto, nem sempre os profissionais têm interes-
se em facilitar esse acolhimento, são indiferentes ao sofrimento do outro. Além disso,
problemas como a alta demanda do serviço não permitem que ele ocorra: às vezes, fica um
único profissional na recepção, sem saber como ajudar, e 300 pessoas na fila, mostrando o
cartão, querendo ser atendidas ao mesmo tempo, pedindo, reclamando, brigando. Além
disso, existe também a necessidade de um atendimento diferenciado, de acordo com as
necessidades de cada um. Alguns sugerem uma preferência no atendimento para os pacien-
tes que participam de atividades grupais, para que estes não se atrasem nas atividades do
grupo, enquanto outras falas discordam desta organização preferencial de atendimento.
Outra questão a ser considerada são as necessidades do paciente idoso. Foi destacada a
necessidade de um atendimento diferenciado de acordo com as necessidades de cada
cliente desde que se explique isso aos outros que esperam para ser atendidos. Surge uma
discussão sobre a preferência no atendimento ao paciente idoso. Alguns o veem como
alguém que tem deficiências, enquanto outros afirmam que ele é alguém que já trabalhou
muito, que se trata de pessoas que já foram jovens como nós e, com o tempo, foram
perdendo alguma coisa, alguma força, alguma energia mesmo. Embora exista quem não
concorde com a preferência no atendimento ao idoso, precisamos lembrar que este é um
direito garantido por lei. No entanto, o grupo lembra que é preciso ter cuidado com a
banalização. Não se pode, por qualquer motivo, passar à frente da fila. Existem situações
reais de pessoas que estão em crise e de outras que precisam aprender a esperar como
todo mundo; afinal, cada um tem suas dores, seus problemas, seus motivos para querer ser
atendido antes. Além disso, as necessidades não são fixas: uma mesma pessoa pode estar
em situações diferentes, dependendo do período. Há fases em que ela vai precisar de
atendimento de urgência; outras em que tem condições de esperar, de colaborar, de deixar
o outro passar. Não é uma coisa definitiva. Existem ainda pessoas que marcam o atendimen-
to e não comparecem na data marcada, querendo ser atendidas fora do horário. Nesta
situação, cabe à equipe conversar com elas para informar como é o sistema. Mas existem
também outras que, realmente, encontram-se em situação de crise; neste caso, o atendi-
mento tem de ser diferenciado, pois, afinal, ninguém escolhe o dia para adoecer. Outra
situação a ser considerada é a da pessoa cuja medicação acabou antes do dia marcado
para a próxima consulta e ela vem procurar atendimento no serviço. Neste caso, o profissio-
nal tem de ter sensibilidade. Mesmo que não dê para atendê-la naquele dia, ele deve
agendar a consulta para o prazo mais rápido possível, porque aquela pessoa não pode ficar
sem a medicação. Todas estas necessidades acabam gerando desentendimentos, pois as
pessoas não entendem porque estão tendo que atrasar ainda mais seu atendimento. Talvez
a comunicação a este respeito não esteja muito boa: muitas vezes, simplesmente se
desloca a pessoa para a frente da fila, sem consultar os outros clientes, sem informar o que
está acontecendo. O grupo identifica problemas no acesso e na presteza do serviço e
elabora algumas sugestões para superá-los. Para as pessoas que ficam na fila esperando ser
atendidas, é preciso haver uma boa acomodação no serviço; o cliente não pode ficar jogado
em um banco, ou com a família andando pelo serviço atrás dele. Outra sugestão está
relacionada ao sistema de marcação de consultas, que poderia ser feito por horário marcado
e não com a obrigatoriedade de todos chegarem às 7 horas da manhã. Há também a
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 67
O terceiro momento, chamado “análise fi- rência aos conceitos produzidos pelo grupo-
losófica”, pretende buscar as relações entre pesquisador, os quais distinguem-se do sen-
os “confetos” produzidos pelo grupo e o pen- so comum por dar-se na composição de um
samento filosófico convencional, estabelecen- plano de consistência no qual conceitos e
do uma comunicação que nos permita perce- afetos misturam-se, traçando linhas de
ber suas convergências, complementaridades desterritorialização e configurando a realida-
ou oposições. O termo “confeto” faz refe- de de novos desejos (Gauthier, 2004).
Neste estudo, escolhemos um dos confetos criados pelo grupo para exemplificar a análise
filosófica: a “não-escolha”. Entendemos que este confeto tenta dar conta de uma contradição,
percebida pelo grupo na organização do atendimento no CAPS, entre as necessidades individuais
e a grande demanda pelo atendimento. Entretanto, o confeto de não-escolha não propõe uma
superação dialética do conflito, mas aponta para a necessidade de lidarmos com o diferente,
sem soluções homogeneizadoras. A própria estrutura semântica do termo, na qual a partícula
negativa (não) soma-se a uma afirmação (escolha), abre espaço para uma proposição disjuntiva
(e...e), ao invés de uma designação na qual as coisas devam estar representadas submetidas
ao critério do verdadeiro ou falso (ou...ou). Não se trata mais de pensar a compatibilidade ou
incompatibilidade dos sentidos dependendo de suas contradições. Em vez disso, seguimos
aquilo que Deleuze chama de “compossibilidades” ou “incompossibilidades alógicas”. Desta pers-
pectiva, o que vai afirmar dois acontecimentos como compossíveis ou incompossíveis será a
convergência ou não das séries que formam suas singularidades. Entretanto, mesmo essa
distância assegurada pela incompossibilidade das séries não trata de uma separação negativa
ou de exclusão. Ao invés disso, ela vai propiciar uma afirmação simultânea de sua diferença,
pois se trata de uma distância positiva dos diferentes: não dois contrários ao mesmo, mas
afirmar sua distância como o que os relaciona um ao outro enquanto “diferentes” (Deleuze,
1974). O incompossível passa a ser mais um meio de comunicação diferenciador, ou seja,
produtor de uma diferença de potencial, que pode ser desejo, que pode ser amor ou ódio. Sendo
assim, percebemos que o confeto de “não-escolha” tenta aproximar o sofrimento urgente de
quem acorre aos serviços de saúde mental numa situação desesperadora, sem com isso criar
“privilégios” em nome desse mesmo sofrimento. Uma tentativa de potencializar a pessoa e não
remetê-la eternamente a um lugar de falta que justifique a sua distinção em relação aos outros.
Precisamos aprender a dar mais chance a quem precisa mais, mas sem criar esteriótipos que
caracterizam guetos: “Esse é melhor, aquele é pior”, “esse é preto, esse é branco”. Além disso,
como já foi dito, é preciso lembrar que essas necessidades não são fixas: uma mesma pessoa
pode estar em situações diferentes, dependendo do momento. Finalmente entendemos que o
confeto de não-escolha criado pelo grupo-pesquisdor aproxima-se do conceito de equidade
proposto pelo ideário da Reforma Sanitária Brasileira, que remete ao oferecimento de oportuni-
dades iguais para que todos possam desenvolver seus potenciais, sem que, no entanto, dissol-
vam-se as diferenças.
68 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
Terminado o processo de análise, ocorre a mente está ainda mais presente devido ao
contra-análise dos dados. Nesta fase da pes- caráter inovador da rede de serviços proposto
quisa, apresentamos as análises realizadas pelo pela Reforma Psiquiátrica brasileira, que se vem
pesquisador ao grupo para que este possa tentando implementar desde a década de 1980.
avaliá-las, aceitando-as, alterando-as ou re-
É importante conhecermos como se tem dado
jeitando-as, e propondo sua contra-análise.
a implantação destes serviços, inclusive para
Aqui, acontece um movimento dialógico de
alianças, miscigenação ou bifurcação de sen- pensarmos as iniciativas futuras.
tidos, no qual os conflitos nem sempre en- Entretanto, precisamos levar em consi-
contram soluções. A divergência também é deração a necessidade de possibilitar pro-
produtiva. Esta etapa da pesquisa ainda se cessos de avaliação que não excluam desta
encontra em desenvolvimento. ação os sujeitos envolvidos diretamente em
suas consequências. Esta reflexão é de ex-
trema relevância no âmbito da atenção em
Considerações finais saúde mental, em que, historicamente, as
pessoas têm sido destituídas de seu poder
de contratualidade e do exercício de sua ci-
O interesse em avaliar os serviços de saú-
dadania.
de justifica-se, fundamentalmente, pela ne- Entendemos que a sociopoética pode co-
cessidade de estarmos identificando possibi- laborar nesta construção à medida que valo-
lidades e dificuldades ao longo do processo, riza os sujeitos da pesquisa como corres-
buscando a garantia do princípio constitucio- ponsáveis pelo conhecimento produzido, in-
nal da saúde como qualidade de vida, garan- citando a uma maior autonomia dos envolvi-
tida pelo Estado e considerada um direito de dos. Sugerimos que outros estudos sejam
todos os cidadãos. desenvolvidos nesta abordagem, a fim de se
Quando se trata de serviços de saúde men- ampliarem suas possibilidades de utilização em
tal, essa necessidade de avaliar processual- pesquisas de avaliação semelhantes.
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ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 69
Resumo: O tema deste artigo concentra-se Abstract: The theme of this article focuses
na análise da descentralização das políticas on the social policies decentralization analysis,
sociais, procurando incorporar elementos à aiming to incorporate elements to reflection
reflexão sobre seus limites e potencialidades. about its limits and potentialities. The study
O estudo tomou como objeto empírico de pes- took as its empirical research objective the
quisa a verificação do cumprimento da res- verification of responsibilities evaluation
ponsabilidade de avaliação do Programa Saú- fulfillment of the family health program in Cor-
de da Família do município de Correia Pinto reia Pinto (SC) by the three state spheres.
(SC) pelas três esferas estatais. Os dados The data was collected in the City Health
foram colhidos na Secretaria Municipal de Saú- Department, dated 2006, from physical
de, referentes ao ano de 2006, através de documents, such as forms and reports,
documentos físicos, como fichas e relatórios, computerized documents, such as Sistema
documentos informatizados, como o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB )
de Informação da Atenção Básica (SIAB) e (Basic Care Information System) and through
entrevistas individuais e em grupo. A pesqui- individual and group queries. The researched
sa demonstrou que inexiste avaliação do pro- showed that the program evaluation in the
grama nas esferas municipal e estadual, bem city and state spheres does not exist; as
como esta é restrita na esfera federal, em well it is restricted in a federal sphere, not
descumprimento à previsão de responsabili- fulfilling the legal responsibility provisions
dade comum entre as esferas, evidenciando common among the spheres, pointing out the
a necessidade de amadurecimento da estru- need for a decentralization structure
tura de descentralização, que não ocorre de maturation which does not occur in a com-
forma completa. plete way.
* Mestra em gestão de políticas públicas pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , procuradora-geral
município de Correia Pinto – SC. E-mail: zenaldavanim@hotmail.com
72 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
Saúde do Ministério da Saúde, para verificar preenchidos pelos profissionais das equipes
como os dados do SIAB são avaliados pelas nas fichas e relatórios físicos e aqueles cons-
esferas estatais e quais foram suas inter- tantes dos documentos emitidos por inter-
venções, a fim de confirmar ou corrigir as médio do SIAB.
ações. A informação prestada pelas enfermeiras,
Tais atores foram escolhidos porque têm de que as agentes comunitárias de Saúde
a responsabilidade de conduzir a avaliação (ACS) não utilizam as fichas B e C de acordo
dos programas nas esferas que se pretende com a orientação do manual do SIAB, por en-
estudar, o que torna possível apreender a tenderem “que se trata de muito papel”, con-
visão dos atores envolvidos diretamente no traria recomendação do Ministério da Saúde.
processo de avaliação do Programa PSF. Ade- Outra informação colhida na entrevista em
mais, as entrevistas permitiram complemen- grupo foi a de que a ficha A é entregue pelo
tar e esclarecer as características e discre- ACS diretamente para a digitadora do pro-
pâncias observadas nos dados do programa grama para alimentação do SIAB, antes de
lançados por intermédio do SIAB. ser encaminhada para sua coordenadora para
As perguntas referiram-se, diretamente, análise, evidenciando que é possível que os
tanto ao processo de avaliação como ao dados do instrumento alimentem o SIAB sem
que a coordenadora os analise.
acompanhamento/monitoramento e à coo-
Pesquisa similar realizada por Laprega e
peração técnica, requisitos essenciais para
Silva (2005), apresentada no artigo “Avalia-
o exercício da avaliação. Fundamentaram-
ção crítica do Sistema de Informação da
se no disposto na Lei no 8.080/90 e na Por-
Atenção Básica (SIAB) e sua implantação na
taria nº 648/2006, sendo adaptadas de acor-
região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil”,
do com o nível de responsabilidade de cada
traz resultados semelhantes, especificamente
esfera estatal no âmbito da política da saú-
a constatação de que a maioria dos profissio-
de, levando em consideração que as três
nais das equipes reclama do excesso de fi-
esferas têm responsabilidade conjunta pela chas usadas em sua rotina de trabalho e
avaliação. que os dados do relatório PMA2 são digitados
Respeitaram-se os preceitos éticos de diretamente no programa de computador.
pesquisa envolvendo seres humanos, uma vez Neste sentido, diante das evidências, ca-
que foram elaborados termos de autoriza- beria uma discussão acerca de possíveis
ção para divulgação do inteiro teor das in- reformulações no sistema, para uma melhor
formações coletadas, os quais foram assi- adaptação ao trabalho das equipes.
nados de livre-concordância pelos partici- Constata-se, ainda, na análise dos dados
pantes. As entrevistas foram previamente referentes ao relatório PMA2 e dos dados
agendadas, devidamente gravadas e ocor- lançados no SIAB, no ano de 2006, quanto
reram nos ambientes de trabalho dos atores ao número de atendimentos médicos e de
escolhidos, que foram identificados apenas enfermagem, nas prioridades diabetes, hi-
pelo cargo que ocupam. pertensão, puericultura e pré-natal, que es-
tas são as prioridades de maior prevalência
nas áreas de abrangência e, de acordo com
Análise e discussão dos o programa, apresentam grupos e segmen-
resultados tos populacionais em situação de maior
vulnerabilidade; que a prioridade pré-natal,
no mês de abril de 2006, apresentou 98 aten-
Preenchimento das fichas e relatórios e dimentos médicos e de enfermagem, segun-
lançamento no SIAB do o relatório PMA2; todavia, a mesma prio-
ridade apresentou 68 atendimentos no lan-
Os dados obtidos com a entrevista em çamento do SIAB.
grupo e com a análise dos documentos físi- Da mesma forma, as prioridades puericul-
cos e informatizados revelam a falta de su- tura e pré-natal apresentaram no mês de
pervisão e controle dos dados produzidos no agosto, respectivamente, 61 e 104 atendi-
município. Uma das evidências constatadas mentos no relatório PMA2, e 92 e 82 atendi-
refere-se à disparidade entre os dados mentos no lançamento do SIAB. Ainda, to-
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te, a Sociedade Brasileira de Hipertensão re- Correia Pinto encontra-se abaixo do espera-
comenda seu seguimento conforme o valor do, no mínimo em relação à prioridade diabe-
de pressão arterial encontrado, variando da tes, demonstrando que os atendimentos não
intervenção imediata (hipertensão grave) à correspondem às recomendações dos órgãos
intervenção anual (pressão arterial normal). competentes. Sobre esta realidade, ou as
Em relação a diabetes mellitus, a Sociedade consultas não estão sendo feitas ou não es-
Brasileira de Diabetes recomenda avaliação a tão sendo registradas corretamente, cumprin-
cada três ou quatro meses para pacientes do-nos ressaltar séria omissão e a necessi-
estáveis e com controle satisfatório. dade de ações que induzam a realização dos
No que se refere à prioridade diabetes, atendimentos.
temos que, em 2006, foram realizados 533 De acordo com a coordenadora do PSF no
atendimentos para uma média de 295,6 pes- município, a estratégia adotada quando os re-
soas cadastradas. Matematicamente: 533/ gistros apontam acompanhamento menor que
295,6 = 1,8 atendimentos/cadastro. Assim, o número recomendado é a realização de con-
comparando-se este número com a referên- sultas de enfermagem. No entanto, conside-
cia estabelecida pela Associação Brasileira rando que as consultas de enfermagem não
de Diabetes, pode-se dizer que este se en- substituem as consultas médicas, resta demons-
contra, praticamente, 50% abaixo do que trada uma inadequada forma de controle.
representaria a melhor hipótese, ou seja, de Quanto às demais esferas, constatou-se que
3 a 4 consultas. Cabe salientar que, por se não realiza análise em relação ao número de
tratar de um dado estatístico médio, pode atendimento médico e de enfermagem, ante o
existir cadastrado que tenha sido acompa- entendimento de que a competência desta aná-
nhado em 3 ou 4 consultas/ano. lise seria do gestor municipal.
Quanto à prioridade hipertensão, tem-se Cabe salientar a colocação do gerente es-
que, em 2006, foram realizados 1.116 aten- tadual no sentido de que o acompanhamento
dimentos para uma média de 1.065,3 pesso- dos dados de produção não está sendo feito
as cadastradas. Matematicamente: 1.116/ pelo estado em razão de “demandar muito
1.065,3 = 1,1 atendimentos/cadastro. Assim, trabalho”, bem como do fato de o sistema
se considerarmos que todos os casos de aten- não apresentar nenhuma crítica sobre o nú-
dimento foram de pressão arterial normal, po- mero de atendimentos, “não importa se num
deríamos de forma mediana ponderar que, mês há uma consulta e no outro há mil con-
nesta prioridade, o município estaria dentro sultas”. A coordenadora de Acompanhamen-
dos padrões estabelecidos pela Associação to e Avaliação do Departamento de Atenção
Brasileira de Hipertensão. No entanto, é mui- à Saúde do Ministério da Saúde, para justifi-
to difícil – embora, obviamente, não seja im- car a ausência desta análise por parte da
possível – que todos os cadastrados na prio- esfera federal, fez menção ao conceito de
ridade hipertensão tenham pressão arterial autonomia de esfera de gestão no SUS,
normal. regionalização e falta de estrutura e de re-
Estudos realizados com o intuito de subsi- cursos humanos, referindo que “o monitora-
diar a melhoria da cobertura e da adesão dos mento e a avaliação do Brasil inteiro cabiam
pacientes com diabetes e hipertensão como em uma sala”, evidenciando a necessidade
“Avaliação da assistência ao paciente com de uma melhora na estrutura e no quadro
diabetes e/ou hipertensão pelo Programa Saú- técnico.
de da Família do Município de Francisco Assim, no que se refere ao cumprimento
Morato, São Paulo, Brasil”, desenvolvido no da responsabilidade de avaliação do progra-
Núcleo de Investigação e Estudos em ma pelas esferas de governo, objetivo princi-
Epidemiologia de São Paulo (2006), mostram pal do presente trabalho, a análise dos dados
que não é suficiente divulgar o nome e o en- demonstrou que não há avaliação na esfera
dereço da equipe de saúde, sendo necessá- municipal – primeiro, ante a confirmação de
rio um esforço agressivo para aumentar a uti- que não há monitoramento nem intervenção
lização dos serviços. adequados; segundo, porque, ao descrever
Como vimos, o número de atendimentos como é feita a avaliação do programa, a coor-
médicos e de enfermagem no município de denadora deste no município referiu como a
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 77
avaliação “deveria” ser feita; terceiro, pela Na segunda representação da esfera es-
inexistência de dados físicos e informatizados tadual, Departamento da Atenção Básica,
na Secretaria de Saúde do Município; e quar- constatou-se que os procedimentos adotados
to, porque o município não cumpriu o que ha- são referentes ao monitoramento e, ainda,
via proposto no projeto de implantação do como o próprio coordenador declarou, “pou-
programa nem no Plano Municipal de Saúde cas são as ações de monitoramento.” Sobre
para desenvolvimento do processo de avalia- a avaliação, tem-se que não houve nenhuma
ção, ou seja, não existem relatórios de pes- do PSF, constatação esta corroborada pelas
quisa com os usuários, bem como não há reu- palavras do gerente: “o Estado ainda não fez
niões entre as equipes do PSF da região, nem nenhuma avaliação do PSF”.
avaliações do sistema de informação. No que se refere à esfera federal, ficou
Na esfera estadual, representada primei- evidenciada a existência de avaliações que
ramente pela Secretaria Regional de Saúde, demonstraram, de acordo com a coordena-
pode-se verificar que a descrição da avalia- dora, principalmente, que o modelo de Saúde
ção é a mesma do monitoramento, razão pela da Família é mais eficaz que o modelo de Aten-
qual se evidencia a falta de avaliação dos ção Comum, razão pela qual restou indicado
dados, havendo mesmo confusão entre que se deve continuar. Todavia, esta avalia-
monitoramento e avaliação. ção foi realizada em municípios com mais de
Em decorrência de a atividade de monitora- 100 mil habitantes, o que não é o caso do
mento ser considerada atividade de avalia- município de Correia Pinto e da maioria dos
ção, “a correção ad-hoc dos rumos de um municípios brasileiros, que são de pequeno
plano acaba sendo considerada como ativi- porte e não possuem capacidade de gerir
dades de aprimoramento do próprio progra- suas políticas sociais.
ma, mesmo quando não ocorrem modifica- Portanto, diante desta situação e da de-
ções de conteúdo, metodologia e adequação claração da coordenadora, de que “o Minis-
(Faria, 2001:47)”, o que, por sua vez, pode tério da Saúde se baseia na capacidade de
resultar em prejuízo ao andamento do pro- gestão dos estados e municípios”, pode-se
grama. entender por que o processo de avaliação
Outra constatação refere-se ao modo de não está acontecendo. O município não pos-
realização das supervisões, citadas como for- sui condições de gerir sua própria política so-
ma de avaliação, realizada semestralmente. cial, o Ministério da Saúde baseia-se na ca-
Analisando os registros do município junto à pacidade de gestão dos municípios, a conse-
Secretaria Regional de Saúde, atestou-se que, qüência, é a delegação de competência en-
durante o período em que a coordenadora tre as esferas ocasionando a não-realização
estava respondendo pelos trabalhos, somen- do instrumento de operacionalização da
te duas supervisões foram feitas. Portanto, descentralização político-administrativa do
as supervisões não ocorrem, nem ocorreram SUS, no caso, a avaliação do programa.
semestralmente, bem como há equipes que Enfim, como se pôde perceber, nas esfe-
não receberam nenhuma supervisão. Ainda, ras municipal e estadual, o programa não foi
observou-se falta de comprometimento da Se- avaliado de nenhuma forma, ficando o resul-
cretaria Regional de Saúde com a qualidade tado da avaliação por conta daquela realiza-
do programa no fato de a coordenadora refe- da pelo Ministério da Saúde, embora não
rir que tem conhecimento de que “muitas ve- abrangesse o município estudado. Portanto,
zes os dados são jogados no sistema”, porém considerando a declaração da coordenadora
“não pode interferir”. do município de que não existe retorno dos
Ademais, a utilização das secretarias regio- dados, pode-se dizer que ela afirma que no
nais não se tem mostrado efetiva em outras município de Correia Pinto não se sabe como
regiões, como no oeste catarinense: “as Re- o programa está se desenvolvendo, se as
gionais têm sido utilizadas muitas vezes como ações estão dando bons ou maus resultados.
um instrumento de negociação política, de Outra questão é a do papel das esferas
acordo com os interesses do partido que está regional/estadual e federal como indutoras da
no poder, inviabilizando a condução de saúde operacionalização da avaliação nas esferas
da região” (Kleba, 2005:329). municipais. Neste trabalho, buscou-se iden-
78 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
tificar quais as medidas adotadas pelas refe- Diante destas constatações, pode-se di-
ridas esferas para induzir a existência da ava- zer que a descentralização político-adminis-
liação na esfera municipal. trativa do SUS, no que se refere à respon-
Na esfera regional/estadual não foi encon- sabilidade de avaliação das ações e servi-
trada nenhuma medida para induzir a operacio- ços de saúde, não tem acontecido com inter-
nalização da avaliação no município. Já na es- dependência entre as esferas estatais, bem
fera federal, notou-se um aspecto positivo, como não contém todos os seus instrumen-
a existência dos projetos: Planos Estaduais tos de operacionalização.
Em nossa avaliação, a esfera federal deve
de Monitoramento e Avaliação e Avaliação
fortalecer sua capacidade institucional e ad-
da Melhoria da Qualidade junto ao município
ministrativa, suas estratégias de indução, sua
(AMQ). No entanto, considerando que o Pro- função regulatória e de acompanhamento, a
jeto AMQ foi colocado à disposição em 2005 transferência de cooperação técnica, a fim
e que até a presente data o município não de dotar o município de capacidade institu-
aderiu a ele, compete-nos questionar a sufi- cional.
ciência da capacidade de indução. Da esfera estadual, esperam-se um maior
comprometimento com a melhoria na qualida-
de dos serviços prestados, um maior empenho
Considerações finais na organização e no desenvolvimento das áreas
municipais de saúde e, principalmente, que
garanta o suporte necessário para sustentar
A pesquisa evidenciou, como ponto princi- o processo de descentralização.
pal, a clara delegação de competências en- Da mesma forma, é chegada a hora do com-
tre as esferas, no sentido de se atribuir a
parecimento efetivo do poder público munici-
responsabilidade pelo acompanhamento e ava-
pal na implementação de um Sistema de Con-
liação dos dados de produção e do programa
trole e Avaliação, através da criação de uma
à esfera municipal, ocasião em que nenhuma
unidade própria no âmbito da Secretaria Muni-
delas realizou a avaliação. Suas atividades
cipal de Saúde, com a função de coordenar o
pautaram-se na consolidação dos dados, aná-
processo de avaliação dos programas e com
lise da cobertura, correção de erros de digi-
pessoal capacitado e treinado para monitorar,
tação ou de composição das equipes, ou seja,
avaliar e utilizar os resultados advindos da
ações de monitoramento, prejudicando so-
avaliação. Ainda, o município deve aderir a
bremaneira o processo de tomada de deci-
são. De modo que, além da necessidade da projetos de autoavaliação, como o Avaliação
realização de um planejamento estratégico para Melhoria da Qualidade – AMQ, do Minis-
nacional do SUS por todas as esferas, é pre- tério da Saúde.
ciso que se clarifique a divisão de competên- Sem estas decisões, que se impõem aos
cias, a fim de que cada esfera entenda qual gestores públicos, é pouco provável que a
seja sua real atribuição. descentralização alcance resultados positivos
Cabe lembrar que, embora, caiba ao mu- e que se consiga eficiência nas atividades da
nicípio a responsabilidade de prestar atendi- gestão pública. O caminho para que a descen-
mento à população, e à União e aos estados tralização seja reconhecida como uma estra-
a cooperação técnica e financeira necessá- tégia necessária para garantia da melhoria na
ria ao desempenho desta função, na reali- assistência às demandas locais depende de
dade, estas não prestaram o suporte ne- uma atuação conjunta das esferas, da ela-
cessário, em descumprimento à previsão de boração de políticas públicas que produzam
corresponsabilidade entre as esferas. resultados reais para a sociedade.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 79
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80 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
Résumé: Le thème de cet article se concen- Resumen: El tema de este artículo se con-
tre sur l’analyse de la décentralisation des centra en el análisis de la descentralización
politiques sociales, en essayant d’incorporer de las políticas sociales, intentando incor-
des éléments à la réflexion au sujet de leurs porar elementos a la reflexión sobre sus
limites et potentialités. L’étude a pris comme límites y potencialidades. El estudio tomó
objet empirique de recherche la vérification como objeto empírico de investigación la
de l’exécution de la responsabilité d’évaluation verificación del cumplimiento de la respon-
du Programme Santé de La Famille du district sabilidad de evaluación del Programa Salud
municipal de Correia Pinto (SC) par les trois de la Familia del municipio de Correia Pinto
sphères de l’État. Les données ont été prises (SC) por las tres esferas estatales. Los datos
au Bureau Municipal de Santé, concernant fueron recolectados en la Secretaría Munici-
l’année 2006, dans les documents physiques, pal de Salud, referentes al año 2006, en los
comme par exemple des registres et des documentos físicos, como fichas e informes,
rapports, les documents informatisés, comme documentos informatizados como el Sistema
par exemple le Système d’Information de de Información de la Atención Básica (SIAB)
l’Attention de Base (SIAB) et à travers les y a través de entrevistas individuales y en
entrevues individuelles et dans le groupe. Les grupo. La investigación demostró que no exis-
recherches ont démontré qu’il inexiste te evaluación del programa en las esferas
l’évaluation du programme dans les sphères municipal y estatal, de la misma manera que
municipal et de l’état, aussi bien qu’il est es restringida en la esfera federal, no
restreint dans la sphère fédérale, dans le refus cumpliendo la previsión legal de responsa-
de consentement à la prévision légale de bilidad común entre las esferas, evidencian-
responsabilité commune parmi les sphères, ce do la necesidad de maduración de la
qui montre la nécessité d’amélioration de la estructura de la descentralización, que no
structure de la décentralisation, qui ne se ocurre de forma completa.
réalise pas de manière complete.
Palabras-clave: descentralización; políticas
Mots clés: décentralisation; politiques pu- públicas; Programa Salud de la Familia.
bliques; Programme Santé de la Famille.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 81
Resumo: Nas décadas recentes, a situação Abstract: In recent decades the situation of
das pessoas com deficiência entrou em evi- the disabled people has been brought to light
dência no Brasil, exigindo respostas do Esta- in Brazil, which required from the government
do por meio da adoção de políticas públicas members the adoption of public policies towards
para este segmento. A pesquisa objetivou in- this segment. The research aimed to
vestigar como essas pessoas avaliam as ações investigate how these people evaluate the
que lhes dizem respeito no âmbito das políti- actions representing the public policies on
cas públicas de saúde no Ceará e se tais health in Ceará that apply to them, as well as
ações possibilitam sua autonomia e inclusão if such actions make possible their autonomy
social. Foi realizada em Fortaleza-CE, de ju- and social inclusion. It was developed in For-
lho de 2003 a janeiro de 2004, utilizando ques- taleza-CE from July 2003 to January 2004, and
tionário e entrevistas. A maioria dos sujeitos the material used were questionnaires and
diferencia-se do conjunto das pessoas com interviews. In Brazil, most individuals differ from
deficiência no Brasil, pois tem maior escolari- people with disability, since they study more
dade e trabalha. Os sujeitos avaliaram os ser- and work. The services provided to these
viços como precários, os espaços físicos ina- people were evaluated as precarious, the
cessíveis e os profissionais despreparados. physical spaces as inaccessible, and the
Ficou constatado que, no Ceará, ainda não professionals as unprepared. The research
se concretizaram os princípios preconizados found that in Ceará the aims established by
pela política nacional para este setor. Sendo the national policies to this segment have not
assim, as políticas públicas que lhes dizem yet been reached. Thus, the public policies
respeito adotam medidas pontuais e mais li- that apply to them suggest insufficient
mitam do que impulsionam sua autonomia e measures and create limits more than they
inclusão social. motivate their autonomy and social inclusion.
zam-se a maioria dos equipamentos de assis- soas com deficiência, familiares e profissio-
tência às pessoas com deficiência e suas en- nais que integram as entidades que congre-
tidades. A limitação de recursos financeiros gam pessoas com deficiência ou que prestam
também inviabilizou uma maior abrangência serviços a estas; pessoas que estiveram ou
geográfica. Vale salientar que a realidade en- estavam à frente da gestão de entidades,
contrada na cidade de Fortaleza retrata, de órgãos públicos ou órgãos colegiados já refe-
alguma forma, a situação da atenção às pes- ridos no parágrafo anterior. Para o primeiro
soas com deficiência nos demais municípios grupo de sujeitos, foram definidos os seguin-
cearenses. tes critérios: pessoas adultas com deficiên-
Foram identificadas 20 entidades de pes- cia ou não, de ambos os sexos, integrantes
soas com deficiência. Como critérios de in- das respectivas entidades; profissionais que
clusão, optou-se por contemplar a pluralidade militam ou trabalham nestas entidades, ten-
no que se refere ao perfil das entidades e do ou não relações de parentesco. Para o
dos sujeitos, buscando-se incluir entidades segundo grupo prevaleceu como critério o fato
identificadas com as mais variadas concep- de estarem ocupando determinada posição
ções acerca das questões que envolvem a naquele momento de transição para a nova
pessoa com deficiência e as que congregam política nacional de saúde para as pessoas
pessoas com os mais diversos tipos de defi- com deficiência. Foram entrevistados 18 su-
ciência. Esta pretensão de contemplar a di- jeitos, sendo 2 gestores de órgãos públicos
versidade de entidades e de concepções fun- governamentais, 1 representante de órgão
damentou-se na argumentação de Bauer e colegiado, 2 técnicos de entidades que pres-
Gaskell (2002), ou seja, na pesquisa qualitati- tam serviços, 2 familiares e 11 pessoas com
va importa mais a variedade de opiniões sobre deficiência de ambos os sexos.
o tema. Deste modo, foram incluídas na pes- Aplicou-se um questionário para compor o
quisa sete entidades, sendo uma de pessoas perfil socioeconômico e de saúde das pessoas
com deficiência motora, duas de pessoas com com deficiência incluídas na pesquisa, além
deficiência auditiva, uma de pessoas com de- da realização de entrevista semiestruturada.
ficiência visual e três de pessoas com qual- Para conduzir a entrevista, foi organizado um
quer tipo de deficiência. “tópico guia”, instrumento composto por itens
Vale salientar que, tendo em vista as no- para subsidiar o entrevistador e favorecer um
vas diretrizes geradas pela Lei no 7.853 de melhor ordenamento do seu trabalho (Bauer
1989, pelo Decreto no 3.298/99 e pela Reso- e Gaskel, 2002).
lução no 1.060 de 2002, foram surgindo ques- As entrevistas foram gravadas com o con-
tões referentes à reorganização do atendi- sentimento dos sujeitos. Às pessoas com de-
mento, na área de saúde, às pessoas com ficiência auditiva solicitou-se que indicassem
deficiência. Era um momento de transição, o um intérprete da língua brasileira de sinais
que implicou a busca de outras pessoas e/ou (LIBRAS) para atuar no momento da realiza-
órgãos para obtenção de informações relati- ção da entrevista.
vas a como este processo vinha ocorrendo. Na pesquisa, foi adotada a perspectiva de
Sendo assim, também foram entrevista- avaliação, tendo o termo “avaliar” o sentido
dos: um representante do Setor de Serviço de apontar para o valor, reportar-se a um
Social da Secretaria de Saúde do Ceará, que perceber que distingue, que rompe com a in-
anteriormente respondia pelo atendimento às diferença, que estabelece pontos de refe-
pessoas com deficiência; um do Centro Carlos rência (Rios,1999). Partiu-se do princípio de
Ribeiro, da Secretaria Executiva Regional I da que, tendo em vista a concepção de saúde
Prefeitura Municipal de Fortaleza, que esta- que está expressa no Sistema Único de Saú-
va habilitado, naquele momento, para aten- de, toda política pública de saúde deve pro-
der as pessoas com deficiência na área da mover a inclusão social.
reabilitação; um da Comissão Interinstitucio- Foram seguidos os princípios definidos pela
nal para subsidiar as diretrizes da Política de Resolução no 196/96, que define os padrões
Saúde à pessoa com deficiência no Ceará. éticos para investigações que envolvem se-
Os sujeitos pertencem a dois grupos: pes- res humanos, principalmente quanto à bene-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 85
ficência, autonomia, relevância social da pes- como, em determinado contexto, elas cons-
quisa e assinatura do termo de consentimen- troem seus discursos sobre a realidade que
to livre e esclarecido. O projeto foi submeti- vivenciam e como, por exemplo, um gestor
do e aprovado pelo Comitê de Ética em Pes- ou um profissional vinculado a um órgão ou
quisa da Universidade Federal do Ceará. instituição constrói seu discurso a respeito
Os dados quantitativos coletados sofre- do mesmo tema.
ram análise percentual. As informações pro- Setenta por cento das pessoas entrevis-
tadas têm nível superior concluído; portanto,
venientes das entrevistas foram analisadas
enquanto integrantes de entidades que re-
recorrendo-se à análise crítica do discurso
presentam o segmento das pessoas com de-
(Iñiguez, 2004; Bauer; Gaskell, 2002 ), vi-
ficiência, fogem ao perfil comumente encon-
sando destacar as diferentes percepções dos
trado nele, em geral portadores com menor
sujeitos e a explicitar coerências e incoerên- escolaridade. No Brasil, apenas 2,0% das pes-
cias em relação a textos oficiais e outros as- soas com deficiência têm escolaridade de ní-
pectos da realidade estudada. A análise crí- vel médio acima, e a maioria dos que estão
tica do discurso foi adotada tendo em vista no ensino médio faz cursos profissionalizantes,
que a tarefa de avaliar uma política pública não universitários (Massiah, 2004).
demandava um dispositivo que permitisse uma Também 60% dos sujeitos são do sexo femi-
perspectiva de abordagem mais crítica e que nino e 40% são do sexo masculino. O resulta-
problematizasse mais as questões. do, quanto à relação de gênero, demonstra
Também se tomou como base o conceito certo predomínio da representação política das
de inclusão social, entendido como processo mulheres nessas entidades. A maioria é de diri-
composto de transformações simples e tam- gentes das entidades, sendo esta maioria fe-
bém complexas que devem acontecer nos am- minina, representando algo diverso do que acon-
bientes físicos e, essencialmente, na menta- tece na sociedade brasileira no tocante à ocu-
lidade das pessoas. Segundo Sassak (2003), pação de cargos de direção, nos quais os ho-
mens constituem quase o dobro, no que se
estas mudanças grandes e pequenas devem
refere a cargos superiores no poder público,
incluir as próprias pessoas com deficiência;
nos órgãos de interesse público e nas empre-
somente assim a sociedade prepara-se para
sas, em relação às mulheres (IBGE, 2001).
incluir todas as pessoas na condição de O grupo é composto por pessoas com fai-
cidadãos(Sassak, 2003). xa etária predominante de 35 a 40 anos (55%),
A inclusão social da pessoa com deficiên- seguido pela faixa etária de 30 a 35 anos
cia pode ser favorecida, também, por inicia- (30%) e de 20 a 25 (25%), sendo que todas
tivas cotidianas, decorrentes da contribuição elas têm até 40 anos de idade. No Brasil, é
que cada pessoa pode trazer, independente- de 12% a prevalência da deficiência até 36
mente do lugar que ocupa na sociedade anos, aumentando para 20% aos 42 anos,
(Senac, 2003). Neste sentido, uma atenção para 37% aos 60 anos e para 70% a partir
especial deve ser dada à vigilância, para evi- dos 75 anos (Massiah, 2004).
tar a reafirmação ou reprodução de modelos Isto pode ser um indicador de que pessoas
que reforcem estigmas e desrespeitem as di- com idade mais elevada não integram as en-
ferenças como condição humana. tidades compostas por pessoas com deficiên-
cia, já que, tendo em vista as barreiras arqui-
tetônicas e outras, são exigidos significati-
Resultados e discussão vos esforços para militar em torno dessa cau-
sa. Além do mais, a presença de pessoas re-
lativamente jovens pode estar relacionada ao
Perfil dos sujeitos fato de que, no Brasil, só em meados da dé-
cada de 1980 é que surgiram entidades de
As informações coletadas constituem par- pessoas com deficiência, criadas e dirigidas
te dos elementos que permitiram caracterizar por elas mesmas (Sassaki, 2003).
o perfil das pessoas com deficiência que fo- Quanto ao estado civil, 88% das pessoas
ram sujeitos da pesquisa e indicam também entrevistadas são solteiras e somente 12%
86 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
estão casadas. Isto representa uma dife- utilizam outros equipamentos para auxiliar na
rença em relação à população em geral, na leitura, respiração ou na comunicação.
qual se pode identificar que a maioria das As informações acima mostram que as pes-
pessoas entre 35 e 40 anos estão casadas soas com deficiência que foram entrevista-
ou já constituíram família. Como a maioria das encontram-se em um patamar diferen-
dos sujeitos é composta por mulheres, é for- ciado em relação à maioria daquelas na mes-
çoso destacar que, se fossem casadas, ti- ma situação, já que têm média de escolari-
vessem filhos e trabalhando (como já o fa- dade elevada, trabalham e têm relativa au-
zem) fora de casa, provavelmente disporiam tonomia financeira.
de menos tempo para se dedicar a causas
tão específicas. Os dados podem estar dire- Avaliação das políticas públicas de saúde
tamente relacionados a barreiras sociais e
culturais que precisam ser cotidianamente Como característica comum, os sujeitos
enfrentadas por estas pessoas, que tentam avaliam as ações da política pública de saú-
estabelecer laços sociais e buscam sua rea- de no Ceará como insuficientes para aten-
lização afetiva em geral e uma vida amorosa der às demandas das pessoas com deficiên-
em particular. cia. Mesmo assim, foi possível observar
No tocante à vida social e profissional, nuanças que distinguem, de algum modo, os
80% das pessoas trabalham e 20% estu- discursos de um grupo em relação ao outro.
dam. Das que trabalham, 80% têm vínculo Conforme mostram os dados do Quadro 1,
empregatício e 20% são autônomas. Entre os discursos das pessoas com deficiência,
as que trabalham, 80% ganham entre um e familiares e militantes das respectivas enti-
três salários mínimos e 20% ganham entre dades, bem como o discurso da integrante
quatro e seis salários mínimos. No Brasil, a da Comissão Interinstitucional para subsidiar
renda mensal é de R$ 350,00 para as pesso- a política pública de saúde para as pesso-
as que não apresentam deficiência e de R$ as com deficiência no Ceará, praticamente
300,00 para as pessoas com deficiência não referem a ocorrência de avanços signi-
(Massiah, op. cit.).
ficativos ou abrangentes nos serviços que
Ficou constatado que 90% dos sujeitos
desenvolvem a política pública de saúde no
têm renda familiar de até cinco salários mí-
Ceará. Elas ressaltam a falta de acessibili-
nimos e somente 10% têm renda familiar su-
dade, agravada pela discriminação e pelo
perior a isso. Considerando este indicador,
não-cumprimento ou morosidade do que está
pode-se concluir que as pessoas entrevis-
tadas com deficiência têm renda baixa, o previsto na legislação. Identificam que ou-
que foi confirmado por outros indicadores: tros estados conseguiram avançar, enquan-
somente 18% possuem automóveis e ape- to no Ceará isto não ocorreu de modo signi-
nas 30% moram em casa própria, enquanto ficativo. Também advertem que, se em For-
os demais moram em casa alugada. taleza as dificuldades são tão marcantes,
Embora a maioria dos sujeitos tenha em- então em outros municípios cearenses as
prego, todos sejam adultos, com escolari- condições são ainda mais precárias.
dade de nível médio ou superior, todos mo- As pessoas com deficiência conseguem
ram com familiares, demonstrando a impor- identificar avanços, mas apenas no tocante
tância do vínculo familiar para garantir-lhes à ação das instituições da sociedade civil,
certa segurança. Mesmo assim, 90% deles entre as quais se incluem as entidades em
afirmaram ter autonomia integral na vida co- que elas se congregam. Portanto, este é mais
tidiana; portanto, apenas 10% precisam da um elemento a apontar: que a atenção a
ajuda de outra pessoa. esse segmento não se pauta pela integrali-
Todos os entrevistados necessitam de dade e equidade, mas por uma perspectiva
órtese, prótese ou outro tipo de equipamento desarticulada, marcada pela insuficiência de
para auxílio na locomoção e autonomia, in- recursos, o que repercute negativamente
cluindo cadeiras de rodas, sendo que 40% entre os interessados.
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 87
QUADRO 1 - AVALIAÇÃO DOS SUJEITOS QUANTO A ABRANGÊNCIA E IMPACTO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE
NO CEARÁ SOBRE A VIDA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
GRUPO I Fortaleza é assim [...] a gente procura e nada. É a quinta cidade do país e
ainda tem um lado social muito precário, muito atrasado [E2]. Aqui no Ceará
eu não consigo ver avanço [...]) nem um hospital público acessível tem [E4].
O serviço público deixa muito a desejar [...]. Existe a discriminação [E5]. A lei
assegura que nós temos direito, mas isso de fato não funciona [E8]. O Ceará
ainda está muito aquém do que poderia ser feito [E9]. Eu já fui à Bahia e a
Belém: são totalmente mais avançados que o Ceará [E10]. É difícil em Forta-
leza, imagine no interior afora [E11]. No caso da instituição que eu trabalho,
considero um tendimento muito bom, dentro do limite que se pode oferecer.
A criança recebe um atendimento multidisciplinar [...] trabalhamos com mé-
todos especializados [E14]. Não se pode generalizar, mas eu acredito que o
processo de marcação, deslocamento e até se chegar ao profissional é muito
doloroso, mas, quando é atendido por este, compensa tudo, porque existe
profissional muito compromissado [E15].
GRUPO II Talvez o que mais tem tido êxito é a invenção da sociedade civil organizada...
nessa perspectiva de transformação cultural na área da deficiência. Todas as
conquistas relacionadas resultam dessas organizações. Agora, lentamente,
algumas coisas estão mudando, mas, efetivamente, ainda não existe nada
estruturado [E16].
A demora é o pedido, e o pessoal fica enchendo o saco. Mas é triste! Principal-
mente cadeira de rodas, dizemos: “Espere, é só passar este mês”, porque não
depende da gente [E12].
A preocupação da Secretaria e minha como técnica é que a gente vê que existe
uma deficiência grande, que não dá para atender todo mundo. Nós só estamos
com uma unidade em Fortaleza e em Iguatu que se habilitaram dentro da
exigência, e é insuficiente [E13].
Nos discursos das pessoas que exercem ções decisórias frente às políticas públicas e
cargos de gestão ou que têm função de téc- que, pensando e agindo desta forma, tendem
nicos, há contradições. Por um lado, falam de a manter a realidade mais do que mudá-la.
uma perspectiva teórica, como técnicos ou Este modo de compreender o processo de
gestores, que aparentemente entendem o al- reabilitação pode estar associado ao enten-
cance do que está preconizado quanto à in- dimento da deficiência como um problema
clusão social e autonomia das pessoas com da pessoa, o qual exige concentração de
deficiência e demais minorias. Por outro lado, serviços nessa pessoa. Tal percepção guar-
usam palavras que remetem à irritação e ao da semelhança com o modelo médico de
preconceito, com certo viés caritativo ou ro- abordagem da deficiência, anterior ao mode-
mântico. Isso indica que não apreendem toda lo de inclusão social. Esse modelo tem sido
a complexidade do problema, que exige um responsável pela resistência da sociedade em
atendimento de reabilitação na perspectiva de mudar suas estruturas e atitudes para incluir
inclusão social. Estas falas são representati- as pessoas portadoras de deficiência e/ou
vas do modo como a sociedade compreende e pessoas que sofrem outras formas de descri-
aborda, predominantemente, as pessoas com minação (Sassaki, 2003).
deficiência. Isso é grave, na medida em que De qualquer modo, os discursos, principal-
são discursos de pessoas que estão em posi- mente aqueles das pessoas com deficiência,
88 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
indicam que a perspectiva de uma sociedade me recuperando [...] Toda a vida quando eu
inclusiva no Ceará quase inexiste em espaços vou ao hospital é muito bom o atendimento.
públicos e, quando se trata do espaço público Era a primeira pessoa a ser atendida. Foi mui-
estatal, ela não é perceptível. to bom. Não tenho a reclamar do atendimento
A modernização administrativa do Ceará não do governo, do hospital [E10].
resultou em avanços na qualidade nem na in-
tensidade dos serviços de saúde nos últimos A lei é só no papel. Tem várias leis aí com
dez anos, mas reduziu em 15% o número de mais acessibilidade e tudo, mas a gente não
leitos para atendimento a pacientes do SUS. vê isso na prática [E11].
Nas Unidades de Tratamento Intensivo, o caso
é ainda mais grave. Segundo os parâmetros É perceptível que as pessoas com deficiên-
da Organização Mundial de Saúde (OMS), de- cia têm um conhecimento relativo sobre seus
direitos e avaliam como inexistente ou precá-
vem existir de dois a quatro leitos hospitalares
ria a atenção que lhes é dispensada. A avalia-
para cada mil habitantes, com os leitos de UTI
ção em relação ao despreparo dos serviços e
representando entre 5% a 10% do total. As-
dos profissionais para prestar uma assistência
sim, o ideal era que Fortaleza tivesse 836 lei-
qualificada aparece como uma crítica recor-
tos de UTI. Na prática, a cidade só tem 158, rente.
em hospitais privados, e 168 em hospitais pú- Os discursos não indicam a existência de
blicos, pouco mais de um terço do necessário uma política que aponte para inclusão social.
(Bruno; Farias; Andrade, 2002:146). Ressalte-se que esta nunca deve ser confun-
Os discursos que seguem refletem o en- dida com assistência, segregação ou distin-
tendimento dos sujeitos sobre as iniciativas ção no atendimento, de acordo com alguma
recentes na área de saúde para as pessoas condição ou característica que a pessoa apre-
com deficiência no Ceará e áreas correlatas. sente (Massiah, 2004).
É necessário enfatizar que, na raiz dos pro-
Na verdade eu não sei como é, porque é blemas da ineficiência e da falta de qualidade
assim. Eu sei que isso é direito, quando o de- das políticas públicas, também está uns
ficiente não tem autonomia de pegar o dinhei- determinantes centrais, que é o modelo neo-
ro e comprar sua prótese, sua cadeira de roda, liberal. Neste contexto, as pessoas com defi-
muleta, o aparelho [E1]. ciência têm sido duplamente penalizadas, por-
que o processo de inclusão/exclusão social im-
Mas, eu vejo assim, não existe uma política plica um movimento mútuo. Cabe à pessoa
voltada para isso. Por exemplo, eu faço um com deficiência, assim como às demais, mani-
trabalho que eu não sei nem se o que eu faço festar-se com relação a suas necessidades. À
é certo. Eu não fui preparado para isso, mas sociedade, cabe a implementação de ajustes
eu vou atender uma pessoa que acabou de e providências necessárias para possibilitar o
ser deficiente, quer dizer, eu posso fazer um acesso imediato e definitivo à convivência em
comentário que eu posso ofender bastante espaço e equipamentos públicos estatais e não
aquela pessoa, pois eu não estou preparado estatais.
[E2]. Todavia, para que este movimento aconte-
ça, é necessário que se ocupem os espaços
públicos. Sob este aspecto, as pessoas com
Quanto ao Ceará, dentro do turismo, ne-
deficiência são penalizadas porque, não ha-
nhuma ação [E5].
vendo condições de acessibilidade física, elas
não podem exercer seu direito de ir e vir, in-
Sei que o serviço público deixa muito a de-
clusive para apresentar suas demandas en-
sejar [E6].
quanto cidadãos.
Só sei que é discriminatório e preconcei-
tuoso [E7].
Considerações finais
Então, eu vejo assim, até não é nem negli-
gência! Eu não vou dizer que seja uma culpa! Entre as pessoas com deficiência entrevis-
É um dolo mesmo! Ele propositalmente já está tadas, 70% têm escolaridade de nível supe-
prejudicando as nossas necessidades [E9]. rior, indicando que elas se encontram em van-
Adquiri com sete anos, ainda criança e fui tagem quanto ao nível de escolaridade em re-
ARTIGOS INÉDITOS JAN/JUN 2008 89
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90 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
Resumo: O propósito deste artigo é fomen- Abstract: The purpose of this article is to
tar uma reflexão crítica sobre a criação e foster a critical reflection on the creation
implementação do Programa de Agricultura and implementation of the Programme of
Familiar no ano de 1996. Para atingir tal fi- Family Farming in 1996. To achieve these
nalidade, são elencados alguns autores que goals are listed some authors who discuss
discutem esta temática, assim como o pró- such issues as well as the very concept of
prio conceito de agricultura familiar que family farming that this guiding public policy.
norteia esta política pública. Os autores se- The authors selected achieve an approach
lecionados realizam uma abordagem que that emphasizes the speech of the federal
enfatiza o discurso do governo federal rela- government about the creation of the
tivo à criação do programa, mostrando que program, showing that there was a response
houve uma resposta às demandas dos movi- to the demands of rural social movements,
mentos sociais rurais, mas também interven- but also assistance from international agen-
ções de agências internacionais. cies.
* Mestre em antropologia social e doutora em ciências sociais pela UNICAMP, é pesquisadora-bolsista Prodoc/
CNPq e membro do Programa de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP), na Universidade
Federal do Ceará (UFC).
92 JAN/JUN 2008 REVISÃO DE LITERATURA
uma forma de produção onde predomina a agricultura torna-se refém das articulações
interação entre gestão e trabalho; são os dos complexos agroindustriais, nos quais “as
agricultores familiares que dirigem o proces- regras e decisões são tomadas por grupos
so produtivo, dando ênfase na diversifica- ou nichos de poder vinculados a grandes em-
ção e utilizando o trabalho familiar, eventual- presas ou conglomerados transnacionais ou
mente complementado pelo trabalho assala- transnacionalizados” (p. 68).
riado” (www.pronaf.gov.br). A história da agricultura na América do Sul
Denardi (2001) tem uma concepção se- e, particularmente, no Brasil, como mostra
melhante sobre o conceito. Para ele, as ca- Pietrafesa (2007:8), esteve pautada na pro-
racterísticas principais dos empreendimen- dução em grandes propriedades rurais, os la-
tos familiares são: serem administrados pela tifúndios. O Brasil experimentou um processo
própria família; e neles a família trabalhar em que as grandes extensões de terras fo-
diretamente, com ou sem o auxílio de tercei- ram dadas, pela Coroa de Portugal, a alguns
ros, ou seja, a gestão é familiar e o traba- proprietários que lhe eram fiéis, ou seja, às
lho, predominantemente, também o é. Con- denominadas capitanias hereditárias. Neste
forme este autor, um estabelecimento fa- sentido, a partir do início da colonização, fo-
miliar é, ao mesmo tempo, uma unidade de ram legitimados e consolidados poderes aos
produção e de consumo; uma unidade de pro- ocupantes das terras da colônia, os quais
dução e de reprodução social (Denardi, seriam os proprietários de grandes áreas ru-
2001:56-57). rais. Pietrafesa (2007) enfatiza ainda que, nas
Pietrafesa (2000:15) ressalta que, se o colônias da Coroa espanhola, o processo foi
conceito de “camponês” foi fartamente uti- diferente, pois, por meio de presença física,
lizado na década de 1960, no Brasil, nas dé- ela controlava nelas a produção de riquezas
cadas seguintes foi substituído pelo de “pe- e a propriedade das terras. Deste modo, a
quena produção”. Com uma concepção mui- agricultura para a exportação passou a co-
to semelhante à do autor acima citado, mandar a economia brasileira desde sua co-
Pietrafesa considera o agricultor familiar lonização e vem mantendo parte significativa
aquele ator social que desenvolve ativida- do poder até os dias de hoje. O autor desta-
des com base na mão-de-obra da própria ca também que, diferentemente de outros
família, principalmente, e depende de forma países capitalistas, principalmente os euro-
substancial do sistema de produção para sua peus, os quais, após a Primeira Guerra Mun-
reprodução física e social - ainda que alguns dial passaram a valorizar a forma familiar de
exerçam pluriatividades3 para ampliar sua produzir, o Brasil permaneceu latifundiário,
possibilidade de sobrevivência (reprodução voltado para a exportação.
social). Segundo ele, o modo de produção Da mesma perspectiva, Lamarche (1993)
do agricultor familiar pode ser diferenciado afirma que “de maneira geral, a agricultura
daquele do capitalista, pois, ele acredita que camponesa nasceu no Brasil sob o signo da
esta mantém relações de produção que não precariedade: precariedade jurídica, econô-
atendem à lógica da exploração do trabalho mica e social do controle dos meios de tra-
alheio, não extrai mais-valia e, ainda, man- balho e produção e, especialmente, da terra
tém autonomia na forma de estabelecer re- [...]” (p. 180).Embora os autores citados te-
lações sociais e culturais, não se enquadran- nham afirmado que o Brasil, diferentemente
do, por este motivo, nos padrões estabele- dos países europeus, não valorizou a agri-
cidos por este capital. cultura familiar, não se pode esquecer que,
Todavia, Lamarche (1993) alerta para um no final do século XIX, com a libertação dos
fato muito importante: a especificidade e a escravos, quase 1 milhão de italianos chega
heterogeneidade da produção familiar não su- para trabalhar nos cafezais de São Paulo, os
gerem que ela não seja subordinada às de- quais utilizavam mão-de-obra familiar. Se-
terminações gerais do capital, pois está con- gundo Stolcke (1993) e Cenni (1975), os ita-
dicionada a ele por meio de sua inserção no lianos vieram, em sua maioria, com famílias
mercado. já constituídas, contratadas para a lavoura
De uma maneira ainda mais abrangente, do café. Stolcke (op. cit.) relata um comen-
Siqueira e Osório (2001) apontaram que a tário irônico, feito por um suíço, evidencian-
REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 95
do a preferência, naquele momento, do tra- da colheita, que era um quinto maior do que
balho familiar: a da fase de cultivo. A outra vantagem era
devida também, em parte, à ideologia de fa-
Os humanísticos fazendeiros do Brasil, além mília, partilhada por ambos os grupos, fazen-
do mais, querem não apenas indivíduos, mas deiros e trabalhadores, destacada por Stolcke
famílias inteiras para lhes oferecer esta feli- (op. cit.), que “pressupunha a combinação
cidade (uma renda fácil e abundante) nunca de esforços e auxílio mútuo entre os mem-
antes imaginada, de maneira que os mem- bros de uma família para benefício dela como
bros da família ajudar-se-iam uns aos outros um todo” (p. 69). Esta ideologia reforçava a
no trabalho e aumentariam assim sua fortu- ideia de solidariedade na família e a interde-
na comum. Pessoas solteiras teriam que se pendência entre seus membros.
unir à família imigrante (C. Heusser, 1980, Pode-se observar nas ressalvas da auto-
apud Stolcke, op. cit.:65). ra acima que, na substituição da mão-de-
Conforme Stolcke, os fazendeiros, usual- obra escrava pela imigrante, já se conside-
mente, explicavam sua preferência por este rava o trabalho familiar como mais rentável
tipo de imigração, argumentando que “imi- e, por isso, preferencial, isto é, a agricultura
grantes acompanhados por suas famílias eram familiar não foi de todo desprezada como
menos propensos a abandonar as fazendas” afirma Pietrafesa (2007).
(p. 68). Contudo, a autora analisa esta expli- Partindo do pressuposto de que a agri-
cação como sendo parcialmente verdadeira, cultura familiar esteve em evidência em al-
pois acredita que esta era “baseada em uma guns momentos da história agrícola brasilei-
premissa ideológica vinda da própria noção ra é que se percebe, novamente, um desta-
do fazendeiro, de uma família como unidade que maior dado a ela na década de 1990,
solidária, que um membro de uma família não com a criação do Pronaf. O fortalecimento
fugiria ou abandonaria [...]” (p. 68). da agricultura familiar foi justificado pelo go-
Para a autora, igualmente importante para verno federal a partir da capacidade desta
o fazendeiro era o fato de esta opção por absorver mão-de-obra e gerar renda, além
famílias de imigrantes proporcionar-lhes uma de ser um meio eficiente de reduzir a migra-
reserva de mão-de-obra barata, que se mos- ção do campo para a cidade. Por este moti-
trava com um custo menor do que se fosse vo, o objetivo do PRONAF é possibilitar o de-
contratado trabalho assalariado. Isto porque senvolvimento socioeconômico mais susten-
o contrato com as famílias era “de ameia”, ou tável, visando o aumento e a diversificação
seja, o transporte, alimentação e ferramen- da produção, com o consequente crescimento
tas de que iriam precisar, até que pudessem dos níveis de emprego e renda, proporcio-
obtê-los com recursos próprios, eram finan- nando bem-estar social e qualidade de vida
ciados pelos fazendeiros. Por este motivo, este para os agricultores familiares, na interpre-
podia determinar o número de pés de café tação dos formuladores do programa.
dos quais os trabalhadores deveriam cuidar e No Manual operacional do Pronaf desta-
a colheita. Além disso, de acordo com Stolcke cam-se ainda quatro objetivos específicos:
(op. cit.), concedia-lhes um pedaço de terra
para plantar seu próprio alimento. Eles eram a) ajustar as políticas públicas de acor-
obrigados a repor as despesas do fazendeiro do com a realidade dos agricultores
com pelo menos metade de seus lucros anuais familiares;
provenientes do cultivo do café [...] Final- b) viabilizar a infraestrutura necessária
mente, não poderiam deixar a fazenda sem à melhoria do desempenho produtivo
que houvesse pago suas dívidas” (p. 66). dos agricultores familiares;
A própria opção dos fazendeiros pelo sis- c) elevar o nível de profissionalização dos
tema de ameia explicava o recrutamento de agricultores familiares através do
unidades familiares, na concepção desta au- acesso aos novos padrões de tecnolo-
tora. Em vez de trabalhadores individuais para gia e de gestão social;
as plantações, preferiam as famílias, pois seus d) estimular o acesso desses agricul-
filhos e esposas podiam cobrir satisfatoria- tores aos mercados de insumos e
mente a demanda adicional exigida na época produtos.
96 JAN/JUN 2008 REVISÃO DE LITERATURA
Conforme Pereira (2000), os esforços de res criou critérios de exclusão, os quais es-
fortalecimento da agricultura familiar pelo tão baseados no significado do “verdadeiro
PRONAF estão ainda direcionados para a mo- agricultor”: “um profissional, com forte vi-
dernização da infraestrutura produtiva e so- são empresarial e dependente, pelo menos
cial no meio rural, porém no referido Manual em 80% de sua renda familiar, do desenvol-
não há comentários, no contexto da hete- vimento da atividade agrícola princípios
rogeneidade própria da agricultura brasileira, produtivista e setorial” (Aquino e Teixeira,
sobre a forma encontrada pela produção fa- op. cit.:73).
miliar para absorver mão-de-obra manten- Ambos os autores acima citados desta-
do, ao mesmo tempo, a competitividade4 na cam que a própria definição de agricultor fa-
economia e a modernização, por meio do em- miliar foi influenciada por modelos internacio-
prego de tecnologia. Segundo a autora, pa- nais e não na realidade do agricultor brasi-
rece, neste caso, haver um paradoxo nes- leiro que possui especificidades não só nacio-
tes objetivos, pois a tecnicidade na agricul- nais como também regionais.
tura, ao invés de promover geração de em- Em Tonneau, Aquino e Teixeira (2005) res-
pregos, pode intensificar o êxodo rural. Pe- salta-se que a visão sobre a questão agrá-
reira demonstra ainda que as diretrizes do ria no Brasil é dual, pois é resultado da polí-
Pronaf tomaram como referência o modelo tica federal que, em meados dos anos 1990,
de modernização agrícola de países euro- dividiu os assuntos rurais em dois ministé-
peus, principalmente da França do pós-guer- rios: o da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
ra. Os produtores selecionados pelo modelo mento, cujo objetivo central é manter a com-
adotado por esses países foram aqueles que petitividade do setor empresarial, ou seja, o
apresentaram condições de se modernizar e agronegócio; e o do Desenvolvimento Agrá-
tornar-se agricultores empresariais. Ao pri- rio, o qual se ocupa da reforma agrária e do
vilegiarem os agricultores mais aptos à mo- desenvolvimento da agricultura familiar. Este
dernização, obtiveram como consequência a fato acaba por reforçar a ênfase no agro-
desertificação de várias aldeias e terras an- negócio e privilegiar agricultores que possuem
teriormente cultivadas e o êxodo rural, prin- condições de aproximar-se deste tipo de ati-
cipalmente dos jovens, afirma Pereira (op. vidade agropecuária. De acordo com dados
cit.:31). coletados pelos autores (op., cit.), há, por
Aquino e Teixeira (2005) partem da mes- este motivo, uma concentração dos recur-
ma análise e acrescentam, com base em do- sos financeiros provenientes desta política
cumentos do FAO-INCRA (1995), que os es- nos municípios das regiões mais ricas (Sul e
tudos realizados por estas organizações di- Sudeste), em detrimento das localidades mais
vidiram a agricultura familiar em três cate- pobres do país (Norte e Nordeste), pois se
gorias, divisão esta cuja intenção é definir o acredita que os agricultores do Sul e Sudes-
público prioritário das políticas públicas: te estariam “mais aptos” a transformar-se
em agricultores familiares do tipo consolida-
a) agricultura familiar consolidada (ideal): do.
aqueles que obtém os melhores re- Os critérios para se obter o financiamen-
sultados econômicos; to do programa, que, de acordo com Aquino
b) agricultura familiar de transição: os e Teixeira (op. cit.) foram influenciados por
de transição têm tido prioridade, a modelos internacionais, são:
fim de transformá-los em consolida-
do, criando novas oportunidades para a) possuir, pelo menos, 80% da renda fa-
o desenvolvimento da agricultura e o miliar originária da atividade agrope-
crescimento da produtividade; cuária e não agropecuária exercida no
c) agricultura familiar periférica: são mar- estabelecimento;
ginalizados, devendo se contentar b) deter ou explorar estabelecimentos
com políticas de compensação. com área de até quatro módulos fis-
cais (ou até seis módulos quando a
Na interpretação destes autores, essa di- atividade do estabelecimento for pe-
visão em categorias dos agricultores familia- cuária);
REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 97
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REVISÃO DE LITERATURA JAN/JUN 2008 99
Résumé: Le but de cet article est de favoriser Resumen: El propósito de este artículo es
une réflexion critique sur la création et la mise fomentar una reflexión crítica sobre la creación
en oeuvre du Programme de l’Agriculture y aplicación del Programa de Agricultura Fa-
Familère em 1996. Pour atteindre ces objec- miliar en 1996. Para alcanzar estos objetivos
tifes, sont énumérés certains auteurs qui se enumeran algunos autores para debatir
discuter de ces questions ainsi que la notion esas cuestiones, así como el concepto mismo
même de l’agriculture familiale que cette de agricultura familiar que esta orientación
orientation de politique piblique. Les auteurs de política pública. Los autores seleccionados
sélectionnés réalisent une approche qui met logran un enfoque que enfatiza el discurso
l’accent sur le discours du gouvernement fe- del gobierno federal para la creación del Pro-
deral pour la création du programme, montrant grama, lo que demuestra que hubo una
qu’il y avait une réponse aux demandes dês respuesta a las demandas de los movimientos
mouvements sociaux, mais aussi l’aide sociales rurales, así cómo la asistencia de or-
d’organismes internationaux. ganismos internacionales.
Notas
1
Este artigo faz parte de uma pesquisa que está sendo realizada no núcleo de pesquisa do Mestrado em
Avaliação de Políticas Públicas da UFC, financiada pelo CNPq/Funcap, referente à avaliação do Pronaf,
especificamente o Grupo A, que atende assentados da Reforma Agrária. Destaco aqui apenas as discus-
sões bibliográficas, pois os dados empíricos estão em processo de coleta e análise e farão parte de
outro artigo, em elaboração.
2
Estou investigando esta questão na pesquisa referida na nota anterior, por isso ressaltarei, nesta revisão
bibliográfica, apenas algumas reflexões realizadas por autores que analisaram o assunto.
3
Esta questão pode ser aprofundada através dos estudos realizados pelo Projeto RURBANO , do Instituto de
Economia da UNICAMP, assim como pelos trabalhos de Sergio Schneider: “Elementos teóricos para análise
da Pluriatividade em situações de agricultura familiar”, artigo apresentado em outubro de 2001 no
Seminário: “A dinâmica das atividades agrícolas e não – agrícolas no novo rural brasileiro (III fase do
projeto Rurbano)”. E também pela tese de doutoramento de Lauro Mattei (1999) “Pluriatividade e De-
senvolvimento Rural no Estado de Santa Catarina”, UNICAMP.
4
No site da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), que coordena o Pronaf em âmbito nacional, destaca que
um dos objetivos do SAF é “promover agregação de valor aos produtos do agricultor familiar, seu
acesso competitivo ao mercado [...]”.
100 JAN/JUN 2008 ARTIGOS INÉDITOS
RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES JAN/JUN 2008 101
Esta pesquisa teve como objetivo avaliar número de eletrodomésticos como refrigera-
o Programa de Erradicação do Trabalho In- dores, liquidificadores, televisores, aparelhos
fantil (PETI) de Mossoró-RN em termos de mo- de som, telefones, máquina de costura, bi-
dificação das condições de vida das famílias cicleta e rádios. A maioria dos responsáveis
em que há crianças e adolescentes assisti- entrevistados trabalhou quando criança, vin-
dos. Realizou-se pesquisa documental e de da de famílias numerosas, de origem rural e
campo, tendo esta última ocorrido no perío- migrantes, nas quais havia apreço a valores
do de março a agosto de 2008. Foi aplicado como honestidade e retidão. Predominaram
um formulário em dois momentos distintos e lembranças agradáveis sobre as brincadei-
entrevistas de aprofundamento com os res- ras e união entre irmãos, mas houve ambiva-
ponsáveis por crianças e adolescentes as- lência em relação a terem trabalhado na in-
sistidos pelo programa há quatro anos ou fância e ao modo autoritário como foram
mais. Os dados quantitativos foram subme- educados. Percebem como mais difícil a ta-
tidos a tratamento descritivo, usando fre- refa de educar filhos hoje, e comparando a
qüência absoluta e relativa, tabelas simples, quando eram crianças, e consideram positi-
cruzamentos, indicadores de referência e tes- vo o fato de estarem integrados ao progra-
tes específicos. Os dados qualitativos foram ma avaliado, embora tenham sido constata-
abordados pelo método da análise do dis- das algumas incoerências em relação a isso.
curso e analisados com base nos marcos Os planos para o futuro são modestos e quase
regulatórios vigentes e em autores que dis- se resumem ao projeto de os filhos estuda-
cutem e teorizam o trabalho infantil e suas rem e terem um trabalho quando adultos. O
interfaces. Entre as 30 famílias que compu- trabalho precoce atravessou o tempo, fa-
seram a primeira amostra, a maioria dos iden- zendo-se presente em três gerações.
tificados como responsáveis pelas crianças Concluímos que as condições de vida me-
e adolescentes é composta de mulheres re- lhoraram, com mudanças positivas no perfil das
lativamente jovens que moram com os filhos famílias após serem integradas ao PETI, e que
e respectivos cônjuges e têm baixa escola- ainda é grave seu estado de pobreza. Incoe-
ridade. Da entrada no PETI até a realização rências e inconsistências encontradas indicam
da pesquisa, decresceu o nível de emprego que os gestores do programa no município ne-
nas famílias e o percentual de filhos que es- cessitam estar mais atentos e desenvolver
tudavam, mas em 33,4% das famílias havia medidas concretas para superação do traba-
crianças ou adolescentes que ainda traba- lho infantil ainda presente nas famílias estu-
lhavam. Aumentaram a renda mensal e a dadas e para avançar no âmbito da sociabili-
despesa com alimentação, aluguel, gás de dade. Além do mais, em momento posterior,
cozinha, energia elétrica e prestação da casa faz-se importante aprofundar a avaliação do
própria; mais famílias tornaram-se proprie- programa em relação a alguns aspectos.
tárias da casa, diminuiu o número das que
pagavam aluguel ou moravam em casa cedi- Palavras-chave: políticas públicas; ava-
da, aumentou o número de casas de alve- liação; condições de vida; famílias; trabalho
naria e o número de cômodos; aumentou o infantil.
* Assistente social, mestre em avaliação de políticas públicas pela Universidade Federal do Ceará. Gestora
Municipal de Assistência Social de Mossoró-RN. E-mail: fernanda.kallyne@terra.com.br
102 JAN/JUN 2008 RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES
This research aims to evaluate the refrigerators, blenders, television sets, stereo
Elimination of Child Labor Program (PETI) in systems, telephones, sewing machines,
Mossoró-RN related to life style changes in bicycles and radios. Most of the responsible
families that have kids and teenagers trated for the children also worked when they were
by the program. Documentary and fields younger, come from large families, from the
researches were made, the last one happened rural zone and appreciate things like honesty
between march and august 2009. A questio- and integrity. They had nice memories about
nary was given to the people responsible to toys and plays between siblings, though there
the children and teenagers, who have been was an ambivalence related to their working
treated by the program for four years or longer, during their childhood and about the bossy
in two different steps. The quantitative way that they were raised. They are aware
information was submitted to a descriptive that nowadays is more difficult to raise
treatment, using absolut and relative children comparing to when they were younger
frequency, simple tables, crossings, reference and they find positive the fact that they are
indicators andspecific tests. The quantitavie in the program, even though we found a few
information was privided by the analisys of misconception about that. Plans for the future
speech method and analysed taken into are simple and care to having their kids
account the rules of the authors who discuss studying and having a good job when they
and theorize childlabor and its different sides. get older. The early employment lasted for
From all the 30 families that were interviewed three generation.
in the first sample, most of the people that We may conclude that families improved
are responsible for the children and teenagers their life styles, with positive changes in the
are young women, that live with their kids families profiles after applying to the PETI
and husband, and have low education. Since program and also that poverty is still strong.
the registration in the PETI program until the The inconsistencies found indicate the
date that this research was made, the program managers in town need to look
percentage of employment and kids in school. carefully and develop projects to help the
Also in 33,4% of the families there were kids families that still go through child labor and
or teenagers working. The monthly income also to have those families more sociable.
and expenditure with food, rent, kitchen gas, Besides all that, later on, it is important to go
eletric power and house loan; more families deeper in the evaluation of the program when
purchased their own houses, less ones had related to some aspects.
to pay rent or borrowed houses, increased
the numbers of masonry houses and their Keywords: public policy; evaluation; life
rooms; the number of appliances such as style; families; child labor.
La pesquisa ha tenido como objetivo evaluar formulario en dos momentos distintos y reali-
el Programa de Erradicación del Trabajo In- zadas encuestas de profundización con los
fantil – PETI de Mossoró-RN en términos de responsables por niños y adolescentes asistidos
modificación de vida de las familias que tienen por el programa hace cuatro años o más. Los
niños y adolescentes acudidos. Se llevó a cabo datos cuantitativos fueron sometidos a
una pesquisa documental y de investigación, tratamiento descriptivo, usando frecuencia ab-
habiendo ocurrido la última en el período de soluta y relativa, tablas simples, cruzamientos,
marzo a agosto de 2008. Fue aplicado un indicadores de referencia y testes específi-
RESUMOS DE DISSERTAÇÕES E TESES JAN/JUN 2008 103
cos. Los datos cualitativos fueron abordados dominado recuerdos agradables sobre los
por el método de análisis del discurso y juegos y unión entre hermanos, pero ha habido
analizados con base en los marcos regulatorios ambivalencia en relación al hecho de que
vigentes y en autores que discuten y teorizan trabajaron en la niñez y al modo autoritario
el trabajo infantil y sus interfaces. Entre las como fueron educados. Perciben la tarea de
30 familias que compusieron la primera muestra, educar a los hijos hoy día más difícil que en la
la mayoría de los identificados como respon- época de su niñez y consideran positivo el
sables por los niños y adolescentes son mujeres hecho de que están integrados al programa
relativamente jóvenes que viven con sus hijos evaluativo, aunque hayan sido constatadas
y respectivos cónyuges y tienen baja algunas incoherencias en relación a esto. Los
escolaridad. Desde la entrada en el PETI has- planes para el futuro son modestos y casi se
resumen al futuro de los hijos: que estudien y
ta la realización de la pesquisa, descendió el
que tengan un trabajo cuando adultos. El
nivel de empleo en las familias y el perceptual
trabajo precoz atravesó el tiempo, haciéndose
de hijos que estudiaban, pero en 33,4% de
presente en tres generaciones. Concluimos que
las familias había niños o adolescentes que
mejoran sus condiciones de vida con cambios
todavía trabajaban. Aumentó la renta mensual positivos en el perfil de las familias tras ser
y los gastos con alimentos, alquiler, gas de integradas al PETI y que aún es grave el esta-
cocina; energía eléctrica y pagamento mensual do de pobreza. Incoherencias e inconsistencias
de la casa propia (más familias se hicieron encontradas indican que los gestores del pro-
propietarias de casa disminuyendo el número grama en el municipio necesitan estar más
de las que pagaban alquiler o vivían en casa atentos y desarrollar medidas concretas para
cedida); el número de casas de albañilería y el superación del trabajo infantil todavía presen-
número de habitaciones; el número de electro- te en las familias estudiadas y para avanzar
domésticos como nevera, licuadoras, apara- en el ámbito de la sociabilidad. Además, en un
tos de televisión y de sonido, teléfonos, má- momento posterior, se hace importante
quinas de costura, bicicletas y radios. La profundizar la evaluación del programa en
mayoría de los responsables encuestados relación a algunos aspectos.
trabajó cuando niño; son provenientes de
familias numerosas, de origen rural/campesina Palabras-clave: políticas públicas,
o migrantes y, además, tienen aprecio a va- evaluación, condiciones de vida, familias,
lores como honestidad y rectitud. Han pre- trabajo infantil.
recherche a été faite, il a diminué le niveau à quand ils étaient plus jeunes, et ils trouvent
d’emploi dans les familles et le pourcentage positif le fait qu’ils sont dans le programme
d’enfants qu’étaient à l’école, mais dans 33,4% évalué, bien que nous ayons trouvé quelques
des familles il y avait des enfants ou des fausses idées au sujet de cela. Les plans pour
adolescents que encore travaillient. Il a le futur sont simples et se soucient à avoir
augmenté le revenu mensuel et dépense avec leurs études des enfants et avoir un bon travail
la nourriture, louez, gaz de cuisine, électricité quand ils deviennent plus vieux. Le travail des
et versement de maison ; plus de familles ont enfants a traversé le temps et a duré pour
acheté leurs propres maisons, il a diminué le trois génération. Nous pouvons conclure que
nombre de familles qu’ont dû payer la location les familles ont amélioré leur vie avec
ou que habitient dans maisons empruntées. Il changements positifs dans les profils des
a augmenté les nombres de maisons de familles après avoir appliqué au programme PETI
maçonnerie et leurs pièces ; il a augmenté le et aussi cette pauvreté est encore forte. Les
nombre d’appareils tel que réfrigérateurs, mixers, incohérences et inconsistances trouvées
téléviseurs, chaînes stéréo, téléphones, indiquent que les directeurs du programme à
machines à coudre, bicyclettes et radios. La cette ville ont besoin de faire plus attention
plupart des responsables pour les enfants ont et développer des projets concrets pour
aussi travaillés quand ils étaient plus jeunes, surmonter le travail des enfants, encore
venus de grandes familles, de la zone rurale et présent dans les familles étudiées et pour
migrants, ils apprécie des choses comme devenir ces familles plus sociables. En plus tout
honnêteté et intégrité. Ils ont des mémoires qui, plus tard, il est important approfondir
agréables sur jeux et union entre frères et l’évaluation du programme en ce qui concerne
soeurs, pourtant il y avait une ambivalence en à quelques aspects.
ce qui concerne à leurs travails pendant
l’enfance et la manière autoritaire de leur Mots clés: la politique publique ; l’évaluatio;
éducation. Ils savent que de nos jours est le style de vie ; les familles; le travail des
plus difficile d’élever des enfants qui comparent enfants.
INFORMES SOBRE PULÍTICAS PÚBLICAS JAN/JUN 2008 105
A história da extensão rural no Brasil pas- setores do governo federal, assim como os
sou por várias crises desde o seu surgimento, segmentos da sociedade civil, lideranças das
em 1948, na cidade de Santa Rita do Passo organizações de representação dos agricul-
Quatro (MG), até os dias atuais. Neste as- tores familiares e dos movimentos sociais, que,
pecto, o papel do extensionista sempre es- por meio de discussões, já demandavam polí-
teve atrelado aos modelos de desenvolvimen- ticas públicas para o setor rural.
to e interesses vigentes. Deste modo, com as reivindicações advin-
Com a crise econômica, política e ambiental das da sociedade civil organizada, o governo
do modelo de revolução verde1, insucesso do federal institui, através do Decreto nº 4.739
estado desenvolvimentista na década de 1980 de 13 de junho de 2003, as atividades de as-
e o avanço do neoliberalismo nos anos 1990, sistência técnica e extensão rural, que pas-
o modelo institucional e técnico da extensão sam a ser coordenadas pelo Departamento de
entrou em crise; consequentemente, o papel ATER-DATER, da Secretaria da Agricultura Fa-
da intervenção dos técnicos da Assistência miliar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento
Técnica e Extensão Rural - ATER também so- Agrário (MDA).
freram os ventos da mudança. Sendo assim, a política pública de ATER
Decorrência disto é que chegamos ao sé- vem contribuir para uma ação institucional
culo XXI com o papel do extensionista sendo que possibilite a implantação e a consolida-
questionado. Os métodos antes apreendidos, ção de estratégias de desenvolvimento rural
de difusão de tecnologia, perfeitamente adap- sustentáveis, capazes de gerar renda e no-
tados ao processo de modernização da agri- vos postos de trabalho. Destacando-se como
cultura, já não atendem às exigências do meio eixos norteadores da política: as bases
rural, com agricultores demandando novas for- epistemológicas da agroecologia2, o respeito
mas de inserção da agricultura familiar que à pluralidade e à diversidade social, econômi-
considerem as especificidades locais, na pers- ca, étnica, cultural e ambiental do país, o
pectiva da segurança alimentar e nutricional que implica a necessidade de se incluirem
sustentável e consequente fortalecimento da enfoques de gênero, de geração, de raça e
cidadania. de etnia nas orientações de projetos e pro-
Neste contexto, em 2003 foi elaborada a gramas.
Política Nacional de Assistência Técnica e Ex- O novo serviço de ATER expressa-se por
tensão Rural (Pnater), de forma democrática meio da Pnater, que estabelece como mis-
e participativa, em articulação com diversos são:
* Graduada em história pela URCA e mestranda do Curso de Avaliação de Políticas Públicas – UFC.
** Assistente social e mestranda do Curso de Avaliação de Políticas Públicas – UFC.
106 JAN/JUN 2008 INFORMES SOBRE PULÍTICAS PÚBLICAS
Referências bibliográficas
CAPORAL, Francisco Roberto e COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia: alguns conceitos e princí-
pios. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2007.
________. Agroecologia e extensão rural: contribuições para a promoção do desenvolvimento
rural sustentável. Brasília: MDA/SAF/DATER, 2007.
MDA. Política nacional de assistência técnica e extensão rural, 2004.
Notas
1
Marca uma homogeneização do processo de produção agrícola em torno a um conjunto compartilhado de
práticas agronômicas e de insumos industriais genéricos. Cf. Goodman, D. Sorj e B.; Winlkinson, J., Da
lavoura às biotecnologias: agricultura e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro Campos, 1990.,
pp. 26 e 34.
2
As bases epistemológicas da agroecologia mostram que, historicamente, a evolução da agricultura humana
pode ser explicada com referência ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que a evolução do meio
ambiente pode ser explicada com referência à cultura humana. Ou seja: a) os sistemas biológicos e
sociais têm potencila agrícola; b) este potencial foi captado pelos agricultores tradicionais através de
um processo de tentativa, erro, aprendizado seletivo e cultural; c) os sistemas sociais e biológicos
coevoluiram de tal maneira que a sustentação de cada um depende estruturalmente do outro; d) a
natureza do potencial dos sistemas social e biológico pode ser mais bem compreendida dado o nosso
presente estado do conhecimento formal, social e biológico, estudando-se como as culturas tradicionais
captaram este potencial; e) o conhecimento formal social e biológico, o conhecimento obtido dos estu-
dos dos sistemas agrários convencionais, o conhecimento de alguns insumos desenvolvidos pelas ciên-
cias agrárias convencionais e a experiência com instituições e tecnologias agrícolas ocidentais podem se
unir para melhorar tanto os agroecossistemas tradicionais como os modernos; f) o desenvolvimento
agrícola, através da agroecologia, manterá mais opções culturais e biológicas para o futuro e produzirá
menor deterioração cultural, biológica e ambiental que os enfoques das ciências convencionais por si
sós. Cf. Noorgard, R. B., A base epistemológica da agroecologia, in Altiere, M. A. (ed.), Agroecologia: as
bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989, pp. 42-48.
108 JAN/JUN 2008
JAN/JUN 2008 109
também em espaço para divulgação de eventos e caminhados para publicação. Os Editores dispõem
fatos relativos à área que expressem os diferentes de plena autoridade para decidir sobre a conveniên-
interesses afetados, positiva ou negativamente, por cia de publicação dos manuscritos, mesmo que já
políticas e programas específicos. aprovados, podendo, inclusive, sugerir novas alte-
rações aos autores.
Avaliação dos manuscritos
Os manuscritos a ser avaliados devem ser enviados Da apresentação dos manuscritos
ao periódico exclusivamente via correio eletrônico Os manuscritos devem ser redigidos na ortografia
para o seguinte endereço: public.mapp@ufc.br. Em oficial, em formato compatível ao MS Word for
arquivo à parte, devem constar os seguintes dados: Windows, em fonte Arial tamanho 12, espaço 1,5,
título do trabalho, nome dos autores, sua titulação para papel tamanho A4, com 2,5 cm para as qua-
máxima e sua posição na instituição em que traba- tro margens e parágrafos alinhados em 1,0cm.
lha, bem como endereço completo e e-mail para con- A preparação do texto deverá atender a estrutura
tato. Concomitantemente, e por via postal, os auto-
seguinte:
res devem enviar um ofício dirigido aos Editores so-
licitando a apreciação do manuscrito pela equipe do
Título: deve ser apresentado justificado, em caixa
periódico e um documento de autorização para sua
alta apenas a primeira letra, negrito e nos idiomas
publicação, documento este que deve ser assinado
português, inglês, espanhol e francês; deverá ser
por todos os autores. Endereço para envio dos docu-
conciso, com no máximo 12 palavras, porém in-
mentos acima:
formativo. Em nota de rodapé indicar a agência de
Universidade Federal do Ceará / Mestrado em Ava- fomento, se for o caso, e, também, se o artigo faz
liação de políticas Públicas, A/C Setor de Publica- parte de relatório de pesquisa, tese, dissertação
ções/Revista Avaliação de Políticas Públicas. ou monografia de final de curso, entre outras.
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Quadra da FACED, Bloco NUPER. Autores: nome(s) completo(s) do(s) autor(es) com
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No caso de existir conflito de interesse entre os Resumo e descritores: em português, inglês, espa-
autores e determinados pareceristas nacionais ou nhol e francês, devem caber na primeira página do
estrangeiros, deve ser incluída carta confidencial trabalho; digitados em espaço simples, com até 150
em envelope selado dirigido ao Editor Científico do palavras; para os artigos originais, a redação deve
periódico, indicando o nome das pessoas que não obrigatoriamente incluir elementos da problemati-
deveriam participar no processo de avaliação. Da zação, objetivos, métodos, resultados e conclusão.
mesma forma, os pareceristas poderão manifes- Após o resumo, devem ser apontados de 3 a 5 des-
tar-se, caso haja conflito de interesse em relação critores ou palavras-chave que servirão para inde-
a qualquer aspecto do artigo a ser avaliado. As in- xação dos trabalhos. Na primeira página apresen-
formações reveladas ao Editor Científico serão uti- tar sequencialmente o título do trabalho, resumo
lizadas de forma estritamente confidencial. em português e inglês seguidos das respectivas pa-
Nos trabalhos de investigação envolvendo seres hu- lavras-chave. Após as Referências, devem estar
manos de grupos vulneráveis(crianças, adolescen- os resumos e palavras-chave nos idiomas espa-
tes, idosos, indígenas, presidiários, entre outros) nhol e francês.
recomenda-se fortemente que o Projeto de Pes-
quisa tenha sido submetido e aprovado pelo Comi-
Estrutura do Texto: deve obedecer a orientação
tê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi rea-
de cada categoria de trabalho descrita anteriormen-
lizada a pesquisa ou da universidade.
te, de modo que sejam garantidas a uniformidade
Os manuscritos passam inicialmente por uma pri-
e padronização dos textos publicados na revista.
meira revisão do Editor, que avalia se são de inte-
Os anexos se houver, devem vir no final do texto.
resse para os leitores e se atendem às Normas de
Publicação do periódico. Em seguida os manuscri-
tos são encaminhados para avaliação de dois es- Ilustrações: tabelas, figuras e fotos devem estar
pecialistas. Juntamente com o arquivo do artigo, inseridas no corpo do texto contendo informações
os pareceristas recebem, por via eletrônica tam- mínimas pertinentes à ilustração. Só serão publica-
bém, arquivo do Instrumento de Avaliação e das das ilustrações em preto e branco; os sujeitos não
Normas de Publicação do periódico, tendo até 20 podem ser identificados, ou então suas fotos de-
dias para emitir parecer conclusivo, indicando ou vem estar acompanhadas de permissão por escri-
não o manuscrito para publicação. De posse do to.
parecer conclusivo, o Editor o analisa em relação
ao mérito encontrado e, em seguida, encaminha Texto: deverá obedecer a estrutura exigida para
aos autores o parecer de aceitação da publicação, cada categoria de trabalho. No caso de artigos, cita-
de necessidade de reformulação ou de recusa ções no texto devem atender as Normas da ABNT,
justificada do artigo. Os autores devem processar mais especificamente NBR 6022:2003 e outras
as modificações no texto ou elaborar justificativa correlatas, cujos exemplos estão ao final destas ins-
quando da não aceitação de algumas delas. So- truções. No texto, deve estar indicado o local de
mente após aprovação final por parte dos parece- inserção das figuras, gráficos, tabelas, da mesma
ristas e dos Editores é que os manuscritos são en- forma que estes estiverem numerados, sequen-
JAN/JUN 2008 111
cialmente. O texto deve empregar itálico, apenas Local de Publicação: Editora, ano de publicação. Pá-
para termos estrangeiros e sem aspas. ginas inicial e final do capítulo.
Agradecimentos: podem aparecer após as conclu- Exemplo:
sões/considerações finais, quando os autores dese- ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A
jarem destacar a colaboração de pessoas que mere- condição humana. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Foren-
cem reconhecimento, mas que não se enquadram se Universitário, 1983, p. 31-88.
na condição de autores.
Capítulos do mesmo autor da obra principal: Iniciar
Citações: para citações bibliográficas de literatura com o nome do autor, o nome do capítulo citado se-
no texto, colocar o sobrenome do autor, ano da pu- guido pela palavra In. Substitui-se o nome do autor
blicação e a página consultada. Ex. (Azevedo, 1993, por um travessão de seis toques e um ponto após o
p. 60). As citações literais curtas (menos de três li- In. Nome da obra, local, editora, data e páginas.
nhas) serão integradas no parágrafo, seguidas pelo
sobrenome do autor referido no texto, ano de publi- Exemplo:
cação e página (s) do texto citado, tudo entre parên- VERÇOSA, Élcio de Gusmão. Chegará o desenvolvi-
teses e separado por vírgulas. As citações de mais mento também à terra dos marechais? In:________.
de três linhas serão destacadas do texto em pará- Cultura e educação nas Alagoas. 2 ed. Maceió: EDUFAL,
grafo especial, sem aspas, tamanho da letra menor 1997. p. 175-197.
que a do texto, espaço simples e recuo de 4 cm da
margem esquerda do texto. As referências sem cita- Coletânea: sobrenome do autor, seguido do nome e
ção literal devem ser incorporadas no texto, indican- da data (como nos itens anteriores) / título do capítu-
do entre parênteses, ao final, o sobrenome do autor lo /VÍRGULA/ in (em itálico)/ iniciais do nome, segui-
e o ano da publicação. Se houver mais de um título das do sobrenome do(s) organizador(es) /VÍRGULA/
do mesmo autor no mesmo ano, eles são diferencia- título da coletânea, em itálico /VÍRGULA/ local da
dos por uma letra após a data: (Adorno, 1975a), publicação /VÍRGULA/ nome da editora /PONTO.
(Adorno, 1975b) etc. (todas).
Exemplo:
Notas: deverão estar no final do texto e numeradas. ABRANCHES, Sérgio Henrique. (1987), Governo,
As notas devem ser explicativas e não bibliográficas, empresa estatal e política siderúrgica: 1930-1975, in
breves, sucintas e claras. As citações bibliográficas O.B. Lima & S.H. Abranches (org.), As origens da
devem estar no corpo do texto. crise, São Paulo, Iuperj / Vértice.
Artigo de jornal com autor: SOBRENOME DA/O AU- Brasil, Brasília, DF, n. 18, p. 1435-1436, 27 jan. 1997.
TORA/OR DO ARTIGO, Prenomes. Título do artigo: Seção 1.
subtítulo. Título do Jornal, cidade, data, páginas ini-
cial e final do artigo e, eventualmente, da coluna. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Fede-
Exemplo: ral, 1988.
DIMENSTEIN, G. Escola da vida. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 14 jul. 2002. Folha Campinas, p. 2. Relatório oficial
Exemplo: Exemplo:
FUNGOS e chuva ameaçam livros históricos. Folha de VILLA-LOBOS: o índio de casaca. Rio de Janeiro: Man-
S. Paulo, São Paulo, 5 jul. 2002. Cotidiano, p. 6. chete Vídeo, 1987. 1 videocassete (120 min.): VHS,
son., color.
Dissertações e teses: SOBRENOME DA/O AUTORA/
OR, Prenomes. Título da obra: subtítulo. Ano de apre- Ilustrações, abreviaturas e símbolos: as tabelas:
sentação. Categoria (grau e área de concentração) – devem ser numeradas consecutivamente com alga-
Instituição, Local. rismos arábicos, na ordem em que foram citadas no
texto. A cada uma deve-se atribuir um título breve
Exemplo: precedido pela palavra “TABELA” seguido do seu nú-
DINIZ, Carmen Simone G. Entre a técnica e os direi- mero de ordem, não se utilizando traços internos ho-
tos humanos: possibilidades e limites da humanização rizontais ou verticais. As notas explicativas devem
da assistência ao parto. 2001. Tese (Doutorado em ser colocadas no rodapé das tabelas e não no cabe-
Medicina Preventiva) – Programa de Pós-Graduação çalho ou título. Caso algum valor tabulado mereça
em Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da explicação, este poderá ser salientado por um aste-
USP, São Paulo.
risco abaixo da tabela. Os quadros são identificados
como tabelas, seguindo uma única numeração em
Trabalhos apresentados em eventos científicos: SO-
todo o texto. As figuras (fotografias, desenhos, grá-
BRENOME DA/O AUTORA/OR DO TRABALHO, Preno-
ficos, etc.), citadas como figuras, devem estar dese-
mes. “Título do trabalho”. In: NOME DO EVENTO, Nú-
nhadas e fotografadas por profissionais. Devem ser
mero da edição do evento, Cidade onde se realizou o
numeradas consecutivamente com algarismos ará-
evento. Anais... (ou Proceedings... ou Resumos...)
bicos, na ordem em que foram citadas no texto. As
Local de publicação: Editora, Ano de publicação. Pági-
ilustrações devem ser suficientemente claras para
nas inicial e final do trabalho.
permitir sua reprodução em 7,2 cm (largura da colu-
na do texto) ou 15 cm (largura da página). Não se
Exemplo:
PRADO, Danda. “Maternidade: opção ou fatalidade?” permite que figuras representem os mesmos dados
In: SEMINÁRIO SOBRE DIREITOS DA REPRODUÇÃO de tabela. Nas legendas das figuras, os símbolos, fle-
HUMANA, 1., 1985, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Ja- chas, números, letras e outros sinais devem ser iden-
neiro: ALERJ/Comissão Especial dos Direitos da Re- tificados e seu significado esclarecido. Para ilustra-
produção, 1985. p. 26-29. ções extraídas de outros trabalhos, previamente pu-
blicados, os autores devem providenciar permissão,
Decretos, Leis, Constituição federal: Nome do local por escrito, para a reprodução das mesmas. Estas
(país, estado ou cidade), título (especificação da le- autorizações devem acompanhar os manuscritos sub-
gislação), número e dados da publicação. No caso da metidos à publicação. Utilize somente abreviações
Constituição colocar o ano entre parênteses. padronizadas. Evite abreviações no título e no resu-
mo. Os termos por extenso aos quais as abreviações
Exemplos: correspondem devem preceder sua primeira utiliza-
BRASIL. Decreto n. 2.134, de 24 de janeiro de 1997. ção no texto, a menos que sejam unidades de medi-
Regulamenta o art. 23 da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro das padronizadas.
de 1991, que dispõe sobre a categoria dos documen-
tos públicos sigilosos e o acesso a eles, e dá outras Errata: os pedidos de correção deverão ser encami-
providências. Diário Oficial da República Federativa do nhados em, no máximo, 30 dias após a publicação.