Luiz Augusto Magalhães ** Francisco Gomes de Alcântara*** Gilda Pareja ****
ATTA, A. M. et al. Esquistossomose mansônica. I — Evolução do quadro patológico:
análise parasitológica, hematológica e histopatológica. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15:72-92, 1981.
RESUMO: Com o objetivo de acompanhar a evolução da infecção
bissexual primária de camundongos por S. mansoni, foram infectados camun- dongos Swiss com 100 cercárias da linhagem mineira (BH) de Schistosoma mansoni. A evolução da infecção foi acompanhada por um período de 8 semanas. Foi verificada uma relação entre o número de granulomas hepá- ticos e o número de vermes totais. O ganho de peso corporal, o peso do baço e a percentagem do peso do fígado em relação ao peso corporal foram diferentes quando comparados os animais infectados e controles. O quadro leucocitário dos camundongos infectados apresentou alterações no número de leucócitos totais, neutrófilos e linfócitos. Os exames histológicos do baço e do fígado revelaram alterações nestes órgãos de acordo com a fase da infecção. UNITERMOS: Esquistossomose mansônica. Patologia.
1. INTRODUÇÃO
A patogenia da esquistossomose mansô- vários mamíferos, utilizados em pesquisa
nica tem sido estudada experimentalmente laboratorial, ao Schistosoma mansoni e utilizando-se como hospedeiro definitivo, concluiram que os camundongos se consti- principalmente, o camundongo. tuíam nos hospedeiros definitivos mais sa- Moore e col. 29 (1949) e Stirewalt e col. 38 tisfatórios, pois desenvolviam vermes adultos (1951) estudaram a susceptibilidade de sexualmente maduros, além de eliminarem
*Do Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia da Universidade
Estadual de Campinas — Caixa Postal 1409 — 13100 — Campinas, SP — Brasil. **Do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas. ***Do Departamento de Histologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas. ****Do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação da Universidade Estadual de Campinas. ovos viáveis do parasito nas fezes a partir Apesar da existência de vários trabalhos da 6.ª semana, após a infecção por cercárias relacionados às alterações histopatológicas do trematódeo. O quadro patológico resul- do fígado após a oviposição pelo S. man- tante da infecção por S. mansoni, nestes soni, só a partir do estudo de Warren e pequenos mamíferos se assemelha bastante col.45 (1967) foi estabelecido o caráter imu- ao observado no homem portador de esquis- nológico das reações granulomatosas atra- tossomose mansônica, evoluindo para hepa- vés de experimentos de imunização com toesplenomegalia (Stirewalt e col.38, 1951). ovos do parasito e de transferência de cé- lulas linfoides. De Witt e Warren 1 2 (1959, estudaram a patogênese da síndrome hepatoesplênica As observações de que medidas que su- em camundongos infectados experimental- primem as reações de imunidade celular tais mente por S. mansoni e levantaram a hipó- como timectomia neonatal e administração tese de que esta patogenia seria provocada de soro antilinfocitário também suprimiam pela penetração dos ramos portais intra- a formação de granulomas (Domingo e -hepáticos pelos ovos do parasito com sub- Warren 1 3 , 1 4 , 1967, 1968) indicaram que as seqüente formação de granulomas. reações granulomatosas circunjacentes aos ovos de S. mansoni eram de hipersensibi- Andrade e col.4 (1961), Magalhães Filho lidade retardada. e Coutinho — Abath 25 (1961) e Andrade Barka 3 (1962), propuseram que as reações Posteriormente foi demonstrado que o do tecido linforreticular do baço aos antí- antígeno solúvel do ovo de S. mansoni genos de S. mansoni se somariam à con- (SEA) induzia manifestações de hipersensi- gestão dos seios venosos esplênicos con- bilidade celular quando injetado em patas seqüente à hipertensão porta. de cobaios previamente sensibilizados pelo SEA ou adsorvido à superfície de partículas Meleney e col.28 (1952), pesquisaram his- antigenicamente inertes (Boros e Warren 7, topatologicamente os fígados de camun- 1970), além de induzir transformação linfo- dongos infectados por S. mansoni e obser- blástica e liberação da linfocina inibidora varam que tanto em infecções unissexuais da migração de macrofagos (Colley 1 1 , como na fase pré-postural da infecção bis- 1972; Boros e col. 8 , 1973). sexual pelo trematódeo existia a presença de infiltrados celulares e de áreas de necrose O quadro leucocitário periférico tem sido no parênquima hepático. amplamente estudado na esquistossomose Goennert 15 (1955) realizou observações mansônica humana, sendo freqüente a eosi- em camundongos esquistossomóticos tendo nofilia em pacientes esquistossomóticos. Ex- concluído que as alterações histopatológicas cetuando-se os trabalhos realizados por nos fígados destes animais surgiam após a Colley 10,11 (1972, 1973) e Mahmoud e 6.ª semana de infecção, como também veri- col. 27 (1975) sobre eosinofilia em camun- ficou que em infecções intensas existiam dongos infectados experimentalmente por S. nestes órgãos pigmentação e pequenas áreas mansoni, existe ausência de relatos sobre de fibrose decorrentes da presença de para- o comportamento dos leucócitos nestes ani- sitos mortos. mais durante a infecção pelo parasito, em que se procure a integração com a patologia Posteriormente Brener 9 (1956), confirmou resultante da aquisição da doença. os resultados obtidos por Meleney e col.28 (1952), reportando o achado de infltrados Os estudos sobre a patologia resultante celulares periportais já aos vinte e um dias da infecção primária pelo S. mansoni no de infecção, sendo os mesmos constituídos hospedeiro definitivo têm na maioria das por linfócitos, polimorfonucleares e eosinó- vezes se restringido à campos isolados de filos. observações, com escassas investigações sobre a fase pré-patente da infecção. Por sistema porta de acordo com Yolles e col.46 outro lado, as diferenças de patogenicidade (1947) seguida pelo esmagamento do fígado observadas em diferentes cepas de S. man- entre lâminas de vidro, segundo técnica de soni (Warren 3 9 , 1967; Magalhães e col. 24 , Standen 3 7 (1953) e Hill 18 (1956). Os 1975) impõem que estes fatos sejam consi- vermes obtidos foram separados e contados derados nas manifestações patológicas da de acordo com o sexo, sendo aplicada a esquistossomose mansônica. denominação de esquistossomulos para os O presente trabalho tem por objetivo vermes obtidos nas semanas iniciais de in- acompanhar a evolução da infecção bissexual fecção e nas quais não foi possível a iden- primária de camundongos por S. mansoni tificação do sexo em virtude do pouco de- da linhagem mineira (BH), no período de senvolvimento do aparelho reprodutor. 8 semanas, realizando, de forma integrada, Contagem de granulomas hepáticos. Com observações parasitológicas, hematológicas a finalidade de determinar o número de e histopatológicas. granulomas hepáticos dos animais infectados foi utilizada a técnica de Pellegrino e MATERIAL E MÉTODOS Brener 30 (1956). Determinação do peso corporal, peso do Animal experimental. Cento e sessenta baço e peso do fígado. O peso corporal camundongos Swiss de 30 dias de idade dos animais infectados e controles na data foram utilizados no presente trabalho. da infecção e do sacrifício foi avaliado utili- Formaram-se 8 lotes de animais infectados zando-se balança semi-analítica. As medidas constituídos de 5 machos e 5 fêmeas, lotes correspondentes ao baço e ao fígado dos estes designados pela sigla In, correspon- mesmos animais foram realizadas com o dendo n à semana de infecção em que foi uso de balança analítica, após a desumidi- realizado o sacrifício. ficação destes órgãos em papel de filtro. Paralelamente foram utilizados como A pesagem do fígado foi realizada após grupo controle, 8 lotes constituídos, cada a perfusão, sendo este procedimento tam- um, de 10 animais não infectados (5 machos bém realizado com os fígados dos animais e 5 fêmeas). Estes grupos foram identi- controles. ficados pela sigla Cn. Leucograma. Foram realizados leuco- gramas nos animais controles e infectados, Cercárias de Schistosoma mansoni. Na grupos sacrificados semanalmente. Foi infecção experimental dos camundongos utilizado o sangue obtido destes animais, foram utilizadas cercárias da linhagem mi- previamente anestesiados, através do plexo neira (BH) de S. mansoni procedentes de retroorbital. Como anticoagulante foi utili- Biomphalaria glabrata. zado EDTA-dipotássico na proporção de 1 Infecção experimental. Na infecção expe- mg para 1 ml de sangue, sendo os esfre- rimental dos animais foi utilizada a técnica gaços sangüíneos realizados a fresco. de imersão da cauda em suspensão cerca- A contagem absoluta de leucócitos reali- riana de S. mansoni, usando-se 100 cer- zou-se a partir de uma diluição de 1:20 cárias por animal. O número de cercárias do sangue em líquido de Turk, efetuada com que penetraram foi calculado através do auxílio de pipeta automática, expressando método preconizado por Magalhães 23 o número de leucócitos por mm 3 de sangue (1969). o produto da contagem de glóbulos brancos Obtenção e contagem de vermes. A carga em oito quadrados de 0,1 mm 3 da câmara parasitária dos animais infectados por S. de Neubauer por 25 (1,25 X 20). mansoni foi determinada pela contagem dos Os leucócitos contados diferencialmente vermes obtidos através da perfusão do em esfregaço sanguíneo corado pelo método de May-Grünwald-Giemsa foram classifica- RESULTADOS dos em quatro grupos: eosinófilos, neutró- filos, linfócitos e monócitos. O número Avaliação da carga parasitária. O nú- absoluto de cada um destes tipos celulares mero de cercárias penetradas assim como foi obtido a partir da relação entre a per- as médias dos números de vermes recupe- centagem encontrada na classificação de 200 rados por perfusão nas diversas semanas células do esfregaço examinado e o número de infecção são apresentados na Tabela. de leucócitos por mm 3 de sangue da mesma Observando-se a referida Tabela verifica- amostra. -se que as médias numéricas das cercárias Exame histopatológico. O fígado e o baço penetradas não diferiram significativamente dos animais controles e infectados foram quando comparados os lotes dos animais examinados histologicamente. Para a rea- sacrificados nas diferentes semanas. A lização dos exames foram utilizados cortes carga parasitária, representada pelo número de 5 micra destes órgãos incluídos em para- de vermes totais recuperados por perfusão, fina, após a fixação em formol-cálcio, que apresentou-se variável, tendo sido obser- no caso do baço alcançaram todo o órgão vado que só a partir da 4.ª semana de in- na sua extensão longitudinal. Os cortes do fecção foi possível a comprovação do sexo fígado foram efetuados após a perfusão e destes vermes, apesar da presença concomi- em fragmento retirado do órgão após pe- tante em alguns casos, de esquistossomos sagem. As preparações utilizadas foram e esquistossomulos, revelando um assincro- coradas pela hematoxilina-eosina e tricrô- nismo na maturação do S. mansoni. mico de Masson para fibras colágenas. Determinação da relação granulomas/ Análise estatística. A análise estatística vermes totais (NG/NV). Granulomas he- consistiu de: ajuste por mínimos quadrados; páticos foram detectados inicialmente na 6.ª análise de resíduos após o ajuste para semana de infecção. O número de granu- julgar a adequação no modelo e teste t de lomas na 8.ª semana de infecção foi signi- Student. ficativamente maior do que nas 6 a e 7.ª semanas; entretanto, não houve diferença peso corporal nas semanas que se segui- significativa comparando-se estas duas ram à infecção existindo porém diferença últimas entre si. no comportamento evolutivo apresentado A Fig. 1 expressa as análises estatísticas pelos camundongos infectados quando com- realizadas sobre a relação NG/NV em parado ao observado nos animais controles função das semanas de infecção. As re- (Figura 2). presentações gráficas referentes aos ajustes Aparentemente a diminuição do peso cor- realizados com o número de granulomas poral dos animais portadores da infecção produzidos nas 6 a , 7 a e 8 a semanas de in- pelo S. mansoni ocorre após a oviposição fecção revelam que existe tendência de que do parasito, coincidindo com a observação um maior número de vermes produza um de granulomas hepáticos. Este resultado aumento maior do n ú m e r o de granulomas sugere que o comprometimento do fígado à medida que avançam as semanas. O nú- nesta fase da infecção afetaria as funções mero de granulomas hepáticos produzido relacionadas com o processamento e dis- por um mesmo número de vermes nas 6.a, tribuição de nutrientes realizadas neste 7. a e 8. a semanas foi aproximadamente o órgão, originando uma alteração no metabo- mesmo, tendo esta verificação explicado o lismo dos camundongos infectados. maior número de granulomas apresentado Peso do baço em junção do tempo de pela 8. a semana como o resultado de um infecção. A evolução do peso do baço (PB) processo de acumulação destas lesões. nos camundongos infectados por S. man- Determinação do ganho de peso corporal. soni foi significativamente diferente quando Os dois grupos de animais aumentaram em comparada com a dos animais controles. Foi verificado que o peso deste órgão Percentagem do peso do fígado em re- nos animais portadores da infecção apre- lação ao peso corporal (RF). A percen- sentava tendência a aumentar com a evo- tagem do peso do fígado em relação ao lução da doença (Fig. 3). Apesar dos peso corporal (RF) nas semanas pós-infec- animais utilizados no presente trabalho en- ção, foi analisada mediante o ajuste de um contrarem-se em pleno desenvolvimento modelo estatístico consistindo de duas retas durante o experimento, conforme demons- quebradas para os animais controles e infec- trado nas análises de ganho de peso cor- tados respectivamente, cujos resultados são poral, a evolução do peso do baço nos apresentados na Fig. 4. Concluiu-se após camundongos controles se fez representar estas análises que os camundongos infec- graficamente por uma reta neste período, tados por S. mansoni apresentavam uma não significativamente diferente da hori- evolução significativamente diferente desta zontal. relação após a 5.ª semana de infecção quando comparados aos animais controles. riação das suas médias, sem apresentarem Paralelamente à estas observações, foi veri- tendência definida. ficado que o fígado destes animais infec- tados apresentavam reações granulomatosas Os eosinófilos e monócitos apresentaram circunjacentes aos ovos do trematódeo alo- o mesmo comportamento evolutivo nos dois jados nos seus tecidos, contribuindo desta grupos de animais, tendo sido mantidas forma para o aumento deste órgão. separadas as representações gráficas apenas com a finalidade de se demonstrar as ten- Lencograma. O quadro leucocitário peri- dências (Figs. 7 e 8). férico dos camundongos infectados apre- sentou alterações no comportamento dos Apesar de não ter sido possível ajustar leucócitos totais (LEU), neutrófilos (N) e estatisticamente o comportamento evolutivo linfócitos (L), enquanto que os eosinófilos dos linfócitos de ambos os grupos de ca- (E) e monócitos (M) se apresentaram de mundongos, foi verificado que estas células forma semelhante durante o período de tendem a aumentar com a evolução da infec- oito semanas de infecção. ção (Fig. 9). Graficamente o comportamento evolutivo Histopatologia do baço. Ao exame histo- dos leucócitos totais e dos neutrófilos dos lógico o baço dos camundongos infectados animais infectados ajustou-se satisfatoria- por S. mansoni na fase pré-postural mos- mente à uma parábola, com tendência a trou, na 1.ª semana de infecção, hiperplasia aumentarem nas últimas semanas de infec- da polpa branca de intensidade variável. ção (Figs. 5 e 6). A não representação Observaram-se, também, casos esporádicos gráfica destas duas variáveis dos camun- de congestão leve a moderada da polpa dongos controles deveu-se à excessiva va- vermelha. No período compreendido entre as 2.ª e clear, vacuolização citoplasmática e necrose 5.ª semanas as alterações histológicas foram hepatocitária, em alguns casos focal e em pouco significativas, ocorrendo, porém, es- outros difusa, apresentando maior freqüên- poradicamente, casos de hiperplasia da polpa cia na 1.ª semana de infecção. branca e hiperemia da polpa vermelha, que Na 5.ª semana verificou-se a presença de variaram de intensidade. infiltrados linfohistioeosinofílicos em cerca A partir da 6.ª semana, época em que a da metade dos fígados examinados, hiper- oviposição se mostra plenamente estabele- plasia intensa do SRE e casos esporádicos cida, até a 8.ª semana de infecção, as alte- de necrose hepatocitária. Em apenas um rações histológicas consistiram de hiper- fígado examinado foi observada a presença plasia intensa da polpa branca, congestão de ovo de S. mansoni com infiltrado linfo- moderada a intensa da polpa vermelha, histiocitário adjacente. sendo rara a presença de hipertrofia da A partir da 6.ª semana da infecção ocorreu polpa branca. hiperplasia intensa do SRE, presença de Na 8.ª semana da infecção foram obser- numerosos granulomas e, menos freqüente- vados granulomas em diferentes fases, mente, ectasia moderada ou intensa dos apresentando gigantocelulares, necrose isquê- vasos portais, veias centrolobulares e capi- mica e fibrose periférica. Os infiltrados lares sinusoides. celulares presentes nestas reações granulo- As reações granulomatosas consistiram de matosas foram predominantemente eosino- infiltrados linfohistioeosinofílicos, linfohis- fílicos em algumas áreas enquanto que em tioplasmocitários ou linfohistiocitários, ob- outras predominou o tipo linfohistioplasmo- servando-se o comparecimento simultâneo citário. destes três tipos nos órgãos examinados, As Figs. 10a-10f mostram as alterações predominando às vezes um deles. Além das esplênicas encontradas à microscopia, nas células descritas nos infiltrados, foram vistas diferentes fases evolutivas da infecção. células epitelióides, células gigantes tipo Histopatologia do fígado. A análise his- corpo estranho, com maior freqüência na tológica do fígado dos camundongos infec- 8.ª semana de infecção, ocorrendo hiper- tados na fase pré-postural da infecção por plasia moderada a intensa de fibroblastos S. mansoni revelou hiperemia e ectasia dos na quase totalidade dos casos. ramos portais, veias centrolobulares e capi- A maioria dos cortes dos fígados apre- lares sinusoides, em graus variáveis, apre- sentou áreas de necrose focal de inten- sentando, com maior freqüência, hiperemia sidade variável enquanto que a quase tota- na 1.ª semana de infecção enquanto a ectasia lidade apresentou fibrose, predominando os foi mais freqüente nas 3.ª e 4.ª semanas. graus moderado e intenso. A hiperplasia do SRE foi observada desde As figuras 11a-11p mostram as alterações a 1.ª semana de infeção, sendo porém mais hepáticas detectadas à microscopia nas dife- freqüente nas 3.ª e 4.ª semanas, quando rentes fases evolutivas da infecção. predominaram as formas moderada e in- tensa. Visualizaram-se infiltrados multi- DISCUSSÃO E CONCLUSÕES focais, não raro alguns de localização peri- vascular, apresentando freqüência e compo- A instalação da infecção parasitária está sição celular variáveis predominando o tipo na dependência de fatores intrínsecos do linfohistioeosinofílico em cerca de 50% dos hospedeiro, representados em parte pela órgãos examinados nas 3.ª e 4.ª semanas. resistência natural assim como de fatores Paralelamente a estes achados foram inerentes ao próprio parasito, constituídos, observadas alterações morfológicas dos entre outros, por mecanismos protetores hepatócitos, principalmente na 1.ª semana específicos às reações do hospedeiro desen- de infecção, exteriorizadas por picnose nu- volvidos por este parasito. Fig. 11 — Alterações histológicas em fígados de camundongos infectados por S. mansoni: a — 1.ª semana pós-infecção: hiperplasia do SRE; mitoses hepatocitárias; vacuolização citoplasmática intensa dos hepatócitos e leve desarranjo trabecular (H.E., 512 x). b — 1.ª semana pós-infecção: infiltrado periportal predominantemente linfohistiocitário; hiperplasia moderada do SRE; picnose nuclear em alguns hepatócitos; ectasia e congestão de alguns capilares sinusóides e ramos portas (H.E., 512 x ). c — 1.ª semana pós-infecção: infiltrados multifocais variando de intensidade de área para área,predominantemente linfohistioneutrofílico; ectasia dos capilares sinusóides; hipercro- matismo do núcleo de alguns hepatócitos e hiperplasia do SRE (H.E., 512 X ). d — 1.ª semana pós-infecção: ectasia intensa dos capilares sinusóides e veias centrolobulares; desarranjo trabecular; hipercromatismo nuclear de alguns hepatócitos com redução citoplasmática e alterações regressivas (H.E., 512 x ). e — 2.ª semana pós-infecção: hiperemia dos capilares sinusóides; hiperplasia do SRE; necrose hemorrágica; infiltrado focal linfohistiocitário; foco de necrose incipiente no ângulo inferior direito (H.E., 512 x ). f — 2.ª semana pós-infecção: área de necrose hialina; alterações regressivas dos hepatócitos; hiperplasia intensa do SRE e hiperemia discreta de capilares sinusóides (H.E., 512 X ). g — 3.ª semana pós-infecção: área extensa de necrose hialina, notando-se nas adjacências infiltrados predominantemente linfohistioeosinofílicos; hepatócitos com multivacuolização citoplasmática em algumas regiões (H.E., 512 x ). h — 4.ª semana pós-infecção: hiperplasia discreta do SRE; hiperemia e ectasia dos vasos portais e capilares sinusóides; alguns hepatócitos com discretas alterações regressivas (H.E., 512 x ). i — 4.ª semana pós-infecção: focos incipientes de necrose hialina; ectasia intensa dos capilares sinusóides e infiltrado predominantemente linfohistiocitário (H.E., 512 X ). j — 5.ª semana pós-infecção: necrose hialina maciça dos hepatócitos; ausência de capilares sinusóides; veia centrolobular ectásica com infiltrado linfocitário e necrose mais recente de localização perivascular (H.E., 512 x ). k — 5.ª semana pós-infecção: presença de ovo de S. mansoni embrionado com discreto infiltrado linfohistiocitário adjacente (H.E., 512 x ). l — 6.ª semana pós-infecção: presença de ovo de S. mansoni com moderada reação linfohistioeo- sinofílica; hiperplasia moderada do SRE e áreas de necrose incipiente comprometendo hepatócitos (H.E., 512 x ). m — 6.ª semana pós-infecção: granuloma gigantocelular tipo corpo estranho hiperplasia fibroblástica; presença de algumas células epitelióides e pequenas áreas de fibrose incipiente (Tricrômico de Masson, 512 x ). n — 6.ª semana pós-infecção: granuloma com fibrose periférica moderada; reação gigantocelular; presença de células epitelióides e infiltrado linfohistiocitário nas adjacências do ovo (Tricrômico de Masson, 512 x ). o — 7.ª semana pós-infecção: hepatócitos com citoplasma multivacuolado; ectasia leve dos capilares sinusóides; fibrose reacional de intensidade variável; pequena área de necrose recente no ângulo superior esquerdo e alterações regressivas dos hepatócitos (Tricrômico de Masson, 512 X ). p — 8.ª semana pós-infecção: fibrose intensa, variando de intensidade de área para área, presença de reação granulomatosa difusa com esboço central de granuloma e leve infiltrado linfohistiocitário (Tricrômico de Masson, 512 x). Segundo Hegner (citado por Pessoa e col. 38 , 1951; Warren e Peters 4 4 , 1967). A Martins 3 2 ), as infecções parasitárias podem predominância de esquistossomos machos ser subdivididas na sua evolução em perío- verificada pode provavelmente refletir uma dos parasitológicos e clínicos, que corres- maior concentração de cercárias deste sexo pondem ao parasito e ao hospedeiro res- no "pool" infectante utilizado. pectivamente. A ocorrência de esquistossomulos e ver- Nas helmintoses são observados dois pe- mes sexualmente diferenciados na 4.ª semana ríodos parasitológicos distintos: o período de infecção refletiu um assincronismo na pré-patente, que se inicia com a penetração maturação do S. mansoni, evidenciando uma do parasito no hospedeiro e termina com modificação na fisiologia de alguns para- a demonstração de ovos ou outros estágios sitos durante o seu desenvolvimento. Ob- do ciclo biológico do helminto, e o período servações semelhantes foram realizadas por patente, no qual a presença do parasito é Brener 9 (1956) e mais recentemente por facilmente evidenciada. Barbosa e col.5 (1978). Paralelamente à estes períodos parasito- Granulomas hepáticos só foram detectados lógicos, o hospedeiro apresenta alterações na 6.ª semana de infecção. Verificou-se que fisiológicas de tipo e intensidade variadas, no decurso das 6.ª, 7.ª e 8.ª semanas houve que estão associadas à migração e aos tendência de que um maior número de estágios evolutivos do parasito no seu in- vermes produzisse um maior número de terior. granulomas. Entretanto, o grande aumento observado do número de granulomas na No presente trabalho procurou-se obter 8.ª semana parece dever-se ao efeito soma- informações sobre a evolução da infecção tório dos granulomas produzidos nas 6.ª bissexual primária de camundongos pela e 7.ª semanas, pois o mesmo número de linhagem mineira (BH) de S. mansoni, vermes produziu, aproximadamente, o mesmo realizando observações semanais em dife- número de granulomas, independentemente rentes níveis durante o período de oito da semana observada. Aparentemente existe semanas de infecção. um controle sobre o número de granulomas Utilizando-se camundongos adultos jovens hepáticos produzidos neste período, porém e cercárias recém-emergidas foi possível até o momento não existem dados se o verificar altos índices de cercárias pene- mesmo é feito ao nível da resposta imune do hospedeiro aos ovos de S. mansoni ou tradas e uma positividade absoluta de in- se é controle do parasito sobre a sua ovi- fecção, coincidindo estas observações com posição. as anteriormente realizadas por Warren 4 0 (1967) e Lemos Neto 22 (1975). As análises de peso corporal, peso do baço e da percentagem do peso do fígado A variabilidade observada na carga para- em relação ao peso corporal, indicaram sitária pode provavelmente estar relacionada comportamento comum aos dois grupos de a diferenças na constituição genética dos animais até a 5.ª semana de infecção. Só hospedeiros, animais "outbred", como tam- com o advento da oviposição e subseqüente bém pode representar populações de S. formação de granulomas hepáticos ficou mansoni com diferentes capacidades defen- evidenciada a esplenomegalia, hepatomegalia, sivas às reações do hospedeiro. como também a diminuição no ganho de peso corporal. Os índices de esquistossomos recuperados não diferiram dos obtidos por outros au- Grove e Warren 1 6 (1976), trabalhando tores (Moore e col. 29 , 1949; Stirewalt e com "hamsters" infectados por S. mansoni, verificaram que a dimunição no ganho de pelo hospedeiro em produção de anticorpos peso corporal nestes animais se fazia após específicos. a 6.ª semana de infecção, sendo mais rápida em infecções mais intensas. Magalhães Filho e col.26 (1965) verifi- caram por técnicas de imunofluorescência Histopatologicamente o baço e o fígado que antígenos de S. mansoni encontravam-se dos animais infectados apresentaram alte- no endotélio dos vasos portais e nos neu- rações que estiveram associadas com o es- trófilos das infiltrações celulares do espaço tágio evolutivo do S. mansoni. porta de camundongos infectados na fase No baço as alterações histopatológicas pré-patente da infecção. Por outro lado, apareceram em duas fases distintas da in- anticorpos para esquistossomulos, detecta- fecção. Na fase pré-postural da infecção, dos por imunofluorescência, só são detec- a reatividade do tecido linforreticular esteve tados em torno de 4 semanas de infecção presente apenas na 1.ª semana de infecção, (Ambroise-Thomas e Andrews 1, 1976). refletindo o estímulo antigênico inicial pro- Recentemente Bastos 6 (1979), investigan- porcionado pelo primeiro contato do hos- pedeiro com o S. mansoni. Subseqüente à do a especificidade das imunoglobulinas que oviposição do parasito e paralelamente à se apresentavam aumentadas durante a observação de granulomas hepáticos, foram infecção experimental de camundongos por verificadas profundas alterações na histopa- S. mansoni, verificou que anticorpos para tologia deste órgão, que consistiram de antígenos do parasito só apareciam inicial- hiperplasia intensa do tecido linforreticular mente de forma discreta na 4.ª semana de e congestão moderada ou intensa dos seios infecção, independente do estágio evolutivo venosos esplênicos. Estes resultados con- do trematódeo testado. cordam com a idéia de que tanto a hiper- Aparentemente estas reações celulares no celularidade do tecido linforreticular provo- fígado não se devem à antígenos de super- cada pelos antígenos do ovo do trematódeo fície do esquistossomulo, pois além de não como a congestão passiva do baço parti- serem evidenciados neste período anticorpos cipam na instalação da esplenomegalia para a superfície deste estágio do parasito, (Smithers e Terry 34, 1969; WHO 19, 1974 e Andrade 2, 1977). o mesmo só é imunogênico na sua fase inicial de desenvolvimento, deixando de ser A infecção pelo S. mansoni provocou reconhecido como estranho à medida que alterações histopatológicas no fígado, adquire antígenos do hospedeiro (Smithers tanto na fase pré-postural como também e col. 35 , 1977). após a oviposição do parasito. Inicialmente A possibilidade de que produtos excre- estas alterações consistiram de hiperplasia tados ou secretados pelo esquistossomulo, do SRE, infiltrações celulares e áreas de ou então de que produtos resultantes da necrose, coincidindo com observações pré- destruição dos mesmos sejam capazes de vias de outros autores tais como Meleney promover uma reação de imunidade celular e col. 28 (1952), Brener 9 (1956) e Jaimes e deve ser considerada. Von Lichtenberg 20 (1965). Tais alterações sugerem a participação de um mecanismo Após a oviposição o exame do fígado imunológico cuja etiologia possivelmente revelou a presença de numerosos granu- pode estar associada à presença de antí- lomas assim como fibrose de diferentes graus geno(s) da fase de esquistossomulo do tre- de intensidade. O papel do antígeno solúvel matódeo, não se refletindo o reconhecimento dos ovos maduros de S. mansoni na etio- logia do granuloma já está atualmente esta- nas lesões renais de pacientes esquistosso- belecido, assim como o caráter hipersensi- móticos tem sido fortemente sugerida (An- bilidade retardada da reação granulomatosa drade 2 , 1977). Não é possível afirmar, (Von Lichtenberg 39 , 1962; Warren e col. 45 , se a neutrofilia observada nas duas últimas 1967; Domingo e Warren 1 4 , 1967; Boros e semanas é decorrente de algum destes pro- Warren 7 , 1970; Warren 4 1 , 1972; Boros cessos, porém é uma possibilidade a ser e col.8, 1973; Hamburger e col.17, 1976; considerada. Warren 4 2 , 1976; Warren 4 3 , 1978). Tem sido verificado (Colley 10,11, 1972, As variações na composição celular das 1973; Mahmoud e col. 27 , 1975 e Pelley e reações granulomatosas descritas no pre- col.31, 1976) que o linfócito T, quando sen- sente trabalho provavelmente estão relacio- sibilizado com o antígeno solúvel do ovo nadas com diferentes estágios destas reações de S. mansoni, é capaz de promover a imunes. quimiotaxia de eosinófilos através da linfo- cina ESP (estimulação promotora de eosi- Apesar da utilização de animais heteroge- nófilos). Por outro lado, a participação dos néticos no presente trabalho, o que poderia eosinófilos na destruição de ovos de S. influenciar os resultados dos leucogramas mansoni tem sido evidenciada por James e realizados durante a infecção (Russel e Colley 21 (1976), tendo sido verificado que col.33, 1951), pode ser verificado que a o evento era dependente da antigenicidade presença do S. mansoni induz alterações no do ovo e da especificidade da célula efetora. comportamento dos leucócitos totais, neu- trófilos e linfócitos nas oito semanas iniciais Segundo Colley 11 (1972), a eosinofilia de infecção. Eosinófilos e monócitos apre- periférica em camundongos infectados expe- sentaram o mesmo comportamento neste rimentalmente por S. mansoni se dá de período. forma consistente após a 8.ª semana de infecção, o que provavelmente concorreu para Estímulos quimiotáxicos para neutrófilos a não observação deste resultado no pre- podem derivar de linfócitos T sensibilizados sente trabalho. como também podem resultar de produtos da ativação do sistema complemento. A A tendência apresentada pelos linfócitos função dos neutrófilos é essencialmente de- dos animais infectados a aumentarem com pendente de um processo imune, tanto ce- a evolução da infecção pode provavelmente lular como humoral, não atuando como uma refletir um estímulo na linfocitopoese do entidade celular independente. hospedeiro ao nível da medula óssea. Os resultados expostos relataram em Existem evidências (Sogandares-Bernal e alguns níveis as alterações patológicas que Brandt 3 6 , 1976) que em camundongos in- são processadas no hospedeiro definitivo fectados por S. mansoni, no período de 8 pelo S. mansoni através da utilização de semanas de infecção, IgM e IgG1 são se- um modelo experimental. Apesar do avanço questradas nos granulomas com conseqüente alcançado nos últimos anos no conhecimento ativação de C3. Lesões renais associadas da doença, a fase inicial da infecção não com imunecomplexos tem sido verificadas tem sido suficientemente estudada. Maiores em camundongos infectados com 80 a 100 informações sobre este período da infecção cercárias de S. mansoni no período de 2 a representarão importantes subsídios para a 3 meses de infecção (WHO 1 9 , 1974), como terapêutica como também para as medidas também a participação de imunecomplexos que visem impedir a instalação da doença. ATTA, A. M. et al. [Schistosomiasis mansoni. 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ABSTRACT: In order to accompany the evolution of primary bisexual
inifection of mice by Schistosoma mansoni, Swiss mice were infected with 100 cercariae of the Belo Horizonte strain of Schistosoma mansoni, and the infection's evolution was followed for eight weeks. A relationship between the number of hepatic granulomas and the number of worms was verified. Body weight gain, spleen, and the percentage of the liver weight in relation to body weight were different when compared to infected and control ani- mals. White blood cells in the infected mice presented alterations in the total number of leukocytes, neutrophils, and lymphocytes. The histologic analyses of the spleen and liver revealed alterations in these organs; these alterations varied according to the stage of infection. UNITERMS: Schistosoma mansoni. Pathology.
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