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As doenças genéticas são muito mais comuns do que se acreditava. Estima-se que a
frequência de doenças genéticas em indivíduos vivos seja de 670 por 1000. Incluídos nesse número
estão não só as doenças genéticas “clássicas” mas também o câncer e as doenças cardiovasculares,
as duas principais causas de morte no mundo ocidental. Ambas possuem componentes genéticos
importantes. As doenças cardiovasculares, como a aterosclerose e a hipertensão, resultam de
interações entre os gene e o meio ambiente, e, sabe-se agora, que a maioria dos cânceres resulta do
acúmulo de mutações somáticas (capítulo 7).
As doenças genéticas encontradas na prática médica representam somente a ponta de um
iceberg, que são aquelas com os erros genotípicos menos extremos, permitindo um
desenvolvimento embrionário completo e um nascimento vivo. Estima-se que 50% dos abortos
espontâneos nos primeiros meses da gestação tenham anormalidade cromossômica demonstrável;
isto é, além e vários erros detectáveis menores e muitos outros ainda além do nosso alcance de
identificação. Em torno de 1% de todos os recém-nascidos possui uma anormalidade cromossômica
grosseira, e aproximadamente 5% dos indivíduos com menos de 25 anos desenvolvem uma doença
séria com um componente genético significante. Quantas mutações ainda permanecem escondidas?
O rascunho da sequência do genoma humano está completo e muito se aprendeu sobre a
“arquitetura genética” dos humanos. Algumas das coisas reveladas foram inesperadas. Por exemplo,
sabemos agora que menos de 2% do genoma humano codifica para proteínas, enquanto mais da
metade representa bloco de códigos de nucleotídeos cujas funções são misteriosas. O que foi
totalmente inesperado foi que os humanos possuem meros 30.000 genes ao invés dos 100.000
preditos anteriormente. Muito extraordinariamente, esse número não é muito maior que o de uma
planta de mostarda, com 26.000 genes! Entretanto, sabe-se também que por splicing alternativo,
30.000 genes podem dar origem a mais de 100.000 proteínas. Além disso, estudos muito recentes
indicaram que proteínas completamente formadas podem ser cortadas e ligadas umas ás outras para
darem origem a peptídeos que não foram preditos na estrutura do gene. Os humanos não são tão
pobres, afinal de contas. Com o término do projeto genoma humano, um novo termo, chamado
genômica, foi adicionado ao vocabulário médico. Enquanto a genética é o estudo de um único gene
ou de alguns poucos genes e de seus efeitos fenotípicos, a genômica é o estudo de todos os genes do
genoma e de suas interações. Análises de tumores através de micro-arranjos de DNA (microarrays;
capítulo 7) é um exemplo do uso clínico atual da genômica. Entretanto, a contribuição mais
importante da genômica para a saúde humana será no esclarecimento das doenças multi-fatoriais
complexas que surgem da interação de múltiplos genes com fatores ambientais.
Outras revelação surpreendente do progresso recente da genômica é que, na média, dois
indivíduos quaisquer compartilham 99,9% das suas sequências de DNA. Assim, a notável
diversidade dos humanos é codificada em torno de 0,1% de nosso DNA. Os segredos da
predisposição para doenças e da resposta a agentes ambientais e a drogas deve, então, residir nessas
regiões variáveis. Ainda que pequenas quando comparadas com a sequência total de nucleotídeos,
este 0,1% representa algo em torno de 3 milhões de pares de bases. A forma mais comum de
variação no DNA no genoma humano é o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP). Tipicamente,
os SNPs são bi-alélicos (i.e., somente duas opções existem para um dado local dentro da
população), e eles podem ocorrer em qualquer lugar no genoma – dentro de éxons, íntrons ou em
regiões inter-gênicas. Menos de 1% dos SNPs ocorre nas regiões codificantes. Isso poderia,
obviamente, alterar o produto gênico e gerar uma doença. Muito mais comumente, entretanto, o
SNP é somente um marcador que é co-herdado com o gene causador da doença, devido á
proximidade física. Outra forma de expressar isso é dizer que o SNP e o fator genético estão em
desequilíbrio de ligação. Muito esforço está em andamento para construir mapas de SNPs do
genoma humano de forma que seja possível decifrar os determinantes das doenças. Assim como a
genômica envolve o estudo de todas as sequências de DNA a proteômica se preocupa com a
medição de todas as proteínas expressas em uma célula ou tecido. Atualmente, o progresso da
proteômica vem atrás do da genômica, porque a metodologia para identificar centenas de proteínas
distintas simultaneamente não está completamente desenvolvida, mas muito esforço continua sendo
feito.
Ainda que a genômica e a proteômica estejam revelando um tesouro de informação, a nossa
habilidade de organizar e extrair informação desse conjunto de dados tão vasto não está
completamente desenvolvida ainda. Para analisar padrões de expressão envolvendo
simultaneamente milhares de genes e proteínas, necessitou-se do desenvolvimento paralelo de
técnicas computacionais que podem lidar com amplas coleções de dados. Em resposta a isso, surgiu
uma nova disciplina interessante chamada de bio-informática. Isso envolveu biólogos, cientistas
computacionais, físicos e matemáticos, um verdadeiro exemplo de uma abordagem multi-disciplinar
na prática médica moderna.
Muito desse progresso na genética médica resultou de avanços espetaculares na biologia
molecular, envolvendo a tecnologia do DNA recombinante. Detalhes dessas técnicas são bem
conhecidos agora e não são repetidos aqui. Alguns exemplos, entretanto, do impacto da tecnologia
do DNA recombinante na medicina merecem atenção:
Base molecular das doenças humanas: duas estratégias gerais foram utilizadas para isolar
e caracterizar genes envolvidos em doenças humanas. A abordagem da clonagem funcional,
ou clássica, foi utilizada com sucesso para estudar uma variedade de erros inatos do
metabolismo, como a fenilcetonúria e as doenças da síntese de hemoglobinas. Comum a
essas doenças genéticas é o conhecimento do produto gênico anormal e a proteína
correspondente. Quando a proteína afetada é conhecida, uma variedade de métodos pode ser
empregada para isolar o gene normal, cloná-lo e no final determinar as mudanças
moleculares que afetam o gene em pacientes com a doença. Como para várias doenças
mono-gênicas comuns, como a fibrose cística, não existia pista sobre a natureza do produto
gênico defeituoso, foi empregada uma técnica alternativa chamada de clonagem posicional,
ou de abordagem do “gene candidato”. Essa estratégia ignora inicialmente as pistas do
fenótipo e se guia pelo mapeamento do fenótipo da doença a uma localização cromossômica
particular. Esse mapeamento é facilitado se a doença for associada a uma mudança
citogênica reconhecível (e.g., síndrome do X frágil) ou por uma análise de ligação. Nessa
última, a localização aproximada do gene é determinada pela sua ligação a SNPs ou a
“genes marcadores” conhecidos que estejam próximos ao locus da doença. Uma vez
localizado o gene mutante em uma região de limites razoavelmente estreitos, o próximo
passo é clonar vários pedaços de DNA do segmento relevante do genoma. A expressão do
DNA clonado in vitro, seguida pela identificação dos produtos proteicos, podem ser
utilizadas para identificar a proteína aberrante codificada pelos genes mutantes. Essa
abordagem foi usada com sucesso para diversas doenças, como a fibrose cística, a neuro-
fibromatose, a distrofia muscular de Duchenne (uma doença hereditária caracterizada por
fraqueza muscular progressiva), a doença dos rins poli-císticos e a doença de Huntington.
Além dessa abordagem passo a passo, para clonar genes únicos, a análise do micro-arranjo
de cDNA permite a detecção simultânea de milhares de genes e de seus produtos de RNA.
Quando tecidos normais e doentes são analisados dessa maneira, mudanças nos níveis de
expressão de múltiplos genes podem ser detectadas, fornecendo, assim, um perfil mais
compreensível das alterações genéticas nos tecidos doentes.
Produção de agentes humanos biologicamente ativos. Uma grande quantidade ultra-pura
de agentes biologicamente ativos pode ser produzida em quantidades virtualmente ilimitadas
pela inserção do gene codificante em bactérias ou outras células adequadas em cultura de
tecidos. Alguns exemplos de produtos de engenharia genética atualmente disponíveis
incluem o receptor TNF para o bloqueio do TNF em tratamento da artrite reumatóide,
ativadores do plasminogênio tecidual para o tratamento do estado trombótico, o hormônio
do crescimento para o tratamento de estados de deficiência, eritropoetina para reverter
vários casos de anemia e fatores mieloides de diferenciação e de crescimento (fator
estimulante de colônias em granulócitos-macrófagos, fator estimulante de colônias de
granulócitos) para elevar a produção de monócitos e neutrófilos em estados de baixa função
medular.
Terapia gênica. O objetivo de se tratar doenças genéticas por transferência de células
somáticas transfectadas com o gene normal, mesmo que conceitualmente simples, ainda tem
que melhorar para grandes escalas. Os problemas incluem desenhar vetores apropriados para
carregarem o gene, além das complicações inesperadas que resultam da inserção ao acaso do
gene normal no genoma hospedeiro. Em casos recentes bem documentados, a terapia gênica
em pacientes com SCID ligada ao X (imuno-deficiência combinada grave; capítulo 6), que
não possuem a cadeia comum gama dos receptores de citocinas, teve que ser interrompida
porque o gene transduzido se inseriu próximo a um gene hospedeiro que controla a
proliferação de células. A desregulação resultante deu origem á leucemia de células T do
paciente.
Diagnóstico de doenças. Sondas moleculares estão provando ser extremamente úteis no
diagnóstico tanto de doenças genéticas quanto não-genéticas (e.g., infecciosas). A aplicação
diagnóstica da tecnologia do DNA recombinante está detalhada no final deste capítulo.
Mutações
A mutação pode ser definida como uma mudança permanente no DNA. As mutações que
afetam a linhagem germinativa são transmitidas para a progênie e podem dar origem a doenças
herdadas. As mutações que surgem nas células somáticas não causam doenças hereditárias, mas são
importantes na gênese dos cânceres e de algumas mal-formações congênitas.
Baseado na extensão das mudanças genéticas, as mutações podem se classificadas em três
categorias. As mutações genômicas envolvem perda ou ganho de cromossomos inteiros, dando
origem a monossomias ou trissomias. As mutações cromossômicas resultam do rearranjo do
material genético e dão origem a mudanças estruturais visíveis no cromossomo. As mutações
envolvendo mudanças no úmero de cromossomos são transmitidas em baixa frequência porque a
maioria é incompatível com a sobrevivência. A grande maioria das mutações associadas ás doenças
hereditárias são as mutações gênicas sub-microscópicas. Essas podem resultar em deleção parcial
ou completa de um gene ou, mais, frequentemente, afetar uma única base. Por exemplo, uma única
base nucleotídica pode ser substituída por uma base diferente, resultando em uma mutação pontual.
Menos comumente, um ou dois pares de bases podem ser inseridos ou deletados do DNA, levando a
alterações na fase de leitura da fita de DNA; assim elas são referidas como mutações na fase de
leitura. As consequências das mutações variam, dependendo de vários fatores, incluindo o tipo de
mutação e o sítio genômico afetado por ela. Detalhes de mutações específicas e de seus efeitos são
discutidos com doenças relevantes ao longo do texto. Aqui, nós revisaremos brevemente os
princípios gerais relacionados aos efeitos das mutações gênicas.
Doenças mendelianas
A conferência desse modo de herança a uma doença deve ser feita com cautela. Depende de
muitos fatores, mas primeiramente no agrupamento familiar e na exclusão de todos os modos de
transmissão mendeliano e cromossômico. Uma gama de níveis de gravidade de uma doença é
sugestivo de herança multi-fatorial, mas como mostrado anteriormente, a expressividade variável e
a penetrância reduzida de genes mutantes únicos também podem responder por esse fenômeno.
Devido a esses problemas, algumas vezes é difícil distinguir entre herança mendeliana e multi-
fatorial.
Ao contrário das doenças mendelianas, muitas das quais incomuns, o grupo multi-fatorial
inclui alguns dos males comuns dos quais os seres humanos são herdeiros. A maioria dessas
doenças é descrita em capítulos apropriados em outro lugar neste livro.
Cariótipo normal
Doenças citogenéticas
Diagnóstico molecular
A idade materna avançada (mais de 34 anos de idade) devido ao maior risco de trissomias.
Um genitor que carrega uma translocação balanceada recíproca, uma translocação
robertsoniana, ou inversão (nesses casos, os gametas podem ser desbalanceados, e, portanto,
os filhos possuem risco de doenças cromossômicas).
Um genitor com um filho anterior com anormalidade cromossômica.
Um genitor que é carreador de uma doença genética ligada ao X (para determinar o sexo
fetal).
Muitas doenças genéticas são causadas por mudanças sutis em genes individuais que não
podem ser detectadas por cariotipagem. Tradicionalmente, o diagnóstico de doenças monogênicas
tem dependido da identificação dos produtos gênicos anormais (e.g., enzimas ou hemoglobina
mutantes) ou em seus efeitos clínicos, como a anemia ou o retardo mental (e.g., fenilcetonúria).
Agora é possível identificar mutações ao nível de DNA e oferecer diagnóstico genético para várias
doenças mendelianas graves. O uso da tecnologia do DNA recombinante para o diagnóstico de
doenças herdadas tem várias vantagens distintas sobre outras técnicas: