You are on page 1of 12

Doenças genéticas

Quadro teórico – Patologia geral


Robbins

As doenças genéticas são muito mais comuns do que se acreditava. Estima-se que a
frequência de doenças genéticas em indivíduos vivos seja de 670 por 1000. Incluídos nesse número
estão não só as doenças genéticas “clássicas” mas também o câncer e as doenças cardiovasculares,
as duas principais causas de morte no mundo ocidental. Ambas possuem componentes genéticos
importantes. As doenças cardiovasculares, como a aterosclerose e a hipertensão, resultam de
interações entre os gene e o meio ambiente, e, sabe-se agora, que a maioria dos cânceres resulta do
acúmulo de mutações somáticas (capítulo 7).
As doenças genéticas encontradas na prática médica representam somente a ponta de um
iceberg, que são aquelas com os erros genotípicos menos extremos, permitindo um
desenvolvimento embrionário completo e um nascimento vivo. Estima-se que 50% dos abortos
espontâneos nos primeiros meses da gestação tenham anormalidade cromossômica demonstrável;
isto é, além e vários erros detectáveis menores e muitos outros ainda além do nosso alcance de
identificação. Em torno de 1% de todos os recém-nascidos possui uma anormalidade cromossômica
grosseira, e aproximadamente 5% dos indivíduos com menos de 25 anos desenvolvem uma doença
séria com um componente genético significante. Quantas mutações ainda permanecem escondidas?
O rascunho da sequência do genoma humano está completo e muito se aprendeu sobre a
“arquitetura genética” dos humanos. Algumas das coisas reveladas foram inesperadas. Por exemplo,
sabemos agora que menos de 2% do genoma humano codifica para proteínas, enquanto mais da
metade representa bloco de códigos de nucleotídeos cujas funções são misteriosas. O que foi
totalmente inesperado foi que os humanos possuem meros 30.000 genes ao invés dos 100.000
preditos anteriormente. Muito extraordinariamente, esse número não é muito maior que o de uma
planta de mostarda, com 26.000 genes! Entretanto, sabe-se também que por splicing alternativo,
30.000 genes podem dar origem a mais de 100.000 proteínas. Além disso, estudos muito recentes
indicaram que proteínas completamente formadas podem ser cortadas e ligadas umas ás outras para
darem origem a peptídeos que não foram preditos na estrutura do gene. Os humanos não são tão
pobres, afinal de contas. Com o término do projeto genoma humano, um novo termo, chamado
genômica, foi adicionado ao vocabulário médico. Enquanto a genética é o estudo de um único gene
ou de alguns poucos genes e de seus efeitos fenotípicos, a genômica é o estudo de todos os genes do
genoma e de suas interações. Análises de tumores através de micro-arranjos de DNA (microarrays;
capítulo 7) é um exemplo do uso clínico atual da genômica. Entretanto, a contribuição mais
importante da genômica para a saúde humana será no esclarecimento das doenças multi-fatoriais
complexas que surgem da interação de múltiplos genes com fatores ambientais.
Outras revelação surpreendente do progresso recente da genômica é que, na média, dois
indivíduos quaisquer compartilham 99,9% das suas sequências de DNA. Assim, a notável
diversidade dos humanos é codificada em torno de 0,1% de nosso DNA. Os segredos da
predisposição para doenças e da resposta a agentes ambientais e a drogas deve, então, residir nessas
regiões variáveis. Ainda que pequenas quando comparadas com a sequência total de nucleotídeos,
este 0,1% representa algo em torno de 3 milhões de pares de bases. A forma mais comum de
variação no DNA no genoma humano é o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP). Tipicamente,
os SNPs são bi-alélicos (i.e., somente duas opções existem para um dado local dentro da
população), e eles podem ocorrer em qualquer lugar no genoma – dentro de éxons, íntrons ou em
regiões inter-gênicas. Menos de 1% dos SNPs ocorre nas regiões codificantes. Isso poderia,
obviamente, alterar o produto gênico e gerar uma doença. Muito mais comumente, entretanto, o
SNP é somente um marcador que é co-herdado com o gene causador da doença, devido á
proximidade física. Outra forma de expressar isso é dizer que o SNP e o fator genético estão em
desequilíbrio de ligação. Muito esforço está em andamento para construir mapas de SNPs do
genoma humano de forma que seja possível decifrar os determinantes das doenças. Assim como a
genômica envolve o estudo de todas as sequências de DNA a proteômica se preocupa com a
medição de todas as proteínas expressas em uma célula ou tecido. Atualmente, o progresso da
proteômica vem atrás do da genômica, porque a metodologia para identificar centenas de proteínas
distintas simultaneamente não está completamente desenvolvida, mas muito esforço continua sendo
feito.
Ainda que a genômica e a proteômica estejam revelando um tesouro de informação, a nossa
habilidade de organizar e extrair informação desse conjunto de dados tão vasto não está
completamente desenvolvida ainda. Para analisar padrões de expressão envolvendo
simultaneamente milhares de genes e proteínas, necessitou-se do desenvolvimento paralelo de
técnicas computacionais que podem lidar com amplas coleções de dados. Em resposta a isso, surgiu
uma nova disciplina interessante chamada de bio-informática. Isso envolveu biólogos, cientistas
computacionais, físicos e matemáticos, um verdadeiro exemplo de uma abordagem multi-disciplinar
na prática médica moderna.
Muito desse progresso na genética médica resultou de avanços espetaculares na biologia
molecular, envolvendo a tecnologia do DNA recombinante. Detalhes dessas técnicas são bem
conhecidos agora e não são repetidos aqui. Alguns exemplos, entretanto, do impacto da tecnologia
do DNA recombinante na medicina merecem atenção:

 Base molecular das doenças humanas: duas estratégias gerais foram utilizadas para isolar
e caracterizar genes envolvidos em doenças humanas. A abordagem da clonagem funcional,
ou clássica, foi utilizada com sucesso para estudar uma variedade de erros inatos do
metabolismo, como a fenilcetonúria e as doenças da síntese de hemoglobinas. Comum a
essas doenças genéticas é o conhecimento do produto gênico anormal e a proteína
correspondente. Quando a proteína afetada é conhecida, uma variedade de métodos pode ser
empregada para isolar o gene normal, cloná-lo e no final determinar as mudanças
moleculares que afetam o gene em pacientes com a doença. Como para várias doenças
mono-gênicas comuns, como a fibrose cística, não existia pista sobre a natureza do produto
gênico defeituoso, foi empregada uma técnica alternativa chamada de clonagem posicional,
ou de abordagem do “gene candidato”. Essa estratégia ignora inicialmente as pistas do
fenótipo e se guia pelo mapeamento do fenótipo da doença a uma localização cromossômica
particular. Esse mapeamento é facilitado se a doença for associada a uma mudança
citogênica reconhecível (e.g., síndrome do X frágil) ou por uma análise de ligação. Nessa
última, a localização aproximada do gene é determinada pela sua ligação a SNPs ou a
“genes marcadores” conhecidos que estejam próximos ao locus da doença. Uma vez
localizado o gene mutante em uma região de limites razoavelmente estreitos, o próximo
passo é clonar vários pedaços de DNA do segmento relevante do genoma. A expressão do
DNA clonado in vitro, seguida pela identificação dos produtos proteicos, podem ser
utilizadas para identificar a proteína aberrante codificada pelos genes mutantes. Essa
abordagem foi usada com sucesso para diversas doenças, como a fibrose cística, a neuro-
fibromatose, a distrofia muscular de Duchenne (uma doença hereditária caracterizada por
fraqueza muscular progressiva), a doença dos rins poli-císticos e a doença de Huntington.
Além dessa abordagem passo a passo, para clonar genes únicos, a análise do micro-arranjo
de cDNA permite a detecção simultânea de milhares de genes e de seus produtos de RNA.
Quando tecidos normais e doentes são analisados dessa maneira, mudanças nos níveis de
expressão de múltiplos genes podem ser detectadas, fornecendo, assim, um perfil mais
compreensível das alterações genéticas nos tecidos doentes.
 Produção de agentes humanos biologicamente ativos. Uma grande quantidade ultra-pura
de agentes biologicamente ativos pode ser produzida em quantidades virtualmente ilimitadas
pela inserção do gene codificante em bactérias ou outras células adequadas em cultura de
tecidos. Alguns exemplos de produtos de engenharia genética atualmente disponíveis
incluem o receptor TNF para o bloqueio do TNF em tratamento da artrite reumatóide,
ativadores do plasminogênio tecidual para o tratamento do estado trombótico, o hormônio
do crescimento para o tratamento de estados de deficiência, eritropoetina para reverter
vários casos de anemia e fatores mieloides de diferenciação e de crescimento (fator
estimulante de colônias em granulócitos-macrófagos, fator estimulante de colônias de
granulócitos) para elevar a produção de monócitos e neutrófilos em estados de baixa função
medular.
 Terapia gênica. O objetivo de se tratar doenças genéticas por transferência de células
somáticas transfectadas com o gene normal, mesmo que conceitualmente simples, ainda tem
que melhorar para grandes escalas. Os problemas incluem desenhar vetores apropriados para
carregarem o gene, além das complicações inesperadas que resultam da inserção ao acaso do
gene normal no genoma hospedeiro. Em casos recentes bem documentados, a terapia gênica
em pacientes com SCID ligada ao X (imuno-deficiência combinada grave; capítulo 6), que
não possuem a cadeia comum gama dos receptores de citocinas, teve que ser interrompida
porque o gene transduzido se inseriu próximo a um gene hospedeiro que controla a
proliferação de células. A desregulação resultante deu origem á leucemia de células T do
paciente.
 Diagnóstico de doenças. Sondas moleculares estão provando ser extremamente úteis no
diagnóstico tanto de doenças genéticas quanto não-genéticas (e.g., infecciosas). A aplicação
diagnóstica da tecnologia do DNA recombinante está detalhada no final deste capítulo.

Esse pano de fundo de desenvolvimento da genética humana nos permite classificar as


doenças humanas em três categorias: (1) aquelas determinadas pelo ambiente, (2) aquelas
determinada geneticamente e (3) aquelas onde há influência tanto de fatores ambientais quanto de
genéticos. A obesidade pode aparecer como sendo representativa da primeira categoria; entretanto,
até aqui, com a descoberta de genes que controlam a saciedade e o metabolismo energético
(capítulo 9), é evidente que a super-nutrição – e todas as doenças em maior ou menor grau – é
condicionada pelo genótipo. Na terceira categoria acima mencionada se encaixam várias doenças
humanas importantes como a úlcera péptica, a diabetes melito, a aterosclerose, a esquizofrenia,
doenças auto-imunes e a maioria dos cânceres, onde claramente a natureza e a criação representam
papéis significativos.
Está além do alcance deste livro revisar as doenças genéticas humanas normais. É benéfico
revisar alguns conceitos fundamentais que sustentam o nosso entendimento das doenças genéticas.
Primeiro, entretanto, nós esclarecemos alguns termos comumente utilizados – hereditário, familiar e
congênito. As doenças hereditárias, por definição, são derivadas de um dos genitores e são
transmitidas na linhagem germinativa através das gerações e, portanto, são familiares. O termo
congênito simplesmente significa “nascido com”. Algumas doenças congênitas não são genéticas
por exemplo, a sífilis congênita. Nem todas as doenças genéticas são congênitas; pacientes com a
doença de Huntington, por exemplo, começam a manifestar a sua condição somente depois dos 20
ou 30 anos.

Mutações

A mutação pode ser definida como uma mudança permanente no DNA. As mutações que
afetam a linhagem germinativa são transmitidas para a progênie e podem dar origem a doenças
herdadas. As mutações que surgem nas células somáticas não causam doenças hereditárias, mas são
importantes na gênese dos cânceres e de algumas mal-formações congênitas.
Baseado na extensão das mudanças genéticas, as mutações podem se classificadas em três
categorias. As mutações genômicas envolvem perda ou ganho de cromossomos inteiros, dando
origem a monossomias ou trissomias. As mutações cromossômicas resultam do rearranjo do
material genético e dão origem a mudanças estruturais visíveis no cromossomo. As mutações
envolvendo mudanças no úmero de cromossomos são transmitidas em baixa frequência porque a
maioria é incompatível com a sobrevivência. A grande maioria das mutações associadas ás doenças
hereditárias são as mutações gênicas sub-microscópicas. Essas podem resultar em deleção parcial
ou completa de um gene ou, mais, frequentemente, afetar uma única base. Por exemplo, uma única
base nucleotídica pode ser substituída por uma base diferente, resultando em uma mutação pontual.
Menos comumente, um ou dois pares de bases podem ser inseridos ou deletados do DNA, levando a
alterações na fase de leitura da fita de DNA; assim elas são referidas como mutações na fase de
leitura. As consequências das mutações variam, dependendo de vários fatores, incluindo o tipo de
mutação e o sítio genômico afetado por ela. Detalhes de mutações específicas e de seus efeitos são
discutidos com doenças relevantes ao longo do texto. Aqui, nós revisaremos brevemente os
princípios gerais relacionados aos efeitos das mutações gênicas.

 Mutações pontuais dentro das sequências codificantes: Uma mutação pontual


(substituição de um único nucleotídeo) pode alterar o código de tri-nucleotídeos e levar á
reposição de um aminoácido por outro no produto gênico. Como essas mudanças alteram o
significado do código genético, elas são frequentemente chamadas de mutação de sentido
trocado. Se a substituição desse aminoácido causa pouca mudança na função da proteína, a
mutação é chamada mutação de sentido trocado “conservativa”. Por outro lado, uma
mutação de sentido trocado “não-conservativa” substitui o aminoácido normal por um outro
muito diferente. Um exemplo excelente desse tipo é a mutação falciforme afetando a cadeia
beta-globina da hemoglobina (capítulo13). Aqui, o tri-nucleotídeo CTC (GAC no RNA
mensageiro (mRNA)), que codifica para o ácido glutâmico, é mudado para CAC (ou GUG
no mRNA), que codifica para a valina. Essa única substituição de aminoácido altera as
propriedades físico-químicas da hemoglobina, dando origem a anemia falciforme. Além da
produção de uma substituição de aminoácidos, uma mutação pontual também pode alterar
um códon de aminoácido para um códon de terminação, ou códon de parada (mutação sem
sentido). Tomando a beta-globina mais uma vez como exemplo, uma mutação pontual que
afeta o códon da glutamina (CAG) cria um códon de parada (UAG) se o U for substituído
por C. Essa mudança leva á terminação prematura da tradução do gene da beta-globina e o
peptídeo resultante é rapidamente degradado. Os indivíduos afetados não possuem a cadeia
beta-globina e desenvolvem uma forma grave de anemia chamada de beta0-talassemia
(capítulo 13).
 Mutações dentro de sequências não-codificantes: efeitos deletérios também podem
resultar de mutações que não envolvem os éxons. Como se bem sabe, a transcrição do DNA
é iniciada e regulada por sequências promotoras e acentuadoras que são encontradas abaixo
ou acima do gene. Mutações pontuais ou deleções envolvendo essas sequências regulatórias
podem interferir com a ligação de fatores de transcrição e assim levar a uma redução
marcante ou á ausência total da transcrição. Esse é o caso de algumas formas de anemias
hemolíticas hereditárias. Além disso, mutações pontuais dentro dos íntrons levam a emendas
defeituosas das sequências intrônicas. Assim, em troca, interferem com o processamento
normal dos transcritos de mRNA mensageiro iniciais e resultam na falta de formação de
transcritos de mRNA maduros. Consequentemente, a tradução não pode ocorrer, e o produto
gênico não é sintetizado.
 Deleções e inserções: Pequenas deleções ou inserções envolvendo a sequência codificante
levam a alterações na fase de leitura da fita de DNA; assim, elas são conhecidas como
mutações de fase de leitura. Se o número de pares de bases envolvido for três ou múltiplo de
três, a alteração na fase de leitura não ocorre; ao contrário, sintetiza-se uma proteína que não
possui ou possui um ou mais aminoácidos.
 Mutações de repetições de tri-nucleotídeos: Mutações de repetições de tri-nucleotídeos
pertencem a uma categoria especial porque essas mutações são caracterizadas pela
amplificação de uma sequência de três nucleotídios. Ainda que a sequência de nucleotídeo
específica que sofre amplificação difira em várias doenças, quase todas as sequências
compartilham os nucleotídios guanina (G) e citocina ©. Por exemplo, na síndrome do X
frágil, o protótipo dessa categoria de doenças, exitem de 250 a 4.000 repetições sucessivas
da sequência CGG dentro do gene chamado de FMR-1. Em populações normais, o número
de repetições é pequeno, na média 29. Essas expansões de tri-nucleotídios evitam a
expressão normal do gene FMR-1, gerando assim um retardo mental. Outra característica
distintiva das mutações de repetições de tri-nucleotídios é que elas são dinâmicas (i.e., o
grau de amplificação aumenta durante a gametogênese). Essas características, discutidas
detalhadamente mais adiante, influenciam o padrão de herança e as manifestações
fenotípicas das doenças causadas por essa classe de mutações.

Para resumir, as mutações podem interferir na síntese de proteínas em vários níveis. A


transcrição pode ser suprimida com deleções gênicas e mutações pontuais envolvendo sequências
promotoras. O processamento anormal de mRNAs pode resultar de mutações que afetem íntrons ou
junções de emendas ou ambos. A tradução é afetada se um códon de parada (mutação de terminação
de cadeia) for criado dentro de um éxon. Finalmente, algumas mutações pontuais podem levar á
formação de uma proteína anormal sem atrapalhar nenhum passo da síntese proteica.
Para fechar, deve-se notar que, raramente, as mutações podem ser protetoras. Como será
discutido no capítulo 6, o vírus da imuno-deficiência humana (HIV) utiliza o receptor de citocina,
CCR5, para entrar nas células; uma deleção no gene CCR5 protege, assim, da infecção por HIV.
Voltamos nossa atenção agora para três principais categorias de e doenças genéticas: (1)
doenças relacionadas com genes mutantes de grande efeito; (2) doenças com herança multi-fatorial
e (3) doenças cromossômicas. A primeira categoria inclui várias doenças relativamente incomuns,
como as doenças de armazenamento e os erros inatos do metabolismo, todas resultantes de
mutações em genes únicos de grande efeito. Como a maioria dessas doenças segue o padrão
mendeliano clássico de herança, elas também são conhecidas por doenças mendelianas. A segunda
categoria inclui algumas das doenças mais comuns em humanos, como a hipertensão e o diabetes
melito. Elas são chamadas de multi-fatoriais porque sofrem influência tanto de fatores genéticos
quanto de fatores ambientais. O componente genético envolve o resultado conjunto de múltiplos
genes de pequeno efeito; a contribuição ambiental pode ser grande ou pequena, e em alguns casos, é
necessária para a expressão da doença. A terceira categoria inclui doenças que resultam de mutações
genômicas e cromossômicas e são, portanto, associadas a mudanças numéricas ou estruturais nos
cromossomos.
A essas três categorias bem estabelecidas deve-se adicionar um grupo heterogêneo de
doenças monogênicas com padrões de herança não-clássicos. Esse grupo inclui doenças que
resultam de mutações de tri-nucleotídios, aquelas que surgem no DNA mitocondrial e aquelas onde
a transmissão é influenciada por inprinting genômico ou mosaicismo gonadal. Doenças desse grupo
são causadas por mutações em genes únicos, mas não seguem o padrão mendeliano de herança. Elas
são discutidas mais adiante neste capítulo.

Doenças mendelianas

Todas as doenças mendelianas são o resultado de mutações expressas em genes únicos de


grande efeito. Não é necessário detalhar as leis de Mendel aqui, porque todo estudante de biologia,
e possivelmente toda ervilha de jardim, já aprendeu sobre elas quando criança. Somente alguns
comentários de relevância médica são feitos.
O número de doenças mendelianas conhecidas cresceu em proporções monumentais.
Estima-se que cada indivíduo seja um carreador de cinco a oito genes deletérios. A maioria destes
são recessivos e, portanto, não trazem efeito fenotípicos sérios. Em torno de 80% a 85% dessas
mutações são familiares. O restante representa mutações novas adquiridas de novo por um indivíduo
afetado.
Algumas mutações autossômicas produzem expressão parcial no heterozigoto e expressão
completa no homozigoto. A anemia falciforme é causada pela substituição da hemoglobina normal
(HbA) pela hemoglobina S (HbS). Quando um indivíduo é homozigoto para o gene mutante, toda a
hemoglobina é do anormal, HbS, e mesmo em saturação normal de oxigênio, a doença é
completamente expressa (i.e., a deformidade falciforme de todas as hemácias e a anemia
hemolítica). No heterozigoto somente uma proporção da hemoglobina é HbS (o restante sendo
HbS), e, portanto, a hemácia falciforme, e possivelmente a hemólise, só ocorre quando há a
exposição á baixa tensão de oxigênio. A isso se chama de traço falciforme para diferenciar da
anemia falciforme completa.
Ainda que a expressão gênica seja comumente descrita como dominante ou recessiva, em
alguns casos, ambos os alelos de um par gênico podem ser completamente expressos no
heterozigoto – uma condição chamada de co-dominância. Os antígenos de histo-compatibilidade e
do grupo sanguíneo são bons exemplos de herança co-dominante.
Um único gene mutante pode levar a muitos efeitos finais, denominados pleiotropismo; ao
contrário, mutações em vários lócus genéticos podem produzir a mesma característica
(heterogeneidade genética). A anemia falciforme pode servir como exemplo de pleiotropismo.
Nessa doença hereditária, a mutação pontual não somente origina a HbS, que predispõe a hemácia á
hemólise, como também as hemácias anormais tendem a causar entupimentos nos pequenos vasos,
induzindo, por exemplo, a fibrose do baço, infartos orgânicos e mudanças ósseas. Os vários
desarranjos finais são todos relacionados ao defeito primário na síntese da hemoglobina. Por outro
lado, a surdez infantil profunda, uma entidade clínica aparentemente homogênea, resulta de
qualquer um dos 16 tipos diferentes de mutações autossômicas recessivas. O reconhecimento da
heterogeneidade genética é importante não só no conselho genético, mas também é relevante para a
compreensão da patogênese de algumas doenças comuns, como o diabetes melito.
Finalmente, deve-se notar que nem todas as mudanças de nucleotídios produzem genes que
causam doenças. Quando uma mudança dessas ocorre no DNA de pelo menos 1% da população, é
chamada de polimorfismo. Os SNPs, a forma mais comum de polimorfismo, foram descritos no
começo deste capítulo.

Doenças com herança multi-fatorial

Como mostrado anteriormente, as doenças multi-fatoriais resultam de ações combinadas de


influências do meio ambiente om dois ou mais genes mutantes com efeitos aditivos. O componente
genético exerce um efeito de dosagem – quanto maior o numero de genes deletérios herdados, mais
severa é a expressão da doença. Como os fatores ambientais influenciam significativamente a
expressão dessas doenças, o termo poligênico não deve ser utilizado.
Várias características fenotípicas normais são governadas por herança multi-fatorial como a
cor dos cabelos, dos olhos e da pele, a altura e a inteligência. Essas características exibem uma
variação contínua nos grupos populacionais, produzindo uma curva de distribuição em forma de
sino. As influências ambientais, entretanto, modificam significativamente a expressão fenotípica das
características multi-fatoriais. Por exemplo, o diabetes melito do tipo II possui várias características
das doenças multi-fatoriais. É reconhecido clinicamente que indivíduos frequentemente manifestam
a doença depois de ganharem peso. Assim, a obesidade, como outras influências ambientais,
desmascara a característica genética da diabetes. As influências nutricionais podem fazer com que
gêmeos idênticos atinjam alturas diferentes. A criança privada de cultura pode não alcançar a sua
capacidade intelectual completa.
Os traços seguintes caracterizam a herança multi-fatorial. Elas foram estabelecidas para a
herança multi-fatorial de mal-formações congênitas e, em todas as probabilidades, prevalecem para
outras doenças multi-fatoriais.

 O risco de expressar uma doença multi-fatorial é condicionado ao número de genes


mutantes herdados. Assim, o risco é maior em irmãos de pacientes que possuem expressão
severa da doença. Por exemplo, o risco de lábio leporino em irmãos de um caso-índice é de
2,5% se o lábio leporino for uni-lateral, mas de 6% se for bi-lateral. Semelhantemente,
quando maior o número de parentes afetados, maior o risco para outros parentes.
 A taxa de recorrência da doença (varia de 2% a 7%) é a mesma para todos os parente de
primeiro grau (i.e., genitores, irmãos e filhos) do indivíduo afetado. Assim, se os genitores
possuem um filho afetado, o risco de que a próxima criança seja afetada é de 2% a 7%.
Semelhantemente, existe a mesma chance de que um dos genitores seja afetado.
 A probabilidade de que ambos os gêmeo idênticos sejam afetados é significativamente
menor que 100%, mas é muito maior do que gêmeos não idênticos sejam afetados. A
experiência provou que, por exemplo, a frequência de concordância para gêmeos idênticos
está na faixa dos 20% a 40%.
 O risco de recorrência da anormalidade fenotípica em gestações subsequentes depende do
resultado das gestações anteriores. Quando uma criança é afetada, existe até 7% de chance
de que a próxima criança seja afetada, mas depois de duas crianças, o risco sobe para 9%.
 A expressão de uma característica multi-fatorial pode ser contínua (ausência de um fenótipo
distinto, e.g., altura) ou descontínua (com um fenótipo distinto, e.g., diabetes melito). Nesta
última, a doença é expressa somente quando a influência combinada dos genes e do
ambiente cruzam um certo limiar. No caso da diabetes, por exemplo, o risco de expressão
fenotípica aumenta quando os níveis de glicose sanguínea cruzam um certo nível.

A conferência desse modo de herança a uma doença deve ser feita com cautela. Depende de
muitos fatores, mas primeiramente no agrupamento familiar e na exclusão de todos os modos de
transmissão mendeliano e cromossômico. Uma gama de níveis de gravidade de uma doença é
sugestivo de herança multi-fatorial, mas como mostrado anteriormente, a expressividade variável e
a penetrância reduzida de genes mutantes únicos também podem responder por esse fenômeno.
Devido a esses problemas, algumas vezes é difícil distinguir entre herança mendeliana e multi-
fatorial.
Ao contrário das doenças mendelianas, muitas das quais incomuns, o grupo multi-fatorial
inclui alguns dos males comuns dos quais os seres humanos são herdeiros. A maioria dessas
doenças é descrita em capítulos apropriados em outro lugar neste livro.

Cariótipo normal

Como bem se sabe, as células somáticas contêm 46 cromossomos; estes compreendem 22


pares homólogos de autossomos e dois cromossomos sexuais, XX nas mulheres e XY nos homens.
O estudo dos cromossomos – cariotipagem – é a ferramenta básica do citogeneticista. O
procedimento comum de produzir espalhados de cromossomos é parar a mitose das células em
divisão durante a metáfase pelo uso de inibidores do fuso mitótico (e.g., colcemida) e depois corar
os cromossomos. Em um espalhado cromossômico, os cromossomos individuais tomam a forma de
duas cromátides conectas pelo centrômero. Um cariótipo é o arranjo padrão de um espalhado
cromossômico em metáfase corado e fotografado onde os pares de de cromossomos estão
ordenados em tamanhos decrescentes.
Já foram desenvolvidos uma variedade de métodos de coloração que permitem a
identificação de cada cromossomo individualmente com base em padrões confiáveis e distintivos de
bandas claras e escuras ao longo do comprimento do cromossomo. O mais comumente empregado
utiliza o corante Giemsa e é, portanto, chamado de bandeamento G. Com o bandeamento G,
aproximadamente 400 a 800 bandas por conjunto haploide podem ser detectadas. A resolução obtida
por técnicas de bandeamento pode ser bastante melhorada com a obtenção de células em prófase.
Os cromossomos individuais aparecem marcantemente alongados e até 1.500 bandas podem ser
reconhecidas por cariótipo. O uso dessas técnicas de bandeamento permite a identificação exata de
cada cromossomo, assim como o delineamento de pontos de quebra precisos e outras alterações,
como descrito a seguir.
Antes dessa discussão sobre cariótipo ser concluída, deve-se fazer uma ressalva a respeito
de alguns termos citogenéticos comuns. Os cariótipos são frequentemente descritos utilizando-se
um sistema simplificado de notações. A seguinte ordem é utilizada: o número total de cromossomos
é dado primeiro; seguido pelo complemento sexual e finalmente pela descrição das anormalidades
em ordem numérica ascendente. Por exemplo, um homem com trissomia do 21 é designado 47,XY,
+21. Algumas das notações que denotam alterações estruturais dos cromossomos são descritas ao
longo do texto em conjunto ás anormalidades. Aqui, devemos mencionar que o braço curto do
cromossomo é designado p (de petit) e o braço longo é chamado de q (a letra seguinte do alfabeto).
Em um cariótipo bandeado, cada braço cromossômico é divido em duas ou mais regiões pelas
bandas proeminentes. As regiões são numeradas (e.g., 1, 2, 3) a partir do centrômero. Cada região é
ainda sub-dividida em bandas e sub-bandas e estas também são ordenadas numericamente. Assim, a
notação Xp21.2 se refere ao segmento cromossômico localizado no braço curto do cromossomo X,
na região 2, banda 1 e sub-banda 2.
Hibridização fluorescente “in situ”. A hibridização fluorescente “in situ” (FISH) se tornou
um aliado poderoso na cariotipagem rotineira e elevou muito o poder da análise genética. A
principal limitação da cariotipagem é que só é aplicável a células que estão se dividindo ou que
possam ser induzidas á divisão in vitro. Esse problema pode ser sobreposto por sondas de DNA que
reconheçam sequências cromossômicas específicas. Essas sondas são marcadas com corantes
fluorescentes e aplicadas aos núcleos interfásicos. A sonda se liga á sua sequência complementar no
cromossomo e marca, assim, o cromossomo específico, que pode ser visualizado então sob
microscópio fluorescente. O FISH pode, então, ser utilizado para enumerar os cromossomos em
núcleos interfásicos. Contudo, a aplicação do FISH não é limitada a núcleos interfásicos. Pela
utilização de sondas de DNA, que são específicas para determinadas regiões dos cromossomos, o
FISH poe ser utilizado para demonstrar micro-deleções sutis, translocações complexas e alterações
teloméricas que não seriam detectadas na cariotipagem rotineira. Além da sua utilidade diagnóstica,
o FISH também pode ser utilizado como ferramenta para mapear fisicamente novos genes isolados
de interesse clínico. Sequências novas de DNA são marcadas com corantes fluorescentes e depois
aplicadas a espalhados cromossômicos. O DNA se liga á sua sequência complementar e, assim,
aponta a localização do gene em um local específico. A pintura cromossômica é uma extensão do
FISH, onde o cromossomo inteiro pode ser rotulado por uma série de sondas de DNA fluorescentes
que se ligam em sítios múltiplos ao longo de um cromossomo em particular. O número de
cromossomos que podem ser detectados simultaneamente por pintura cromossômica é limitado pela
disponibilidade de corantes fluorescentes que excitam comprimentos de onda de luz visível
diferentes. Assim, a pintura cromossômica tem habilidade limitada de visualizar todos os 46
cromossomos humanos simultaneamente. Essa dificuldade foi superada pela introdução a
cariotipagem espectral. Pelo uso de uma combinação de cinco fluorocromos e de sinais gerados por
computador apropriados, o genoma humano completo pode ser visualizado. A cariotipagem
espectral (SKY) é tão poderosa que pode ser bem chamada de “cariotipagem espetacular”.
Outra aplicação recente do FISH compara diretamente o conteúdo de DNA de populações
celulares normais e tumorais marcadas diferentemente pela sua co-hibridização em espalhos
cromossômicos metafásicos comuns (hibridização genômica comparativa) ou em séries de clones
de DNA alinhados em placas de vidro (hibridização genômica comparativa em arranjo). Dessa
maneira, pode-se determinar alterações em número de cópias gênicas específicas de tumores.

Doenças citogenéticas

As aberrações subjacentes ás doenças citogenéticas (mutações cromossômicas) podem


tomar a forma de número anormal de cromossomos ou de alterações na estrutura de um ou mais
cromossomos. O complemento cromossômico normal é expresso como 46,XX para as mulheres e
46,XY para os homens. Qualquer múltiplo exato do número haploide e chamado de euploide. Se um
erro ocorre na meiose ou na mitose, entretanto, e a célula adquirir um complemento cromossômico
que não é múltiplo exato de 23, é chamado de aneuploidia. As causas comuns de aneuploidia são a
não-disjunção e o retardo da anáfase. O primeiro ocorre quando um par de cromossomos
homólogos não se separa durante a primeira divisão mitótica, ou as cromátides não se separam nem
na segunda divisão meiótica u nas divisões celulares mitóticas, resultando em duas células
aneuploides. Quando a não-disjunção ocorre durante a gametogênese, os gametas formados
possuem tanto um cromossomo extra (n+1) ou um cromossomo a menos (n-1). A fertilização desses
gametas por gametas normais resulta em dois tipos de zigotos – trissômicos (2n+1) ou
monossômicos (2n-1). No retardo da anáfase, um dos cromossomos homólogos na meiose, ou uma
das cromátides na mitose retarda e é deixado para traz no núcleo celular. O resultado é uma célula
normal e outra com monossomia. Como visto subsequentemente, a monossomia ou a trissomia
envolvendo os cromossomos sexuais, e até mesmo aberrações mais bizarras, são compatíveis com a
vida e são geralmente associadas a graus variáveis de anormalidades fenotípicas. A monossomia
envolvendo um autossomo geralmente representa perda de muita informação genética para permitir
o nascimento com vida ou até mesmo a embriogênese, mas algumas trissomias autossômicas
permitem a sobrevivência. Com exceção da trissomia do 21, todas geram crianças gravemente
incapacitadas que quase sempre morrem em idade precoce.
Ocasionalmente, erros mitóticos ocorrem no desenvolvimento inicial e dão origem a duas
ou mais populações celulares no mesmo indivíduo, uma condição chamada de mosaicismo. O
mosaicismo pode resultar de erros mitóticos durante a clivagem do ovo fertilizado ou nas células
somáticas. O mosaicismo que afeta os cromossomos sexuais é relativamente comum. Na divisão do
ovo fertilizado, um erro pode fazer com que uma das células filhas recebam três cromossomos
sexuais, enquanto a outra recebe somente um, gerando, por exemplo, um mosaico 45,X/47,XXX.
Todas as células descendentes de cada um desses precursores possuirão tanto um complemento
47,XXX ou 45,X. Esse paciente é um variante em mosaico da síndrome de Turner, com a extensão
da expressão fenotípica dependente do número e da distribuição das células 45,X. Se o erro ocorrer
em uma clivagem mais tardia, o mosaico possuirá três populações de células, com algumas
possuindo o complemento normal 46,XX (i.e., 45,X/46,XX/47,XXX). Erros mitóticos repetidos
podem levar a várias populações celulares.
O mosaicismo autossômico parece ser muito menos comum do que o que envolve os
cromossomos sexuais. Um erro em uma divisão mitótica inicial afetando os cromossomos
geralmente leva a um mosaico inviável com monossomia autossômica. Raramente, a perda de uma
linhagem celular inviável é tolerada durante a embriogênese, gerando um mosaico (e.g.,
46XY/47,XY+21). Um paciente desse tipo é um mosaico da trissomia do 21 com expressão
variável da síndrome de Down, dependendo da proporção de células que expressam a trissomia.
Uma segunda categoria de aberrações cromossômicas está associada a mudanças na
estrutura dos cromossomos. Para ser visível por técnicas de bandeamento rotineira, uma quantidade
relativa de DNA (aproximadamente 4 milhões de pares de bases), contendo muitos genes, deve estar
envolvida. A resolução é muito maior com FISH. Mudanças estruturais nos cromossomos
geralmente resultam de quebras cromossômicas seguidas por perda ou rearranjo do material. Essas
alterações ocorrem espontaneamente em uma baixa taxa que é elevada por exposição a mutágenos
ambientais, como produtos químicos e radiação ionizante. Além disso, várias doenças genéticas
autossômicas recessivas – anemia de Fanconi, síndrome de Bloom, e ataxia-telangiectasia – são
associadas a altos níveis de instabilidade cromossômica, tanto que são conhecidas como síndrome
de quebras cromossômicas. Como discutido mais adiante, no capítulo 7, existe um risco elevado de
câncer em todas essas síndromes. Na seção seguinte, nós revemos brevemente as formas mais
comuns de alterações na estrutura dos cromossomos e as notações utilizadas para indicá-las.
A deleção se refere á perda de uma porção de um cromossomo. A maioria das deleções são
intersticiais, mas deleções terminais podem ocorrer raramente. As deleções intersticiais ocorrem
quando existem duas quebras dentro de um dos braços cromossômicos, seguida por perda do
material cromossômico entre as quebras e fusão das pontas quebradas. Pode-se especificar em qual
região e em quais bandas as quebras ocorreram. Por exemplo, 46,XY,del(16)(p11.2p13.1) descreve
pontos de quebra no braço curto do cromossomo 16 em 16p11.2 e 16p13.1 com perda de material
entre as quebras. As deleções terminais resultam de quebras únicas em um dos braços
cromossômicos, produzindo um fragmento sem centrômero, que é depois perdido na próxima
divisão celular. A ponta do cromossomo quebrado é protegida pela aquisição de sequências
teloméricas.
Um cromossomo em anel é uma forma especial de deleção. É produzida quando uma
quebra ocorre em ambas as pontas de um cromossomo com fusão das pontas danificadas. Se o
material genético significante por perdido, podem surgir anormalidades fenotípicas. Isso pode ser
expresso como 46,XYr(14). Os cromossomos em anel não se comportam normalmente na meiose
ou na mitose e geralmente resultam em consequências sérias.
A inversão refere-se a rearranjos que envolvem duas quebras em um único cromossomo
com re-incorporação do segmento. Esse tipo de inversão, envolvendo somente um dos braços
cromossômicos, é chamada de paracêntrica. Se as quebras ocorrerem em lados opostos do
centrômero, são conhecidas por pericêntricas. As inversões são frequentemente compatíveis com o
desenvolvimento normal.
A formação de iso-cromossomos ocorre quando um dos braços de um cromossomo é
perdido e o outro é duplicado, gerando um cromossomo que consiste em somente dois braços curtos
ou em dois braços longos. Um iso-cromossomo possui informação genética idêntica
morfologicamente em ambos os braços. O iso-cromossomo mais comum em nascimentos vivos é o
que envolve o braço longo do X e é designado i(X)(q10). O iso-cromossomo Xq é associado á
monossomia para os genes do braço curto do X e á trissomia para os genes do braço longo do X.
Em uma translocação, um segmento de um cromossomo é transferido para outro. Em uma
das formas, chamada translocação balanceada recíproca, existem quebras únicas em cada um de
dois cromossomos, com troca de material. Esse tipo de translocação pode não ser descoberto sem as
técnicas de bandeamento. Uma translocação balanceada recíproca entre o braço longo do
cromossomo 2 o braço curto do cromossomo 5 seria escrita 46,XX,t(2;5)(q31;p14). Esse indivíduo
possui 46 cromossomos com morfologia alterada em um dos cromossomos 2 e em um dos
cromossomos 5. Como não houve perda de material genético, o indivíduo é provavelmente
fenotipicamente normal. Um carreador de translocação balanceada, entretanto, tem chances
elevadas de produzir gametas anormais. Por exemplo, no caso citado acima, pode-se formar um
gameta contendo um cromossomo 2 normal e um cromossomo 5 translocado. Esse gameta seria
não-balanceado porque não conteria o complemento normal de material genético. A fertilização
subsequente por um gameta normal levaria á formação de um zigoto anormal (não-balanceado),
gerando um aborto espontâneo ou o nascimento de uma criança mal-formada. O outro padrão
importante de translocação é chamado de translocação robertosoniana (ou fusão cêntrica), uma
translocação entre dois cromossomos acrocêntricos. Tipicamente, as quebras ocorrem próximo do
centrômero de cada cromossomo. A transferência dos segmentos leva então a um cromossomo
muito grande e a outro extremamente pequeno. Geralmente, o produto pequeno é perdido;
entretanto, porque carrega somente genes altamente redundantes (e.g., genes de RNA ribossomal),
essa perda é compatível com um fenótipo normal. A translocação robertsoniana é encontrada em 1 a
cada 1.000 indivíduos aparentemente normais. Essa forma significativa de translocação também é
capaz de gerar uma progênie anormal, como discutido posteriormente com a síndrome de Down.
Muitas outras aberrações numéricas e estruturais são descritas em textos especializados, e o
número de cariótipos anormais encontrados nas doenças genéticas aumenta a cada mês. Como
ressaltado anteriormente, distúrbios do cromossomos detectados clinicamente representam somente
a “ponta de um iceberg”. Estima-se que aproximadamente 7,5% de todas as concepções possuam
uma anormalidade cromossômica, a maioria das quais não é compatível com a vida. Assim, as
anormalidades cromossômicas são identificadas em 50% dos abortos espontâneos em 5% das
crianças que nascem mortas ou que morrem no período imediatamente pós-natal. Mesmo em
crianças nascidas vivas, a frequência é aproximadamente 0,5% a 1%. Está além do alcance deste
livro discutir a maioria das doenças cromossômicas reconhecidas clinicamente. Então, focalizamos
a atenção naquelas que são mais comuns.
Doenças mono-gênicas com herança não-clássica

Já se tornou bastante evidente que a transmissão de algumas doenças monogênicas não


segue os princípios mendelianos clássicos. Esse grupo de doenças pode ser classificado em quatro
categorias:

 Doenças causadas por mutações de repetições de tri-nucleotídios


 Doenças causadas por mutações nos genes mitocondriais
 Doenças associadas a imprinting genômico
 Doenças associadas ao mosaicismo gonadal

As características clínicas e moleculares de algumas doenças monogênicas que


exemplificam os padrões de herança não-clássicos são descritos a seguir.

Diagnóstico molecular

As aplicações médicas da tecnologia do DNA recombinante já atingiram a maioridade. Com


o projeto do genoma humano, as sondas de DNA podem ser ferramentas poderosas no diagnóstico
de doenças humanas, tanto genéticas quanto adquiridas. As técnicas de diagnóstico molecular
encontraram aplicação em virtualmente todas as áreas da medicina. Essas incluem as seguintes:

 Detecção de mutações herdadas que estão envolvidas no desenvolvimento de doenças


genéticas tanto no pré-natal quanto depois do nascimento.
 Detecção de mutações adquiridas que estão envolvidas envolvidas no diagnóstico de
neoplasias.
 Diagnóstico e classificação precisos das neoplasias, especificamente aquelas que se
originam no sistema hematopoético.
 Diagnóstico de doenças infecciosas, incluindo a infecção pelo HIV.
 Determinação de parentesco e identidade em transplantes, teste de paternidade e medicina
forense.

Além disso, usos futuros do diagnóstico molecular incluem a detecção de polimorfismos


que influenciam a suscetibilidade a doenças, como ocorre, por exemplo, no câncer de pulmão.
Como descrito no capítulo 15, alguns polimorfismos no sistema da mono-oxigenase P-450
predispõem ao câncer de pulmão induzido pelo cigarro. Relacionado a esse campo, etá a
farmacogenética, onde alguns polimorfismos ditam a suscetibilidade a ações e efeitos adversos a
drogas. Acredita-se que, através de análises em grandes escalas, os perfis genéticos completos de
indivíduos podem permitir o diagnóstico pré-sintomático de todas as possíveis doenças genéticas e
o risco para doenças induzidas pelo ambiente. Essa capacidade poderosa espalhou,
compreensivamente, muitas preocupações a respeito do uso confidencial e ético da informação
genética.
Na próxima seção, revisaremos brevemente as aplicações diagnósticas das técnicas
moleculares conforme elas se relacionam a doenças genéticas.

Diagnóstico de doenças genéticas

O diagnóstico de doenças genéticas necessita de exame do material genético (i.e.,


cromossomos e genes). Portanto, dois grandes métodos são empregados: a análise citogenética e
análise molecular. A análise citogenética necessita de cariotipagem.
A análise cromossômica pré-natal deve ser oferecida a todos os pacientes que possuem risco
de filhos anormais citogeneticamente. Pode ser realizada nas células obtidas na amniocentese, em
biópsia das vilosidades coriônicas ou em sangue de cordão umbilical. Algumas indicações
importantes são as seguintes:

 A idade materna avançada (mais de 34 anos de idade) devido ao maior risco de trissomias.
 Um genitor que carrega uma translocação balanceada recíproca, uma translocação
robertsoniana, ou inversão (nesses casos, os gametas podem ser desbalanceados, e, portanto,
os filhos possuem risco de doenças cromossômicas).
 Um genitor com um filho anterior com anormalidade cromossômica.
 Um genitor que é carreador de uma doença genética ligada ao X (para determinar o sexo
fetal).

A análise cromossômica pós-natal é geralmente realizada nos linfócitos do sangue


periférico. As indicações são as seguintes:

 Múltiplas anomalias congênitas


 Retardo mental ou retardo de desenvolvimento sem explicação
 Suspeita de aneuploidia (e.g., manifestações da síndrome de Down)
 Suspeita de autossomos desbalanceados (e.g., síndrome de Prader-Willi)
 Suspeita de anormalidade nos cromossomos sexuais (e..g, síndrome de Turner)
 Infertilidade (para descartar anormalidades nos cromossomos sexuais)
 Múltiplos abortos espontâneos (para descartar os genitores como careadores de
translocações desbalanceadas; ambos os parceiros devem ser avaliados)

Muitas doenças genéticas são causadas por mudanças sutis em genes individuais que não
podem ser detectadas por cariotipagem. Tradicionalmente, o diagnóstico de doenças monogênicas
tem dependido da identificação dos produtos gênicos anormais (e.g., enzimas ou hemoglobina
mutantes) ou em seus efeitos clínicos, como a anemia ou o retardo mental (e.g., fenilcetonúria).
Agora é possível identificar mutações ao nível de DNA e oferecer diagnóstico genético para várias
doenças mendelianas graves. O uso da tecnologia do DNA recombinante para o diagnóstico de
doenças herdadas tem várias vantagens distintas sobre outras técnicas:

 É muito sensível. A quantidade de DNA necessária para o diagnóstico por técnicas de


hibridização molecular pode ser prontamente obtida de 100.000 células. Mais ainda, o uso
da PCR permite a amplificação do DNA ou do RNA em milhões de vezes, tornando possível
o uso de até 100 células ou 1 célula para análise. Pequenas quantidades de sangue total ou
até mesmo sangue seco podem ser suficientes para amplificação do DNA por PCR.
 Testes baseados em DNA não são dependentes de um produto gênico que pode ser
produzido somente em algumas células especializadas (e.g., cérebro) ou cuja expressão
ocorra só tardiamente na vida. Como virtualmente todas as células do corpo do indivíduo
afetado possui o mesmo DNA, cada célula pós-zigótica carregam mesmo gene mutante.

Essas duas características possuem implicações profundas no diagnóstico pré-natal de


doenças genéticas porque um número suficiente de células pode ser obtido de alguns mililitros de
fluido amniótico ou de uma biópsia de vilosidade coriônica que pode ser realizada ainda no
primeiro trimestre.
Existem duas abordagens distintas para o diagnóstico de doenças monogênicas pela
tecnologia do DNA recombinante: detecção direta das mutações e detecção indireta baseada na
ligação do gene da doença com um “gene marcador” inofensivo.

You might also like