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PUC-PR/MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO/SÉRIE MONOGRÁFICA:


“CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS”

BASES MORAIS NECESSÁRIAS À COMUNICAÇÃO


NUMA DEMOCRACIA (*)
Eric Voegelin (**)

Número 5 Abril de 2002

RESUMO: A comunicação entre os seres humanos é o processo pelo qual uma sociedade existe. No
mundo contemporâneo certos procedimentos de comunicação são impróprios para a obtenção de um
propósito moral ou são até destruidores da moralidade. Há três tipos de comunicação. A comunicação
substantiva é fundamental para a ordem do homem e da sociedade. A pragmática preocupa-se apenas
com a ordem do comportamento e da ação, insensível à sorte da ordem substantiva. A comunicação
intoxicante serve para afogar a ansiedade de uma vida sem sentido. A sociedade moderna reflete e
sedimenta movimentos políticos e intelectuais ocorridos desde o final da Idade Média. Três
movimentos políticos e respectivos contra-movimentos sacudiram a civilização ocidental neste
período: a Reforma Protestante, a Revolução Francesa e o Comunismo. Em reforço a eles, os
movimentos intelectuais produziram uma redução ontológica. A substância da ordem (individual e
social) resvalou pela escala ontológica abaixo, de Deus aos impulsos biológicos. Com a redução
ontológica, perdeu-se a racionalidade substantiva desta ordem. Como a moralidade é inseparável da
racionalidade no sentido substantivo de veracidade, a comunicação torna-se deformativa, ao induzir,
por sua ação pragmática e intoxicante, as pessoas e a sociedade apenas a estados mentais de
conformismo e a comportamentos de conformidade biológica.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação (substantiva, pragmática, intoxicante); Sociedade pluralista;


Estrutura da opinião contemporânea; Escala/redução ontológica.

______
(*) VOEGELIN, Eric. Necessary moral bases for communication in a democracy. In: Problems of
communication in a pluralistic society. (Papers delivered at a conference on Communication, the fourth in a
series of Anniversary Celebrations, March 20, 21, 22 and 23, 1956). Milwaukee (Wis.): The Marquette
University Press, 1956. pp. 53-68. Resumo: Antônio Raimundo dos Santos. Tradução e compilações: Francisco
G. Heidemann. Comentário: Antônio Celso Mendes.
(**) Ver nota biobibliográfica, no final do texto.
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Introdução

A comunicação entre seres humanos é o modus procedendi por meio do qual uma
sociedade existe. O fato de as “bases morais da comunicação numa democracia” pelo menos
serem postas em questionamento e, com boa razão, poderem constar como tópico de uma
palestra já indica a gravidade da confusão moral reinante em nosso tempo. Pois se nós
sentimos a necessidade de debater a comunicação na democracia contemporânea, estamos
reconhecendo, ainda que de forma não voluntária, que há algo de problemático em nossos
procedimentos de comunicação. Além disso, quanto à substância da sociedade, supõe-se que
ela é sempre moral. E se levantamos a questão da moralidade em relação à nossa democracia,
estamos traindo nossa consciência de que alguma coisa está errada na substância moral que
flui pelos canais de comunicação. Se, finalmente, estabelecemos uma conexão entre os dois
problemas – entre a substância moral e o procedimento de comunicação empregado – como
indica o título da presente palestra, então estamos sugerindo que certos procedimentos de
comunicação em nosso tempo são impróprios para a obtenção de um propósito moral ou são
até destrutivos da moralidade.

A quantidade de problemas que se abre com estas reflexões é ampla –


excessivamente ampla para ser tratada de maneira tão breve. Tentarei abordar apenas de
relance alguns pontos dos grandes tópicos.

Funções e caráter moral da comunicação moderna


Podemos começar com a distinção entre os três significados em que se usa o
termo “comunicação” no debate sobre o assunto. Em primeiro lugar, pode-se distinguir a
comunicação no sentido substantivo, isto é, a comunicação que tem como propósito o
desenvolvimento e a construção da personalidade. Num segundo sentido, a comunicação é
uma técnica usada para levar as pessoas a se comportarem de maneira tal que seu
comportamento corresponda aos propósitos do comunicador, como, por exemplo, seus
interesses políticos ou comerciais. Este segundo tipo pode-se chamar de comunicação
pragmática. Surge um terceiro significado, quando o termo é usado em relação aos meios de
comunicação de massa, como cinema, rádio ou televisão. Embora esses meios sejam usados
com tenacidade para a promoção de propósitos pragmáticos, e por vezes se tente bravamente
até usá-los para a construção substantiva da personalidade, sua função primordial – para cuja
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satisfação se volta seu uso de massa – é a de intoxicação. Falaremos, portanto, das funções
substantivas, pragmáticas e intoxicantes da comunicação.
Basta elaborar algumas poucas palavras, para que fique clara a relevância dos três
tipos de comunicação para o nosso tópico:

(1) A comunicação no sentido substantivo é um dos grandes problemas da


philosophia perennis. Nos diálogos de Platão, ela é o problema que permeia a educação pela
persuasão. Os senhores hão de se lembrar da fórmula padrão “acompanhe o meu raciocínio”,
pela qual Sócrates tenta convencer os outros homens a entrarem em sua órbita do amor a
sophón, a restaurarem a ordem de suas almas pela entrada na ordem paradigmática da alma
socrática, a estabelecerem a comunidade existencial com Sócrates, compartilhando com ele
seu anelo pelo Aghatón divino. Nesse sentido, a comunicação é o processo pelo qual se cria e
se mantém a ordem substantiva de uma comunidade. Para sugerir a perenidade do problema,
basta lembrar a posição central que ele tem, em nosso tempo, na filosofia de Karl Jaspers.
Entre os filósofos contemporâneos, talvez seja ele quem mais que qualquer outro tenha
ajudado a esclarecer a relevância da comunicação existencial para a ordem do homem e da
sociedade. Não será necessário complementar as posições da filosofia clássica e moderna com
exemplos cristãos – os senhores sabem melhor do que eu o que significa para a ordem de uma
comunidade cristã a cura das almas pelo Espírito.
(2) A comunicação no sentido pragmático tem o propósito de induzir no alvo
humano um estado mental que resulte em comportamento de conformidade com a intenção do
comunicador. Os exemplos para este tipo de comunicação se encontram no vasto terreno da
propaganda, dos anúncios comerciais e da administração psicológica. Se, de um lado, a
comunicação substantiva é entendida como a preocupação de construir a ordem da alma, por
sua vez a comunicação pragmática pode ser ressaltada como uma preocupação com a ordem
do comportamento e da ação, independentemente da questão de o comportamento ou a ação
afetarem positiva ou negativamente a ordem substantiva. Deve-se entender a comunicação
pragmática como uma preocupação autônoma de alguém que tem em vista ajustar o
comportamento de outras pessoas como meio para conseguir realizar seu próprio intento. Essa
indiferença em relação ao bem superior da ordem substantiva não significa que os propósitos
da comunicação pragmática sejam necessariamente suspeitos. Pelo contrário, o
funcionamento de uma democracia industrial moderna depende em grande parte da eficácia
de uma propaganda política e comercial bem arquitetada e bem conduzida.
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No entanto, quando a comunicação pragmática se transforma num negócio


altamente organizado, com grandes interesses envolvidos, como acontece em nossa sociedade,
a questão de sua legitimidade, à luz da ordem substantiva, tem que permanecer em suspenso
no exercício de sua condução. O resultado disso será quase sempre que as pessoas em geral
são levadas a votar em candidatos em quem jamais votariam, se não sofressem as pressões
psicológicas de campanha, ou levadas a comprar produtos industriais sem valor que jamais
comprariam, se seu bom senso não tivesse sido destruído por uma propaganda ardilosa. O
sucesso pragmático pode causar sérios danos à substância, na medida em que a organização
particular da vida de uma pessoa desintegrar-se-á sob o impacto das ansiedades e paixões
incessantemente alimentadas pela propaganda pragmática que a bombardeia em nossa
sociedade, enquanto que os agentes da comunicação ficam na posição moralmente dúbia de
destruidores da ordem de seu semelhante humano. E, finalmente, deve-se considerar que a
grande dimensão de nossa moderna sociedade industrial e a complexidade sem fim de sua
estrutura tornam difícil, senão impossível, identificar especificamente os efeitos positivos ou
negativos que os tipos de comportamento induzidos pelo fogo concentrado da comunicação
pragmática exercem sobre a substância da ordem. A autonomia do propósito pragmático
tornou-se na verdade um automatismo que se move pelo ímpeto do poder e do lucro. Além
disso, a obscuridade da coordenação entre ordem pragmática e substantiva, que em grande
parte é inevitável na ordem de magnitude de uma sociedade moderna, tende a adquirir uma
legitimidade própria. O fato de que raramente se tem dado respostas às questões relativas a
esta coordenação tende a ser transformado na suposição de que não se deve, afinal, levantar
questionamentos de qualquer ordem a respeito. Cria-se um vácuo moral em torno desse
automatismo não questionado.

(3) A comunicação como intoxicante faz parte dos fenômenos que Pascal tratou
sob o nome de divertissements. Em suas Pensées, Pascal explorou as ansiedades da vida, o
noirceur, a escuridão que invade a alma, o vazio que resulta em tédio e finalmente em
desespero, quando a alma não é ordenada pela fé. Para fugir a esses estados de alma, o
homem desenvolve divertissements – dispersões que objetivam superar o vazio pela atividade.
As dispersões específicas tratadas por Pascal – as atividades sociais da sociedade cortesã do
século 17 – não nos interessam aqui. No entanto, este problema persiste ainda hoje, quando
existem instrumentos industriais desenvolvidos para superar a ansiedade e o tédio de uma
sociedade de massa. A prática excessiva de freqüentar cinema, ouvir rádio e, mais
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recentemente, ver televisão tem o caráter de um divertissement, no sentido de Pascal, de uma


atividade intoxicante que afogará a ansiedade de uma vida vazia.

Este breve levantamento dos tipos de comunicação, e especialmente do último,


aponta diretamente para o cerne de nosso problema, isto é, para a base moral da comunicação
na sociedade contemporânea. O desenvolvimento da comunicação como uma indústria de
propósitos pragmáticos e intoxicantes é certamente um sintoma de crise moral – um fato que é
ofuscado tão-somente pelo código social de não se questionar a integridade moral das
pressões pragmáticas, ou de não se permitir que o caráter da comunicação intoxicante se torne
assunto de preocupação. Contrariando este código, deve-se dizer que a pressão comercial, que
assegura o fluxo constante de produção e vendas – pelo reforço psicológico de um padrão de
vida material, ao custo de um padrão cultural – constitui uma conduta de moralidade
duvidosa, e deixa no ar a pergunta: não é mais destruidora da personalidade a intoxicação pela
televisão do que a intoxicação pelo álcool? Além disso, a simples existência da comunicação
como uma indústria de massa é um importante indício do grau de desintegração espiritual e
moral, pois a mídia de massa não criou a situação em que ela funciona com sucesso – embora
certamente nada tenha feito para elevar seu padrão. Seu êxito é praticamente uma medida
quantitativa do estado da sociedade, pois os homens da massa não usariam os meios de
comunicação para fins de intoxicação, se não precisassem deles. E este estado de coisas,
finalmente, tem uma importância específica para a democracia, porquanto os seres humanos
cuja personalidade é formada, ou antes deformada, pelos meios de comunicação de massa, são
os eleitores cujos anseios têm que ser satisfeitos pelos representantes eleitos. Por isso,
perturbações desse tipo têm um impacto sobre o funcionamento da democracia
contemporânea, que não tiveram sobre uma monarquia absolutista do século 17, e que não
têm em igual proporção sobre uma ditadura de tipo soviético.

Os meios de comunicação de massa, em seu sentido mais amplo, inclusive os


tipos mencionados anteriormente, bem como os vários produtos da imprensa, podem florescer
num estado em desintegração, mas eles não o produziram. A indiferença às implicações de
seu funcionamento – dificilmente atingida pelos problemas que levaram os organizadores
deste colóquio a escolher o presente tópico – os tabus sobre sua caracterização adequada e até
a defesa de seus efeitos destrutivos, em nome da “liberdade”, estão profundamente arraigados
no que chamamos, com certo orgulho, de natureza “pluralista” de nossa sociedade. Como
“pluralista” entendemos a sociedade em que se deixa a formação da opinião, mediante o uso
dos vários meios de comunicação, à iniciativa privada, e não a uma sociedade “unitária”, onde
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as opiniões da massa seriam formadas por vários tipos de ação governamental. Admite-se que
a sociedade pluralista é o tipo de sociedade que facilita o embate pacífico de opiniões, com a
verdade prevalecendo no fim (apesar de este fim parecer estar sempre iminente), ao passo que
uma sociedade unitária é obviamente uma coisa ruim.

A distinção entre os dois tipos de sociedade é tida em tão alta conta que, sem
dúvida, ela deve ter algum mérito. No entanto, ela dificilmente fará justiça à estrutura corrente
das sociedades pluralistas, na forma em que estas são representadas pelos estados nacionais da
Civilização Ocidental. O embate de opiniões pelo domínio das mentes humanas é nada
pacífico na realidade histórica. É tão pouco pacífico que, de fato, os períodos de paz são
apenas intervalos na guerra sangrenta de opiniões que já aflige o mundo ocidental por mais de
400 anos, e que continua ainda a nos envolver. Voltar-me-ei agora para o segundo tópico
desta preleção, para a estrutura real da opinião na sociedade contemporânea, para aquele
pluralismo de opinião que é supostamente a garantia dos avanços pacíficos rumo à verdade.

Opinião “pluralista”: sedimento de movimentos políticos e intelectuais

A estrutura contemporânea é o resultado das ondas dos movimentos políticos que


se desenrolaram desde a Reforma. Pode-se discernir um certo padrão nessas ondas. Um
movimento como a Reforma foi confrontado pela sociedade, contra a qual fora dirigido, por
uma resistência organizada, por uma “Contra-reforma”. O choque entre os campos
antagônicos provocou as oito guerras civis na França, no século 16, a Guerra dos 30 anos, no
século 17, e a Revolução Inglesa. E estes séculos de guerra foram seguidos pelos notáveis
tratados de paz da Wesfália, em 1648, e de Utrecht, em 1713. Este padrão – de (1)
movimento, (2) contra-movimento, (3) guerras e (4) acordo de paz – repetiu-se na próxima
grande onda, que começou com a Revolução Francesa. A terminologia, por certo, mudou, de
acordo com o caráter secularista desta segunda onda. A “revolução” (o termo entrou em uso
nesta época) foi contraposta por “reação”, “conservadorismo” e “contra-revolução”. Mas o
confronto entre as forças revolucionárias e a aliança conservadora resultou de novo num
período de grandes guerras, que terminou com o Congresso de Viena. Hoje estamos no meio
da terceira onda, que começou no século 19 com o movimento do Comunismo. Na medida em
que a natureza e o êxito deste terceiro movimento tornaram-se mais distintos, o contra-
movimento cristalizou-se e começou a adquirir auto-designações tais como “liberalismo” ou
“mundo livre”. As guerras entre os dois campos, frias e não tão frias, continuam acontecendo
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e não se vislumbra ainda um acordo de paz no horizonte. (Nota do Tradutor: Esta preleção foi
proferida em março de 1956, conforme registra a nota (*) no rodapé da página de rosto).

O padrão recém-descrito certamente caracteriza as sucessivas ondas dos


movimentos, mas concretamente é perturbado por alguns outros fatores. O conceito de padrão
se ajusta de forma perfeita apenas à primeira onda, a da Reforma. Na segunda onda, que
começou com a Revolução Francesa, o padrão se complica com a entrada da Rússia na
política mundial. E, na terceira onda, as fases do padrão são seriamente perturbadas pelas
complicações advindas de dentro e de fora da Civilização Ocidental. De dentro, o problema
de uma Alemanha Nacional Socialista embaça os alinhamentos dos campos antagônicos;
ainda de dentro, o caráter da aliança muda profundamente com a emergência dos Estados
Unidos como potência mundial; e de fora, novamente a elevação da Rússia a uma nova ordem
de grandeza complica a simplicidade que o padrão tinha na primeira onda.
As ondas dos movimentos não constituem um affair de história antiga, pois cada
uma delas deixou seu sedimento de posições intelectuais e políticas na composição da
civilização contemporânea. Num certo sentido, todas estas ondas “co-existem” hoje; suas
posições sedimentadas estão vivas e a luta entre os movimentos e os contra-movimentos ainda
está em curso em nosso tempo. O que chamamos de embate de opiniões em nossa sociedade
“pluralista” é concretamente a guerra dos movimentos que chega até os dias de hoje. O clima
moral de hoje, o problema das comunicações em nossa democracia, somente pode ser
compreendido se mergulharmos para além da suposição eufemística de um debate racional –
conduzido entre inquiridores da verdade com intenções pacíficas – para dentro do sangue e da
fedentina da guerra, que já se alonga por quatro séculos e meio, sem um fim à vista. Essa
imersão é especialmente necessária, se quisermos entender as recomposições das alianças, que
em caso contrário seriam confusas – na verdade tão confusas que muito pensador político se
arruinou, por não conseguir compreender o jogo que se praticava. Pois, da mesma forma que
as ondas dos movimentos se sucedem umas às outras, ex-inimigos tornam-se amigos quando
se defrontam com a iminência de um novo perigo comum; e até mesmo o novo inimigo
juntar-se-á, no futuro, às fileiras dos poderes estabelecidos, quando surgir a próxima ameaça.
Aqueles que haviam sido inimigos viscerais na Reforma e na Contra-reforma descobriram,
por trás de seu Protestantismo e Catolicismo, que tinham em comum uma religião cristã,
quando a Revolução Francesa os confrontou com o culto da razão. E, com a ascensão do
Comunismo, não só católicos e protestantes conseguiram cooperar em partidos democrata-
cristãos, mas até liberais secularistas conseguiram descobrir a base que tinham em comum
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com os cristãos. Este padrão de realinhamento, no entanto, sofre das mesmas complicações de
que sofre o próprio padrão dos movimentos. Sob a pressão do perigo Nacional Socialista,
aqueles que haviam sido inimigos na terceira onda agora reuniram-se numa frente comum sob
a égide da política do Front Popular inaugurada por Stalin em 1934 e continuada nos
movimentos de Resistência da Segunda Guerra Mundial. E, na medida em que se rompia essa
aliança artificial, com o fim do perigo Nacional Socialista, ela deixava em sua esteira a
batalha pela alma de grandes setores das democracias ocidentais, a qual se expressa,
especialmente na França e na Itália, pela discrepância entre a filiação estagnante, senão
decrescente, ao Partido Comunista, e o vigor do voto comunista.

Estes são fatos objetivos sobre o caráter da opinião nas sociedades democráticas
contemporâneas. Não estamos lidando com seres humanos que têm esta ou aquela opinião
enquanto indivíduos, mas com cristãos e secularistas; não com cristãos, mas com católicos e
protestantes; não com simples liberais seculares, mas com os liberais da livre iniciativa, de
velha cepa, e com os liberais modernos de estilo socialista; e assim por diante. É a esta rica
diversificação de opinião socialmente entrincheirada e violentamente estridente que damos o
nome de sociedade pluralista. Ela recebeu sua estrutura em função de guerras, e estas guerras
continuam acontecendo. A nobre e bela imagem de uma busca da verdade, em que a
humanidade está engajada, com os meios de persuasão pacífica, em dignificada comunicação
e correção de opiniões, está em total desacordo com os fatos. E é no meio dessa grave
situação, em que as diferenças de opinião causam guerra, em vez de levar a entendimentos de
paz, que encontramos o nosso problema da comunicação.

A comunicação de caráter substantivo, no sentido da persuasão platônica,


preocupa-se com a ordem correta da psique humana. A ordem da alma depende – se
pudermos agora usar a terminologia agostiniana – do amor Dei; ela será perturbada quando o
amor sui, o amor próprio, prevalecer sobre o amor a Deus. Já os movimentos de que falei são
um fenômeno de importância histórica mundial, no sentido de que eles constituem a revolta
da sociedade ocidental contra Deus. Esta revolta expressou-se em três grandes atos
simbólicos: (1) na remoção do Papado, enquanto representação da ordem divina, da cena
pública do mundo ocidental; (2) no regicídio; e (3) no deicídio.

O afastamento do papado de seu lugar na ordem pública do mundo ocidental é o


resultado simbólico da primeira onda de movimentos. Quando foram negociados os tratados
de Münster e de Osnabrück, a Cúria não teve acesso à reunião, apesar de constar em sua pauta
o importante item da redistribuição e secularização dos principados eclesiásticos. Os protestos
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da Cúria nem sequer receberam resposta. Em 1648, o papado desapareceu da cena


diplomática da ordem européia. O anti-papismo, que se tornou patente nesta época, teve
conseqüências significativas sobre a área das comunicações, na medida em que Milton
desejava reservar liberdade de imprensa para a opinião protestante na Inglaterra, enquanto
Locke explicitamente excluía os católicos de qualquer tolerância no reino inglês. As restrições
políticas aos católicos continuaram até o século 19, na Inglaterra; e as restrições sociais
continuam até hoje nos países anglo-saxões.

Se, por um lado, a remoção do papado da ordem pública do Ocidente mal foi
reconhecida como o primeiro dos grandes atos de revolta, por outro, é bem compreendida a
ligação que existiu entre o regicídio e o deicídio como atos simbólicos de revolta contra Deus.
Recomendo-lhes que se reportem a um admirável estudo recente sobre o assunto, a L´homme
revolté, de Albert Camus. A execução de Carlos I não foi uma manifestação violenta de
republicanismo contra um tirano, mas um ataque contra o “reino divino”, contra o rei
enquanto representante da ordem transcendental na comunidade, e sua substituição como
fonte de autoridade pela comunidade dos santos no sentido puritano. E quanto ao sentido da
comunidade dos santos, de novo encareço-os a pesquisarem a literatura sobre o assunto,
especialmente Hooker e Hobbes. A decapitação do rei foi, então, seguida pela decapitação de
Deus, no culto da Revolução Francesa, na declaração da morte de Deus na Fenomenologia de
Hegel, na substituição de Deus pelo super-homem levada a termo por Marx e Nietzsche.

Os atos simbólicos de revolta não podiam ser tomados sem desculpas, não podiam
fazer sentido se não fossem precedidos pelo florescimento de um novo clima intelectual. E os
termos de sua justificação tornaram-se os símbolos da linguagem no embate de opiniões em
nossa sociedade pluralista. Vou insistir brevemente sobre esta questão, pois a moralidade da
comunicação está intimamente ligada à verdade de seus conteúdos. A moralidade é
inseparável da racionalidade do discurso – a racionalidade entendida no sentido substantivo
de veracidade. Se a linguagem empregada na comunicação é irracional, a moralidade da
própria comunicação fica prejudicada na proporção direta de sua irracionalidade. Desta seara
sem fim de problemas, vou abordar apenas o movimento da redução ontológica quanto à fonte
aceita de ordem no homem e na sociedade. Por este movimento entende-se a transformação de
nossa concepção de sociedade pelo rebaixamento da substância de ordem do logos, na
hierarquia ontológica, para o nível das substâncias orgânicas e dos impulsos.

Nas concepções clássicas e cristãs de sociedade entende-se que a substância da


ordem consiste na homonoia de seus membros. Os homens são membros da sociedade na
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medida em que participam do nous, no sentido clássico, ou do logos, no sentido cristão. Esta
concepção de ordem social predominava ainda em pleno século 17. Foi só então, no Leviatã,
que Hobbes eliminou o summum bonum divino da hierarquia do ser; e como a racionalidade
da ordem desapareceu juntamente com o summum bonum, ele de forma dramática introduziu
o summum malum, o medo da morte, que é uma paixão, como a nova força que injetaria razão
na ordem da sociedade. A questão nunca mais foi reafirmada de maneira tão clara quanto o foi
por ocasião de seu aparecimento inicial em Hobbes. No século 18, a nova situação de uma
sociedade sem a ordem de um summum bonum divino já é aceita de forma inquestionável; e a
busca por sucedâneos ontológicos para a ordem, apenas semi-consciente das implicações do
empreendimento, já se encontra em pleno andamento. As principais fases da busca são bem
conhecidas. A era da razão recebeu seu nome, não porque fosse particularmente razoável, mas
porque os pensadores do século 18 acreditavam ter encontrado na Razão, com R maiúsculo, o
sucedâneo da ordem divina. A construção era instável, porque a razão humana, no sentido
imanentista, isto é, a razão sem participação na ratio aeterna, é desprovida de substância
ordenante. Podia-se falar sobre razão e proclamar que certas verdades eram auto-evidentes,
desde que os conteúdos da ordem ainda encontrassem aceitação social pela força da tradição;
mas a questão da validade não podia ser adiada para sempre. No curso das tentativas de
encontrar uma base mais sólida para o novo credo imanentista, a razão que havia sido
esvaziada de substância foi dotada com o significado de uma racionalidade no sentido
pragmático de coordenação adequada de meios e fins. A redução do significado da razão, no
entanto, apenas tornou mais dolorosamente claro o vácuo criado pela abolição do supremo
bem como fonte de ordem racional. Onde deveria a cadeia infinita dos meios e fins em ação
encontrar seu ancoradouro, se o logos da ordem desaparecera? O utilitarismo parecia ter
encontrado uma resposta no auto-interesse do homem, que cuidaria que suas ações não lhe
fossem prejudiciais, mas úteis. Mas a concepção de ordem pelo maior bem do maior número,
ou pelo equilíbrio do auto-interesse esclarecido, ou pelo equilíbrio mais específico alcançado
com a busca do lucro econômico, revelou-se destoante frente à desordem e ao sofrimento
humano produzidos concretamente nas sociedades que viveram os primórdios da Revolução
Industrial. Como o amor a Deus era tabu, Comte inventou o amor autônomo ao homem, e
cunhou para este sentimento recém-descoberto o termo altruísmo. O auto-interesse do
homem, que agora adquiria a conotação de egoísmo, poderia ser complementado pelo novo
altruísmo como uma força estabilizadora da ordem no utilitarismo de um John Stuart Mill. A
tentativa de substituir a razão pelo útil foi seguida por outras etapas de descensão ontológica –
como, por exemplo, pelo descenso às forças tecnológicas da produção, em Marx; à estrutura
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racial dos grupos humanos, em Gobineau e seus seguidores; e, finalmente, aos impulsos
biológicos, na psicologia do inconsciente. Assim, a substância da ordem desceu, na escala
ontológica, a partir de Deus, resvalando hierarquia abaixo pela razão, a inteligência
pragmática, a utilidade, as forças de produção e determinantes raciais, até chegar aos impulsos
biológicos.

Este deslizamento da substância da ordem pelos níveis da hierarquia ontológica


interessa tanto ao historiador quanto ao filósofo. Pois, do século 18 ao presente, a redução
ontológica completou seu curso. O âmbito de possibilidades teóricas para se encontrar
sucedâneos ao summum bonum está em princípio esgotado. Esta observação não implica,
porém, que novas variações de etapas anteriores da redução estejam impedidas de se
desenvolver e encontrar aceitação temporária; também não sugere que reduções anteriores
firmemente entrincheiradas perderão em futuro próximo seu poder como credos sociais. No
entanto, o fato de a redução ter completado todo seu curso não deve ser tratado como algo
sem importância. Para o cientista social, este fato é o indício mais importante de que a
“modernidade” esgotou seu ciclo.

Algumas conclusões

Vou agora extrair algumas conclusões dos tópicos escolhidos e brevemente


esboçados. A moralidade é inseparável da racionalidade. A conexão será esclarecida pela
definição de consciência dada por Etienne Gilson: A consciência é o ato de julgamento pelo
qual aprovamos ou reprovamos nossas ações à luz de princípios morais racionais. Para agir
racionalmente, o homem tem que saber quem ele é, em que espécie de mundo ele vive, e qual
é sua posição na ordem do ser. Um homem confuso quanto à essência de sua existência é um
homem incapaz de ação racional; e se ele é incapaz de ação racional, é também incapaz de
ação moral.

Se a “opinião” é caracterizada pelas concepções de natureza humana e de ordem


social que surgiram no decurso da redução ontológica, o conhecimento da essência da
existência fica seriamente perturbado. E se perturbações desse tipo determinam o clima de
opinião – como de fato o fazem, em nossa sociedade “pluralista” – as opiniões comunicadas
se tornam irracionais, enquanto os atos de comunicação se tornam moralmente deficientes na
proporção de sua irracionalidade. A comunicação, mesmo que seja substantiva em intenção,
será, não formativa, mas deformativa da personalidade, se a concepção de ordem que ela
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comunica muda um nível da descensão ontológica. Além disso, o tipo de comunicação


pragmática que diferenciamos adquire um significado novo e sinistro, nessa situação, na
medida em que a comunicação se torna essencialmente pragmática ao se deslocar para o nível
da substância substituta. Ela não consegue, de maneira alguma, funcionar como persuasão, no
sentido platônico, mas apenas levar a estados mentais de conformismo e a comportamentos de
conformidade. E, finalmente, como a natureza humana, mesmo sob o ataque da comunicação
pragmática, continua a ser o que ela é, deve-se esperar que a resistência ao propósito do
comunicador venha a se valer dos recursos de uma alma que é essencialmente aberta a Deus.
Desde que se tornou essencialmente pragmática, a comunicação não pode mais confiar na
persuasividade da razão, que ela decapitou. Para alcançar seu propósito, o comunicador
pragmático, por conseguinte, tem que confiar no arsenal de truques psicológicos – suppressio
veri e suggestio falsi, repetição, a “grande mentira”, e assim por diante – para criar as
dispersões emocionais que irão prevenir seu público de questionar a autenticidade substantiva
de sua comunicação. Por essa razão, a comunicação essencialmente pragmática é
inevitavelmente levada à intoxicação.

Nota biobibliográfica

Nascido em Colônia, na Alemanha, em 3 de fevereiro de 1901, e falecido em Stanford, California, em 19


de janeiro de 1985, Eric Herman Wilhelm Voegelin foi um cientista político teuto-americano e scholar
interdisciplinar conhecido por seus estudos sobre o pensamento político moderno e por seus esforços para criar
uma filosofia compreensiva do homem, da sociedade e da história. Obteve seu Ph.D. na Universidade de Viena
em 1922, onde lecionou direito entre 1922 e 1938. Quando os nazistas anexaram a Áustria, Voegelin fugiu para
a Suíça e em seguida migrou para os EUA; em 1944 naturalizou-se norte-americano. Em seu novo país, lecionou
na Universidade de Harvard, no Bennington College, em Vermont, na Universidade do Alabama e na
Universidade do Estado da Louisiana. De 1958 a 1969 lecionou ciência política na Universidade de Munique,
em sua pátria de origem, retornando em seguida para os EUA e associando-se como pesquisador sênior ao
Hoover Institution on War, Revolution and Peace, junto à Universidade de Stanford, na Califórnia. Voegelin
estudou não só instituições políticas, mas também símbolos lingüísticos e a natureza da civilização, tanto em
textos antigos como em contemporâneos. Ele argumentava que havia uma “linha de símbolos” dentro da história,
que é básica para o sucesso da teoria política. Para Voegelin, o modernismo é gnóstico e imbuído de crise. Entre
suas principais obras enumeram-se: Der autoritäre Staat (1936), A nova ciência da política (1952), Order and
history, 5 vols. (1956, 1957, 1957, 1974 e 1987), Science, politics and gnosticism (1959), Anamnesis (1966) e
From enlightment to revolution (1975). De acordo com a American Political Science Review, Voegelin
representou para os americanos “um dos mais distintos intérpretes das correntes não liberais do pensamento
europeu”.
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Comentário:
Funções substantivas, pragmáticas e intoxicantes da comunicação
Antônio Celso Mendes
PUC-PR/CCJS e Academia Paranaense de Letras

A importância e a complexidade dos processos comunicativos na sociedade atual


estão a demandar e a merecer algumas reflexões mais profundas, de forma a destacar a sua
força construtiva/destruidora dos valores que sustentam a vida cultural.

Segundo nos assegura Eric Voegelin, festejado politicólogo alemão naturalizado


norte-americano, a sociedade existe na e pela comunicação. Ora, se o objetivo principal da
política é a vivência democrática, esta, por sua vez, não pode prescindir de uma perspectiva
moral (não há democracia sem compostura moral). Dessa forma, democracia, comunicação e
moralidade são, pois, três conceitos que se co-implicam, formando um tridimensionalismo
polar (parafraseando Miguel Reale), o que ressalta a idéia de que uma não pode subsistir sem
a outra, apesar de que comumente possam se mostrar em conflito.

Relacionando, pois, democracia e comunicação, diz-nos o professor Voegelin que


esta se reveste de três características distintas, que ele especifica como substantivas,
pragmáticas e intoxicantes:

(1) Comunicação no sentido substantivo, resultante da constatação de que ela


corporifica um aspecto essencial da natureza humana, se não de fato de todo o processo
criativo (Deus, quando cria, fala – segundo o Gênesis). Por isso, nosso falar deve ser
comedido, evitando disseminar palavras ao vento (flatum vocis), o que indica o quanto nossa
Civilização Ocidental está precisando aprender a ouvir.
(2) Comunicação no sentido pragmático, quando se destina a obter o máximo de
resultados em relação ao que está sendo dito. É o mundo da propaganda, dos anúncios
comerciais, dos condicionamentos psicológicos (lavagem cerebral). Ora, seus exageros e seus
desvirtuamentos estão presentes a cada momento de nossa curiosidade, o que indica que
muito ainda precisamos caminhar no sentido de transformar o mundo da propaganda em
verdadeiro instrumento democrático, garantia maior de nossas opções livres. À obsessão da
vantagem a qualquer custo, seria importante pugnarmos por mais comedimento nos anúncios
comerciais ou nas mensagens ideológicas, pelo respeito ao princípio moral da verdade.
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(3) Comunicação no sentido intoxicante, que faz parte da tentativa desesperada


de substituir o vazio da vida pela sobrecarga de certas atividades, próprias das sociedades de
massa, os divertissements de Pascal (mecanismos de escape). Hoje, eles se encontram
inseridos na medula de nossa psicologia social, como um sintoma de séria patologia, que
atinge milhões de pessoas. Viagens, diversões alucinantes, televisão, internet, são hoje as
mais procuradas formas de comunicação intoxicante.

Como se pode concluir, as superações dos atuais dilemas por que passam os
processos de comunicação, acobertados pela maioria da opinião pública como pluralistas e
democráticos, não passam mais pela opção entre “sociedade aberta” e “sociedade fechada”,
mas sim por uma luta moral e de repulsa que faça refluir as formas destorcidas de
comunicação social para um nível de aceitável tolerância coletiva. Habermas, um dos
maiores teóricos contemporâneos, em sua “ética da ação comunicativa”, estabelece quatro
requisitos básicos para um processo de comunicação saudável: 1) que a mensagem seja
inteligível (clara); 2) que seja veraz (confiável); 3) que seja eticamente aceitável; e 4) que
brote de um interesse comum.

(Curitiba, 15 de fevereiro de 2002, por e-mail).


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PUC-PR/MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO/SÉRIE MONOGRÁFICA:


“CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS”

NECESSARY MORAL BASES FOR


COMMUNICATION IN A DEMOCRACY (*)

Eric Voegelin (**)

Number 5 April 2002

ABSTRACT: Communication among human beings is the modus procedendi through which a society
exists. Certain procedures of communication in contemporary world are unfit for the achievement of
moral purpose, or even destructive of morality. There are three types of communication. Substantive
communication is essential for the order of man and society. Communication in its pragmatic sense is
concerned with the order of behavior and action, irrespective of its effects on substantive order.
Intoxicant communication aims at drowning the anxiety of an empty life. Modern society is a
sedimentation of political and intellectual movements unfolded since the end of the Middle Ages.
Three major political movements and their respective counter-movements have shaken Western
civilization during this period, viz.: Reformation, French Revolution and Communism. As a necessary
complement to them, intellectual movements have followed, bringing about an ontological reduction.
The substance of order (individual and social) has moved on the ontological scale from God all the
way down to biological drives. As a consequence, communication has become essentially pragmatic
and intoxicant. As morality is inseparable of rationality in the substantive sense of truthfulness, in the
absence of the latter communication becomes unfit for the achievement of moral purpose by inducing
mostly conformist states of mind and conforming behavior in society.

KEY-WORDS: Communication (substantive, pragmatic, intoxicant); Pluralistic society; Structure of


contemporary opinion; Ontological scale/reduction.

______
(*) VOEGELIN, Eric. Necessary moral bases for communication in a democracy. In: Problems of
communication in a pluralistic society. (Papers delivered at a conference on Communication, the fourth on a
series of anniversary Celebrations, March 20, 21, 22 and 23, 1956). Milwaukee (Wis.): The Marquette
University Press, 1956. pp. 53-68. Abstract by Antônio Raimundo dos Santos. Translation and compilation by
Francisco G. Heidemann. Commentary by Antônio Celso Mendes.
(**) See biobibliographical note, at the end of the text.

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