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Guia de estudos ​Ontologia II

1. Passagem da ​CRP de Kant (B 626-630). O que significa dizer que “ser não é um predicado real”? Quais
são os argumentos usados para estabelecer essa tese? Como Kant estabelece a diferença entre conceito e
objeto? Qual o papel e a justificativa do conceito de substância no sistema kantiano?

2. A noção de substância sempre esteve associada às noções de ser e princípio, de Platão ao século XVII.
Nela estavam condensadas as ideias de princípio ativo (causa originante), princípio formal (estrutura
constitutiva, essência) e princípio individualizador (unidade, individualidade), e também a ideia de finalidade
ou propósito. Desse modo, descrever a substância, ou reconhecer algo como substância, era descrever o
“ser”, era reconhecer como ser. Quais são as definições clássicas dessa noção? Quais são as principais
críticas a essas definições?

3. Análise da tese de Frege de que números são objetos, nem físicos nem psicológicos, cujo acesso objetivo
está fundado na apreensão do sentido de certas frases. Como Frege diferencia objetos e conceitos? O
conceito de objeto, em Frege, esgota o que há? Que consequências teóricas para a ontologia decorrem da tese
de Frege de que “objeto”, “verdade”, “conceito”, “existência” são conceitos fundados no conceito de
“sentido” de uma frase?
Cf. ​Os Fundamentos da Aritmética​, §§ 57-62; “Prólogo às ​Leis Básicas da Aritmética”

4. Brentano defendeu a distinção entre o âmbito fisical e o âmbito mental com a tese da intencionalidade do
psíquico, no sentido de que todo ato psíquico está dirigido para algo, isto é, que ser consciente é estar
dirigido para um objeto. Essa concepção está na base das teses de Twardowski, Meinong e Husserl que
subsumem os conceitos ontológicos clássicos ao conceito de objeto intencional e fenômeno.
“Um verdadeiro abismo de sentido se abre entre consciência e realidade. Aqui, um ser que se perfila, que não
se dá de modo absoluto, mas meramente contingente e relativo; lá, um ser necessário e absoluto, que não pode
por princípio ser dado mediante perfil e aparição.
A despeito de todos os discursos que falam, certamente com bom fundamento de sentido, de um ser real do eu
humano​, de seus vividos de consciência ​no mundo e de tudo o que a ele pertence em termos de nexos
“psicofísicos” -, a despeito disso tudo, está claro, portanto, que a consciência considerada em sua “​pureza​”,
tem de valer como ​uma concatenação de ser fechada por si​, como uma concatenação do ​ser absoluto​, no qual
nada pode penetrar e do qual nada pode escapulir; [...]
[...] todo o ​mundo espaço-temporal​, no qual o homem e o eu humano se incluem como realidades individuais
subordinadas, é, ​segundo seu sentido, mero ser intencional​, portanto, tem o sentido meramente secundário,
relativo, de um ser ​para a consciência. Ele é um ser de que a consciência põe a existência em suas
experiências, que por princípio só é intuível e determinável como o idêntico de multiplicidades de aparições
motivadas de modo coerente - mas, ​além disso​, um nada. (Husserl, ​Ideias para um fenomenologia pura e para
uma filosofia fenomenológica​, § 49, p. 116)
Como se caracteriza o conceito de intencionalidade e de objeto intencional, a ponto de eles subsumirem os
conceitos ontológicos? Em que sentido Husserl usa o conceito de ser que lhe permite falar do ser da
consciência e do ser do mundo? É no mesmo sentido que se diz que há mundo e que há consciência?

5. Uma das consequências da aceitação da tese de Kant, de que ser e existir não correspondem a propriedades
reais das coisas, é que um outro ou outros conceitos serão usados com a função teórica de explanar essas
noções e também toda e qualquer outra noção ontológica. No caso de Ed. Zemach isso é claro, os conceitos
tipicamente ontológicos são definidos em termos dos conceitos de espaço, tempo e limite. Agora, isso
significa uma liberação do pensamento para pensar outros fundamentos de ser e existir. Que outros conceitos
são agora utilizados? Quais são utilizados por Puntel, Williams e Lowe, Zeilinger?

6. O que o conceito de substância tinha de mais problemático era a suposição de uma “natureza” ou
“essência” fora do tempo e impérvia à existência e à experiência, no sentido de que se algo era uma
substância, um cavalo, então, a sua “cavalidade” tanto estava fixada de antemão à sua existência e vir-a-ser, e
durante toda a sua duração, permaneceria fixada e inabalável, e tudo o que lhe ocorresse ou se fizesse não
poderia afetar sua identidade como cavalo, ou então, caso afetasse, isso sempre seria no sentido de destruir
essa identidade. A atual distinção entre Tipo natural, Tipo histórico e Tipo artificial, parte já de uma outra
suposição ontológica, a saber, que o “tempo” e a “experiência da existência” não são meros acidentes
contingentes, mas princípios constitutivos do ser algo determinado. Isso significa que tanto a “natureza”
quanto a “identidade” e a “individualidade” de algo apenas se perfazem como tais pelo vir-a-ser e existir. O
ser de algo não está “antes”, mas “decorre” do existir. Como então pensar “vir-a-ser”, “história”, “tempo”,
“movimento”, “processo” e “performance” sem supor uma substância à qual isso acontece e pertence?

7. Todavia, o conceito clássico de substância/essência tem sido usado com conotações não-clássicas, no
sentido de incorporar notas evolucionistas e historicistas. Essa situação permite a introdução de conceitos de
ser e de existir cuja matriz teórica está mais próxima do ficcional e do performático. Considere-se o atual
modelo teórico que está na base da distinção entre sexualidade natural, gênero e afetividade, na consideração
da identidade de uma pessoa humana:
“Considero que devemos distinguir identidade de gênero de práticas afetivo-sexuais, porque a sexualidade é
apenas uma das variáveis que configura a identidade de gênero em concomitância com outras coisas, como os
papéis de gênero e o significado social da reprodução. Além de diferentes formas de interpretar a situação das
mulheres em nossa cultura, categorias como sexo e gênero, identidade de gênero e sexualidade são tomadas
muito seguidamente no Brasil como equivalentes entre si. De uma forma simplificada, diria que sexo é uma
categoria que ilustra a diferença biológica entre homens e mulheres; que gênero é um conceito que remete à
construção cultural coletiva dos atributos de masculinidade e feminilidade (que nomeamos de papéis sexuais);
que identidade de gênero é uma categoria pertinente para pensar o lugar do indivíduo no interior de uma
cultura determinada e que sexualidade é um conceito contemporâneo para se referir ao campo das práticas e
sentimentos ligados à atividade sexual dos indivíduos.” (IDENTIDADE DE GÊNERO e SEXUALIDADE,
Miriam Pillar Grossi, p.12)
Como pensar os conceitos de identidade e natureza, aplicados a uma entidade, sem supor uma substância ou
essência que dirija e comande os processos pelos quais essa entidade vem a ser o que é? É pensável que uma
entidade, por seus atos e escolhas, perfaça a sua própria identidade e ser (essência, natureza”)? O ser e a
identidade de uma entidade são sempre heteronomias, no sentido de serem determinados por outra coisa que
não a própria entidade?

8. A ontologia nasceu já marcada pela indissociação dos seus conceitos e aqueles provenientes da Física e da
Lógica, em Aristóteles. Atualmente, temos apenas um conceito genérico de logicidade e muitas lógicas
efetivas; por outro lado, a Física, na forma das ciências naturais, é mais unificada, mas ainda assim não tem
nenhuma teoria única, para além do princípio da conservação da quantidade de energia, que unifique os
diversos domínios de objetos e leis. Que relações e correlações se podem estabelecer entre Ontologia, Lógica
e Ciências Naturais? E as Ciências Humanas, o que tem a ver com Ontologia? E as artes, como a Literatura,
a Poesia, o Teatro, etc? O âmbito dos conceitos ontológicos é delineado pelos limites da natureza e do
existente efetivo, ou há entidades não-naturais e não-existentes?

9. Entidades artificiais e ficcionais, por definição, não são substanciais, mas também não são meros nadas.
Como podemos pensar o ser dos artefatos e das ficções? Qual seria a resposta em termos lógico-semânticos,
e em termos fenomenológicos? O artificial, o ficcional e o imaginário podem ser condições de identidade e
de existência, portanto, condições ontológicas, para entidades não-artificiais, não-ficcionais e
não-imaginárias?

10. Como se caracterizam a identidade e a existência de uma entidade? Vale o princípio de que toda entidade
tem uma identidade individual não-genérica? Que conceitos, propriedades e relações perfazem a identidade
de uma entidade natural, de uma entidade histórica, e de uma entidade artefactual? O existir dessas entidades
é distinto, ou se diz do mesmo modo?

11. A pressuposição ontológica mais arraigada no pensamento contemporâneo é a do entrelaçamento


genético de todas as coisas e sua interdependência. Todas as coisas são pensadas como resultantes de
processos de geração e vir-a-ser, processos esses que estabelecem nexos de dependência entre as entidades
que são objetivadas e identificadas. Um próton, uma pedra, um tigre, uma tempestade, um planeta, uma
pessoa, uma instituição, uma língua, qualquer coisa que se apresente, apenas é o que é, e existe nas condições
em que existe, em função e em relação de dependência de outras entidades e processos. Nada é em si e por si.
“Ser” e “existir”, “identidade” e “entidade”, então, são termos cuja explanação implica a remissão a um
“processo genético” e a uma “rede de interdependências”.

12. O problema da individualidade e da individuação. O que faz com que uma entidade seja uma entidade
única, singular, diferente de todas as outras? Há tais entidades singulares, como átomos, mônadas, objetos
lógicos, partículas, pessoas? Ou a singularidade e a individualidade são resultantes de um modo de
objetivação (pela apreensão consciente e pela dicção em uma linguagem), de modo que o que há é sempre já
objetos singularizados e individualizados a partir de um ponto de vista? O mundo-universo é composto de
coisas particulares-individuais?
Cf. artigo “Individuação”, de Rodrigo Guerizoli.

13. O problema das categorias ontológicas básicas. Quais conceitos são os conceitos pelos quais se determina
os tipos de ser e os modos de existir das entidades mais básicas ou primitivas? Há entidades básicas? Há
conceitos básicos? As categorias pelas quais pensamos entidades particulares, como átomos, animais,
artefatos e pessoas, são suficientes? Qual categoria permite pensar o que há em em sua totalidade?
Cf. Puntel, Williams

14. O problema da distinção entre humano e não-humano. “Humano” indica uma categoria ontológica, ou
indica tão somente, como uma expressão dêitica, aquele que fala e compreende e teoriza? “Humano”
circunscreve um tipo de ser exclusivo de certas entidades, ou apenas circunscreve um modo de existir de
certos animais? Com quais categorias ontológicas básicas se estabelece a diferença ontológica, quando esta é
admitida, entre o humano e o inumano?
Cf. Scheler, Stangl, Braida

15. A diferença entre natural e artificial é sustentável em termos ontológicos, ou é apenas uma diferença
pragmática e relativa à nossa perspectiva de objetivação? Qual o critério para fixar essa diferença? Como
compreender a frase estampada nos produtos do supermercado: “Sabor artificial idêntico ao natural”. É
possível essa identidade? Um bebê gerado por meio de fertilização artificial, manipulação celular e gestação
no útero de uma mulher que não é sua mãe biológica, difere ontologicamente de um bebê gerado e nascido
naturalmente sem intervenção tecnológica, ou essa diferença é ontologicamente inócua, visto que ética e
politicamente ambos são dignos de tratamento idêntico, pois são humanos no mesmo sentido, pois são
idênticos enquanto humanos, embora difiram quanto ao modo de vir-a-ser-humano? Seria o humano,
enquanto essência e modo de ser, indiferente ontologicamente ao seu modo de vir-a-ser?

16. O humano apresenta-se de modos diversos histórica e geograficamente. O típico do humano em uma
comunidade difere do que é típico em outra. O que é que perfaz o humano em meio a essa diversidade? É
necessário supor uma identidade (em essência, em substância, ou em biologia) comum a todos os seres
humanos para reconhecer sua humanidade (com vistas a igual tratamento e respeito à dignidade da pessoa),
ou a humanidade é uma pertença à “comunidade humana”, institucional ou histórica, ou é uma questão
comportamental e funcional, no sentido de que “ser humano” é comportar-se conforme o que se espera de
um humano? Que suposições e consequências ontológicas implicam as proposições de Droysen, pela qual se
conhece o que é o humano pela sua história, e de Ortega y Gasset segundo a qual o humano não tem
natureza, mas história?

17. Qual a diferença entre um artefato técnico, uma obra de arte, e um objeto natural? Essa diferença é
substancial ou funcional, de essência ou apenas pragmática? Se trata aí de objetos diferentes ou de entidades
distintas, ou a diferença é meramente relativa ao modo de descrever e pensar uma coisa? Se se trata de
entidades distintas, essa distinção é ontológica ou apenas mundana? Que categorias ontológicas básicas
permitem fazer essa diferenciação?

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