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ENTREVISTA
Anatxu Zabalbeascoa
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13/03/2019 William Kentridge: “As pessoas não veem a fotografia, veem a si mesmas” | EL PAÍS Semanal | EL PAÍS Brasil
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13/03/2019 William Kentridge: “As pessoas não veem a fotografia, veem a si mesmas” | EL PAÍS Semanal | EL PAÍS Brasil
Fui preso, mas não torturado. Disse isso quando estudava porque na
África do Sul a política tinha a ver com prisões e perseguição. Isso torna
incompreensível uma visão abstrata da arte política.
O artista William Kentridge, fotografado no Museu Reina Sofía de Madri. / DANIEL OCHOA DE OLZA
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Não. Há um tipo de arte política que tem a ver com a representação das
certezas, mas eu me interesso mais pela ambiguidade e a incerteza.
Normalmente o político exige um significado inequívoco a favor ou
contra. Acho que a contradição e o paradoxo são mais certeiros que
aquilo que não deixa lugar a dúvidas.
O que faz com que uma obra seja percebida como verdadeira?
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vida.
Que erros?
Essa pergunta implica que a pessoa sabe de cara o que faz, e isso não me
interessa. Parto de não saber o que estou fazendo, de não controlar isso
por completo. Não planejo. Entendo o que faço quando faço.
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Eram advogados capazes de imaginar uma vida diferente para seus filhos.
Minha mãe sempre me apoiou. Meu pai era mais cético. Está orgulhoso,
mas não consegue entender por que as pessoas se interessam pelo que
faço. Às vezes me pergunta por que faço as coisas, se realmente acredito
que são necessárias.
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Sim, e tive meu Maio de 68. Mas me lembro de ler no jornal o que
acontecia fora e pensado: “Droga, a vida passou por mim”.
Sim. Todos os meus avós eram advogados, eles e elas. Suas famílias
chegaram da Lituânia e da Alemanha.
Não. Não fui educado assim. Meu avô tentou, mas minha mãe não tinha
nenhum interesse. Depois minha mulher, que é católica, queria que eu
recuperasse minha religiosidade. Mesmo que fosse a judaica...
A liturgia?
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Sim, mas com uma linguagem de arte de protesto. Demorei para entender
que estava tratando as pessoas com condescendência. E isso me encheu
de dúvidas. Eu me dei conta de que com o que fazia estava dizendo às
pessoas o que tinham de pensar, que é uma forma de lhes dizer que estão
menos preparadas e são menos inteligentes e sensíveis do que você. Isso
me pôs em meu lugar: não queria me dedicar a dizer às pessoas o que
tinham que pensar. Decidi que se algo me interessava, talvez pudesse
interessar a mais pessoas. E decidi fazer as coisas para mim, para
entender, sem uma ambição específica. O curioso é que ao trabalhar
assim ficou mais fácil para mim abordar temas políticos. Chegaram com
naturalidade.
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Essa foi uma ideia muito cristã defendida por Desmond Tutu. As pessoas
iriam perdoar. Iriam esquecer os abusos sofridos. A verdade lhes daria
coragem para fazê-lo. Essa esperança sempre me pareceu muito otimista.
Acreditava que as pessoas não seriam tão generosas quanto Mandela ou
Tutu, que não perdoariam e esqueceriam tão facilmente. Mas a primeira
parte, a comissão da verdade, foi surpreendente. Em quase todos os
países, a amnésia nacional vem depois dos grandes problemas e das
grandes injustiças. Aconteceu na Espanha depois da Guerra Civil. Só
recentemente se falou com objetividade sobre Franco. Na França
aconteceu o mesmo com os colaboradores. Não foi possível falar do apoio
aos nazistas durante 30 anos. Por isso na África do Sul foi tão chocante
que desde o início tenha sido criada uma comissão para investigar a
violação sistemática dos direitos humanos. Seu mecanismo era conceder
imunidade e anistia se confessassem o que tinham feito. Sacrificaram a
justiça pela verdade, pela memória. Então, se você aceitasse que as
pessoas que haviam feito coisas terríveis não tinham de pagar por isso,
você poderia saber o que aconteceu. Essa ética contábil foi um pacto com
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o diabo: para além do terrível que tinham feito, não precisavam pagar por
isso caso confessassem.
Sim, e minha mãe e meus irmãos. Eles estavam fartos da corrupção nos
tribunais. Da minha família, só minha esposa e meus três filhos ficaram.
Nos encontramos em Londres. Meu pai continuou como advogado lá e
minha mãe continuou trabalhando na organização que havia fundado na
África do Sul, The Legal Resource Center, que oferecia assessoria jurídica
gratuita.
Eu me pergunto muitas vezes como pude viver tão tranquilo todos esses
anos que me dediquei a decidir o que queria ser. Mesmo assim, me
aconselharam que, pouco importando o que fizesse, deveria me
especializar. Se fosse desenhar, que desenhasse. Se preferisse o cinema,
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O senhor é rico?
O absurdo não é estúpido nem idiota. Refere-se sempre a uma lógica que
foi rompida. A ideia de que um nariz pode abandonar um rosto levanta
uma lógica falsa, que nos serve para falar sobre o medo das hierarquias
ou sobre a divisão de alguém em várias pessoas. Se você quiser falar
sobre o apartheid na África do Sul, esses recursos servem. O absurdo
rompe a lógica racional e se apoia na irracional. É preciso levar o absurdo
a sério.
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