A Lenda da Caverna dos Suspiros

A CAVERNA DOS SUSPIROS
Lenda indígena
Texto de:
JULIO CARRARA
Escrita em 1998
Distribuído através do site www.oficinadeteatro.com

Para uso comercial, pedimos a gentileza de entrar em contato com o autor!
A Caverna dos Suspiros 2
PERSONAGENS:
VOVÔ
LUCINHA
JUNINHO
GODOFREDO
VELHA DAS CAVERNAS
CACIQUE PERI
ÍNDIO UIRÁ
SEIS ÍNDIOS
PERSONAGENS DA LENDA NARRADA POR VOVÔ:
PIRATA KID
ÍNDIA EULÁLIA
DRAGÃO
QUATRO PIRATAS
TRÊS ÍNDIOS
OBSERAVAÇÃO: Se o diretor utilizar a linguagem cinematográfica para a lenda
narrada por Vovô, as personagens poderão ser interpretadas por eles mesmos, na
seguinte distribuição:
VOVÔ - PIRATA KID
VELHA DAS CAVERNAS - EULÁLIA
LUCINHA, JUNINHO, GODOFREDO E UIRÁ - OS QUATRO PIRATAS

ÉPOCA: Atual, no plano da realidade e
Segunda metade do século XVIII, no plano da imaginação
CENÁRIO: O exterior de uma caverna, com a entrada da gruta na parte superior
central. Essa entrada é bem larga. Uma grade que fecha toda a entrada da
caverna. Essa grade só aparece no momento da prisão de Eulália, se a cena for
realizada como espetáculo teatral; (se o diretor utilizar o recurso cinematográfico,
deverá descer do urdimento um ciclorama para serem projetadas as imagens da
história de Eulália, não usando as grades neste momento) e da prisão de
Godofredo. Duas enormes árvores, uma em cada extremo do proscênio.
CENA I
(UM POUCO ANTES DO TERCEIRO SINAL, OUVE-SE NO ÁUDIO RUÍDOS DE
MATA: GRILOS, CIGARRAS, COAXAR DE SAPOS, CANTO DE PÁSSAROS E O
BARULHO DE UMA CACHOEIRA AO LONGE. DURANTE TODO O
TRANSCORRER DO ESPETÁCULO OUVE-SE RUÍDOS DE GOTAS D’ÁGUA
PINGANDO E FAZENDO ECO DENTRO DA CAVERNA. BLACK-OUT. OS
RUÍDOS AUMENTAM E CONTINUAM NO ESCURO. LUZ SOBE EM
RESISTÊNCIA COM O PALCO NA PENUMBRA ABSOLUTA. UM VELHO E DUAS
CRIANÇAS ENTRAM PELA PLATÉIA. PELO BARULHO DE SUA RESPIRAÇÃO
PARECE QUE CAMINHARAM MUITO. CADA UM TRAZ NAS COSTAS UMA
MOCHILA. TRAJAM CHAPÉUS E ROUPAS DE EXPLORADOR. AS ÚNICAS
LUZES QUE ILUMINAM A CENA SÃO AS DOS FAROLETES QUE TRAZEM NAS
MÃOS. MOVEM OS FAROLETES EM TODAS AS DIREÇÕES POSSÍVEIS.
QUANDO OS TRÊS SOBEM NO PALCO, A LUZ AUMENTA DE INTENSIDADE E
O SOM VAI CESSANDO. LUCINHA, MUITO STRESSADA, SE ESPARRAMA NO
CHÃO)
LUCINHA (ESBAFORIDA) Não estou aguentando mais andar, vô. Andamos
muito.
VOVÔ - Viu porque eu não queria que vocês viessem comigo? Eu fui bem claro
antes de saírmos do sítio que essa expedição não seria brincadeira. Agora vocês
ficam cansados e eu sou obrigado a parar por causa disso.
JUNINHO - Mas andamos mais de quatro horas sem parar, vô. Precisamos
descansar um pouco.
VOVÔ - (CEDE) Tudo bem. Vocês venceram. Vamos descansar...

(SENTAM-SE JUNINHO E VOVÔ. AMBOS TIRAM AS MOCHILAS DAS COSTAS
E COLOCAM-AS NO CHÃO. VOVÔ TIRA DA SUA UMA GARRAFA TÉRMICA E
UMA XÍCARA. DESPEJA O CAFÉ QUE EXISTE ALI NA XÍCARA, RISCA UM
FÓSFORO E MEGULHA-O ACESO NO CAFÉ. FICA OLHANDO NO LÍQUIDO
COMO QUE TENTANDO DECIFRAR ALGUMA COISA)
LUCINHA - (CURIOSA) O que o senhor está fazendo, vô?
VOVÔ - Tirando a sorte!
JUNINHO- Sorte? Como assim?
VOVÔ- Fazendo isso surgem várias figuras no café. Olhem. (MOSTRA A XÍCARA
PARA OS MENINOS) A gente pode adivinhar a sorte pelas figuras. Entenderam?...
Formou um avião. Isso quer dizer que um dia desses eu vou andar de avião e
assim por diante. Basta saber interpretar.
(JUNINHO PEGA OUTRA XÍCARA E REPETE O GESTO DO AVÔ. FICA
OLHANDO CURIOSO PARA A FIGURA QUE FORMOU)
JUNINHO - E isso que apareceu na minha xícara, o que é, vô?
VOVÔ- (ANALISANDO) Deixa eu ver. Hum... parece, parece... um dragão. Isso
quer dizer que você vai ver um dragão!
JUNINHO- (GAGUEJA) Um dra-dra-dragão? (APAVORADO) Eu quero ir embora.
(TENTA SAIR CORRENDO, MAS O VELHO O SEGURA COM FIRMEZA
VOVÔ- (REPREENDE O MENINO) O que é isso? Nem parece o meu neto!... O
único mal é que os dragões sempre moram em cavernas. E é possível que algum
deles ainda more aqui...
JUNINHO- Deixa eu ir embora, vô. Juro que nunca mais vou te encher a
paciência.
VOVÔ- Nem pensar. Quiseram vir comigo, agora aguentem as consequências. Só
vamos embora daqui depois que pusermos as mãos na arca do tesouro e
entregarmos todo o ouro existente nela ao Cacique Peri, o tataraneto da índia
Eulália.
LUCINHA- E se a gente não conseguir encontrar a arca?
VOVÔ- (TIRA UM MAPA DO BOLSO DA CAMISA) Claro que vamos encontrar.
Esse mapa está claríssimo. O tesouro está enterrado aqui, dentro dessa caverna.
JUNINHO - Alguém já pode ter encontrado e levado embora...
VOVÔ - Impossível. Poucas pessoas sabem da existência dele.
LUCINHA- E como o senhor pode ter tanta certeza?
VOVÔ- Eu sei, eu sei... Agora vamos descansar um pouco e depois
continuaremos nossa busca. (VOVÔ ESCONDE O MAPA EM UMA DAS BOTAS
EM QUE CALÇA)
JUNINHO- (MEIO ASSUSTADO) E se o dragão aparecer por aqui?
VOVÔ- Fica quieto! Pára de bancar o bobo e durma.
(OS TRÊS SE JUNTAM E ADORMECEM)
CENA II
(ENTRAM DOIS ÍNDIOS PELA PLATÉIA. UM DELES É O BANDIDO
GODOFREDO. ESTE ARRASTA O OUTRO, QUE IMPACA TODA HORA)
GODOFREDO- Anda logo, seu índio idiota. Se você me ajudar encontrar aquele
velho imbecil e seus netos insuportáveis, eu roubo o mapa, acho o tesouro e
vocês comem a carne deles. (GESTICULA MUITO PARA FAZÊ-LO ENTENDER)
UIRÁ- Uuuuuuuu! (FAZ GESTO DE QUEM NÃO ENTENDEU)

GODOFREDO- Você não entende nada, índio cretino.
UIRÁ - (PENSA QUE FOI ELOGIADO) Uirá índio cretino! (RI)
GODOFREDO- (IMPACIENTE) Onde eu fui amarrar meu bode! Ainda por cima
esse palerma que não entende nada.
UIRÁ - Uirá palerma! (RI)
GODOFREDO- Droga! (CAMINHA ATÉ O PALCO E ENCONTRA OS TRÊS
DORMINDO) Mas quem é que eu vejo? Finalmente encontrei quem procurava.
Venha comigo...Me ajude a roubar o mapa desse velho.
(AMBOS SE APROXIMAM DO VELHO COM O OBJETIVO DE ROUBAR O MAPA.
SEM QUE ELES PERCEBAM, ENTRA EM CENA UMA VELHA DAS CAVERNAS ,
TODA DESCABELADA E ESFARRAPADA , COM UM PORRETE NAS MÃOS. A
VELHA BATE COM TODA A SUA FORÇA O PORRETE NA CABEÇA DE AMBOS,
QUE GRITAM DE DOR E SAEM CORRENDO. A VELHA FICA SENTADA, DE
VIGIA, OBSERVANDO-OS. JUNINHO ACORDA COM O BARULHO E SE
ASSUSTA AO VER A VELHA, QUE SORRI PARA ELE COM OS DENTES
PODRES)
JUNINHO- Meu Deus, que bicho horrível! (COM UM NÓ NA GARGANTA)
Socorrooooooooo!
LUCINHA - (ACORDANDO) O que foi, Juninho? (QUANDO VÊ A VELHA,
TAMBÉM SE ASSUSTA E FICA GRUDADA COM O IRMÃO. AMBOS TREMEM DE
MEDO)
VOVÔ- (TAMBÉM ACORDA) O que foi isso? (PROCURA SEUS ÓCULOS E
DEPOIS QUE O COLOCA, ENXERGA NITI DAMENTE A FIGURA DA VELHA E
TAMBÉM SE ASSUSTA) Ai, meu Deus do céu, me acuda!!!

(A VELHA OLHA PARA ELES E FAZ UM BEICINHO DE CHORO. COMEÇA A
CHORAR ALTO. VOVÔ SE APROXIMA DELA E ELA DEMONSTRA DOÇURA
PARA COM ELE)
VOVÔ- (COMPREENDE TUDO) Não precisam se assustar. É só uma mulher das
cavernas... E pelo que parece, é gente boa.
VELHA- (FALA EM “CAVERNÊS”) Oia uyts notivestes...
LUCINHA- (SEM ENTENDER) O que ela disse, Juninho?
JUNINHO- (IMITA A VELHA) Oia uyts notivestes...
LUCINHA- Eu sei, tontão. (PARA O AVÔ) Entendeu alguma coisa, vô?
VOVÔ- Não. (PRESTA ATENÇÃO NA VELHA, QUE FAZ GESTOS
DESESPERADOS TENTANDO DIZER PARA ELES QUE DOIS HOMENS
VESTIDOS DE ÍNDIO ESTIVERAM LÁ. VOVÔ VAI DECIFRANDO) Homem...
vestido de índio? (A VELHA DIZ QUE SÃO DOIS) Dois homens? (FICA
APAVORADO) Meu Deus!!!
LUCINHA - Por que o senhor ficou com medo, vô? O senhor não diz sempre que é
forte e corajoso?
VOVÔ- Forte e corajoso eu sou, mas a questão não é essa quando se trata de
canibais.
OS DOIS - (ESPANTADÍSSIMOS) Canibais????????
VOVÔ- Sim, canibais. (PENSA) Como sou burro! Como não pensei nisso antes?
Estamos numa região infestada de índios canibais. (TIRA O MAPA DA BOTA E
MOSTRA-PARA SEUS NETOS) Aqui neste pontinho vermelho fica a tribo dos
índios antropófagos. E neste ponto preto fica a tribo do Cacique Peri. No passado,
todos eles foram muito maltratados e explorados pelos homens brancos e quando
se enfurecem devoram carne humana. Os primeiros continuam canibais, mas a
tribo do Cacique Peri deixou de ser depois que uma tragédia se abateu sobre a
vida da pobre Eulália. Mas se eles se enfurecerem novamente, voltam a ser
o que eram antes, e se nós não conseguirmos encontrar a arca ou falar a
mesma língua a respeito do que nos trouxe para cá, vamos todos virar ensopado.
(AS CRIANÇAS ENGOLEM EM SECO) Precisamos ser rápidos. Quanto antes
encontrarmos o tesouro e entregarmos ao Cacique, vai ser melhor. Pelo menos
para eu ficar em paz comigo mesmo.
(A VELHA FAZ GESTOS DIZENDO QUE EXPULSOU OS DOIS A PAULADAS E
QUE VAI PROTEGÊ-LOS)
VOVÔ- Ela disse que expulsou os índios daqui e que vai nos proteger. (GESTO
AFIRMATIVO DELA)
LUCINHA - Mas vô, por que o senhor veio atrás desse tesouro mesmo sabendo
que seria perigoso?
VOVÔ- É uma longa história, Lucinha!
JUNINHO- Conte pra gente, então...
(A CENA TRANSCORRE AGORA NO PLANO DA IMAGINAÇÃO DOS MENINOS
E DA VELHA. À MEDIDA EM QUE VOVÔ CONTA A HISTÓRIA, AS
PERSONAGENS VÃO APARECENDO E VIVENCIANDO TODA A CENA
NARRADA POR ELE; ISSO SE O DIRETOR UTILIZAR A LINGUAGEM TEATRAL
PARA CONTAR A HISTÓRIA. DEVERÁ EXISTIR UMA LUZ ESPECIAL PARA

ESSE PLANO: UMA LUZ DE SONHO. AOS POUCOS, A LUZ QUE ILUMINA OS
QUATRO DESCE EM RESISTÊNCIA E ELES PERMANECEM IMÓVEIS NA
PENUMBRA. A PARTIR DAÍ, A VOZ DE VOVÔ ENTRA NA GRAVAÇÃO DE UMA
FITA CASSETE E É IRRADIADA NAS CAIXAS ACÚSTICAS DO APARELHO DE
SOM. SE O DIRETOR UTILIZAR A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA,
DEVERÃO SEREM GRAVADAS TODAS AS CENAS EM CENÁRIO NATURAL, E
QUANDO COMEÇAR A HISTÓRIA, UM CICLORAMA DEVERÁ DESCER DO
URDIMENTO E AS IMAGENS SERÃO PROJETADAS NELE. SE FOR ESSE O
RECURSO USADO, O TEXTO E AS AÇÕES DEVERÃO SEREM ESCRITAS POR
UM ROTEIRISTA NA LINGUAGEM DO CINEMA E EXCLUÍDAS ALGUMAS
EXPLICAÇÕES DE VOVÔ, QUE NÃO SERÃO NECESSÁRIAS, POIS AS
IMAGENS EXPLICARÃO POR SI. O TEXTO ESCRITO ABAIXO ESTÁ
COLOCADO EM LINGUAGEM TEATRAL, PODENDO O DIRETOR FAZER
ALGUMAS MUDANÇAS SE ACHAR NECESSÁRIO)
VOVÔ- Bem, segundo minhas pesquisas, isso aconteceu na época em que os
piratas infestavam os mares. Como vocês sabem os piratas eram loucos por
tesouros. Acho que não pensavam em outra coisa. Bastava que descobrissem
algum valor e pronto. Já íam atrás. Um dos piratas chamado Kid, navegava em
pleno mar... (O PIRATA KID E MAIS QUATRO MARINHEIROS ENTRAM EM
CENA DENTRO DE UM BARCO. POSSUEM TODOS UMA EXPRESSÃO
SERENA) ...quando viu que estava sendo perseguido por navios de guerra(OS
MARINHEI-ROS FICAM AGITADOS) Tratou de fugir. Sabendo que acabaria por
ser capturado, pois os perseguidores eram muito mais rápidos do que ele, pensou
num modo de esconder o que lhe era mais caro: o tesouro que levava em seu
barco. Os navios perseguidores se encontravam mais perto. (UM DOS
MARINHEIROS OLHA POR UMA LUNETA E VÊ OS NAVIOS DE GUERRA.
CONVERSA COM OS OUTROS A RESPEITO DO FATO) Os piratas, vendo que a
abordagem seria inevitável, empunharam as armas e esperaram. (OS PIRATAS
APONTAM AS ARMAS PARA FORA DE CENA) Os perseguidores, porém, não
estavam dispostos a lutar com os piratas e resolveram afundar o barco de Kid. O
barco foi afundado e os piratas abandonados à sua sorte. (OS PIRATAS
RODOPIAM VÁRIAS VEZES COM O BARCO PELO PALCO PASSANDO A IDÉIA
DE UM BARCO AFUNDANDO. GRITARIAS E HISTERIA COLETIVA. SAEM
TODOS JUNTO COM O BARCO E VOLTAM LOGO EM SEGUIDA, EXCETO O
PIRATA KID, NADANDO. OS QUATRO PIRATAS VÃO SE SENTINDO
IMPOTENTES E SE AFOGAM. MORREM OS TRÊS NO CENTRO DO PALCO E
ROLAM PARA OS BASTIDORES, COMO SE A CORRENTE MARÍTIMA OS
TIVESSEM LEVANDO EMBORA) Morreram todos afogados, menos Kid, que
ferido, conseguiu se arrastar até a ilha mais próxima, carregando nos braços todo
o seu tesouro. (O PIRATA KID APARECE RASTEJANDO, TODO
ENSANGUENTADO CARREGANDO A ARCA CONSIGO) Como os perseguidores
não tinham visto o pirata com a arca, tomaram o rumo de volta. Quando Kid
estava próximo da Caverna do Dragão, apareceu o grande monstro que ficou
cara-a-cara com ele.
(UM DRAGÃO APARECE VINDO DO FUNDO DO PALCO. TEM O TAMANHO DE
TRÊS CAVALOS, DE COMPRIDO, FORA O RABO, E É MAIS ALTO QUE UM
ELEFANTE. SEU CORPO É CHEIO DE ESCAMAS E TODO VERDE. O RABO
MUITO COMPRIDO, QUE TERMINA EM SETA. AS PATAS SÃO GUARNECIDAS

POR PODEROSAS GARRAS. OS OLHOS SÃO VERMELHOS COMO BRASAS.
TEM OS DENTES ENORMES E UMA LÍNGUA MUITO COMPRIDA. KID OLHA
PARA O MONSTRO, QUE ESTÁ CALMÍSSIMO, NÃO DEMONSTRANDO
NENHUM SINAL DE FÚRIA)
PIRATA KID - (ARQUEJANTE) Se você guardar para sempre este tesouro,
poderá se tornar dono dele. Mas não poderá deixar que ninguém toque nele! (O
DRAGÃO
ACENA A CABEÇA AFIRMATIVAMENTE. KID ABRE A ARCA E UMA FORTE
LUMINOSIDADE DOURADA ILUSTRA SEU SEMBLANTE. O DRAGÃO FICA
ENCANTADO COM O QUE VÊ) Lembre-se disso: Se você guardar para sempre
este tesouro poderá se tornar dono dele. Mas não poderá deixar que ninguém
toque nele! (FALA COM DIFICULDADE) Ninguém! Ninguém! Ninguém! (MORRE.
O DRAGÃO FECHA A ARCA E LEVA-A ATÉ O FUNDO DO PALCO
ESCONDENDO-A. EM SEGUIDA, DESAPARECE. APARECE UM GRUPO DE
ÍNDIOS E AO VEREM O CADÁVER DO PIRATA, PEGAM SEU CORPO INERTE E
O LEVAM DALI. SE A CENA ESTIVER SENDO REALIZADA NA LINGUAGEM
TEATRAL, A LUZ VOLTA NOVAMENTE O PLANO DA REALIDADE. SE A CENA
FOR REALIZADA NA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA, AS IMAGENS
SERÃO INTERROMPIDAS POR UM MOMENTO. A VELHA,LUCINHA E
JUNINHO OUVEM ATENTOS A HISTÓRIA DE VOVÔ )
VOVÔ- E aí o dragão aceitou a proposta e escondeu o tesouro!
LUCINHA- Mas, vô, pra que um dragão quer um tesouro se ele nem sabe no que
gastar?
VOVÔ - Talvez pelo prazer de se sentir dono de uma coisa tão valiosa. Não
existem pessoas assim? Quando o dragão abriu a arca ficou encantado. “Que
coisa maravilhosa”, ele deve ter pensado. E era tudo dele!... Poucas pessoas
conseguiram ver esse monstro. As que viram nunca mais chegaram perto dessa
Caverna.
JUNINHO - Eu é que não quero ver esse bicho!
LUCINHA- Nem eu.
VOVÔ- Embora o dragão estivesse aqui há muito tempo, só houve um caso
grave. Eulália era a índia mais bonita do lugar... (VOLTA NOVAMENTE A LUZ NO
PLANO DA IMAGINAÇÃO, SE A CENA FOR FEITA COMO TEATRO. SE FOR
FEITA COMO CINEMA, AS MAGENS VOLTAM A SEREM PROJETADAS...
EULÁLIA, UMA BELÍSSIMA ÍNDIA APARECE SEGURANDO UMA FLOR
AMARELA, QUE PÕE ATRÁS DA ORELHA DIREITA) ...e também a mais
descrente quanto à existência do dragão. Quando alguém se aproximava da
Caverna, o dragão punha a cabeça pra fora e cuspia fogo, fazendo a pessoa
correr mais depressa que o pensamento. Quando era Eulália que estava por perto
ele ficava quietinho, escondido. Como ele não saía para assustar a moça, ela não
conseguia vê-lo e portanto não acreditava nele. Assim foi chegando cada vez
mais perto.. (EULÁLIA SE APROXIMA DA GRUTA E FICA DE COSTAS PARA SUA
ENTRADA) Um dia, a índia estando de costas para a gruta, não viu o dragão, que
saía de mansinho e vinha em sua direção. (TUDO O QUE VOVÔ CONTA, AS
PERSONAGENS VIVEM A CENA) O dragão agarrou-a por trás e a prendeu na
Caverna. (EULÁLIA GRITA DESESPERADA. O DRAGÃO A DEPOSITA NO
FUNDO CENTRAL DO PALCO E A TRANCA NUMA ENORME CELA, FICANDO

JUNTO COM ELA. ABRE A ARCA E TIRA DE LÁ, COLARES DE PÉROLAS,
ANÉIS DE OURO, BRINCOS DE PRATA, PULSEIRAS DE DIAMANTES E COBRE
A ÍNDIA DE JÓIAS PRECIOSAS) Nunca mais a pobre saiu de lá. Já faz mais de
cento e cinquenta anos e segundo alguns que a viram, não de muito perto, é
claro, ela não envelheceu. Com sessenta anos tinha a aparecência de uma moça
de vinte. Com certeza foi algum feitiço que o dragão fez pra ela. Os que a viram
dentro da caverna, dizem que ela andava coberta de jóias, naturalmente
emprestadas pelo dragão.
(O DRAGÃO FICA OLHANDO PARA ELA, ADMIRANDO SUA BELEZA. A ÍNDIA,
MESMO COBERTA COM TODAS AQUELAS JÓIAS, TEM O OLHAR
MELANCÓLICO E SUSPIRA PROFUNDAMENTE. VOLTA LUZ NO PLANO DA
REALIDADE; SE O RECURSO FOR CINEMATOGRÁFICO, AS IMAGENS SÃO
CONGELADAS)
LUCINHA - Me responda uma coisa, vô... Por quê o nome desta gruta é Caverna
dos Suspiros?
VOVÔ- Porque algumas pessoas que tiveram a coragem de passar mais ou
menos perto da gruta, contaram que a moça prisioneira do dragão costumava
dizer...
(LUZ NO PLANO DA IMAGINAÇÃO, NA LINGUAGEM TEATRAL; DESCONGELA
IMAGEM NA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA)
EULÁLIA- (SEGURA NAS GRADES DAQUELA CADEIA IMPROVISADA;
SUSPIRANDO) Ah, se eu pudesse ir pra minha tribo! Se eu pudesse sair daqui...
(SUSPIRA MAIS FORTE) Ah, se eu pudesse sair daqui...

(VOLTA LUZ NO PLANO DA REALIDADE)
VOVÔ- ...e depois dava uma porção de suspiros. Suspirava que dava pena. O
povo que antes chamava a gruta de Caverna do Dragão, com o tempo passou a
chamá-la de Caverna dos Suspiros... Eulália, não aguentando mais tanto
sofrimento, morreu com sessenta e cinco anos e o dragão, desesperado, guardou
todas as jóias, enterrou a arca, não cuspiu mais fogo e simplesmente
desapareceu sem deixar vestígio algum...
(FIM DA HISTÓRIA. VOLTA LUZ NO PLANO DA REALIDADE NA LINGUAGEM
TEATRAL. NA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA A IMAGEM CONGELA E
SOME. O CICLORAMA SOBE PARA O URDIMENTO)
JUNINHO- Que história triste!
LUCINHA- E por que o senhor quer entregar esse tesouro ao tataraneto de
Eulália, vô? Não tem medo que eles nos devorem?
VOVÔ - Claro. Mas precisamos arriscar. Meu único medo é não conseguir
explicar isso tudo para esse Cacique. Se conseguirmos, entregaremos a arca
para ele e aí nós vamos embora, enquanto o Cacique, junto com sua tribo
decidirão o que fazer com o tesouro.
JUNINHO - Essa história me deu sono. Eu queria dormir um pouco, mas tenho
medo que o dragão apareça...
VELHA- Grustrfhgi ababa uie... (DIZ QUE FICARÁ ACORDADA PARA PROTEGÊ-
LOS)
VOVÔ- Não se preocupe. Ela disse que vai ficar acordada olhando pela gente.
(DEITAM OS TRÊS E IMEDIATAMENTE ADORMECEM. A VELHA FICA SENTADA
NO CHÃO APOIADA NO PORRETE. SEUS OLHOS VÃO SE FECHANDO E ELA
ESTÁ CADA VEZ MAIS SONÂMBULA. FECHA OS OLHOS E QUANDO
PERCEBE QUE COCHILOU ACORDA ASSUSTADA. POUCO DEPOIS FECHA
NOVAMENTE OS OLHOS, CAI DO LADO E DORME)
CENA III
(ENTRAM PELO FUNDO GODOFREDO E UIRÁ. OS DOIS TEM UMA FAIXA
ENROLADA NA CABEÇA, DEVIDO A PORRETADA DA VELHA. A MULHER
CONTINUA COCHILANDO E RONCA MUITO ALTO)
GODOFREDO - (COCHICHA PARA UIRÁ) Estão todos dormindo... Já bolei todo o
plano. Se a gente não conseguir roubar o mapa, vamos sequestrar a menina e
pedir o mapa para o velho como pagamento de seu resgate. Se ele não entregar,
a gente mata a menina.
UIRÁ - Uirá índio bom. Uirá não mata nem mosca! Mim não mata ninguém.
GODOFREDO- É claro que não vamos matar ninguém, isso é só para assustar,
entendeu? (SONHA) Eu tenho que encontrar esse mapa. Vou ficar riquíssimo e
destruir esse planeta. Ninguém nunca passou Godofredo Fedorento Lambido
Ranhento Babão Sacarrolha Roberto Francisco da Silva e Souza Pereira para
trás, e não vai ser esse velho que vai passar. (PAUSA) É o único jeito... Vamos
sequestrar a menina.
(AMBOS SE APROXIMAM DA MENINA, A VELHA ACORDA E TENTA ACERTAR
MAIS UMA PORRETADA NA CABEÇA DELES, MAS NA HORA “H”, GODOFREDO

PERCEBE E AGARRA A VELHA, ENQUANTO O ÍNDIO A PRENDE COM UMA
CORDA E LHE COLOCA UMA MORDAÇA)
GODOFREDO - (SARCÁSTICO) Pensando que ía sair feliz de novo? Se danou,
sua ameixa seca, seu maracujá de gaveta, sua uva passa de panetone. Dessa
vez, fui eu que me dei bem. (A VELHA TENTA FAZER DE TUDO PARA ESCAPAR,
MAS NÃO CONSEGUE) Você vai ficar aí, velha escamosa, bem quietinha. Não
adianta espernear. Quando o velhote acordar, estaremos lá no acampamento do
Cacique Peri com a menina e se ele não me entregar o mapa, adeus menina!
(FAZ GESTO DE DEGOLAMENTO. VAI ATÉ A MENINA E JUNTO COM UIRÁ
AMORDAÇAM A MESMA, QUE DESMAIA AO VÊ-LOS. UIRÁ SEGURA A MENINA
NOS BRAÇOS ENQUANTO GODOFREDO ESCREVE UM BILHETE PARA
VELHO. DEIXA O PAPEL PRÓXIMO DO VELHO E SAEM COM LUCINHA)
(A VELHA ESTÁ DESESPERADA. SE ESPERNEIA BASTANTE E FAZ RUÍDOS
ALTOS. JUNINHO ACORDA E PERCEBE IMEDIATAMENTE QUE SUA IRMÃ NÃO
ESTÁ LÁ E AO VER A VELHA AMARRADA, FICA DESESPERADO)
JUNINHO - Meu Deus! Os índios antropófagos levaram a Lucinha. (SACODE O
AVÔ) Vô, vô, acorde! A Lucinha sumiu. Acorde, vô. (VOVÔ ACORDA) Levaram a
Lucinha!
VOVÔ - (ASSUSTADO) Quem?
JUNINHO- Não sei, acho que foram os índios... Olhe, amarraram a Velha...
(VOVÔ VAI ATÉ A VELHA E A DESAMARRA.ELA FAZ GESTOS
DESESPERADOS)
VELHA - Bilinguinstra ababa dertghiopljk mitnarotovra... (TENTA DIZER QUE
DOIS ÍNDIOS ESTIVERAM LÁ E LEVARAM A MENINA)
VOVÔ - Índio? (ELA FAZ “DOIS” COM OS DEDOS) Dois índios? ... Com certeza
são os canibais...
JUNINHO- (ENCONTRA O BILHETE) Olha vô, deixaram um bilhete.
VOVÔ - Meus óculos! (REMEXE NA MOCHILA E POR FIM O ACHA. SUAS MÃOS
ESTÃO TRÊMULAS. PEGA O BILHETE DAS MÃOS DE JUNINHO E O LÊ) “Velho
Esclereosado...” (VOVÔ FICA PERPLEXO) O que é isso?
JUNINHO - Estão te chamando de “esclereosado”, vô.
VOVÔ - (PASMO E OFENDIDO) Mas que falta de respeito!
JUNINHO - (ANSIOSO) Continue...
VOVÔ- (LÊ BAIXO NA PALAVRA “ESCLEREOSADO”) Velho esclereosado. Ou
você traz o mapa no acampamento do Cacique Peri hoje ao meio-dia, perto da
jabuticabeira, ou teremos no almoço ensopado de carne de menina. Assinado:
Uirá, filho do Cacique Peri.
JUNINHO- (ASSOMBRADO) Minha nossa!
VOVÔ- (TIRA DA BOTA O MAPA E COM ELE NA MÃO ANDA DE UM LADO PARA
OUTRO) Que situação, meu Deus! Lucinha ou o mapa. O mapa é muito útil,
mas Lucinha é mais importante! O que fazer? Os índios estão enfurecidos de
novo e são capazes de causar uma desgraça.
JUNINHO - Lucinha ou o mapa...
VOVÔ - Eu preciso cumprir minha missão. Eu não vim aqui à toa. Esse mapa é
muito importante pra mim.

JUNINHO- Mas a Lucinha é muito mais importante.
VOVÔ- Você tem razão, Juninho. Vamos entregar o mapa para os índios e pegar
a Lucinha de volta.
JUNINHO - Eu tive uma idéia, vô. A gente pode matar dois coelhos com uma
cajadada só.
VOVÔ - Como assim?
JUNINHO - Vamos até o acampamento disfarçados de índios pra tentar achar a
Lucinha. Quando a gente encontrar com ela, vamos raptá-la de volta e vamos sair
correndo sem entregar o mapa... O que acha da idéia?
VOVÔ- Acho muito perigoso chegar perto do acampamento. Além de índios
antropófagos, ali deve estar cheio de bandidos. Isso pode ser uma cilada, uma
armadilha pra gente... O melhor a fazer é ir ao encontro deles, onde foi marcado
no bilhete, entregar o mapa, pegar Lucinha de volta, voltar pro sítio e esquecer
definitivamente dos objetivos que nos rouxe pra cá. Venham comigo...
(SAEM VOVÔ, VELHA E JUNINHO)
CENA IV
(DO LADO OPOSTO APARECEM UIRÁ E GODOFREDO, QUE TRAZ LUCINHA,
AINDA AMORDAÇADA)
GODOFREDO - Vamos parar aqui... Agora vou escrever uma carta pro Cacique. É
preciso que ele se convença que o velho e seus netos são pessoas
perigosíssimas e que querem acabar com a tribo dele. (PEGA UM PAPEL E UMA
CANETA E ESCREVE A CARTA) Deixarei esta carta no acampamento dos índios.

Eles vão ficar furiosos, aí eu apareço e comando o ataque. Na confusão roubo o
mapa e o tesouro será só meu! (RISOS) Fica aí, índio mocorongo, tomando conta
da menina.
UIRÁ - (RINDO) Uirá mocorongo toma conta menina!
GODOFREDO - (SAI, IMITANDO UM ÍNDIO) Uuuuuuuuuuuuu...
(LUCINHA ESTÁ APAVORADA. O ÍNDIO VAI CHEGANDO PERTO DELA E RI.
SEGURA A MÃO DA MENINA E COLOCA-A PRÓXIMO DE SUA BOCA. LUCINHA
RESMUNGA E PUXA A MÃO)
UIRÁ - Uirá não come agora. Uirá está brincando, hi!hi!hi!... Cacique Peri, índio
Uirá e tribo põe menina meio roda e faz assim ó... (FAZ UMA COREOGRAFIA
INDÍGENA. LUCINHA DESMAIA. UIRÁ SE ASSUSTA) Que cagada! Que cagada!
Uirá mocorongo esconder menina...
(SAI COM LUCINHA NOS BRAÇOS)
CENA V
(ENTRAM GODOFREDO E CACIQUE PERI)
GODOFREDO- (NO MEIO DE UMA CONVERSA) Pois é, Cacique Peri. Esse
velho é perigosíssimo. Vieram de um sítio da Conchinchina para destruir com os
índios. Raptaram filho de Cacique, o índio Uirá e o senhor vai ser queimado.
CACIQUE PERI- Cacique queimado, nunca! Cacique reunir tribo, prender homem
branco e fazer uma sopa.

GODOFREDO- Espere mais um pouco, seu Cacique. Preciso do velho vivo para
que eu possa conversar com ele com calma.
CACIQUE PERI- Mim queimado, nunca! Mim queimado, nunca! Cacique vai
buscar tribo e prender homem branco! Vou já, já...
(VAI SAINDO. ENTRAM A VELHA, VOVÔ E JUNINHO)
GODOFREDO- Olha o velho, o neto dele e a velha escamosa, Cacique!
CACIQUE - (CHAMA OUTROS ÍNDIOS COM UM ASSOVIO. TO- DOS
APARECEM CORRENDO) Prendam esses três que querem queimar Cacique e
destruir tribo toda!
(OS ÍNDIOS FECHAM OS TRÊS NUM CÍRCULO E FAZEM UMA COREOGRAFIA
EM TORNO DELES. COM UMA CORDA BEM GRANDE, AMARRAM OS TRÊS,
QUE FICAM UM DE COSTAS PARA O OUTRO. ESTÃO EM PÂNICO. OS ÍNDIOS
EXCETO O CACIQUE PERI SAEM PARA A MATA)
JUNINHO - Não temos mais saída. Vamos todos virar ensopado. (CHORA)
CACIQUE PERI- (PARA OS TRÊS) Onde está filho Uirá, velho ruim?
VOVÔ- Eu nem sei quem é seu filho, seu Cacique. Viemos aqui para cumprir uma
missão importantíssima... E se trata de uma missão de paz...
CACIQUE PERI - Velho mente. Cacique não acredita em gente branca. Gente
branca tudo mentirosa. Gente branca é raça ruim. Cacique e tribo deixou de ser
canibal depois que dragão prendeu índia Eulália, tataravó de Cacique, mas
quando aparece gente branca ruim, come tudo sem dó. Cacique reunir tribo e
comer gente branca. Vou procurar tempero no mato. (SAI)
GODOFREDO- (PARA O VELHO) Se me entregar o mapa, eu solto vocês.
VOVÔ- E como posso ter certeza disso?

GODOFREDO- Eu não minto.
VOVÔ- E minha neta Lucinha?
GODOFREDO- Ela está bem. O índio Uirá está cuidando dela.
VOVÔ- (FALA COM SEUS BOTÕES) Minha neta já virou cozido... Que horror!
CACIQUE PERI - (ENTRANDO COM O TEMPERO) Cacique vai comer os três já,
já!
GODOFREDO- Espere um pouco, seu Cacique.
CACIQUE PERI - Cacique e tribo come tudo agora!
(OS ÍNDIOS TRAZEM UM ENORME CALDEIRÃO E PÕEM OS TRÊS
DENTRO DELE. DEPOIS PEGAM UM JARRO ENORME E COMEÇAM A
ENCHER O CALDEIRÃO DE ÁGUA. OUTROS ÍNDIOS TRAZEM LENHA E
COLOCAM EM VOLTA DO CALDEIRÃO)
VOVÔ- Cacique Peri, mesmo que a gente vire assado, fique com esse mapa.
(TIRA O MAPA DE UM BOLSO ESCONDIDO DA CAMISA) Esse é o mapa que
leva à arca do tesouro que pertenceu ao pirata Kid. Esse tesouro está enterrado
bem no fundo da Caverna dos Suspiros, exatamente na cela onde Eulália, sua
tataravó ficou presa. A gente veio aqui pra isso. Não pra roubar, matar, queimar,
mas para aliviar a dor de toda sua tribo.
CACIQUE PERI- Homem branco dizer a verdade?
VOVÔ- Digo. Juro por tudo que é mais sagrado.
CACIQUE PERI- Vocês são gente boa!

GODOFREDO- (DESESPERADO) Não, Cacique. Velho é mentiroso. Ele não é
bom. Ele mente porque quer que o senhor tire eles daí para que eles possam
destruir toda a tribo.
VOVÔ - (EMPUNHA O MAPA) Pegue esse mapa, seu Cacique...
(O CACIQUE VAI PEGAR O MAPA. NESSE MOMENTO, GODOFREDO PEGA O
PORRETE DA VELHA QUE ESTÁ JOGADO NO CHÃO E ACERTA NA CABEÇA
DE PERI, QUE DESMAIA INSTANTÂNEAMENTE. ARRANCA O MAPA DAS MÃOS
DO VELHO)
GODOFREDO - (RINDO) Finalmente consegui o que tanto queria. Eu me amo!
(BEIJA SUAS MÃOS, BRAÇOS ETC) O que seria de mim sem mim! Como é
bom ser mau... (SAI RINDO)
VOVÔ - (GRITANDO) Ladrão! Ordinário!
JUNINHO - (IDEM AO AVÔ) Safado! Sem-vergonha!
VELHA- (IDEM AOS DOIS) Junglingue! Oiomeie!
(CACIQUE PERI SE LEVANTA. ESTÁ BASTANTE ATORDOADO E COMEÇA A
DIZER PALAVRAS DESCONEXAS, SEM SENTIDO, ESPECIFICAMENTE
PALAVRAS NORMAIS DITAS AO CONTRÁRIO. VAI VOLTANDO AO NORMAL.
OLHA PARA O ALTO E COMEÇA A CONTAR ÍNDIOZINHOS, QUE DANÇAM EM
TORNO DA SUA CABEÇA, CENAS COMUNS DE DESENHO ANIMADO. NESSE
INSTANTE APARECE O ÍNDIO UIRÁ COM LUCINHA. A MENINA ESTÁ LIBERTA
DAS CORDAS E SEM A MORDAÇA. AMBOS RIEM MUITO)
CACIQUE PERI- (AO VER UIRÁ) Filho Uirá vivo! (CORRE ABRAÇAR O FILHO)
VOVÔ- Lucinha também...

LUCINHA - (CORRE) Vovô, Juninho, Velha!... (ABRAÇA OS TRÊS E OS
DESAMARRA)
CACIQUE PERI- (PARA UIRÁ) Algum deles maltratou filho Uirá?
UIRÁ - Não, papai Cacique. O índio Godofredo que fez Uirá roubar menina e
levar perto da jabuticabeira... Mas menina é muito boa e Uirá mocorongo ficou
com dó dela ficar amarrada e soltei ela
(NESSE MOMENTO ENTRA GODOFREDO, CARREGANDO A ARCA)
GODOFREDO- O tesouro é meu. Só meu... Estou rico, rico... Muito ouro, ouro,
ouro! (VAI ANDANDO E CACIQUE PERI FICA NA SUA FRENTE) Sai da frente,
seu idiota!
CACIQUE PERI- Godofredo mentiroso! Toda a tribo vai almoçar Godofredo!
(ASSOVIA. OS ÍNDIOS APARECEM E FECHAM GODOFREDO. ELE TENTA
ESCAPAR, MAS POR TODOS OS LADOS APARECEM ÍNDIOS QUE O CERCAM
AINDA MAIS. FAZEM A MESMA COREOGRAFIA DE QUANDO PRENDERAM
VOVÔ, LUCINHA E JUNINHO E O AMARRAM COM OUTRA CORDA. TIRAM
VOVÔ, JUNINHO E VELHA DO CALDEIRÃO E PÕEM GODOFREDO LÁ
DENTRO)
GODOFREDO- Me soltem, seus índios fedorentos de uma figa! Vou me vingar
de todos vocês. Um por um, seus idiotas. (AMORDAÇAM-O E ELE FICA
RESMUNGANDO O TEMPO TODO)
(VOVÔ PEGA A ARCA QUE GODOFREDO DEIXOU NO CHÃO E TIRA UM
PEDAÇO DE ARAME DO BOLSO. ENFIA-O NO ENORME CADEADO DA ARCA E
A ABRE. UMA FORTE LUZ DOURADA ILUMINA A CENA. TODOS FICAM

ENCANTADOS. TIRAM DA ARCA TODO O TIPO DE JÓIAS E SE ENFEITAM,
PRINCIPALMENTE OS ÍNDIOS)
VOVÔ- (SATISFEITO) Agora que cumpri minha missão, vamos voltar pro nosso
sítio, meus netos.
CACIQUE PERI- Cacique Peri dá metade de ouro pra homem branco!
VOVÔ- (DIGNO) Me desculpe, seu Cacique, mas não vou aceitar. Não vim aqui
com a intenção de querer o ouro que pertence à toda sua raça. Todo o tesouro
pertence à você e a sua tribo... Só te peço uma coisa: solte esse imbecil, esse
ensebado xexelento. (APONTA GODOFREDO)
CACIQUE PERI- Não. Cacique Peri vai começar o ritual...
VOVÔ- Não faz isso, seu Cacique.
(TODOS OS ÍNDIOS ACENDEM A FOGUEIRA. GODOFREDO SE DEBATE NA
ÁGUA QUE BORBULHA. OS ÍNDIOS CANTAM E DANÇAM EM VOLTA DO
CALDEIRÃO. VOVÔ TAMPA OS OLHOS DE LUCINHA E JUNINHO. NO MEIO DO
RITUAL O CACIQUE PÁRA)
CACIQUE- (NUM GRITO) Páraaaaaa!... (OS ÍNDIOS PARAM) Carne bandido
muito dura! Carne bandido dá dor barriga. Bandido vai deixar Cacique e toda a
tribo cagando mole!
(OS ÍNDIOS RECLAMAM E SOLTAM GODOFREDO, QUE PRAGUEJA)
GODOFREDO- Vou me vingar de todos vocês! Não me chamo Godofredo se isso
não acontecer...
(SAI CORRENDO E ENTRA NA CAVERNA. NESSE MOMENTO APARECE O
DRAGÃO. A TERRA TREME COM O SOM ATERRORIZADOR DO BICHO.

JUNINHO, LUCINHA E VOVÔ SE ESPANTAM AO VÊ-LO. ELE PEGA
GODOFREDO E O LEVA PARA A MESMA CELA EM QUE FICOU EULÁLIA. A
GRADE DESCE RAPIDAMENTE, TRANCANDO O BANDIDO LÁ DENTRO)
GODOFREDO- (PRESO; CHACOALHA AS GRADES) Alguém me ajude! Me
tirem daqui! Não deixem que esse monstro me faça mal!... Eu sou muito jovem pra
morrer!... Vocês todos vão me pagar, malditos!
(COMEÇA A SUSPIRAR)
VOVÔ- Viram só? Cada um tem o que merece... Agora vamos embora. Todos
devem estar preocupados com a gente. Até breve, meus amigos, foi muito bom
conhecer vocês. (A VELHA CHORA) Não precisa chorar, velha!
VELHA- Tadeshimã acobaquire! (DIZ QUE VAI SENTIR SAUDADES)
VOVÔ- Nós também vamos sentir saudades, mas logo, logo voltaremos aqui pra
te visitar. Prometo!
(TODOS SE ABRAÇAM. VOVÔ, LUCINHA E JUNINHO SAEM PELA PLATÉIA.
ANTES DE SAÍREM, PORÉM, ACENAM COM AS MÃOS EM SINAL DE
DESPEDIDA. NO CICLORAMA APARECE A IMAGEM DA ÍNDIA EULÁLIA. QUE
SORRI PARA ELES EM SINAL DE AGRADECIMENTO. TODOS OLHAM
ADMIRADOS PARA AQUELA IMAGEM E FICAM CONGELADOS. LENTAMENTE
ENTRA UMA NOVA IMAGEM: EULÁLIA, PRESA NA GRUTA, COBERTA DE JÓIAS
E SUSPIRANDO COM O OLHAR MELANCÓLICO. CLOSE NO ROSTO DA ÍNDIA.
BLACK-OUT)
FIM

A Lenda da Caverna dos Suspiros

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A CAVERNA DOS SUSPIROS

Distribuído através do site www.oficinadeteatro.com

VELHA DAS CAVERNAS

PERSONAGENS DA LENDA NARRADA POR VOVÔ:

OBSERAVAÇÃO: Se o diretor utilizar a linguagem cinematográfica para a lenda

VOVÔ - PIRATA KID

VELHA DAS CAVERNAS - EULÁLIA

LUCINHA, JUNINHO, GODOFREDO E UIRÁ - OS QUATRO PIRATAS

ÉPOCA: Atual, no plano da realidade e

Segunda metade do século XVIII, no plano da imaginação

CENÁRIO: O exterior de uma caverna, com a entrada da gruta na parte superior

caverna. Essa grade só aparece no momento da prisão de Eulália, se a cena for

realizada como espetáculo teatral; (se o diretor utilizar o recurso cinematográfico,

deverá descer do urdimento um ciclorama para serem projetadas as imagens da

história de Eulália, não usando as grades neste momento) e da prisão de

Godofredo. Duas enormes árvores, uma em cada extremo do proscênio.

(UM POUCO ANTES DO TERCEIRO SINAL, OUVE-SE NO ÁUDIO RUÍDOS DE

MATA: GRILOS, CIGARRAS, COAXAR DE SAPOS, CANTO DE PÁSSAROS E O

BARULHO DE UMA CACHOEIRA AO LONGE. DURANTE TODO O

TRANSCORRER DO ESPETÁCULO OUVE-SE RUÍDOS DE GOTAS D’ÁGUA

PINGANDO E FAZENDO ECO DENTRO DA CAVERNA. BLACK-OUT. OS

RUÍDOS AUMENTAM E CONTINUAM NO ESCURO. LUZ SOBE EM

RESISTÊNCIA COM O PALCO NA PENUMBRA ABSOLUTA. UM VELHO E DUAS

CRIANÇAS ENTRAM PELA PLATÉIA. PELO BARULHO DE SUA RESPIRAÇÃO

PARECE QUE CAMINHARAM MUITO. CADA UM TRAZ NAS COSTAS UMA

MOCHILA. TRAJAM CHAPÉUS E ROUPAS DE EXPLORADOR. AS ÚNICAS

MÃOS. MOVEM OS FAROLETES EM TODAS AS DIREÇÕES POSSÍVEIS.

QUANDO OS TRÊS SOBEM NO PALCO, A LUZ AUMENTA DE INTENSIDADE E

O SOM VAI CESSANDO. LUCINHA, MUITO STRESSADA, SE ESPARRAMA NO

LUCINHA (ESBAFORIDA) Não estou aguentando mais andar, vô. Andamos

ficam cansados e eu sou obrigado a parar por causa disso.

VOVÔ - (CEDE) Tudo bem. Vocês venceram. Vamos descansar...

(SENTAM-SE JUNINHO E VOVÔ. AMBOS TIRAM AS MOCHILAS DAS COSTAS

E COLOCAM-AS NO CHÃO. VOVÔ TIRA DA SUA UMA GARRAFA TÉRMICA E

UMA XÍCARA. DESPEJA O CAFÉ QUE EXISTE ALI NA XÍCARA, RISCA UM

FÓSFORO E MEGULHA-O ACESO NO CAFÉ. FICA OLHANDO NO LÍQUIDO

COMO QUE TENTANDO DECIFRAR ALGUMA COISA)

LUCINHA - (CURIOSA) O que o senhor está fazendo, vô?

VOVÔ - Tirando a sorte!

JUNINHO- Sorte? Como assim?

PARA OS MENINOS) A gente pode adivinhar a sorte pelas figuras. Entenderam?...

assim por diante. Basta saber interpretar.

(JUNINHO PEGA OUTRA XÍCARA E REPETE O GESTO DO AVÔ. FICA

OLHANDO CURIOSO PARA A FIGURA QUE FORMOU)

JUNINHO - E isso que apareceu na minha xícara, o que é, vô?

VOVÔ- (ANALISANDO) Deixa eu ver. Hum... parece, parece... um dragão. Isso

quer dizer que você vai ver um dragão!

JUNINHO- (GAGUEJA) Um dra-dra-dragão? (APAVORADO) Eu quero ir embora.

(TENTA SAIR CORRENDO, MAS O VELHO O SEGURA COM FIRMEZA

VOVÔ- (REPREENDE O MENINO) O que é isso? Nem parece o meu neto!... O

deles ainda more aqui...

VOVÔ- Nem pensar. Quiseram vir comigo, agora aguentem as consequências. Só

vamos embora daqui depois que pusermos as mãos na arca do tesouro e

entregarmos todo o ouro existente nela ao Cacique Peri, o tataraneto da índia

LUCINHA- E se a gente não conseguir encontrar a arca?

VOVÔ- (TIRA UM MAPA DO BOLSO DA CAMISA) Claro que vamos encontrar.

JUNINHO - Alguém já pode ter encontrado e levado embora...

VOVÔ - Impossível. Poucas pessoas sabem da existência dele.

LUCINHA- E como o senhor pode ter tanta certeza?

VOVÔ- Eu sei, eu sei... Agora vamos descansar um pouco e depois

continuaremos nossa busca. (VOVÔ ESCONDE O MAPA EM UMA DAS BOTAS

JUNINHO- (MEIO ASSUSTADO) E se o dragão aparecer por aqui?

VOVÔ- Fica quieto! Pára de bancar o bobo e durma.