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Disciplina História e Apreciação da Música Brasileira Popular – UFU – 2018/2

Tropicalismo e a psicodelia na Música Popular Brasileira

Cláudio César Gonçalves Dias Junior


Universidade Federal De Uberlândia – juniorblisard@hotmail.com

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo relacionar as influências do


tropicalismo e da psicodelia na Música Popular Brasileira ao final da década de 1960 e
início de 1970, tendo em vista o disco-manifesto Panis et Circenses (1968) como marco
da chamada “psicodelia brasileira”. Para desenvolvimento desta análise foram utilizados
como referência bibliográfica: a) o livro Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos
do Brasil (1968-1975), publicado em 2016, onde o autor Bento Araújo busca analisar as
características e influências da psicodelia nos discos produzidos no período assinalado; b)
o artigo Na frente do espelho: a construção de imagens na tropicália (2008) em que o
autor/historiador Victor Creti Bruzadelli busca discutir o tropicalismo partindo das
imagens produzidas na mídia e na música.

Palavras-chave: Tropicalismo. Psicodelia. Música popular brasileira. Psicodelia


brasileira.

1. Introdução ao tropicalismo
O ano de 1967 no Brasil foi marcado por muita efervescência sociocultural. Eram
tempos de festivais e programas musicais ao vivo transmitidos pela televisão, que contibuíram
para o surgimento de um movimento de renovação artístico musical, o consagrado
tropicalismo. Especificamente no meio musicial, surgiam nesse período as canções de
protesto contra a ditura militar, junto à performances que misturavam a herança cultural
brasileira ao universo da música pop, oriunda das culturas de massa e da influência da
“modernização americana”. Nas artes plásticas estavam as experiências de arte ambiental e
sensorial em contraposição à ideia de “arte contemplada”. Características do Manifesto
Antropófago da década de 20 foram assimiladas neste movimento, buscando incorporar mais
aspectos de nossa tradição e cultura popular brasileira como o indígena, o negro e mais
especificamente neste período, o nordestino.
A palavra tropicália foi criada pelo artista visual Hélio Oiticica para nomear uma
“experiência ambiental” em 1967. Neste mesmo ano o músico baiano Caetano Veloso nomeou
uma de suas canções como “Tropicália”, batizando não somente o movimento que
revolucionou o cenário cultural dos anos 60 no Brasil mas, também, o disco-marco deste
movimento, criado no ano seguinte, o Tropicália ou Panis et Circencis (1968). Neste disco-
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manifesto reuniram-se com Caetano os músicos: Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé,
o maestro Rogério Duprat e o grupo Os Mutantes, defendendo o encontro dos sons musicais
regionais com a música pop internacional. A proposta era promover com autenticidade, uma
diversidade de linguagens estéticas e musicais.
Os músicos tropicalistas se empenharam em unir as tradições locais às guitarras
elétricas do rock inglês e norte-americano, trazendo uma ambivalência para o movimento
caracterizado pelo tradicionalismo das culturas regionais e pelo apelo ao moderno e à cultura
pop internacional. Movimento inovador, misturou rock e bossa nova; incluiu mais samba,
mais rumba, mais bolero, mais baião; buscou bater de frente com a rigidez que permeava o
país da ditadura. Apostou no pop e no folclore, caracterizou-se pela oposição da alta cultura x
cultura de massas (contracultura), tradição x vanguarda e assegurou o contato de formas
populares com novas atitudes experimentais para o período. O tropicalismo transformou não
somente o cenário artístico musical e político, como à moral e o comportamento;
revolucionou o pensar sobre o corpo, o sexo e o vestuário. A contracultura hippie foi
assimilada, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas
escandalosamente coloridas.
O autor/historiador Bruzadelli (2008), em seu artigo Na frente do espelho: a
construção de imagens na tropicália1, aponta que:
A insurgência dos tropicalistas na cena musical se dá com as apresentações
de Gil e Caetano no III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record
de São Paulo. A mídia televisiva, portanto, desde o início se apresenta como
um veículo essencial na transmissão do ideário e dos “produtos”
tropicalistas. As apresentações nos festivais eram sempre um espetáculo de
sons e também de cores (apesar de não haver, na década de 1960, programas
de TV regulares em cores, que somente na década seguinte terão um
crescimento significativo). Para apresentar Alegria, Alegria, Caetano usa
uma blusa gola rolê em laranja berrante que destoa bastante dos figurinos
“bem-comportados” dos outros participantes. Aí podemos perceber a
radicalização da vestimenta que se acentuará até culminar nas roupas de
plástico, nos colares de dentes e fios de eletricidade no pescoço. Nos
festivais, Os Mutantes sempre se apresentavam trajando as fantasias mais
variadas, como vestidos de noiva ou os famosos trajes de feiticeiros — o que
reforçava o caráter satírico e “descolado” dos três “doidões” paulistanos.
(BRUZADELLI, 2008; p.138).

As músicas de Gil, Caetano e a performance do grupo Os Mutantes, apresentadas


neste Festival, transgrediram as formas e normas estabelecidas pelo tipo da mídia e,
garantindo uma boa colocação no festival, instalaram definitivamente a Tropicália no sistema
da indústria cultural como um projeto de música brasileira no circuito da modernidade;

1
In: Cadernos de Pesquisa do CDHIS — n. 38 — ano 21 — p. 135-146 — 1º sem. 2008.
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modernidade não idealizada mas coabitada com os “arcaísmos culturais brasileiros”,


conforme afirmação do referido autor. A declaração de Gal Costa no primeiro dia do programa
Divino Maravilhoso, apresentado por Caetano e Gil, transmitido pela TV Tupi em 1968,
exemplifica esta transgressão e ruptura com a rigidez daquele tempo:

“Quando Caetano me viu pisar o palco cheia de penduricalhos e espelhinhos


pendurados no meu pescoço, aquela cabeleira afro armada por Dedé, quase
morreu de susto. Ele não sabia de nada. Não tinha escutado o arranjo do Gil,
nada, nada. Cantei com toda a fúria e força que haviam em mim. Metade da
platéia se levantou para vaiar. A outra metade aplaudiu ferozmente. Um
homem na minha frente berrava insultos. Foi então que me veio ainda uma
força maior que me atirou contra ele. Cantava diretamente para ele: “É
preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte!”. Cantava
com tanta força e tanta violência que o homenzinho foi se aquietando, se
encolhendo, e sumiu dentro de si mesmo. Foi a primeira vez que senti o que
era dominar uma platéia. E uma platéia enfurecida. Naquele tempo de
polarização política, a música era a única forma de expressão. Despertava
paixões, verdadeiras guerras. Saí do “Divino, maravilhoso” fortalecida,
crescida. Acho que naquela noite entrei no palco adolescente, menina, e saí
mulher. Sofrida, arrebentada, mas vitoriosa.” (Depoimento de Gal Costa em
29 de junho de 2005. Disponível em:
http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/verbo-tropicalista/o-divino-
maravilhoso. Acesso em: 30 nov.2018).

Em 27 de setembro de 1968 vai ao ar um programa também intitulado “Tropicália


ou Panis et Circenses” que foi considerado na época como o “mais esperado, o mais
discutido”. O tropicalismo passa a ser visto como marco revolucionário na cultura brasileira
no final da década de 1960. Entretanto, pouco tempo depois, em dezembro de 1968, o cerco
se fecha para os tropicalistas com a instauração do AI-5 que decretava o fim das liberdades
civis e de expressão do país. Artistas como Gil, Caetano e Chico Buarque tiveram seus nomes
presentes nas listas dos visados pela ditadura e além de sofrerem censura por muito tempo,
foram também obrigados a deixar o Brasil. Cabe salientar que para alguns autores, este fato
representou o “fim do tropicalismo”.

2. A psicodelia na MPB?
A influência da psicodelia na música inglesa teve grande influência no Brasil da
década de 60, quando o tropicalismo ganhava força. Neste período, não se fazia uma distinção
entre psicodelia e tropicalismo. Os músicos tropicalistas eram chamados de “hippies” pelo
público e pela mídia. De acordo com o autor Bento Araujo em sua obra Lindo Sonho
Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil (1968-1975), o disco Panis et Circenses dos
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Mutantes é considerado o marco zero da psicodelia autoral nacional. Da mesma forma, o


autor/historiador Bruzadelli (2008) afirma que:

Deflagrada a revolução tropicalista, era preciso que ela chegasse ao público


de forma mais bem estruturada. Isso irá acontecer por meio do disco
Tropicália ou Panis et Circenses, de 1968. O disco-manifesto já traz em seu
título um forte indício do caráter anárquico e satírico da cena, já que é escrito
num latim gramaticalmente incorreto — deveria ser grafado “Panem et
Circensis”.13 O manifesto é fortemente influenciado pelo disco Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, que havia sido lançado no
ano anterior. Essa influência vai desde não haver fronteiras entre as canções
até a composição pop da capa, passando pelas experimentações psicodélicas.
Além disso, o álbum é recheado pela carnavalização, o que leva à
ambigüidade e à ambivalência tanto das canções como do projeto gráfico.
(BRUZADELLI, 2008; p.140).

Tendo em vista a afirmação acima, é possível compreender que a psicodelia


enquanto estilo musical se iniciou pouco tempo depois da eclosão dos tropicalistas que,
naquele período, buscavam romper com a MPB tradicional, trazendo à cena novas
sonoridades e linguagens estéticas diferentes, incorporando principalmente a guitarra elétrica
em suas formações. As construções artísticas tropicalistas com viés psicodélico marcaram
uma abertura para a musicalidade contemporânea no Brasil, ainda que preservassem
elementos tradicionais da música popular brasileira. A psicodelia manisfestada no rock
nacional com efeitos inovadores, guitarras distorcidas, wah-wah e letras lisérgicas
incorporadas às sonoridades regionais (especialmente a nordestina); caracterizou a chegada de
um som progressivo e alternativo até a primeira metade dos anos 70 e contribuiu para
aumentar ainda mais a diversidade musical entre os jovens já “afetados” pelo tropicalismo,
influenciando ainda na constituição de grupos musicais mais radicais, dentro do universo
psicodélico e descolado.
O autor Bento Araújo faz uma analise contextualizada da psicodelia no Brasil nos
anos de 1968 a 1975, tendo em vista 100 discos lançados neste mesmo período, afirmando
haver uma “cena psicodélica” na história do país. Entretanto, afirmar a existência de uma
“cena psicodélica” parece excluir a diversidade existente de músicos e artistas de diferentes
regiões e períodos, não sendo possível colocá-los num mesmo patamar de gênero musical e
temporalidade. Por isso mesmo, o autor ressalta que:

“Evidentemente o conceito do que é, ou não é, ‘psicodélico’, acaba sendo


subjetivo. Se o critério tivesse sido radical, provavelmente eu teria ficado
com 20 ou 30 discos psicodélicos brasileiros para resenhar neste livro. Mas
esse não foi o intuito. A ideia foi contextualizar, expandir e criar um
panorama abrangente. Por essa razão que você irá encontrar discos como
Clube da Esquina, Sonho 70, Moto Perpétuo, Arthur Verocai, Secos &
Molhados e lar de Maravilhas.” (ARAUJO, 2016; p.19).
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3. Considerações Finais

Com base na bibliografia apresentada e analisada é possível concluir que o


tropicalismo instaurado ao final dos anos 60 e início dos 70, em sua perspectiva de
contracultura e inovação artístico musical, influenciou de forma direta na inserção da
psicodelia na música popular brasileira em todos os seus aspectos - tanto na linguagem
estética quanto na poética -, e caracterizou o que os autores denominaram “psicodelia
brasileira”. Cabe ainda salientar que o disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circenses
(1968) organizado pelos artistas tropicalistas da época, enquanto instrumento midiático
crucial para a concretização desta revolução sociocultural e política daquele período.
Ademais, embora o tropicalismo tenha durado pouco tempo enquanto
movimento efetivo, suas características continuaram por influenciar junto à psicodelia, na
constituição de novos grupos artísticos e musicais em diversos períodos da história da
música popular brasileira.

4. Referências

ARAUJO, Bento. Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil (1968-1975).
São Paulo: Poeira Press, Poeira Zine, 2016..

BRUZADELLI, Victor Creti. Na frente do espelho: a construção de imagens da tropicália.


Cadernos de Pesquisas do CDHIS. Universidade Federal de Uberlândia, n.38, ano 21, p.135-
146, 1ºsem. 2008.

TROPICALIA.COM.BR. Disponível em: <http://tropicalia.com.br/eubioticamente-


atraidos/verbo-tropicalista/o-divino-maravilhoso. Acesso em: 30 nov.2018. O divino
maravilhoso. Gal Costa. 29 de junho de 2005.

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