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SOCIAL
Latif A. Cassab *
* Graduada, Mestre e Doutora em Serviço Social. Docente e Pesquisadora da Universidade Estadual de
Londrina/PR, Departamento de Serviço Social. E-mail latif_cassab@yahoo.com.br
RESUMO: Este artigo discute alguns aspectos éticos que envolvem a produção de conhecimento, apoiado
em narrativas orais, para a área de pesquisa em Serviço Social.
Palavras chaves: História oral; pesquisa em serviço social..
Introdução
O objetivo deste trabalho é discorrer, sucintamente, sobre a História Oral e alguns aspectos éticos
que envolvem a produção de conhecimento, apoiado em narrativas orais, para a área de pesquisa em
Serviço Social. Inúmeros campos do saber dela se apropriam, como meio de algo se conhecer. Assim
sendo, não possui estatuto independente e não pertence a uma área exclusiva de conhecimento mas,
presta-se a diversas abordagens em campo pluridisciplinar.
No Brasil como em diversos outros países, a História Oral é a metodologia que mais se expandiu
nas últimas décadas, possivelmente pela difusão do uso do gravador como também pelo grande volume de
pesquisas sobre o tempo presente.
A História Oral, como metodologia de pesquisa, se ocupa em conhecer e aprofundar
conhecimentos sobre determinada realidade – os padrões culturais – estruturas sociais e processos
históricos, obtidos através de conversas com pessoas, relatos orais, que, ao focalizarem suas lembranças
pessoais, constroem também uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas
da trajetória do grupo social ao qual pertencem, ponderando esses fatos pela sua importância em suas
vidas.
Nas belas palavras de Ferrarotti,
(...) cada vida individual, todas las vidas individuales, son documentos de una
humanidad más amplia con sus discontinuidades históricas. El hilo que une
estos mosaicos biográficos, singulares o colectivos, en sus diferentes
perspectivas, es la articulación del tiempo recogida en su doble aspecto de
experiencia individual y colectiva, de los momentos que se integran
recíprocamente. (Ferrarotti, 1.993:, p 183)
Assim posto, possibilita que indivíduos pertencentes a segmentos sociais, geralmente excluídos,
possam ser ouvidos e terem registrado suas próprias visões de mundo e aquela do grupo social a que
pertencem. Considerando que a classe hegemônica tem na escrita o seu marco essencial, o seu suporte
para contar sua história, enquanto não oferece à classe não hegemônica, as mesmas condições para
desenvolver o dom da escrita e contar sobre sua vida.
O que pressupõe que ‘o movimento’ contido nas fontes orais, permite contar mais sobre os
significados, que sobre os eventos, expressando grande diferença em relação a escrita padrão, utilizada
em textos normalmente objetivos e estáticos.
As fontes orais podem apresentar-se como histórias orais de vida, relatos orais de vida e
depoimentos orais. As duas primeiras formas referem-se a situações em que o próprio narrador referencia
sua vida e experiência. Na outra, o narrador informa fatos ou informações que detém, presenciados por
ele.
Segundo Lang (1.996, p. 34),
E ainda, que neste processo, a vida não pode ser totalmente revisitada, é necessário fazer uma
seleção, determinada pelo narrador, envolvendo seu rememorar. O relato oral de vida é uma forma menos
ampla e livre, apesar da liberdade dada ao narrador para expor determinados aspectos de sua vida, porém
solicita-se que o mesmo dirija seu relato aos interesses do pesquisador. Desta forma, o processo seletivo é
maior, envolvendo narrador e pesquisador, atuando ambos na própria condução da entrevista.
O depoimento oral é uma forma mais diversa das outras apresentadas. Busca-se obter dados
informativos e factuais, através de referências mais diretas ao objeto estudado. No depoimento, o narrador
presta testemunho de sua vivência em determinadas situações ou, de sua participação em determinadas
instituições que o pesquisador queira estudar.
A coleta dos dados orais é realizada pela entrevista, ou seja, através de uma conversa entre
narrador e pesquisador. Não se busca a uniformidade absoluta, “(...) a padronização dos relatos, mas a
riqueza que cada entrevistado tem a contar – riqueza que não se traduz na extensão das falas, mas às
vezes na citação de um fato desconhecido, na descrição de um fato corriqueiro.”[3]
A metodologia da História Oral possibilita ao entrevistador, romper a clausura acadêmica que
transforma a entrevista em simples suporte documental, na pesquisa social e histórica, propiciando à
mesma desvelar,
O indizível!
Valorizar a relação entre passado e presente, entre história e temporalidade, destaca a
importância da memória para se compreender a intensa relação entre objeto e tempo nessa busca da
verdade para se conhecer e criticar a realidade, descobrindo em sua constituição “(...) os rastros de uma
outra configuração ideal de cuja memória os nomes são os grandes guardiões”.[7]
Segundo Borelli (1992, p.81)
Ao optar pela metodologia de pesquisa de História Oral, o pesquisador deve fazer algumas
considerações quanto a sua postura durante todo o trabalho, adotando cuidados maiores no trato com os
sujeitos da pesquisa e com o material coletado, os quais se relacionam com os procedimentos específicos
desta metodologia investigativa.
No trabalho de campo, é importante que o pesquisador tenha, como uma das primeiras lições de
ética, atitudes de respeito e importância a cada indivíduo. “Cada pessoa é um amálgama de grande
número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes,
contornados e por pouco evitados”.[9]
Nesse sentido – a atribuição de respeito e importância a cada sujeito – está presente o
reconhecimento dos elementos de diferente e de igualdade.
Para Portelli, diferença e igualdade representam os dois lados de uma mesma moeda,
denominada ‘liberdade’. Liberdade entendida como possibilidade de escolha, inclusive a de ser diferente.
Tal situação, porém, requer a condição de um estado igualitário, ou seja, a liberdade de escolha
compartilhada por todos nas mesmas proporções – as diferenças universais têm como base os direitos
universais. A condição de ser diferente só poderá ser preservada em condição de igualdade. No entanto,
mesmo o ser diferente, acalenta a necessidade de compartilhar, participar e se comunicar.
Desta forma, preconiza-se para o trabalho de campo, um estado de igualdade, oferecendo
condições para que o elemento diferente se desvele e possa se estabelecer diferenças, plenas de
significados, como também instituir, entre os sujeitos pesquisados, os aspectos comuns que possibilitam
trocas.
Para a História Oral, o trabalho de campo se institui como momento fundamental para toda a
pesquisa. Nesta fase, existe um significado na relação social e humana entre pesquisador e sujeitos da
pesquisa que está intimamente relacionado à ética que o profissional confere em seu proceder. “Tudo que
escrever ou disser não apenas lançará luz sobre pessoas e personagem históricos, mas trará
conseqüências imediatas para as existências dos informantes e seus círculos familiares, sociais e
profissionais”.[10]
Atenção redobrada se faz quanto à apresentação das informações prestadas por pessoas, vivas e
conhecidas, com as quais estabeleceu relações concretas, pessoais, cujos rostos e existência conhece,
não que informações prestadas por pessoas que lhe são distantes ou desconhecidas não mereçam todo
respeito possível. “Diante disso, impossível é não vivenciar um profundo sentimento de responsabilidade,
cuja origem remonta à mesma fonte de todas as preocupações éticas: as relações humanas”.[11]
Para uma relação satisfatória entre pesquisador e sujeito, são necessárias também outras
condições. Os sujeitos devem se sentir à vontade em seus relatos orais e estabelecer, livremente, seus
próprios limites e conteúdo de suas narrativas. O pesquisador deve assumir uma postura e discurso, o
mais honesto possível. Deve estabelecer uma conversa franca, onde os interlocutores se sintam à vontade
para expressarem seus sentimentos, crenças, opiniões, diferenças e contradições. À diversidade de
pareceres não deve ser atribuído um significado de desrespeito ou conflito, mas sim de tolerância e
respeito mútuo. Um dos grandes desafios encontra-se justamente neste momento, tão particular, de não
confronto e sim de encontro entre seres humanos com objetivos distintos.
Nas relações estabelecidas entre investigador e entrevistados, no decorrer do trabalho, o
pesquisador envolvido pelo ambiente das entrevistas, cria fortes laços pessoais com os seus narradores,
sejam estes de admiração, amizade e amor, como também de antipatia, rejeição e mesmo ódio. Pelas
próprias histórias ali contadas, pela emoção das evocações, esquece-se de representar o papel
profissional normalmente atribuído a ele. Essas relações pessoais influenciam de várias maneiras o
trabalho final do pesquisador,
NOTAS
ALBERTI, Verena. História Oral – A Experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Editora da Fundação
Getúlio Vargas, 1.990
AMADO, Janaína. A Culpa Nossa de Cada Dia: Ética e História Oral. Revista do Programa de Estudos
Pós-Graduação em História, n.º 15, São Paulo, Abr., 1.997.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política; Ensaios Sobre Literatura e História da
Cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7.ª Edição. São Paulo: Brasiliense, 1.994.
BORELLI, Silvia Helena S. Memória e Temporalidade: Diálogo Entre Walter Benjamin e Henri Bergson.
São Paulo: EDUC, 1.992.
DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. Trabalhando Com Relatos Orais: Reflexões a Partir de Uma Trajetória
de Pesquisa – Reflexões Sobre a Pesquisa Sociológica, Coleção Textos, n.º3, São Paulo: CERU, 1.992.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral e Tempo Presente. In: MEIHY, José Carlos Sebe (Org.).
(Re) Introduzindo História Oral no Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1.996
FERRAROTTI, Franco. Industrialización e Historias de Vida. Revista Historia y Fuente Oral, n.º 09,
Barcelona: Universitad de Barcelona, 1.993.
GAGNEBIN, Jeanine Marie. História e Narração em Walter Benjamin. Coleção Estudos, n.º 142,
Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1.994.
LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. História Oral: Muitas Dúvidas, Poucas Certezas E Uma Proposta.
In: MEIHY, José Carlos Sebe (Org.). (Re) Introduzindo História Oral no Brasil. Série Eventos. São
Paulo: Universidade de São Paulo, 1.996.
PORTELLI, Alessandro. O Que Faz A História Oral Diferente. Revista do Programa de Estudos Pós-
Graduação em História, n.º 14, São Paulo, 1.997.
___________________. Tentando Aprender um Pouquinho Algumas Reflexões Sobre a Ética na
História Oral. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduação em História, n.º 15, São Paulo, Abr.,
1.997.