Professional Documents
Culture Documents
Peste (do fr. peste, do lat. pestis, “calamidade, flagelo”). S. f. (derivados: pestífero,
insuportável.
a peste, em certo sentido, é uma criatura muito superior a nós: sabe onde e como
encontrar a gente – em geral no banho, ou durante uma relação sexual ou dormindo. também
tem o dom de nos pegar em flagrante, bem na metade de um movimento intestinal. se estiver
diante da porta de entrada, você pode gritar “puta merda, peraí, que porra, espera um pouco!”
que o som da voz humana em agonia apenas serve pra afiar as garras da peste – a batida, o
toque de campainha ficam mais insistentes. a peste, quase sempre, bate na porta e toca a
campainha. a gente tem que deixar que entre. e quando se vai embora – afinal – você fica
doente, de cama, por uma semana. a peste não só dá mijada na alma dos outros – também é
bamba em deixar aquele mijo amarelo na tampa da privada. o que fica ali mal dá pra se
ao contrário da gente, a peste está sempre pronta a matar o tempo e tem opiniões
diametralmente opostas às nossas, mas nunca se dá conta disso, pois não para de falar e
mesmo quando surge uma oportunidade pra discordar, a peste não presta atenção. jamais
escuta o que a gente fala. interpreta como mera interrupção e continua o que estava dizendo. e
a todas essas fica-se perguntando como foi que a desgraçada conseguiu se intrometer na nossa
alma. a peste também sabe o horário em que se costuma dormir e há de telefonar sempre no
meio do nosso sono – e a primeira pergunta, infalível, será “te acordei?” – ou então virá bater
na nossa casa e, mesmo vendo todas as persianas fechadas, bate e toca a campainha, de
qualquer maneira, feito doida, como se estivesse em orgasmo. se não se atende, ela berra: “eu
esses vândalos, embora não tenham a menor ideia do processo de raciocínio da gente,
sabem perfeitamente que nos são antipáticos, o que, por outro lado, só lhes serve de estímulo.
também logo percebem o tipo de pessoa que se é – ou seja, se você tiver que escolher entre
magoar ou ficar magoado, vai optar pela segunda alternativa. as pestes se nutrem das melhores
a peste está sempre pronta a proferir disparates que todo mundo repete e que julga que é
discernimento próprio. um dos seus comentários mais frequentes é o seguinte: – não existe esse
negócio de regra sem exceção. você afirma que todos os policiais não
prestam. mas não é bem assim. já encontrei alguns de excelente caráter. existem bons
policiais.
e não dá oportunidade pra que se lhe explique que toda vez que um sujeito põe aquele
uniforme, passa a funcionar como assalariado de um sistema que quer manter a situação do
jeito que está. uma vez aceita essa premissa, a conclusão inevitável é que todos os policiais
são bons. caso contrário, não há nenhum que se salve. portanto, nenhuma regra admite
– não existe esse negócio de regra sem exceção. você afirma que todos os policiais não
prestam. mas não é bem assim. já encontrei alguns de excelente caráter. existem bons
policiais.
e não dá oportunidade pra que se lhe explique que toda vez que um sujeito põe aquele
uniforme, passa a funcionar como assalariado de um sistema que quer manter a situação do
jeito que está. uma vez aceita essa premissa, a conclusão inevitável é que todos os policiais
exceção. mas a peste vive impregnada desses silogismos confusos e tacanhos, dos quais não
abre mão. por ser incapaz de pensar, apega-se a outras pessoas – implacável, definitiva e pra
sempre.
– ninguém sabe o que está se passando, exatamente. há muita coisa que não tem
isso é uma bobagem tão grande que nem merece comentário. aliás, pensando bem, vou
parar com essas citações típicas da peste pra não começar a me sentir mal.
continuemos, pois. muito bem, a peste não precisa ser alguém que conheça você de
nome ou endereço. está em tudo quanto é parte, sempre, pronta pra dar a sua ferroada.