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OTIMIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO DE LINHA DE EXTRA ALTA TENSÃO (EAT) EM

AMBIENTE DE POLUIÇÃO SEVERA

Resumo
O presente trabalho visa orientar os profissionais sobre uma abordagem de manutenção
de linhas de transmissão EAT para equipes de manutenção industrial. O foco é na
análise dos dados coletados para alavancar as ações que resultam na melhoria da
performance e redução dos custos ao longo do tempo.
Com o crescimento do sistema interligado nacional, especialmente das linhas com
tensão 500kV, os profissionais de manutenção das empresas passaram a ter novos
desafios ao ter que manter a performance destas linhas. Na Ternium Brasil, siderúrgica
localizada no rio de Janeiro/RJ, a situação é crítica pois está localizada em um distrito
industrial com poluição severa e alta salinidade.

Gustavo Dutra Motta (1)


Marcus Vinícius Fonseca Buarque (2)
Daniel Curvello Baptista Vaz da silva (3)
Tiago Simões Bastos Filho (4)
Broz Satyro Cândido (5)
Bruno Xavier da Silva (6)
Geraldo Rodrigues da Costa Junior (7)

1
Engenheiro Eletricista Sênior de Utilidades - Ternium
2 Coordenador de Manutenção de Utilidades - Ternium
3 Engenheiro Eletricista Sênior de Utilidades Ternium
4 Técnico de Manutenção Elétrica de Utilidades - Ternium
5 Técnico de Manutenção Elétrica de Utilidades - Ternium
6 Técnico de Manutenção Elétrica de Utilidades - Ternium
7 Engenheiro Eletricista de Linha Viva - MP Trafos
1. Histórico
A linha de transmissão entrou em operação em março de 2011 e em novembro de 2012
apresentou sua primeira falha. Houve um desligamento por falta fase-terra sem nenhuma
anormalidade encontrada na inspeção. A partir de então a empresa iniciou uma série de
investigações com o intuito de mitigar os problemas decorrentes destas falhas e tentar
manter a performance desejada para uma linha de Extra Alta Tensão (EAT).

O projeto de uma linha de transmissão EAT deve prever todas as características


necessárias para atingir a performance recomendada pela ANEEL. Essa performance,
para linhas de classe de tensão 500kV, é de 1 desligamento / ano / 100 km de linha. Esta
referência é muito superior a performance que a linha de transmissão da Ternium tem
desde sua entrada de operação. A figura (1) mostra o diagrama unifilar entre a
subestação coletora de Furnas e a subestação transformadora Ternium.

Figura 1 - SE-Coletora Furnas x SE-Ternium

A LT é constituída por um circuito duplo, de 6km de extensão, 19 torres, entre a


subestação coletora externa de Furnas e sua subestação de transformação interna. Dos
6km de linha, apenas 2km ficam localizados no interior da empresa.
A figura (2) apresenta um histórico com os principais dados das falhas.

Figura 2 – Histórico de falhas

2. Introdução
Com o crescimento da rede básica do sistema interligado nacional cada vez mais
indústrias têm se conectado a esse sistema, especialmente à rede de 500kV, procurando
por uma energia de maior confiabilidade.

Figura 3 – Linhas de Transmissão do Sistema Elétrico Brasileiro


Fonte: Ministério de Minas e Energia - Boletim Mensal do sistema de monitoramento do
Sistema Elétrico Brasileiro - junho/2017.

A rede básica do sistema interligado nacional é constituída das linhas de transmissão


com tensão maior ou igual a 230 kV. Atualmente apresenta a configuração mostrada na
figura (3).
As subestações da rede básica, para atender o sistema elétrico brasileiro, devem ser
caracterizadas por:

a) Segurança: grau de compromisso com a integridade dos equipamentos


b) Confiabilidade: grau de continuidade ao atendimento da demanda requerida.
c) Flexibilidade: facilidade e rapidez com que componentes do pátio são isolados e
recolocados em operação.
Após a entrada em operação da LT surgiu, dentre as diversas demandas da rotina de
manutenção do parque industrial, a missão de avaliar as falhas da LT e definir ações que
pudessem evitá-las.

Cenários como este mostram o grande desafio dos profissionais de manutenção


industrial que precisam buscar conhecimentos para atuar em novos equipamentos e
instalações.

3. Materiais e Métodos

Após a primeira falha da linha (com apenas 20 meses de operação) iniciamos uma série
de avaliações para encontrar a causa raiz do problema. Essa falha fase-terra não teve
causa conhecida mesmo após as diversas inspeções realizadas na época.
Decidiu-se então agir tomando como referência os seguintes pilares apresentados na
figura (4):

o Análise projetado x construído

o Troca de experiências

o Contratação de empresa especialista

o Estratégias de Manutenção

Figura 4 - Mapa de raciocínio


4. Discussão

4.1. Análise projetado x construído

Verificou-se oportuno comparar as premissas mais importantes do projeto com a


instalação já em operação de forma a tentar encontrar algum ponto divergente. Atentou-
se para os seguintes pontos chave:
a) Aterramento inadequado que poderia causar uma falha por sobretensão.
b) A blindagem da LT
c) As distâncias de segurança
d) A descarga por flashover na cadeia, devido à poluição severa do local

a) Aterramento

O aterramento proporcionado pelos cabos contrapeso foi alvo de verificação para que
eliminássemos a possibilidade de haver sobretensões que não fossem escoadas para
terra caso o aterramento estivesse precário.
Foram realizadas medições em todas as torres e constatou-se valores de resistência de
aterramento semelhantes aos medidos durante o comissionamento.

b) Blindagem da LT

O ângulo de blindagem da LT, ângulo entre cabos para raios e cabos fase, é um
parâmetro que mostra a vulnerabilidade ou não de haver transitórios causados por
descargas atmosféricas diretas nos cabos condutores.
Essa verificação constatou uma boa proteção, ou seja, boa blindagem.

c) Distância de segurança

Cogitamos a possibilidade de haver um ponto fraco na LT, ponto com distância abaixo
do valor mínimo adequado, que, em condições de chuva e ventos intensos, pudesse
provocar um flashover pelo ar, desarmando a LT.
Foram detectados, em duas torres, pontos nos quais os cabos contornavam a torre muito
próximo às estruturas, com distância menor que a definida no projeto.
Foi realizada uma medição com drone para constatar se algum ponto da linha teve a
distância mínima negligenciada.

d) Flashover por poluição

Percebemos que a poluição na empresa, localizada em um distrito industrial, composto


por diversas empresas, era maior do que a definida pelo projeto.
O projeto utilizou como referência os requisitos da norma IEC 60815-1 e definiu como
grau de poluição leve, o que não condiz com a situação real.
A primeira medida tomada ao constatar a poluição severa incrustada nos isoladores foi
especificar um isolador de suspensão antipoluição, com distância de escoamento maior
que o isolador original.
Os isoladores novos, com linha de fuga maior, foram colocados nas torres críticas,
aquelas que acumulavam sujeira mais rapidamente.
Com essa substituição aumentamos a periodicidade de substituição de isoladores sujos
nas torres críticas, reduzindo os custos com a substituição.

4.2 Troca de experiências

Como a equipe de manutenção não era especialista em linhas de transmissão foi


fundamental entrar em contato com concessionárias do setor elétrico que pudessem nos
orientar na identificação da causa raiz de nossas falhas e também nas ações de
manutenção.

Através dessa troca de experiências foi possível reconhecer os seguintes pontos


fundamentais:

a) Sazonalidade
b) Inspeção noturna
c) Método de lavagem com água desmineralizada

4.3 Contratação de empresa especialista


A demanda de atividades para a empresa contratada contemplava a inspeção da parte
de cima da torre (nas ferragens, cadeias de isoladores, cabo para-raios, etc.), a poda de
vegetação abaixo da linha que pudesse pôr em risco o isolamento do sistema e substituir
as cadeias de isoladores sujas que já havíamos constatado.

4.4 Estratégias de manutenção


A manutenção corretiva realizada foi a troca de isoladores do projeto por isoladores
antipoluição nas torres. Nessa altura tentávamos evitar as falhas por poluição
substituindo os isoladores nos pontos de maior sujeira acumulada.
a) Inspeção

Para avaliar de forma eficaz se a poluição era o fator fundamental nas falhas das linhas
deveria ser realizada a inspeção visual, mas somente 4 horas após o pôr do sol. Isso
veio de encontro à estratificação das falhas por horário de ocorrência.
Instalamos um sistema CFTV com o objetivo detectar os pontos das falhas. Esse sistema
foi fundamental para a confirmação das hipóteses levantadas inicialmente. Através dele
foi possível registrar:
• Descarga por poluição na torre 18 ocasionando trip da LT pela função 87L.

• Descarga entre cabos fase e torre no ponto de distância inadequada ocasionando


trip.

• Descarga atmosférica na torre 19 sem nenhuma perturbação para o sistema


elétrico.

b) Manutenção corretiva

A poluição afetava a linha de tal forma que nossa capacidade de substituir os isoladores
não era suficiente para evitar as falhas. A frequência de substituição foi diminuída como
forma de compensação.
Ao mesmo tempo começou o estudo para utilizar outra técnica, a lavagem com água
desmineralizada.

c) Manutenção preditiva

Foram analisados diversos meios disponíveis no mercado para monitorar a atividade


elétrica na cadeia de modo que pudéssemos ter a condição crítica na qual a limpeza
deveria ser realizada.

Encontramos diversos meios de monitorar a atividade elétrica na cadeia com poluição


excessiva: Inspeção por ultrassom, inspeção UV, detector de rádio frequência, sensor
de detecção ótica, termografia, sensor eletromagnético, sensor de corrente de fuga.
Escolhemos o sensor de corrente de fuga por ser um sistema fixo, com medição direta
online da grandeza envolvida no processo de formação da descarga e atualização de
dados horária.

5 Resultados

Os resultados foram acontecendo aos mesmo tempo que novas falhas e novas análises
surgiam para alavancar a minimização dos problemas. A equipe de manutenção
coletava o maior número de dados possível como forma de tentar entender o modo de
falha e chegar à causa raiz.

5.1 Estratificação de dados

Após algumas falhas sem causa conhecida, já estávamos executando uma campanha
de troca de alguns isoladores sujos e também substituindo isoladores por modelos
antipoluição. Ao mesmo tempo à análise de dados das falhas continuava.

Ao estratificar as falhas percebeu-se que nossa LT apresentava o comportamento típico


de uma linha sob poluição severa, verificou-se que quase 80% das falhas ocorreram no
período seco
4,5
4
4
3,5
3
Período Seco
2,5
(Mai-Nov)
2
Períod Úmido
1,5 (Dez-Abr)
1 1 1 1 1 1
1
0,5
0
2012 2013 2014 2015 2016 2018

Figura 5 – Estratificação de dados por período seco x úmido

Conforme mostra a figura (5) os eventos são sazonais já que a sujeira se acumula no
período seco do ano onde não há chuva suficiente que beneficie a autolavagem do
isolador. O período crítico, então, é o fim do período seco onde a densidade de sujeira é
alta e uma pequena umidade do ar é suficiente para ocasionar uma descarga disruptiva
(flashover) pela superfície dos isoladores.

4,5
4
4
3,5
3
2,5 8:00h - 16:00h
2 16:00h - 24:00h
1,5 24:00h - 07:00h
1 1 1 1 1 1
1
0,5
0
2012 2013 2014 2015 2016 2018

Figura 6 - Estratificação de dados por período do dia

Na figura (6) pode-se observa que todas as falhas ocorreram entre 23h e 07h. Verifou-
se que sujeira seca não atinge condutividade suficiente para originar a corrente de fuga
que ocasionará a falha da linha, isso só ocorre nos períodos de maior umidade, o que
veio de encontro ao que ocorria em nossa linha.

Ficou claro então que o modo de falha era típico de uma linha de alta tensão em ambiente
de poluição severa.

O fenômeno da formação de descargas nas cadeias originadas por poluição foi


entendido e é demonstrado na figura (7):
Figura 7 - Flashover por poluição

(a) Região seca (b) Região úmida


(c) Corrente de fuga (d) Descargas de contorno

5.2 Estratégias de Manutenção

O plano de manutenção inicial contemplava uma inspeção terrestre por ano de onde
surgiam as ações corretivas/preventivas para manter a disponibilidade da linha. Como a
primeira falha ocorreu sem nenhuma evidência detectada, percebeu-se que era
necessário contratar uma empresa de Linha Viva que pudesse acessar a torre e
inspecionar com mais detalhes.

Além da troca de experiências e da análise projetado x construído, outro fator


fundamental foi a análise dos dados coletados pela equipe de manutenção que permitiu
confirmar as hipóteses levantadas no início da ocorrência das falhas

o Lavagem de isoladores

Para obter mais agilidade e reduzir os custos altos de troca de isoladores decidimos
desenvolver a lavagem de isoladores na empresa. Encontramos dificuldade na
contratação de equipe especializada nessa atividade. As concessionárias utilizam equipe
própria que não realizam serviços externos.
Ao implantar a lavagem de isoladores com água desmineralizada no lugar da
substituição de cadeias o custo diminuiu pela metade.

Figura 8 - Isolador com sujeira acumulada de 20 meses


Segue abaixo na figura (9) a metodologia utilizada para a lavagem dos isoladores.

Figura 9 - Mapa mental para processo de lavagem com água desmineralizada

o Substituição de isoladores

Aumentamos a periodicidade de intervenção ao adotar um isolador com maior distância


de escoamento. Utilizamos a especificação técnica conforme IEC na figura (10).

Distância específica
de escoamento

FONTE: IEC 60815-1986

Figura 10 – Especificação de isolador antipoluição


O entendimento dos fenômenos envolvidos no flashover por poluição possibilitou uma
inspeção eficaz e um aumento no intervalo de limpeza.

o Inspeção

Realizamos a inspeção noturna de forma eficaz já que aprendemos a identificar o risco


associado às descargas de contorno ao longo da cadeia.

O sistema CFTV foi de fundamental importância na confirmação das hipóteses


levantadas como causa das falhas e hoje pode ser usado também na inspeção visual
noturna, direto da sala de controle.

o Distância

Após a primeira falha e inspeção da linha, a distância inadequada foi logo levantada
como hipótese de causa raiz, mas não havia nenhuma evidência. As ferragens próximas
aos pontos críticos não apresentavam nenhuma marca que indicasse falta fase-terra. Os
dados estão apresentados na figura (11).

Figura 11 - Dados de Projeto da LT


No projeto essa distância é de 3,5m. A medição encontrou pontos com apenas 2,0 m.
A estrutura da torre próxima a estes pontos foi inspecionada, mas nenhuma marca nas
ferragens foi encontrada. Veja a figura (12).

Figura 12 - Medição realizada com drone

Para tratar o desvio da distância inadequada especificamos o isolador tipo Line Post,
figura (13B), associado com um isolador de suspensão, figura (13A), para evitar esforços
laterais que pudessem causar trincas.

Figura - 13 Conjunto polimérico para sustentar cabos na distância correta


o Monitoramento fixo
Optamos por ter uma ferramenta que auxiliasse na otimização da periodicidade de
manutenção.
A densidade de sujeira é diferente ao longo da linha e não justifica utilizar para toda a
linha a mesma periodicidade de lavagem.

Figura - 14 Conjunto polimérico para sustentar cabos na distância correta

6. Conclusão

A eficiência da manutenção de linhas de alta tensão depende muito da análise das


informações coletadas e do compartilhamento delas com os profissionais envolvidos. O
conhecimento dos reais riscos envolvidos em cada anomalia detectada é fundamental
para definir um plano de manutenção adequado.

Aprimorar o que já vem sendo feito começa com a criação de certas condições
favoráveis: o entendimento de todos sobre o método de manutenção utilizado, sobre o
risco real de falha da anomalia encontrada na LT, das perdas vinculadas a uma falha,
etc. Tudo isso contribui para o bom entendimento e a identificação das oportunidades
de melhoria.

Muitas vezes a meta de disponibilidade é conseguida a um custo que poderia ser


menor. Novos métodos ou novas tecnologias podem ser utilizadas. É tarefa da
Engenharia de Manutenção desenvolver os estudos necessários e desenvolver os
técnicos de campo na inspeção, dando-lhes o suporte necessário.
Como a demanda por produtividade é sempre crescente os profissionais de
manutenção de linha de EAT devemos sempre rever os meios utilizados e descobrir
onde é possível definir novas referências que permitam a diminuição de custos sem
diminuir a confiabilidade da linha.

Referências Bibliográficas

T.V., Ferreira. Diagnóstico de isoladores baseado na emissão de ruídos ultrassônicos,


2009.
Santos, Laerte. Tecnologia de detecção de corona por ultravioleta, 2009
IEC 60815-1: 2008 Selection and dimensioning of high-voltage insulators intended for
use in polluted conditions.
Bezerra, José M.B. Estudo da Distribuição de Tensão em Cadeias de isoladores aéreos
de alta tensão em ambientes poluídos, 2003.
Mello, Darcy R. Avaliação do grau de poluição em instalações de Transmissão,
Subestações e Distribuição.
Oliveira, Sergio C. Sistema de detecção ótica de descargas parciais em cadeias de
isoladores de linha de transmissão, 2008.
IEC 60826: 2003. Design criteria of overhead transmission lines
Transmission line reference book 345kV an above, second edition.
Silva, Elizabeth. Reliability of Composite Insulators, 2008
Cigré CEs D1/B2, 2017. Curso de Isoladores Poliméricos
Cigré CEs B2/C4, 2015. Curso Básico de Coordenação de Isolamento de Linhas de
Transmissão.

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