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2019/1
Texto I
Ao dizermos "artes da África" (no plural), em vez de "arte africana", podemos estar
enfatizando: a África tem Arte. Isso de certa forma minimiza o modo como tem sido tratada a
produção estética dos africanos até nossos dias: como objeto científico. Sob o lema “conhecer
para melhor dominar”, dizia-se que ela servia a “rituais e sacrifícios selvagens” e que era feita
apenas de “ídolos toscos e disformes” — de “fetiches”. Mas, se todas as sociedades - antigas
ou atuais - têm sua arte, então por que a necessidade dessa ênfase? Antes de mais nada, é
importante percebemos é que, mesmo indiscriminada nos depósitos dos museus da Europa,
essa - que se convencionou um dia chamar de arte africana - nunca deixou de resplandecer sua
vitalidade eloqüente. Apesar da depreciação e preconceito com que foi antes julgada, ela é,
hoje, procurada pelos grandes colecionadores e apreciadores internacionais de arte. Além da
produção dos artistas modernos e contemporâneos da África (aliás, muito pouco difundidos
entre nós) são muitas as artes desse grande continente, entre elas, as chamadas “tradicionais”.
É a essas criações, vindas de centenas de culturas que se dá o nome de “arte africana” —
como se fosse uma só! Atualmente são reconhecidas suas técnicas milenares, suas formas
sofisticadas e suas “mãos-de-artistas”. A recente exposição das obras-primas da África trazida
ao Brasil pelo Museu Etnológico de Berlim tentou mostrar que não há máscaras sem música
nem dança, e que há um design digno de nota desde tempos imemoriais na África. Pois, de
fato, a arte africana é plural e multidimensional. Mas exposição nenhuma jamais poderia
recuperar a força das rochas, fontes e matas que abrigavam estátuas, nem o ambiente dos
palácios, templos, altares em que se situavam. Formavam conjunto com outras peças e seu
entorno: eram arquiteturais e espaciais, porém muitas não podiam ser tocadas, nem ao menos
vistas. E daí tirarmos: nem toda produção plástica da África era visual.
A arte africana não é primitiva nem estática. Há peças datadas desde o século V a.C. atestando
uma história da arte africana, mesmo que ainda não escrita por palavras. É certo que muitos
dados estão irremediavelmente perdidos: objetos foram destruídos, queimados ou fragmentados
ao gosto ocidental e moral cristã; ateliês renomados foram extintos e muitas produções
interrompidas durante o período colonial na África (1894-c.1960). Mesmo assim, as peças
dessa arte africana remanescente “falam” de dentro de si e por si mesmas através de volumes,
texturas e materiais; veiculam um discurso estruturado reservado aos anciãos, sábios e
sacerdotes. Alguns artistas, como os do Reino de Benim, exerciam função de escriba,
descrevendo a história do reino por meio de ícones figurativos em placas de latão que teriam
recoberto as pilastras do palácio real.
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Disponível em: http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/textos_didaticos.html
Texto com adaptações
origem e identidade que aparecem também na arquitetura, na tecelagem ou na arte corporal.A
arte africana é multivocal.
Por exemplo, o tratamento do penteado dado a estátuas e estatuetas pelos escultores revela,
muitas vezes, o elaborado trançado do cabelo das pessoas, e, mesmo, a prática cultural, em
algumas sociedades, da modelagem paulatina do crânio dos que tinham status (caso dos
mangbetu, do ex-Congo Belga, atual República Democrática do Congo-RDC). É, para eles, ao
mesmo tempo, expressão do belo. Atribuia-se significado até as matérias-primas empregadas
na criação estética — elas davam “força” à obra, acrescida, por fim, quando ela ganhava um
nome, uma destinação. Tornava-se, então, parte integrante da vida coletiva. Por isso, diz-se
que a arte africana é uma “arte funcional”
A arte africana, porém, não é apenas “religiosa” como se diz, mas, sobretudo, filosófica. A
evocação dos mitos nas artes da África é um tributo às origens — ao passado —, com vistas à
perpetuação — no futuro — da cultura, da sociedade, do território. E, assim, essas artes
“relatam” o tempo transcorrido; tocam no problema da espacialidade e da oralidade.
Muitas esculturas, como a máscara kpelié dos senufo, não são feitas apenas para dançar, mas
para celebrar mitos. A estatueta feminina que vai no alto do crânio da face esculpida de que se
constitui essa máscara, parece estar gestando, prestes a dar à luz a um filho. O interessante é
que, em muitos exemplares similares, essa forma superior da máscara kpeliénão é o de uma
mulher, mas de um pássaro associado à origem dessa cultura. Ela, assim como outras criações
estéticas da África, constela aspectos da existência e do cosmo, ou seja, tudo o que envolve a
humanidade — o Homem em sua interioridade sensorial e na sua relação com o mundo ao
redor. E nisso, vemos também que a arte africana é dual.
Algumas peças da arte africana, como as impressionantes estátuas “de pregos” dos bakongo,
ou as dos basonge (ou ba-songye (ambas sociedades da D.Congo), são, na verdade, um
conglomerado composto por uma figura humana de madeira e uma parafernália de outros
materiais vegetais, minerais e animais. É uma clara alusão à consciência do Homem sobre a
magnitude da Natureza e de sua relação intrínseca com ela.Podemos dizer que vem desse
diálogo entre continente- conteúdo, matéria-pensamento, espaço-energia - diálogo que
caracteriza a arte na África - o sopro que renova a Arte Mundial.
Texto do guia temático para professores África: culturas e sociedades, da série Formas de
Humanidade, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.Escrito em
janeiro de 1999 e revisto e adaptado em julho de 2005 para publicação neste site.
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Disponível em: http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/textos_didaticos.html
1ª. Parte: África: cultura material e história
Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se
impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até uma "descoberta", fosse esse
continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie numa luta
entre Homem e natureza.
E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os
povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no
evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio
cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como
instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam
em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e
da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa
distorção.
Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em
particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como referência a
organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente fica no
esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que se
convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas particularidades
sociais, econômicas e culturais.
O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de
governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens),
seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas,
sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são
conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a
grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de
Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais
atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma
história ainda não completamente estudada (cf. esse assunto veja dois exemplares da cerâmica
de Nok dos mais célebres:
Têtes Nok, terre cuite � National Commission for Museums and Monuments
(Nigeria)
O conjunto de objetos agrupados sob a denominação “Nok” abrange, sem dúvida, uma
grande diversidade cultural no tempo e no espaço. Efetivamente, se constatamos os
traços dessa cultura desde o século IX a.C. faremos a relação com uma das culturas
mais antigas da metalurgia do continente da qual teremos testemunhas até fim do
primeiro milênio de nossa era. (http://icom.museum/redlist/afrique/french/page01.htm)
Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade
Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre
os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou
imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o
reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao
continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das
Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada
como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura ― a
européia.
Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas elites
da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de
novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração,
sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu
quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no
presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham
contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo,
é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o
Mediterrâneo antigo.
Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII,
enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do
século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem
estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num
comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito
diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração
teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo
desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a
Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a
permanência e dinâmica da Humanidade.
É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram
apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção
de grandes patrimônios materiais. É o caso das artes de fé e Benin, bem como das artes luba
e kuba.
Human head
Ife, Nigeria 12th-15th century acquired from Leo Frobenius, 1913 (http://www.smb.spk-
berlin.de/mv/afrika/e/kunst1.htm)
Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam, junto com essas, a gênese de
uma história da arte africana, mesmo que sempre apartada da história universal da arte. Por
isso, não deixe de conferir a linha do tempo da história da arte no continente africano proposta
pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque.
O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer que os africanos, bem
como os povos autóctones das Américas e da Oceania, não tinham história, muito menos que
não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas decorativos estão plenos de
mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos", ou interpretados
verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais (FIG 3).
FIGURA 3: Pesos de latão para medição de pó de ouro, arte ashanti, acervo MAE
(http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/002/3.jpg)
“Ao estudar a cultura material dos ashanti, observamos que eles são conhecidos, na literatura,
por sua tradição metalúrgica, em especial pela sua produção de pequenas figuras de metal: os
chamados pesos de ouro. Fundidos pelo método da cera perdida e com uma infinita variedade
de formas, essas peças, que não são de ouro, mas de bronze ou latão, serviam como
contrapeso para medir o pó de ouro. Mais do que pesos, elas veiculam provérbios e são
símbolos cosmogônicos da cultura ashanti. Nesta exposição, vamos focalizar essas peças
como transmissoras de idéias que concernem não a uma escrita formal, mas a uma oralidade
que é plástica, visual e tátil. Há na África outras produções de arte tradicional que
também possuem esse caráter não verbal expresso em formas e símbolos; como exemplo,
podemos citar os discos de madeira produzidos pelos bawoyo de Cabinda, Angola estudados
por Carlos Serrano (1993) e que possuem uma linguagem proverbial impressa em escultura.
Os fanti, assim como os ashanti, são grupos étnicos pertencentes ao complexo cultural akan,
que abrange diversos outros grupos localizados em Gana e oeste da Costa do Marfim, na
África ocidental. Os ashanti, de que trata este artigo, se localizam na região centro-sul do
atual território de Gana”.3
Além disso, na tradição oral, ou no registro oral da história dos povos africanos, podemos
constatar que o tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa num vazio: ele
supõe um lugar exato, um instante único (p. ex., a queda de um cometa célebre, uma enchente
inusitada, marcando feitos de um governo determinado, de um chefe conhecido e nominado).
Do mesmo modo, podemos pensar na revalidação da informação histórica em objetos que
expressam, através de mesclas de estilo ou da própria iconografia, deslocamentos das
comunidades africanas, formando grandes correntes migratórias pelo continente, sejam de
caráter cultural, comercial ou outro.
A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história, mesmo que a intenção
da colonização fosse acabar com ela. O período colonial africano é recente, durando de 1883-
1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período, os governos europeus
dividiram e reagruparam as sociedades tradicionais da África em colônias, cujas fronteiras
não correspondiam aos seus territórios originais.
Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências conquistadas individualmente, mas
num grande movimento de solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial foram de
modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a partir de então com seus próprios
governos. Mesmo assim, até hoje são países que lutam com dificuldade, tentando recuperar
suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do quadro da globalização imposto
mundialmente. As lutas civis, e a presença de ditadores compactuados com potências
estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas que a exploração européia e a
3
“Arte e oralidade entre os ashanti: classificação e interpretação dos pesos de ouro”, por Lucia Harumi
Borba Chirinos.Disponível em:
http://www.arteafricana.usp.br/codigos/artigos/001/arte_oralidade_ashanti.htm
ideologia do desenvolvimento causaram aos povos africanos, esgotando seus minérios e suas
florestas, degradando seu meio ambiente, alterando seu ecossistema, estabelecendo uma
ordem completamente diferente sobre ma experiência secular de vida.
É evidente que a exploração da África não se deu apenas na sua colonização, esta já tão
truculenta em si mesma, lembrando que durante esse período os africanos não foram apenas
usurpados em suas economias e territórios, mas em seus modos de existência e de
pensamento, principalmente através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja manipulou
o Cristianismo sob pretexto de uma ação civilizatória compactuada com países europeus.
Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no continente e não dos que foram
sequestrados para a indústria da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. Podemos
dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos escravos) continuou aqui no
Brasil (e nas Américas), e o passado de povos africanos na África ficou na memória coletiva e
no silêncio da cultura material, temos muito a repensar sobre a nossa história em comum,
encontrando, oxalá, nossos valores para o futuro.
Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e na cultura material dos povos
africanos, vez que se trata de sociedades que têm atrás de si mesmas existência milenar.
Temos testemunhos plásticos e iconográficos dos séculos V, VI e até VII a.C. nos países do
Mediterrâneo antigo, que demonstram não apenas a presença da civilização egípcia, como
também das civilizações da África sub-saariana, esta chamada de África negra. Vê-se aqui a
antiguidade das culturas africanas, bem como sua dinâmica, alimentada não apenas por fluxos
internos, mas também externos, desde longa data. Ao lado de tudo isso, lembrar que
descobertas arqueológicas vêm demonstrando a precedência da espécie humana e de suas
indústrias no continente africano, antes dos seus vestígios em território europeu, como o caso
do exemplar mais antigo do homo sapiens (nossa espécie) descoberto no Quênia, datado de
130 mil anos atrás.
É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente africano é imenso, com centenas
de grupos étnicos ou sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o sistema de
parentesco, além de não ser a única forma de organização, manifesta-se em grande
diversidade e complexidade na composição dos grupos culturais. Hoje as sociedades africanas
são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes elas não tinham organização.
Com uma hierarquia de obrigações e direitos, e com uma tecnologia própria ditada pela sua
economia, seja ela de subsistência ou de comércio, algumas sociedades tradicionais voltavam-
se mais para a agricultura, outras para a caça e pesca, e não raro, essas atividades eram
mescladas. Não há conhecimento de grupos africanos sem um tipo de organização, seja em
pequenas chefias a grandes repúblicas e reinos, até que as grandes potências ocidentais
invadiram e colonizarem o território africano.
Em contrapartida, devemos também estar alerta para não nos valermos do que, entre nós, é
tido como premissa de civilização, achando que com isso chegamos à compreensão de outros
povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de chefias ou de um comércio
ativo, cada sociedade, cada cultura tem um sistema de categorias próprias de pensamento e
existência, sendo ele o que a diferencia das outras, e o que lhe dá real relevância perante a
Humanidade. A cultura material e a arte, pelo seu caráter concreto (de "coisas", objetos),
podem ser veículos eficientes para que tais categorias não fiquem tão vulneráveis à ação
destruidora de nosso etnocentrismo, desde que sejam enfocadas como produtos de sociedades
diferentes e não desiguais.
2ª Parte ― África: cultura material e artes africanas
As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao
longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os
objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse
continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos
africanos.
Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos
corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia).
Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no seu
isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda
elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da manifestação estética a
que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas.
Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista
também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de
acordo com sua função.
Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha
uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem
separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana
é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos
povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que
se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das
exposições. Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se
no maior das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e
exotismo.
Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais
religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material,
que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos de hoje,
"religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente
discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e símbolos, a arte
africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em novas
formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional africana são visíveis também,
nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da África, principalmente daqueles,
como o Brasil, cuja população e cultura foram formadas por grandes contingentes africanos.
Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos africanos
antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar o uso do
tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos ou não, um reducionismo
inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a toda produção
material estética da África produzida antes e durante a colonização, até meados do século XX,
trazida à Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais.
Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns elementos de aproximação com os
de correntes da arte ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo de
comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido da arte africana tradicional,
porque esta não foi feita para ser realista ou cubista, isto é, ela não era um exercício de
reflexão sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas entre nós. Apesar disso,
podemos identificar na arte africana os elementos que permitiram a artistas, como Picasso, a
revolucionar a arte ocidental.
O cubismo, entretanto, é uma invenção intelectual dos europeus, que nada tem a ver com a
intenção dos africanos: enquanto no cubismo a representação do objeto se dá de diversos
pontos de vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo, a estética africana
busca, ao contrário, uma síntese do objeto ou do tema construído materialmente, plena de
objetivo, inspiração e conteúdo.
Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que
tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado,
ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças
inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou
superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente
formal.
Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais
geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter
representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que
o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam
espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano
consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que
determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro.
Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental e a produzida na África
central. E dentro dessas grandes áreas geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos
detalhes, seja pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as produções artísticas dos
Dogon e Bambara são muito distintas embora situadas, por alguns autores, dentro de uma
mesma faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas apresentam certa continuidade
formal ou temática, além do fato de que tais sociedades ocupam territórios contíguos
permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais. No entanto, as portas de
celeiro são renomadas entre os Dogon (FIG 4), e o tema do antílope é mais reconhecido,
embora não exclusivo, na arte Bambara (FIG 5).
Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope) celebram a arte dos Dogon e dos
Bambara respectivamente não apenas porque foram encontrados em abundância entre eles,
mas também porque são considerados por esses povos como signos específicos de sua cultura
em circunstâncias dadas na sua tradição oral.
É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser determinada por uma série de
estudos interdisciplinares que apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas disciplinas estão
a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas especificidades, estão intimamente ligadas à
Etnografia e à Antropologia,
O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o continente, caracterizou as produções
artísticas da savana, onde floresceram grandes reinos, tanto na África ocidental quanto na
central, onde a arte era fundamentalmente ligada à organização social e política, a serviço de
mandatários, através de ateliês oficiais - caso da chamada "arte de corte" de Ifé e Benin (já
ilustrada acima) ou da escultura da associação Ogboni feita pelo sofisticado processo de
fundição pela cera perdida (FIGURA 6)
FIGURA 6: Ilustração das etapas da fundição de um par de "edan" pela técnica da cera
perdida, arte ogboni/ioruba, Nigéria, acervo MAE-USP.
Junto a essas produções de metal, devemos mencionar a escultura em marfim, renomada não
apenas entre povos do Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba), mas também entre os da
embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde o século XV era requerida pelos
"gabinetes de curiosidade" da Europa,como podemos ver abaixo:
Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais, eram feitas tradicionalmente por
todas as sociedades, respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que podemos
destacar algumas em que essas técnicas eram mais usadas do que a escultura, de acordo com o
modelo de organização social e as formas de expressão estética. Nesses casos, os recursos
gráficos eram mais aplicados do que os recursos representativos da escultura. Aqui podem ser
compreendidos, particularmente, os produtos de sociedades situadas em regiões semi-áridas,
que, em busca periódica de novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens
móveis de grande porte. Mas, às vezes, esses modelos de análise se mostram arbitrários, pois
a arte decorativa pode imperar também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e
onde a produção estética está voltada à legitimação de um poder monárquico e centralizado
como dos Bakuba (FIG 7), e que também comporta uma importante estatuária conforme
ilustrado acima.
FIGURA 7: Montagem de objetos utilitários com decoração típica, arte kuba, Republica
Democrática do Congo, acervo MAE-USP.
http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/002/7.jpg
Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e a escolha do material
não era arbitrária: como o objeto que iria ser produzido, o material tinha um valor
simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser
esculpidas em madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no uso de
determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos diferentes de contas, se não de
um tipo de liga metálica, de marfim e outros materiais de origem inorgânica e animal.
Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o tamanho, a distribuição de cores,
entre outros, são características diferenciais do estilo com que cada sociedade representa uma
forma e um tema. Mas existe uma série de características culturais comuns entre os povos da
África e diversas das de sociedades de outros continentes que permeiam suas artes
tradicionais de uma forma singular: seus sistemas de pensamento e de crenças.
3ª. Parte África: cultura material, filosofia e religião
Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da
Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E,
como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos,
reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir
bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se
formaram.
Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de
explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas,
bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação
colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à
diversidade de formas e estilos na arte tradicional.
Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da
África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de
alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a
perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está
concretamente ligada à de vida: morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem
familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente.
A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica tempo e espaço ou
lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo
social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que
é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.
Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder
econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado e
atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das chaves para
que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de futuras
gerações.
Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos
Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral,
aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu
conhecimento sobre as forças da Natureza, (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e
do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em
contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de
acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território.
Outras duas características nos sistemas filosóficos e de crenças das sociedades africanas
tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o
descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado
está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente.
Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à idéia
de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam
sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro provérbio africano nos permite
constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as
coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã.”
Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma
responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada de
estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há um
dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, mas
também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de gerações.
Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando
necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam
entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos não- europeus.
Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados graficamente nas decorações de
superfície de esculturas, na tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através
de figuras geométricas (ziguezagues, linhas onduladas, espirais - contínuas e infinitas),
de figuras zoomorfas (cobras, lagartos, tartarugas - que, além de sua forma, estão
associadas à idéia de vitalidade e longevidade).
http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/002/9.jpg
Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos são freqüentes e quase que
indissociáveis na expressão artística, estabelecendo a relação entre a abundância de alimento e
a multiplicação da prole, um fator concreto em sociedades agrárias. O tema do duplo remete à
relação de fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, homem-mulher). Todas essas
formas gráficas e representativas são um recurso para apresentar, sob forma material, um
conjunto de idéias sobre a existência concebida visando ao equilíbrio e à perpetuação
biológica e espiritual do grupo social.
Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o que não parece ser
muito preciso. Em quase todas as populações da África foram registrados depoimentos da
criação do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de uma força primordial,
um Criador que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu Destino
(FIG 10).
FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-USP.
http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/002/10.jpg
Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos porque se trata de seres não
conhecidos em vida (que estão na memória coletiva), sendo, por isso, míticos, sem que se
caia no erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como idéias sem valor científico
e histórico. Tais mitos de origem comportam freqüentemente o relato de pares primordiais,
de gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo, e, muitas vezes, seres zoo-
antropomorfos que, dotados da tecnologia (instrumentos agrários ou de caça), vieram
para ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se multiplicarem, zelando,
eles - os Homens -, pela sua própria permanência em vida.
Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs é a consciência de
que cada ser que está presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é
humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação constante com os antepassados,
visando às futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado substantivo
das várias formas de culto de ancestrais.
É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais ritualizada que no mundo
cristão. O mundo material e o espiritual são concebidos juntos, quase que inseparáveis, o
que implica em modelos de culto e religião completamente diferentes do que se adotou no
Ocidente, que por sua vez serviu de modelo para outros povos formados na modernidade,
como é o caso brasileiro.
.
Os Candomblés (são várias as formas como essa religião brasileira de origem africana se
apresenta) conservam formas de culto muito próximas às de cultos tradicionais da África
ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando emblemas, nomes e outras
características de suas divindades (e, às vezes, das divindades dos povos de línguas bantu,
ou dos chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de poder iniciático (FIG
11 a 13).
FIGURA 11: Colar de babalaô, arte nagô, República Popular do Benim, acervo MAE - USP
(http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/002/11.jpg
Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma estrutura de panteão,
como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção de
outras divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos tradicionais da África, por
sua vez, voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da Natureza.
Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás - apelação dada às
divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns, inquices e caboclos são divindades de povos
africanos de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos candomblés, muito
embora muitas dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com uma
qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados
como antepassados.
Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África ocidental, seja da
central, é uma "presentificação" desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em
vida - antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos
renomados por feitos realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece a
grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e cabeças, tendo
uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser vistas por todas as pessoas, se não os
altos iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social e religioso, sendo que em
muitas sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo.
E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte africana, que tanto nos mobiliza o olhar
pelo impacto estético, era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser vista, a
menos que houvesse uma ocasião precisa para isso. Está aí está a demonstração da grandeza e
do poder de uma cultura material, depositária não de segredos, mas de fundamentos, a serviço da
história e cultura dos povos africanos, que dentro e fora de seu território original, continuam sua
existência, formando novos valores, como acontece entre nós, no Brasil.
Bibliografia
VERGER, P. Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo. São Paulo: Currupio; Cículo
do Livro, 1985.
Resumo do texto
• A arte africana é filosófica: A evocação dos mitos nas artes da África é um tributo às
origens — ao passado —, com vistas à perpetuação — no futuro — da cultura, da
sociedade, do território. E, assim, essas artes “relatam” o tempo transcorrido; tocam no
problema da espacialidade e da oralidade.
•A arte africana é dual: o Homem em sua interioridade sensorial e na sua relação com o
mundo ao redor
• Estátuas “de pregos” dos bakongo, ou as dos basonge (ou ba-songye (ambas
sociedades do. Congo): um conglomerado composto por uma figura humana de madeira
e uma parafernália de outros materiais vegetais, minerais e animais. É uma clara alusão
à consciência do Homem sobre a magnitude da Natureza e de sua relação intrínseca com
ela.
Texto II
Africanidade:
Diversidade e unidade nas sociedades africanas
Maria Paula Fernandes Adinolfi4
O modelo de família africana, porém, não é o mesmo que o de família burguesa ocidental.
Não se restringe a pai, mãe e filhos. Lá, existe o que a Antropologia chama de família extensa,
que inclui um homem com uma ou mais esposas, suas filhas e filhos, por vezes com cônjuges e
filhos, sobrinhos com suas esposas e filhos, chegando a
englobar, em uma mesma célula familiar, quatro ou cinco gerações de parentes vivos.
Sim, parentes vivos, pois na verdade a família não começa nem acaba nas gerações vivas.
Ela começa muito antes, com todos os ancestrais da linhagem, cujos nomes são guardados pela
tradição oral, e, antes deles, aqueles de quem já não se sabe os nomes e que passam a ocupar
um lugar de intermediários entre os vivos da
linhagem e o próprio Ser Supremo. Mas a família tampouco termina na geração mais nova dos
vivos, ela se estende no futuro até todas as gerações posteriores, que garantirão a continuidade
do nome e da memória dos vivos.
Cada pessoa é, assim, fruto do casamento não só de um homem e uma mulher, mas de
duas linhagens, a materna e a paterna. No entanto, a herança que um indivíduo recebe – os bens
materiais e o status social que ostenta – não vem em geral das duas linhagens, mas sim de uma
só. Caso esta transmissão da herança venha por parte da mãe, esta sociedade é chamada de
matrilinear. Do contrário, será patrilinear. Se a herança, as responsabilidades e a participação
política do indivíduo no grupo social são herdadas da linhagem da mãe, quem exerce a
autoridade sobre ele é seu tio materno (o irmão da mãe). Por sua vez, nas sociedades
patrilineares, a autoridade emana do pai e da sua linhagem. O poder sempre é exercido por
homens, mesmo nas sociedades matrilineares, nas quais o homem mais velho assume o
comando da linhagem. Essa pertença de um indivíduo a uma linhagem não quer dizer que a
outra não tenha influência em sua vida. Normalmente, se a herança dos cargos e bens materiais
(ou seja, o poder no plano terreno) vem da linhagem da mãe, é da linhagem do pai que virá a
herança do poder espiritual, o conhecimento religioso e mágico. O inverso também é
verdadeiro: em sociedades patrilineares, é da linhagem da mãe que vem o poder mágico-
religioso.
Neste sistema, quanto mais velho se é, mais prestígio e influência se tem. O respeito é
devido a todas as pessoas mais velhas (anciãos). Um homem da geração do pai, mesmo sem ser
da família, é tratado com o mesmo respeito que o pai, assim como uma mulher da geração da
mãe é respeitada e obedecida como a mãe.
De onde vem este poder? Ele se fundamenta na idéia, presente em praticamente todas as
sociedades africanas, de que existe uma força vital, um princípio dinâmico da existência,
presente em todos os seres. A fonte primeira da força vital é o Criador. Os ancestrais
divinizados, ou seja, homens que viveram há muito tempo e cuja história foi incorporada pelos
mitos, como os grandes fundadores de cidades e reinos e heróis civilizadores, são, depois do
Criador, os que mais possuem força vital. Depois deles vêm os ancestrais das linhagens. Em
seguida, nesta escala, estão os homens vivos. Dentre estes, os mais velhos são os que mais
possuem força vital. Assim, entendemos porque eles têm mais prestígio e poder nas sociedades.
É preciso lembrar, porém, que todos os seres humanos, e também animais, vegetais e minerais
possuem, segundo a visão de mundo africana, força vital, que pode ser aumentada, dividida,
manipulada, diminuída. As religiões afro-brasileiras também reconhecem o princípio da força
vital, chamada pelos yoruba de axé.
Grupos de idade e iniciação
Uma divisão importante que existe nas sociedades africanas é a dos grupos de idade, ou
seja, das diferentes gerações vivas na sociedade. É preciso notar que o que caracteriza um grupo
de idade não é apenas o fato de seus membros terem idades cronológicas próximas entre si, mas
especialmente o fato de terem passado pelos rituais de iniciação juntos. Tais rituais envolvem
uma série de aprendizagens e vivências compartilhadas por um grupo de adolescentes, durante
as quais adquirem habilidades necessárias ao desempenho de funções na vida adulta. Essa
aprendizagem inclui momentos de companheirismo, solidariedade, partilha de alegrias e
também de momentos difíceis e até mesmo dolorosos.
O apogeu do processo de iniciação é o momento em que os jovens recebem alguma marca
corporal que permanecerá para o resto de suas vidas, como uma tatuagem ou escarificação, ou
ainda a circuncisão, momento que geralmente é seguido de uma grande festa, na qual os jovens
são inseridos novamente na comunidade, agora já na condição de iniciados, isto é, adultos que
têm direitos e deveres para com suas famílias e a sociedade em geral. As escarificações devem
ser entendidas, assim, como atestados de pertença ao grupo e de preparação para o desempenho
de papéis sociais. A vivência do processo de iniciação em geral é tão marcante que cria laços
especiais por toda a vida entre os que passaram juntos por ele. É importante frisar que meninos e
meninas são iniciados separadamente, cada um aprendendo a desempenhar seus papéis, que são
bem diferentes, como veremos adiante.
As pessoas de cada unidade familiar cultivam a terra de forma coletiva. A terra, até
muito recentemente, nunca foi vista como propriedade, muito menos como propriedade privada,
na África. Os homens é que pertencem à terra, e não o contrário. A riqueza, desta forma, é
ligada ao controle do trabalho dos membros da família, e não à posse de terras. Quanto maior
o número de dependentes que tenha o chefe de uma linhagem, tanto maior será sua riqueza e seu
prestígio (mas também maior será sua responsabilidade, na função de redistribuidor desta
riqueza e de mediador das relações entre os numerosos membros de sua linhagem).
Podemos dizer então que a unidade sócio-política de base não é definida por um
determinado território, mas pela existência de um grupo familiar, controlado por um chefe, que
é em geral o homem mais velho da linhagem. As fronteiras fixas e fechadas, tais como as
conhecemos nos modernos Estados nacionais, evidentemente não têm sentido neste sistema.
Quando uma parcela da terra se esgota pelo cultivo, o grupo muda-se em busca de novas terras
férteis. No entanto, a utilização da terra, que tem um caráter sagrado, enquanto morada dos
ancestrais, depende da realização de pactos com os seus espíritos guardiões, que de tempos
em tempos devem ser renovados. O mesmo pode-se dizer em relação às fontes d’água e rios.
Estes pactos garantem a fertilidade, que propicia boas colheitas, a reprodução do gado e
também a fertilidade das mulheres. A fertilidade e a prosperidade são vistas como decorrência
da manutenção do equilíbrio na relação com a natureza e com os ancestrais (que, como
membros mais velhos, portanto mais poderosos da linhagem, são os que zelam por sua
continuidade). As alterações neste equilíbrio, causadas, entre outras coisas, pela ruptura dos
pactos, podem acarretar a esterilidade dos campos, dos animais e das mulheres, o que significa,
nestas sociedades agrícolas, desordem, escassez e mesmo a morte. Os pactos devem ser
mantidos tanto com os ancestrais masculinos, como com os femininos, através da realização de
oferendas e respeito a tabus e proibições. Homem e mulher são opostos que se complementam,
cada qual desempenhando um papel específico.
Estamos nos referindo, até então, a realidades agrícolas, nas quais as densidades
populacionais são muito baixas e os grupos produzem tudo ou quase tudo que é necessário ao
sustento do grupo familiar. Neste contexto, trata-se de uma ou mais linhagens que vivem em
aldeias próximas aos campos de cultivo e/ou de pastagem. A prosperidade desta produção por
vezes gerou excedentes, que passaram a ser trocados com outras aldeias. Algumas delas
tornaram-se centros de troca, com feiras que reúnem produtos e comerciantes de diferentes
regiões.
Estes, desde uma época muito remota, comercializam os produtos entre o interior e a
costa (e vice-versa), entre a região da floresta e a savana e entre esta e as regiões para além do
deserto do Saara (no caso da África Ocidental), estabelecendo rotas e mercados que
perduraram por séculos. Este comércio favoreceu uma produção mais especializada e uma
dependência maior das trocas para obter produtos de outras regiões.
São criadas assim sociedades baseadas não mais na produção autossuficiente de uma
aldeia composta por algumas linhagens, mas sim em uma economia fundada na
complementaridade das trocas comerciais entre diversos grupos, que fundaram cidades para
tornar este comércio mais permanente. A crescente especialização permitiu que os ofícios
artesanais passassem a ser, em alguns casos, exclusivos de uma ou algumas famílias, que
transmitem os conhecimentos técnicos para o seu fazer, de geração em geração. A gestão
política não está mais em mãos do chefe da linhagem, respaldada no controle da produção de
sua família. O chefe agora deve ser o mediador dos interesses de muitas linhagens,
assumindo o controle das trocas comerciais. Para isso, é assistido por um conselho de notáveis,
composto pelos mais velhos das linhagens, que são responsáveis pela resolução dos conflitos,
através de longos debates.
É claro que esse tipo de organização social e política pressupõe uma maior diferenciação
e hierarquização social. É importante notar que o poder exercido pelo chefe desta unidade
política maior, cujo centro é uma cidade, não incide diretamente sobre as aldeias como unidades
sócio familiares. Lá, o chefe da linhagem continua exercendo suas funções. A submissão a um
poder mais centralizado, exercido a partir das cidades, se dará em forma de pagamento de
tributos, no envio de soldados para os exércitos e em alianças confirmadas pelos casamentos e
pela troca de presentes que funcionam como bens de prestígio, isto é, bens que, para além de
seu valor material, têm um valor simbólico, que evidencia o status de seu possuidor. De toda
forma, o chefe ocupa uma posição que muitas vezes não é hereditária, mas sim negociada,
através da obtenção de um consenso dos notáveis em torno de seu nome. A fonte de sua
autoridade e legitimidade, assim como a dos chefes de linhagem, continua a ser a grande
força que lhe era atribuída, advinda de sua relação privilegiada com seus ancestrais e com os
espíritos da natureza. Toda sua vida era ritualizada, pautada por prescrições e proibições que
visavam manter o equilíbrio desta relação, já que o bem-estar da comunidade estava
intrinsecamente relacionado ao bem-estar do chefe. Via de regra, ele exercia um poder político
respaldado pelo poder mágico-religioso.
A sucessiva agregação de aldeias e chefias de linhagem à esfera de influência de um chefe
podia levar à formação de unidades políticas muito maiores, que foram, por falta de vocábulo
mais preciso, chamadas de reinos. É preciso lembrar que estes reis tinham pouco em comum
com os monarcas absolutos europeus. Este rei era o primeiro entre seus pares, os outros chefes,
que reconheciam seu poder. Além disso, suas ações eram fundadas na redistribuição dos bens
e na reciprocidade devida a seus pares. Por vezes, ainda, ocorreu um alargamento ainda maior
da esfera de influência militar e comercial de um reino, formando alguns impérios,
especialmente na África Ocidental, que floresceram entre os séculos VIII e XVI, devido
especialmente ao controle das rotas de comércio transaariano, tais como o Reino do Gana, o
Império do Mali e o Império Songhay. Também na África Central, entre os povos de língua
bantu, surgiram reinos entre os séculos XV e XIX, como o Reino do Kongo, o Reino Lunda e o
Reino Luba.
Estas formas de poder político foram profundamente alteradas, primeiramente com o
tráfico de escravos, que causou grandes desequilíbrios nas sociedades africanas a partir do
século XVI, e depois com a invasão europeia e o colonialismo, no século XIX. A violência
colonial, apesar de ter dissolvido o poder político dos reinos e impérios
africanos, não conseguiu acabar com as formas básicas de organização social nas aldeias, onde
até hoje as chefias de linhagem e as chefias locais, com o auxílio dos conselhos de anciãos e das
associações masculinas e femininas, controlam a vida política local. Por isso não devemos
pensar que ao falarmos de ancestralidade, linhagens, divisão da sociedade em metades
masculinas e femininas e entre grupos de idade, chefias político-religiosas, estamos falando
apenas da realidade da África pré-colonial, existente somente até o fim do século XIX. Ao
contrário, até hoje estes conceitos são fundamentais para entendemos a organização das
sociedades africanas, bem como a visão de mundo de seus membros.
Veremos a seguir como e entre quais povos ocorreu o processo do tráfico de escravos e
seus desdobramentos aqui, na outra margem do Atlântico.
Resumo do Texto
.
•1ª. Parte: África: cultura material e história
• Dinâmica tradição-modernidade
•Plano filosófico: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho,
neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência
é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte
está concretamente ligada à de vida: morrer significa não procriar. Sem filhos, a
linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais
principalmente.
A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica tempo e espaço
ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao
universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o
que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.
entre indivíduos de um
• Objetos pilhados pelos europeus grupo social
• Século XX: valorização da arte africana: Picasso, Matisse, Braque
• Objetos de cerâmica: envolvidos nos rituais cerâmicas para fazer oferendas aos voduns fon,
ou os pilões de Xangô, presentes em seus assentamentos.
• Insígnias de poder: bens de prestígio ligados a chefes e reis; materializam e legitimam seu
poder político, respaldado pelos ancestrais insígnias de caráter comemorativo, como
asséns, cabeças e estátuas de reis, ou simbólico, como bancos e tecidos; penteados,
(indicam status); na metalurgia: braceletes, anéis e outros adornos.
• Objetos com escritas pictográficas ou ideográficas: transmitem a literatura oral, através de
símbolos, ensinamentos de fundo moral, histórico e religioso, expressos em provérbios,
contos, fábulas, adivinhas, epopéias, mitos, poemas os pesos de ouro e tronos ashanti, as
máscaras geledé, os tecidos aplicados, os recades e asséns fon.
• Esculturas: como os bochio dos fon, a akuabá dos ashanti, a boneca turkana, a maternidade
bakongo, o par luba)
• Jogos divinatórios (como o de Ifá) e instrumentos musicais: outras formas de estabelecer a
comunicação entre vivos e ancestrais ou com as divindades
• Imagens humanas pontos de força vital: mãos, pés, cabeça; umbigo proeminente
• Ocidente: arte naturalista, descritiva ≠ arte africana: conceitual
• Androgenia: ancestralidade ambiguidade dos sexos; remissão mítica
• Pés e mãos grandes: força vital na terra está a ancestralidade
• Boca: força da palavra
Gêmeos: mito cosmogônico yorubá: dádiva de Deus; a sombra se materializa por engano.
Slide 3: Estátua Luba, Congo, Angola: os Lubas consideram que as mulheres são
oráculos espirituais
Slide 4: "Pensador de Cokwe": Talvez a parte mais famosa da arte angolana, uma obra-
prima da harmonia e simetria da linha harmonia e simetria da linha
Slide 5: Estátua Makonde (Moçambique): Os Makondes são um povo Bantu
provavelmente originário de uma zona a sul do lago Niassa na fronteira entre
Moçambique, Malawi e Tanzania. Mantiveram-se muito isolados até tarde, pois só no
século XX é que os portugueses, que na altura colonizavam Moçambique, conseguiram
controlar as zonas por eles habitadas. O interesse pela produção de esculturas foi tão
grande que levou a uma maior organização da produção, com diversificação e criação de
novos temas. Este fenômeno mudou por completo o mundo do escultor Makonde, que
passou de camponês que também esculpe, a um artista quase a tempo inteiro.
Slide 7: Ibeji (Yorubá – Nigéria) Ìbejì ou Ìgbejì - é divindade gêmea da vida, protetor dos
gêmeos (twins) na Mitologia Yoruba, identificado no jogo do merindilogun pelos odu
ejioko e iká. Entre as divindades africanas, Igbeji é o que indica a contradição, os opostos
que caminham juntos, a dualidade. Igbeji mostra que todas as coisas, em todas as
circunstâncias, têm dois lados e que a justiça só pode ser feita se as duas medidas forem
pesadas, se os dois lados forem ouvidos.
Slide 8: Vasilha de Ifá (Nigéria) →Ifá, é o nome de um Oráculo africano. É um sistema de
adivinhação que se originou na África Ocidental entre os Yorubas, na Nigéria. É também
designado por Fa entre os Fon e Afa entre os Ewe. Não é propriamente uma divindade
(Orixá), é o porta-voz de Orunmilá e dos outros Orixás. O sistema pertence as religiões
tradicionais africanas mas também é praticado entre os adeptos da Lukumí de Cuba
através da Regla de Ocha, Candomblé no Brasil através do Culto de Ifá, e similares
transplantadas para o Novo Mundo.
Representação da mãe e da filha; pedras amarradas oráculo; dinamismo da flexão
ritmo da força vital ( ver: Alcorão palavra ritmada, aprender recitando)
Slide 11: Máscara Tshiwara (Bamana – Mali). O Mali é um país africano limitado a oeste
e norte pela Mauritânia, a norte pela Argélia, a leste pelo Níger, a sul pelo Burkina Faso,
pela Costa do Marfim e pela Guiné e a oeste pelo Senegal. A capital é Bamako. Mali
pertence ao campo da literatura francófona como Senegal e outros países africanos
francófonos sensíveis às letras. Um de seus maiores expoentes é Amadou Hampaté Bâ, que
se preocupou por retratar as fontes históricas tradicionais, fincando pé na figura dos
griots que representam a persistência da mitologia e a simbologia local, como em L'Éclat/
da grande étoile (1974). Outros nomes importantes em literatura são Massa Makan
Diabaté, poeta que também ressaltou os cantos populares antigos pré-coloniais em Se lhe
feu s'éteignait (1969), além de escrever uma trilogia de novelas sobre um só personagem
feminino: Lhe cycle de Kouta, 1979-1982, e Saïdou Bokoum, com seus trabalhos vinculados
ao impacto colonial. Um dos pilares culturais é a Biblioteca Nacional do Mali, que tem um
centro de documentação e arquivos históricos da época colonial e pré-colonial do Mali.
MÁSCARA: máscara zoomórfica; curvas: movimento; animais totêmicos
Slide 12: Nkondi Lumweno (Congo) Relação com a ancestralidade; Tartaruga: animal
totêmico →união da terra e da água; pano: separa os dois mundos; Reino do Congo: no
século XV, com a chegada dos portugueses, acreditavam que, como a água separa o
mundo dos vivos do mundo dos mortos, els teriam vindo do mundo dos mortos e, por isso,
aceitaram-nos, (D, João II, 1483, Diogo Cão)
Inquisses: (de nkisi, plural minkisi, "sagrado" em quimbundo, termo usado para
objetos, fetiches e estatuetas que contém espíritos chamados mpungo), são divindades de
origem angolana, cultuadas no Brasil pelos candomblés das nações angola e congo.
Slide 13: Geledes (processo) Gelede é originalmente uma forma de sociedade secreta
feminina de caráter religioso existente nas sociedades tradicionais yorubas. Expressa o
poder feminino sobre a fertilidade da terra, a procriação e o bem estar da comunidade.
Gelede é um festival anual homenageando "nossas mães" (awon iya wa), não tanto pela
sua maternidade, mas como ancião feminino. Ela ocorre durante a época seca (março-
maio) entre os Yorubas do sudoeste da Nigéria e o vizinho Benin. A máscara (ou adorno
de cabeça, uma vez que não cobrem o rosto) é um par de um conjunto usado pelos homens
vestidos como mulheres mascaradas para divertir, e aplacar as mães que são consideradas
muito poderosas, e podem usar os seus poderes para o bem ou como feitiçaria de efeitos
destrutivos.
Slide 15: Máscara Geledes Completa (Nigéria) Máscara contemporânea => (observar a
moto)
Slide 17: A última Ceia, Malangatana: Malangatana Valente Nguenha (Matalana, distrito
de Marracuene, 6 de Junho de 1936) é um dos pintores moçambicanos mais conhecidos
em todo o mundo. Em 1997 foi nomeado pela UNESCO "Artista pela Paz"[ Trabalhou em
vários ofícios humildes, tendo entrado no Núcleo de Arte da então cidade de Lourenço
Marques (atualmente Maputo).
╚ Arte Afro-Brasileira
Slide 19: Série Navio Negreiro / Representação de um navio negreiro português: sentido de
carga; não escamoteia o tratamento como mercadoria. A técnica é importante para que não
percam homens.
Slide 21: Série O Rio de Janeiro do século XIX: escravos no cotidiano / A venda de
escravos: Johann-Moritz Rugendas. Repete as técnicas do quadro anterior: expressão falsa da
realidade da escravidão, como se os africanos mantivessem uma rotina; observar a imagem
religiosa, ou seja, a cumplicidade da Igreja.
Slide 22: A casa dos ciganos, Jean-Baptiste Debret: (1768-1848): chamado de "a alma da
Missão Francesa", foi desenhista, aquarelista, pintor cenográfico, decorador, professor de
pintura e organizador da primeira exposição de arte no Brasil (1829). Em 1818 trabalhou no
projeto de ornamentação da cidade do Rio de Janeiro para os festejos da aclamação de D. João
VI como rei de Portugal, Brasil e Algarve. Mas é em Viagem pitoresca ao Brasil, coleção
composta de três volumes com um total de 150 ilustrações, que ele retrata e descreve a
sociedade brasileira. Seus temas preferidos são a nobreza e as cenas do cotidiano brasileiro e
suas obras nos dão uma idéia da sociedade brasileira do século XIX.
Slide 28: As negras de ganho, Jean-Baptiste Debret A imagem dá a ver e a imaginar uma
cidade percorrida por tais mulheres, vestidas de cores vivas, pés descalços, a equilibrar na
cabeça os recipientes que contém os produtos à venda. Vê-se ainda que este espaço da rua onde
se realizam negócios e onde se exerce um trabalho é também um espaço de sociabilidade. As
negras de ganho conversam entre si, interrompem sua venda, a conversar e a fumar. Há uma
comunidade de sentidos que se estabelece entre elas.
Slide 29: Negro cuidando de uma botica e O casamento, Jean-Baptiste Debret. Observar os
negros vestidos à européia.
Slide 30: Batismo, Jean-Baptiste Debret. Observar que até o padre é negro.
Slide 31: Botica, Jean-Baptiste Debret, de 1823: uma típica farmácia do século XIX.
Slide 32: A libertação dos escravos, Pedro Américo (Areia, Paraíba, 29 de abril de 1843 —
Florença, 7 de outubro de 1905) foi um pintor, romancista e poeta brasileiro. Visão
clássica da história brasileira, segundo a elite.
Slide 36: A negra, Tarsila do Amaral 1923, Paris; Influência do seu professor Fernand Léger;
figura industrializada → homens e mulheres articuladas; paisagem racionalizada: justaposição
das partes; olhar perdido, a mulher surge gasta pelo tempo; sexualidade nos lábios; tela de
denúncia.
Slide 37: Cena de Umbanda, Heitor dos Prazeres (Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1898 —
Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1966) Foi um compositor, cantor e pintor autodidata brasileiro.
Heitor começou a trabalhar cedo, na oficina do pai, marceneiro. Dominava o clarinete e o
cavaquinho, e seus sambas e marchinhas alcançaram projeção nacional. Um dos pioneiros do
samba carioca, Heitor compôs seu maior sucesso, Pierrô Apaixonado, ( «Um pierrô
apaixonado,/que vivia só cantando,/por causa de uma colombina,/acabou chorando, acabou
chorando.») em parceria com Noel Rosa. Nos anos 20, Heitor dos Prazeres foi um dos
fundadores da escola de samba Vai Como Pode, que mais tarde chamou-se GRES Portela.
Heitor dos Prazeres adotou a pintura como hábito após a morte da esposa. Nas artes plásticas,
Heitor dos Prazeres teve seu trabalho reconhecido no Brasil e no exterior, com obras presentes
em numerosas exposições. Observar na tela que a religiosidade afro-brasileira, por se encontrar
perseguida, realiza-se em casa.
Slide 39: As três raças, Belmonte (São Paulo, 15 de maio de 1896 — São Paulo, 9 de abril de
1947) foi um caricaturista, pintor, cartunista, cronista, escritor e ilustrador brasileiro.Belmonte
foi o criador da personagem "Juca Pato": careca "por tanto levar na cabeça", cujo lema era
"podia ser pior", e que encarnava as aspirações e frustrações da classe média paulistana.
Inconformado, sintetizava a figura do homem comum, trabalhador, honesto, acossado pela
burocracia, pelo aumento do custo de vida e pela corrupção. Numa época pré-merchandising,
Juca Pato estampou carteiras de cigarros, cadernos escolares, balas, água sanitária, marchinhas
de carnaval, além do bar Juca Pato, ponto de encontro de intelectuais e artistas.
Suas obras têm autonomia em relação às ideias que as forjaram ou não conseguem delas se
liberar? As imagens admitem toda e qualquer leitura?
Podemos pensar as relações entre ideias configuradas visual e verbalmente com "As três
raças”, obra da década de 1930, de Belmonte, ou Benedito Carneiro Bastos Barreto (São Paulo,
1896-1947), que incomodou a muitos com suas críticas veiculadas em ilustrações, caricaturas e
charges.
Com poucas cores, dois pares de tons opostos no espectro cromático – preto e branco, verde
e vermelho –, aplicados em chapadas homogêneas, ele recorta planos que, mais do que delinear
figuras, configura uma paisagem cultural: diferenças, interações, hierarquias.
A economia das cores é simbólica: identificam e atribuem valores aos seres e objetos
representados. O vermelho usado para o índio é um indício da natureza, à qual os nativos
americanos parecem eternamente vinculados, pois remete ao Pau-Brasil, a árvore sanguínea que,
além de ter gerado muita riqueza para os colonizadores, deu o nome à colônia e, depois, ao país.
O africano é representado em preto, em referência óbvia à pele dos nativos na África, o que
reitera a fixação dos mesmos como uma única raça em vez de pertencentes a diferentes
sociedades. O plano verde configura mar e montanha: tanto, especificamente, o oceano
Atlântico e o continente americano, locais do jogo sociocultural, quanto, de modo geral, a
natureza a unificar as raças. Pequenos toques brancos aparecem no cocar do índio, em
componentes do navio e na orelha do negro. O europeu é representado pela caravela, que surge
em negativo, a partir do delinear das outras figuras, e tem a cor do papel – modo de figurar que
associa embarcação e papel como símbolos civilizatórios em oposição aos elementos
circundantes.
Não está a potência gráfica da obra a serviço da “fábula das três raças”? Não é ela uma
ilustração da ideia de superioridade dos europeus brancos sobre os nativos e os africanos? Sim,
em "As três raças”, Belmonte ilustra e defende os preconceitos da época: a inferioridade dos
africanos e afrodescendentes frente aos índios e, sobretudo, aos portugueses. As tão bem
aplicadas cores delineiam estereótipos: o africano é um guerreiro cabisbaixo, cujas armas
pouco se diferenciam de seu corpo – sinal da fraqueza de sua cultura, vista como primitiva
5
CONDURU, Roberto. Arte afro-brasileira. Belo Horizonte: Com arte Editora, 2007.
–, e está subjugado pela caravela portuguesa – signo da moderna tecnologia europeia –,
pela montanha e pelo indígena – símbolos da natureza pujante e atemporal americana.
A obra é, portanto, uma expressão visual do racismo pseudocientífico vigente quando
foi produzida, que defendia o branqueamento da população brasileira. Como não há o tom
crítico usualmente atribuído ao trabalho de Belmonte, com essa imagem ele se perfilou àqueles
que defendiam (e defendem) uma hierarquia das raças que asseguraria a superioridade dos
brancos como grupo dominante na sociedade brasileira.
Contudo, ficam perguntas. Com a passagem do tempo essa obra escapou ao ideário que a
estimulou e respaldou? Ela admite outras visadas?
Forçando a leitura, é possível lê-la como um instantâneo, uma fração de um movimento,
como se o negro estivesse levantando sua cabeça, se reerguendo, para se contrapor às injúrias,
perseguições e violências historicamente sofridas. Um tanto factível, essa leitura ainda insiste,
contudo, na existência das raças, na diferenciação e no acirramento das relações entre elas.
Outro caminho interpretativo mais livre é atentar para os pontos em branco – essa cor
anterior às cores e na qual todas se irmanam – que iluminam pontualmente nativos, europeus e
africanos, e vê-los como indícios de outra conjuntura na qual a ideia de raça esteja superada e os
humanos, unificados na construção de quadros sociais mais justos e harmônicos. Leitura que
põe em suspenso a questão da cor.
REFERÊNCIAS:
– A obra: Belmonte. As Três Raças, déc. 1930. Grafite e guache sobre papel, 44 x 34 cm.
– Lilia Moritz Schwarcz. O espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial
no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras. 1993.
http://www.lab-
eduimagem.pro.br/JORNAL/artigos.asp?imagem=07&NUM_JORNAL=5&NUM_SECAO=07
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