Carta ao Professor
POR MARCOS BAGNO
A lingua sem erros
ossa tradi¢io escolar sempre desprezou a lingua viva, falada
no dia-a-dia, como se fosse toda errada, uma forma corrompida
de falar “a lingua de Cambes”, Havia (e ha) a renga forte de que
A formagao é missio da escola “consertar” a lingua dos alunos, principalmente
3 dos que vém de grupos sociais desprestigiados, como a maioria
do cidadao dos que freqiientam a escola publica. Com isso, abriu-se um abismo
também passa profurndo entre a lingua (ea cultura) propria dos alunos ea lingua
z (e acultura) prépria da escola, uma instituicio comprometida com
pela admissao, 08 valores e as ideologias dominantes. Felizmente, nos tiltimos 20
no convivio social poucos anos, essa postura sofreu muitas criticas e cada vez mais se
4 aceita que é preciso levar em conta o saber prévio dos estudantes, sua
de todas as formas _ tingua familiar e sua cultura caracteristica, para, partir dai, ampliar
seu repertério lingiiistico e cultural.
de falar e escrever Por isso, em vez de reprimir e proibir 0 uso, na escola, da linguagem
dos jovens, ha muito mais vantagens em dar espaco para ela em sala
de aula, promover algum tipo de trabalho que tenha como objeto essa
linguagem. Por exemplo, trazer para a sala de aula a produgao escrita
‘ou musical desses jovens — grafites, fanzines, raps -,
EN examinar 0s tragos lingiisticos mais interessantes,
>) 0s tipos de construcio sintitica mais freqitentes,
a prontincia, o vocabulério, sem erguer barreiras
preconceituosas contra as girias e expresses
consideradas “vulgares". Sugerir atividades lidicas
como “traduzir” um poema clissico para linguagem
dos guetos, das favelas, das periferias.
E urgente reconhecer que todas as formas
de expresso sio vilidas e constituem a identidade
individual e coletiva dos membros das miltiplas
comunidades que compSem a nossa sociedade. Que
a formagao do cidadao também passa pela admissao,
no convivio social, de todas as formas de falar e de
escrever. Que é preciso levar o estudante a se apoderar
de recursos lingiisticos mais amplos, para que
se possa inserir (se quiser) na cultura letrada, isso no
deve passat pela supressio nem pela substituicio
de outros modos de falar, de amar e de ser.
Marcos Bagno ¢escitor,tadutor,Inglstae professor da Universidade de Bras.
Deyson Gilbert élistrador
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