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Sas CAPITULO I A APRENDIZAGEM DA| AVALIACAO Sobre a necessidade do educador aprender a avaliar a aprendizagem Recentemente, fui convidado para fazer uma confe- réncia sobre “Avaliacio da aprendizagem” fui surpreendi- do na hora da apresentacio, quando o locutor comunicou que eu faria uma conferéncia sobre “A aprendizagem da avaliagiio”. Ele mesmo comunicou aos patticipantes que parecia um erro o amincio dele, porém que efetivamente a troca do lugar dos termos no titulo da conferéncia era in- tencional, pois que o que importaria era que “aprendéssemos a avaliar a aprendizagem”. Gostei da intuigaio do coordenador da conferéncia, por isso, escrevo esse artigo dando corpo a esse tema. Nossa hist6ria da avaliagao da aprendizagem é recente, enquanto que nossa histéria dos exames escolares j4 é um tanto mais longa. Os exames escolares, que conhecemos e hoje ainda praticamos em nossas escolas foram sistemati- zados no decorrer dos séculos XVI e XVII, junto com a emergéncia da modernidade. A escola que conhecemos no presente é a escola da modernidade e, junto com ela foram a _O texto deste capitulo & novo nestelivro, Fora escrito no ano de 2008, para ser publicado na revista ABC Educatio, no espaco edito tial "Coluna’ Todavia, nao 0 foi etn funcao da extincdo de revista; por iss0, ainda é inédito paraosleitores, Nele, a partir de um desafio para fazer uma conferéncia sobre © tema “A aprendizagem da avaliagao’, lembro 20s educadores que a questo da avaliagao ¢ relativamente nova em termos de tempo e recentemente vem sendo colocada 8 frente de todos és educadores. Necessita- mosw ‘aprender’ a avaliar a aprendizagem. Esse é um ato que ainda no se trans- forrnou numa habilidade para todos nds. Nosso senso comum esta comprometido com os exames escolares @ n8o com a avaliacéo. O capitulo convida o leitor a ingressar nesse estudo. 28 CIPRIANO CARLOS LUCKESI sistematizados os exames escolares, da forma como genericamente eles ainda ocorrem hoje. Certamente que nesse longo periodo ocorreram mu- dangas, contudo sempre superficiais, na medida em que o niicleo do modo de agir se cimentou ao longo desses anos, impregnando nosso modo de nos conduzir no processo de acompanhar a aprendizagem dos nossos educandos. Os exames escolares, da forma como foram sistematizados nesse pe- riodo, tém aproximadamente quinhentos anos de vigéncia. Eles so conhe- cidos e utilizados a milénios (eram utilizados na China 3.000 anos antes da era crista para selecionar soldados para o exército), mas, da forma como eles so praticados ainda hoje na escola, tém suas configuracées situadas no periodo acima indicado, A avaliagio da aprendizagem, por sua vez, somente comegou a ser proposta, compreendida e divulgada a partir de 1930, quando Ralph Tyler cunhou essa expressio para dizer do cuidado necessério que os educadores necessitam ter com a aprendizagem dos seus educandos. Nesse periodo, ele estava preocupado com o fato de a cada cem criangas que ingressavam na escola, somente trinta eram aprovadas, ou seja, anualmente, permanecia um residuo de setenta reprovadas, 0 que, em sintese, supostamente signi- ficaria que elas nfo tinham processado uma aprendizagem satisfatoria. Digo supostamente devido nao termos um controle dos recursos técnicos que eram utilizados, naquele momento histérico, para aquilatar a aprendi- zagem dos educandos. Para esse educador, essa perda era excessiva. Ento, propds que se pensasse € se usasse uma pratica pedagdgica que fosse eficiente e, para tan- to, estabeleceu o “ensino por objetivos”, o que significava estabelecer, com clareza ¢ preciso, o que o educando deveria aprender e, como consequéncia, 0 que o educador necessitava fazer para que o educando efetivamente aprendesse. E, para construir 0s resultados desejados, propés um sistema de ensino, que seria 0 mais dbvio possivel: (1) ensinar alguma coisa, (2) diag- nosticar sua consecugao, (3) caso a aprendizagem fosse satisfatéria, seguir em frente, (4) caso fosse insatisfatéria, proceder a reorientacdo, tendo em vista obter o resultado satisfatério, pois que esse era o destino da atividade pedagégica escolar. Essa proposta singela e consistente nfo conseguiu ain- da ter vigéncia significativa nos meios educacionais, nesses oitenta anos de educago ocidental, que nos separa de sua proposi¢ao. ‘AVALIAGAO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR 29 No caso do Brasil, iniciamos a falar em avaliacdo da aprendizagem no final dos anos 1960 ¢ inicio dos anos 1970 do século XX, portanto temos em torno de quarenta anos tratando desse tema e dessa pratica escolar. Antes, somente falavamos em exames escolares. A LDB, de 1961, ainda contém um capitulo sobre os exames escolares ¢ a Lei n. 5.692/71, que redefiniu o sistema de ensino no pais, em 1971, deixou de utilizar a expres- so “exames escolares” e passou a usar a expresso “afericaio do aproveita- mento escolar”, mas ainda nfo se serviu dos termos “avaliagio da aprendi- zagem’. Somente a LDB, de 1996, se serviu dessa expressfio no corpo legislativo. No caso, nossa atual legislagao educacional conseguiu assimilar as novas proposigdes, porém nossa pratica escolar, ainda esta bastante Jonge de consegui-la. Em nossas escolas, puiblicas e particulares, assim como nos nossos diversos niveis de ensino, praticamos muito mais exames esco- lares do que avaliagao da aprendizagem. Daf, entio, que a formulacao do titulo de minha conferéncia, ainda que tenha me surpreendido, se me apresentou como profundamente significativo. Estamos necessitando de “aprender a avaliar”, pois que, ainda, estamos mais examinando do que avaliando. Nosso senso comurn, na vida escolar, é de examinadores e nao de avaliadores. Para distinguir essa duas condutas — examinar ou avaliar na escola —, basta relembrar sucintamente que o ato de examinar se caracteriza, espe- cialmente (ainda que tenha outras caracteristicas) pela classificagdo e seleti- vidade do educando, enquanto que o ato de avaliar se caracteriza pelo seu diagnéstico e pela inclusdo. O educando nao ver para a escola para ser sub- metido a um processo seletivo, mas sim para aprender e, para tanto, neces- sita do investimento da escola e de seus educadores, tendo em vista efeti- vamente aprender. Por si, nfo interessa ao sistema escolar que o educando seja reprovado, interessa que ele aprenda e, por ter aprendido, seja aprovado. O investimento necessario do sistema de ensino é para que o educando aprenda ¢ a avaliagéo esta a servigo dessa tarefa. Os exames, por serem classificatérios, nfo tém essa perspectiva; a sua fungSo é de sustentar a aprovacdo ou reprovacao do educando; funcio diversa de subsidiar um in- vestimento significativo no sucesso da aprendizagem, propria da avaliacio. Assim sendo, entre nés educadores, ha necessidade de investir na “aprendizagem da avaliacao”. Essa é uma habilidade que necessitamos

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