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SUDÁRIO - ESCRITA E CORPO EM HILDA HILST

Diego Pereira Ferreira

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A partir do capítulo Lázaro, do romance Fluxo-Floema, de Hilda Hilst, escavo


incessantemente essa matéria literária, esse resíduo gerado pela escrita de Hilst, com a
preocupação de entender o que se “ejeta” nessa escrita, quais as possíveis relações entre obra e
autor, mas além, entender a literatura como aparição, no âmbito do corpo – com todos os seus
percalços, com suas notas de estranheza. Um corpo-fora de qualquer acentuação da intimidade
do autor, corpo-fora do divã, do lugar delimitado de existência. O texto Lázaro, mote deste
trabalho, percorre uma narrativa bíblica para pensar o corpo da perspectiva da encarnação e
ressurreição, relacionando a experiência-limite da morte à escrita, criando uma imagem da
escrita como processo de corporação. Este trabalho surge a partir do encontro entre a
experiência de ressurreição de Lázaro, sugerida por Hilst, e a noção de informe, de Georges
Didi-Huberman. Encontro esse que surge a partir de um atrito, criado pelo gesto de Lázaro, que,
após ressuscitar, tenta relatar ao leitor a experiência da morte e se confronta com os limites da
própria palavra, confronta-se com o impronunciável. É a partir de então que o personagem de
Hilda cria inúmeras imagens para descrever essa experiência, imagens que laceram, abrem o
sentido, criando camadas de estranhezas. No momento em que o personagem nos descreve a
sensação de ter consciência de sua morte, isto é, a possibilidade de viver a morte como uma
experiência da vida, testemunhá-la, entendemos que esse jogo de duplicidade e estranhamento
não se localiza exclusivamente na figura de um cadáver, mas uma possibilidade real de
experiência onde a forma do corpo encontra necessariamente um Outro, esse “estranho que nos
habita”. Hilda demonstra sistematicamente que essa consciência, ou seja, essa experiência do
informe, é a força motriz de seus textos, é algo que atravessa sua obra. Em diálogo com a escrita
de Hilst, me aproximo também da noção de semelhança de Georges Didi-Huberman
apresentada em seu artigo “De semelhança a semelhança”, onde pensa a noção de
dessemelhança através das imagens de diferentes esculturas de bustos e rostos, bem como
máscaras mortuárias. A semelhança que poderia ser pensada como relação, pressuposta por uma
duplicidade (um primeiro que se assemelhe a um segundo), mas para Didi-Huberman ela nunca
se apazigua. A semelhança é como uma espécie de digladiação de formas, onde não há um
original ao qual a cópia se assemelhará, mas constante embate, atrito, que impede que qualquer
forma se feche. Segundo Didi-Huberman, “é preciso entender a semelhança como o que
desconjunta o rosto da vida”. Assim se pensa a “semelhança dessemelhante”, como Lázaro e
seu duplo, seu corpo ressuscitado, um toca o outro, um deforma o outro, se desconjuntam. Hilda
provoca, portanto, o pensamento da estranheza, isso que excede o reconhecimento, o momento
no qual um dado objeto se dissolve no olhar. Deste lugar silencioso do qual parte o olhar - nas
palavras da escritora, desse “silêncio profundo bem dentro dos olhos” - tudo o que se pode
tatear, o que ainda se alcança com a ponta dos dedos, se aproxima mais e mais da abjeção,
encontra no sudário a imagem dessa sobra.

Palavras-chave: Corpo. Escrita. Semelhança. Abjeção. Sudário.

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