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(projeto e subprojetos)
SUMÁRIO
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Crítica da violência: relações com a moral, o direito e o poder
Projeto de pesquisa
2019/2023
Resumo
O vasto campo da moral abrange, em ato e representação, nossa vida, nosso eu e tu, nós
e eles, o valor dos atos, das coisas, do mundo, o modo mesmo do reconhecimento. As
expressões estão carregadas de moralidade, os atos impregnados de juízos, as coisas, de
estimas. Apesar de valores e sentimentos concernirem claramente ao campo moral, é-
nos impossível traçar seus limites de modo claro e distinto. Do mesmo modo, conceitos
a ela relativos, como os de bem e mal, ou de violência e justiça. Em especial, em relação
à violência, a opacidade das coisas morais se mostra ainda mais densa e obscura, de
difícil discernimento. O papel de uma crítica da violência, em todo caso, é encontrar
formas de inteligibilidade do fenômeno, que permitam antes de tudo reconhecê-la
enquanto tal, a fim elencar suas condições de possibilidade e os enquadramentos da vida
que a precarizam como passível de violência. Do mesmo modo, quais mudanças se
deram no enquadramento da vida que tornam possíveis a preocupante escalada da
violência. Não existe, pois, como se sabe, a coisa violência ou a coisa justiça. A palavra
“violência” não designa algo, senão uma qualidade. Tanto Benjamin quanto Arendt
reconhecem que “A própria substância da ação violenta é regida pela categoria meio-
fim” (ARENDT, 2009, p. 18); “a violência pertence à esfera dos meios, não dos fins”
(BENJAMIN, 2013, p. 122). Violência é o modo do ato, o caráter da força, um meio
para um fim. A violência é expressão de poder (ou de sua perda). Ainda que violência
não coincida com poder, a ele está associado e é uma expressão sua, como, de outro
modo, do direito, que reclama a exclusividade da violência para si, e pertence à esfera
da moral, associada diretamente ao conceito de justiça, como contrário seu. Por outro
lado, ela afeta diretamente a saúde, com números alarmantes – mesmo assim, as
relações entre violência e saúde não são tematizadas agora no começo da pesquisa. A
crítica da violência que propomos aqui busca formas de inteligibilidade do fenômeno;
questiona sobre o conceito de violência, sua abrangência e tipos, sobre suas relações
com a moral, o direito e o poder; examina seus argumentos e legitimações sociais; além
de promover a fabricação de cartilha de divulgação de dados e resultados ou paradigmas
por nós estudados, fazendo uso de quadrinho e ilustrações, através do projeto de
extensão Marte-SSA: Quadros de Violência, associado a esse projeto de pesquisa.
Partimos aqui do debate sobre a violência entre os filósofos e teóricos desde Nietzsche:
Walter Benjamin, Adorno, Hannah Arendt, Emmanuel Lévinas, Frantz Fanon, Jean-
Paul Sartre, Michel Foucault, Giorgio Agamben, Judith Butler, Slavoj Žižek, Angela
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Davis, Heleieth Saffioti, dentre outros. Neles encontramos princípios, conceitos,
argumentos próprios a esclarecer o fenômeno e, espera-se combatê-lo. Paralelo ao
estudo bibliográfico, o grupo de pesquisa – formado por bolsistas de IC, orientandos de
TCC, monitor de extensão e orientador – deve problematizar a violência noticiada pela
grande mídia e os dados sobre os números das diversas formas de violência. Cremos
que o debate teórico ganha densidade quando pode ser visto refletido na ordem do dia, e
esta é mais bem compreendida pelos conceitos e paradigmas da teoria.
Objetivo Geral
Realizar uma crítica da violência a partir de suas relações com a moral, o direito e o
poder.
Objetivos Específicos
Resultados Esperados
1) Orientações de IC;
2) Orientações de TCC;
3) Orientações de PIBID;
4) Palestras, comunicações e minicursos;
5) Cartilhas informativas em PDF, difundidas por meios virtuais (quiçá impressos),
sobre dados da pesquisa ou paradigmas de violência;
6) Artigos publicados em uma revista acadêmica.
Justificativa
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Brasileiro de Segurança Pública) e o Mapa da violência (de Julio Jacobo Waiselfisz).
Não há, portanto, exagero em afirmar que nos tornamos mais violentos, apesar de toda a
ode à paz entoada na grande mídia. A questão que colocamos enquanto filósofos é quais
enquadramentos das pessoas ou populações as tornam passíveis de sofrer agressões.
Começamos por buscar um conceito de violência que permitisse compreendê-la nesse
alcance que nos toca, e no instiga à ética.
Perde-se, porém, algo com a reserva operatória. Por exemplo, não há, obviamente,
violação dos direitos humanos na diferenciação de brinquedos e jogos por gênero, mas
não aí há nenhuma violência?! A partir do exemplo, entendemos como semelhantes os
conceitos de ruptura da integridade e de depauperamento da potência, e, do mesmo
modo, a precarização da vida. Além de degradar as potencialidades, precarizar
habilidades, que deixam de se desenvolver graças à diferenciação, o exclusivismo das
brincadeiras gera problemas de gênero, que podem desencadear até agressões físicas no
ambiente familiar e público; em outras palavras, pessoas são feridas em sua integridade
física e moral, e emocional, esta que acompanha sempre qualquer forma de violência.
De outro modo, pode-se dizer que na fabricação de brinquedos há racismo estrutural, o
qual denuncia, por exemplo, Larissa Luz (Bonecas pretas), quando canta:
Um caso contestável/ Direito questionável/ Necessidade de ocupar/ Invadir as
vitrines, lojas principais/ Referências acessíveis é poder pra imaginar/ Mídias
virtuais/ Anúncios constantes/ Revistas, jornais/ Trocam estética opressora//
Por identificação transformadora// Procuram-se bonecas pretas/ Procura-se
representação!
Tomar consciência de que os monstruosismos não estão distantes de nós, como quando
dizemos “a violência cresce no Brasil”, “o Brasil torna-se cada vez mais violento”; ao
contrário, preferimos aqui começar afirmando: “Nós nos tornamos mais violentos”, pois
nos implica, e solicita de nós um caminho para a ética. Este que perseguimos pelo
estudo de obras de contemporâneos concomitante ao debate sobre a violência noticiada
nas mídias. A partir disso, com o projeto de extensão Marte-SSA: Quadros de
Violência, produzimos material de cunho didático ou artístico, em que se divulgam
percepções da realidade e dados e teses sobre a violência, além de obras que promovam
um reconhecimento positivo de si e do outro. Para uma pesquisa filosófica que
problematiza o próprio social, pensamos ser essencial a constituição de um grupo de
estudos com encontros regulares, pois fundamental a discussão, que é o contrário do
pensar solitário.
Menciono aqui algumas informações sobre dois ex-bolsistas IC, que foram orientados
por mim por dois anos consecutivos, pois creio demonstrar com isso a seriedade com a
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orientação de IC, e do nosso compromisso (meu e dos orientados) com a pesquisa e sua
comunicação e com o fomento da pesquisa em Filosofia. Gláucia Silva do Nascimento
(2016-2017 e 2017-2018), da primeira turma do curso, formada em 2018.1, foi
aprovada em primeiro lugar para o Mestrado em Filosofia do Programa de Pós-
Graduação da UFSCar, e já cursa desde início de 2019. Emerson Costa Farias (bolsista
voluntário IC em 2016-2017 e bolsista IC 2017-2018) pega disciplina como aluno
especial na Pós-Graduação de Filosofia. Ele foi classificado e habilitado em segundo
lugar no concurso para professor de Filosofia do Estado da Bahia, edital 2017, NTE 26 -
Salvador e região metropolitana. E porque, entre o fim de 2018 e o início de 2019, ele
estava ocupado com tudo que envolvia se efetivar como professor, acabou não podendo
realizar a seleção para o Mestrado, que ocorreu no mesmo período. Elenco a seguir os
produtos dos discentes-bolsistas em relação aos dois anos sobre minha orientação:
Gláucia Silva do Nascimento apresentou cinco comunicações, uma exposição em
formato de banner, três publicações em Cadernos de Resumos, um artigo em revista
científica, e um TCC com nota 10 (dez). Emerson Costa Farias, por sua vez, apresentou
seis comunicações, uma exposição em formato de banner, duas publicações em
Cadernos de Resumos.
Metodologia
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direito e o poder. Ela se concentra inicialmente no debate sobre a violência entre os
filósofos contemporâneos. Trata-se, de todo modo, de uma leitura comparativa, que
compreende os filósofos em sua própria época (sobre o impacto de guerras, massacres,
revoluções) e nas ressonâncias de sua recepção. Com a orientação de iniciação científica
se alcança maior abrangência temática e se aprofunda o estudo. Assim, as diferentes
pesquisas dos subprojetos aqui apresentados contribuem com o estudo das formas de
reconhecimento assimétrico, a saber, como se encontra no caráter moral da linguagem;
como se dá no relato de si em relação ao gênero; e como o poder estatal ferem a
integridade de pessoas por sua sexualidade.
Por outro lado, a iniciação científica é antes e principalmente um modo de formar bons
leitores de filosofia. A orientação de IC faz este professor-pesquisador avançar mais na
pesquisa, dado o volume de leitura necessário, porque dispõe de fichamentos, mas
principalmente pelo ritmo que imprime um grupo de estudos, além daquilo que é mais
bem compreendido no diálogo; ao mesmo tempo, cumprindo seu papel principal de
formar jovens pesquisadores na área de filosofia.
Outro ganho para a pesquisa está em seu desdobramento no projeto de extensão Marte-
SSA: quadros de violência, que visa a produção artística e didática de reflexões sobre a
precariedade de nossa realidade, não exclusivamente de modo negativo. Também em
relação ao ensino (por ex., no caso do PIBID, do qual sou coordenador voluntário):
fomentar a produção de material midiático diverso que reflita criticamente a violência,
incluindo seu modo de aparição e reprodução midiático, e divulgá-los mediante
publicações impressas, sites e redes sociais.
Infraestrutura disponível
Revisão de Literatura
Nas palavras de Judith Butler (2017, p. 243), Emmanuel Lévinas define a violência de
modo assustador: ela é “uma ‘tentação’ que um sujeito pode experimentar quando se
depara com a vida precária do outro que é comunicada através do rosto”. Forte,
desagradável, sua definição implica-nos; é assustadora; faz-nos reconhecer em nós o
desejo de uma violência abjeta que de algum modo aparece – como uma “tentação”: “o
rosto do outro, em sua precariedade e vulnerabilidade, é para mim – diz Lévinas – a
tentação de matar e o apelo à paz, o ‘Não matarás’” (1999, p. 141, tradução nossa).
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identificável (o rio), é uma violência subjetiva, “experimentada enquanto tal contra o
pano de fundo de um grau zero de não violência”, “percebida como uma perturbação do
estado de coisas ‘normal’ e pacífico”, enquanto as margens que comprimem o rio
exercem uma violência sistêmica, a violência propriamente objetiva, opaca, porque
inerente ao estado “normal” de coisas, porque “sustenta a normalidade do grau zero
contra a qual percebemos como subjetivamente violento” (p. 17-18). Do rio quando
dizemos que é violento, a ele atribuímos um valor, que o converte em símbolo de
temível. Não se trata aqui de um uso excessivo, ao contrário, faz parte da linguagem
enquanto violência simbólica: “é a linguagem, e não o interesse egoísta primitivo, o
primeiro e maior fator de divisão entre nós, é devido à linguagem que nós e os nossos
próximos podemos viver “em mundos diferentes” mesmo quando moramos na mesma
rua” (p. 63); “A ‘barreira da linguagem que me separa para sempre do abismo de outro
sujeito é simultaneamente aquilo que abre e que mantém esse abismo – o próprio
obstáculo que me separa do Além é aquilo que cria a sua imagem” (p. 67).
[MORALIDADE DA MORAL]
Devemos também considerar o prazer associado à violência, que faz dela algo desejável.
Na violência desejada por Lévinas, percebemos a alegria em tiranizar como uma espécie
de “lei geral na história do espírito”, de que fala Nietzsche (HH, 50)1 quando cita a
sentença de Prosper Mérimée – “não há nada mais comum do que fazer o mal pelo
prazer de fazê-lo”. Na verdade, “A crueldade pertence à mais antiga alegria festiva da
humanidade”, no tempo em que se ofereciam aos deuses espetáculos de crueldade, e é
daí que vem a ideia de que o sofrimento voluntário, o martírio deliberado, tem um bom
sentido e valor.
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Todas as citações de Nietzsche foram traduzidas aqui a partir da eKGWB (2009) – Digitale Kritische
Gesamtausgabe Werke und Briefe, organizada por Paolo D'Iorio, edição revisada do trabalho de Giorgio
Colli e Mazzino Montinari –, disponível no site Nietzsche Source. Aqui indicamos sempre as iniciais
dos títulos traduzidos para o português, seguidas do número do parágrafo, como fazem seus
comentadores: A – Aurora; CP – Cinco prefácios para livros não escritos; GC – Gaia ciência; HH –
Humano, demasiado humano; OS – Opiniões e sentenças diversas. Nas referências, indicamos boas
traduções das obras citadas.
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O homem moderno é tão pouco ético, no sentido de obediência cega a uma tradição, se
comparado com os milênios que lhe antecederam. – Se por um lado, no nosso tempo a
moralidade está enfraquecida, se comparada àquele grande período dos começos da
civilização, ou mesmo se compara ao século XIX, por outro lado, não ignoramos a
incomensurabilidade de sua força coercitiva, como norma ou paradigma, e ainda com
penosas prescrições que, no fundo, são supérfluas (pensamos, por exemplo, no caso do
trado de pais para com os “erros” dos filhos, com seus “não faça isso!”, “não faça
aquilo!”, “que feio!”, “você é mau!”; e logo os filhos aprendem que o “erro” deve ser
“corrigido”, com admoestações e sanções).
Aprendemos quando crianças que devemos revidar o mal com o mal, e que o bem e o
bom são também isso: vingar-se de uma violência sofrida; assim, quando caímos e
choramos, nossos pais nos ensinam a bater em coisas que nos “machucaram”, e
aprendemos a ter satisfação com isso, mesmo quando a dor causada por nossa vingança
no objeto rígido é maior do que a primeira “ofensa” do objeto. Apesar de talvez não
notarmos com quais procedimentos simbólicos, por sua opacidade, aprendemos a
desprezar a vida precária. Moralidade, sentimento, instinto de rebanho, prazer em seguir
o rebanho, em ser rebanho, tal como o rebanho trata a vida precária. Um adágio popular
perdido diz: “Quando uma galinha está amarrada, as outras vão lá bicar”. Pois bem, a
ordem social das bicadas é a violência objetiva sistêmica, objetiva, opaca – e habita
mesmo um homem cuja vida foi dedicada à Ética. O desejo confessado por Lévinas,
aquele que em Butler se torna mesmo o conceito de violência, é paradigma da violência,
não latente nem invisível, senão opaca, quer dizer, densa e difícil discernibilidade.
[DIREITO E ESTADO]
Assim como depois Benjamin, como veremos a seguir, Nietzsche fala da violência na
origem do direito e do Estado: “‘O vencido pertence ao vencedor, com mulher e filho,
com bens e sangue. É a violência que dá o primeiro direito, e não há nenhum direito que
não seja em seu fundamento arrogância, usurpação e ato de violência’” (CP, III, 7),
ainda que a historia de modo geral pouco elucide sobre isso. Precedida pelo “violento,
poderoso, o fundador original do Estado, aquele que avassala os mais fracos”, a
moralidade mesma conserva o caráter de coerção por muito tempo ainda, e faz do
indivíduo sua vítima. “Depois se torna costume, depois ainda obediência livre,
finalmente quase instinto”, e então, “chama-se virtude.” (HH, 99).
Há ainda tal elemento a se considerar naquilo que disse Lévinas sobre a tentação da
violência, quiça o mais importante, isto é, o de sua relação com a justiça, não só na
forma de interdição, no combate à violência pela lei, mas também a exclusividade da
violência reclamada pelo o Estado – aquela que o direito reclama para si. Eis o cerne da
crítica para Benjamin. Na “Crítica da violência”, esta é definida por suas relações com o
direito e a justiça, pois a violência atinge as relações éticas, estas definidas precisamente
pelos conceitos de direito e justiça. O título original do ensaio, Zur Kritik der Gewalt,
merece um comentário: desde Kant, “Kritik” tem na filosofia principalmente o sentido
de investigação dos limites de algo e suas implicações; e “Gewalt”, além de “violência”,
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significa “poder”, “força”, como no caso de “Naturgewalt”; daí, há uma antiga tradução
do título em português como “Crítica da violência – crítica do poder” (BENJAMIN,
1986).
Agamben (2004, p. 84) define claramente o objetivo de Benjamin no ensaio, quer dizer,
“garantir a possibilidade de uma violência [ou poder] [...] absolutamente ‘fora’
(ausserhalb) e ‘além’ (jenseits) do direito e que, como tal, poderia quebrar a dialética
entre violência que funda o direito e violência que conserva”. Rech e Lucas (2018, p.
103) observam o tipo de inversão que opera Benjamin: enquanto “na tradição moderna,
toda a política encontra seu limite na violência, e tem como ponto de partida o direito”,
no ensaio, a violência aparece “como fonte, e o direito como o término do político”. Ela
cumpre duas funções, a de instaurar e a de manter o direito.
Devemos, porém, ter cuidado, porque Benjamin não faz coincidir violência com poder.
A crítica de Hannah Arendt (2009, p. 71), opõe precisamente a violência ao poder,
fazendo deles termos opostos: a afirmação absoluta de um significa a ausência do outro.
A violência aniquila o poder, não o cria: “O domínio pela pura violência advém onde o
poder está sendo perdido”. Sua crítica parece-nos demasiado idealista, mesmo assim,
porém, importante, porque delimita uma distância entre poder e violência, além de ser
certeira quanto à relação entre decréscimo de poder e aumento da violência. Em seus
estudos sobre a violência fruto do machismo, Saffioti e Almeida (1995) levantam a
hipótese de que é no momento da impotência que os homens praticam atos de violência.
[ABOLICIONISMO PENAL]
Também aí vemos, com Nietzsche, o papel das obrigações legais na emergência dos
conceitos morais de “culpa”, “consciência moral”, “dever”, “sacralidade do dever” , e o
da crueldade – “o seu começo foi, como o começo de tudo o que é grande na terra,
banhado profunda e longamente com sangue”, de tal modo que mesmo o imperativo
categórico de Kant cheira a crueldade (GM, II, 6). A tese é a violência implicada na
construção do “eu” implica no processo de internalização da violência, como diz Han
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(2018, p. 22-23), na revisão de como a crueldade se volta contra si: “A agressão contra
os outros transformou-se em autoagressão.”
Jean-Marie Guyau (2007, p. 57) já denuncia, em 188..... a lei do “olho por olho, dente
por dente”: “Para defender-se, aniquila-se o agressor”. Segundo Guyau, “Quanto mais
sagrada é uma lei, mais ela deve estar desarmada, de tal modo que, no absoluto e fora
das conveniências sociais, a verdadeira sanção parece dever ser a completa impunidade
da realizada. [...] toda justiça propriamente penal é injusta” (p. 27). No mesmo sentido,
a filosofia de Nietzsche tem por um objetivo central seu retirar do mundo os conceitos
de pecado e de punição. Desafio heroico na medida em que parece que a educação do
gênero humano foi conduzida pelas fantasias de carcereiros e carrascos, que o conceito
de punição infestou completamente o mundo, segundo a absurda lógica que toma causa
e efeito como culpa e punição (A, 13 e 11): Nosso crime contra os criminosos consiste
nisso, que o tratemos como vilões (HH, 66); Que coisa estranha, nossa punição! Não
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purifica o criminoso, não é nenhuma expiação: ao contrário, mancha mais do que o
próprio crime (A, 239);
Como ocorre de que toda execução nos insulte mais do que um assassinato?
É a frieza do juiz, a penosa preparação do suplício, a percepção de que um
homem é aí usado como um meio para assustar outros. Pois a culpa não é
punida, mesmo se uma houvesse: esta se acha em educadores, pais, nos
arredores, em nós, não no assassino, – penso nas circunstâncias
determinantes. (HH, 70).
Uma crítica da violência aponta, decerto, para além da abrangência, tipos e opacidade,
para o caráter abjeto, e refuta inclusive os argumentos que a legitimam. – Mas dito
assim, parece que tomamos toda violência como injusta; não há, porém, nenhuma
violência legítima que mereça se não uma apologia, uma defesa? Há sim, ou pelo menos
assim consideram uma série de filósofos; ao tempo em que denunciam a violência legal,
do Estado, reconhecem como legítima uma forma de violência que aniquila a ordem do
direito e da violência por ele perpetrada.
Walter Benjamin (2011) vê na greve geral dos trabalhadores uma “violência pura”,
capaz de romper com a ignóbil violência do continuum da história, um Jano de duas
faces, a da guerra e a do direito, que tem sua personificação precisamente na polícia: “O
infame de uma tal instituição [...] reside no fato de que nela está suspensa a separação
entre a violência que instaura o direito e a violência que o mantêm” (p. 135).
Encontramos aí o mesmo messianismo revolucionário de Marx e Engels (2007, p. 42),
quando sustentam a necessidade da revolução, não só porque a classe dominante não
pode ser deposta por outros meios, “mas também porque somente com uma revolução a
classe que derruba detém o poder de desembaraçar-se de toda a antiga imundície e de se
tornar capaz de uma nova fundação da sociedade”. De outro modo, Frantz Fanon (2015,
p. 78-79) vê na Revolução Argelina um meio de deter o processo violento que os
europeus lhe imprimem: “o colonialismo não é uma máquina de pensar, não é um corpo
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dotado de razão. Ele é a violência em estado natural, e só pode se inclinar diante de uma
violência maior”. Para eles, vale o adágio de Sartre (2005, p. 38), segundo o qual
“nenhuma suavidade apagará as marcas da violência: só a violência é que pode destruí-
las”.
Diferente de Marx, Benjamin e Fanon, porém, encontramos em Sartre (2015), por sua
procedência, a má consciência frente ao colonialismo: “as vozes amarelas e negras
ainda falavam do nosso humanismo, mas era para acusar a nossa inumanidade” (p. 23)
“É necessário que nós, europeus, nos descolonizemos, isto é, extirpemos, por meio de
uma operação sangrenta, o colono que há em cada um de nós” (p. 42). Depois, ele ainda
cita a confissão espantosa de um europeu: “Há alguns anos, um comentarista burguês –
e colonialista – só achou isto para defender o Ocidente: ‘Nós não somos anjos, mas pelo
menos temos remorsos’” (p. 44). Diante dos massacres, da desumanização do colono,
Sartre diz a famosa frase, que ainda hoje é citada com espanto: “no primeiro tempo da
revolta, é preciso matar. Abater um europeu é matar dois coelhos de uma só cajadada, é
suprimir ao mesmo tempo um opressor e um oprimido: restam um homem morto e um
homem livre” (p. 39)
Diante da comoção exigida pela grande mídia frente às grandes atrocidades, aos crimes
contra a humanidade, Žižek (2014, p. 18) aconselha a frieza do estudo, a ponto de se
sentir tentado a repetir as palavras de Robespierre – “Deixai de agitar à minha frente o
manto sangrento do tirano ou crerei que quereis acorrentar-me a Roma” – aos que
deploravam as vítimas inocentes do terror revolucionário, quando “a mídia norte-
americana acusou as populações de países estrangeiros de não demonstrarem suficiente
simpatia perante as vítimas dos ataques do 11 de Setembro”. Por outro lado, ele escreve
um livro para refletir sobre o acontecimento (Bem-vindo ao deserto do Real!) e é o
filósofo que se manifestou favorável à Occupy Wall Street 2011 (ver Primeiro como
tragédia, depois como farsa). – O que nos assusta e comove são os números. Os
números, seu caráter objetivo. Estes que apontam para uma elevação significativa da
violência, especialmente no Brasil, em que os números já alarmantes superam cada vez
mais as baixas de qualquer guerra no planeta. De outro modo, também as imagens de
jornalismo em geral, mas não pela via do agenciamento por ele visado, senão
precisamente dos efeitos por ele visados.
A mídia em geral nos solicita uma forte dose de paixão frente às tragédias sociais, o que
as exime de buscar as condições de possibilidade do acontecimento, limitando-se a
parear o povo na compaixão que nele desperta, e nomear com dedo em riste os
“culpados”: vândalos, psicopatas, marginais. Não é nenhuma análise dos
acontecimentos aquela que termina com um ponto de exclamação, isto é, do impacto
inicial do terror, espera-se a frieza do estudo, e não a conclusão de que o fenômeno
pertence ao campo do inefável. O que dissemos em A cidade e seu duplo sobre a
tragédia de Realengo vale de modo ainda evidente para a recente tragédia de Suzano, na
qual é explicita a relação de imitação com o massacre de Columbine:
O jovem carioca, tão vítima quanto as outras, visou este caráter das imagens
reprodutíveis que definem nossa sociedade. Ele quis provocar um sofrimento
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na sociedade equivalente àquele que sentia em si mesmo, como vítima desta.
Tem seu ato por heroico, enquanto a mídia o expõe às avessas, pois o toma
como anomalia, enquanto no seu próprio julgamento é a sociedade que é
monstruosa, a qual seu ato bárbaro denuncia. [...]
É preciso lembrar que massacres com números de vítimas equivalentes são
comuns tanto em Salvador quanto na Faixa de Gaza (dentre as várias cidades
que não só autorizam, mas também promovem, corriqueiramente,
massacres)? (DRUMMOND, SAMPAIO, 2013, p. 68-69).
Não nos parece nada de inexplicável que jovens escolham como local de descarga da
violência a escola. Há um relato de Erasmo de Rotterdam (2008, p. 88), o qual ilustra
como a violência encontrava-se presente na escola, e que apesar do tempo que nos
separa, pode nos dar uma ideia de nossa própria violência escolar, herdada da milenar
pedagogia da violência: um educador, o teólogo, sem nenhum motivo real, inclusive
consciente disto, submete um menino de aparentes dez anos, recém-ingresso na
comunidade escolar, a uma humilhação gratuita por meio de um castigo violento, que
foi executado, então, pelo “prefeito do colégio”, mais conhecido por “cão de guarda”,
que:
lançou o menino ao chão e vergastou-o qual réu de sacrilégio. Aliás, o
teólogo chegou a bradar mais de uma vez: “Basta! Basta!”. O algoz,
ensurdecido pelo furor, persistia na macabra tarefa, não o tendo levado à
síncope por pouco. Voltou-se, então, o teólogo para nós e disse: “Nada disso
o menino merecia, mas era necessário humilhá-lo”.
Judith Butler (2017), na sua crítica da reivindicação da não violência, começa por
contestar a possibilidade de ela agir como princípio, como regra consistente de juízo
aplicável a qualquer situação. Devemos, afinal, sempre perguntar “contra quem?”,
“contra o que?” se dirige a reinvidicação da não violência (p. 233-235). Butler a toma,
pois, como um discurso ou, antes, um apelo, aquele que ela aceita em seu espaço de
conflito constitutivo: “a não violência não é um estado pacífico, mas uma luta social e
política para tornar a raiva articulada e efetiva” (p. 256).
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os levantes de vozes”. E não devemos nos esquecer de que há algum tempo não se
declara mais guerra por ganância, senão pelos direitos humanos.
Antes de tudo, a luta pela não violência, de que fala Butler, se efetiva no sujeito, na
medida em que recusa a norma através de sua iterabilidade (a possibilidade mesma de
alteração na repetição). Desse modo, uma crítica da violência descreve seu alcance no
sujeito enquanto performático, que repetindo a norma, luta contra ela em seus aspectos
violentos; a crítica reconhece como legítima pelo menos esta forma de violência, a que
se volta contra si como forma de combate dos preconceitos em si introjetados. A
confissão de Lévinas é uma norma de violência autoimposta, de uma luta que se trava
em si mesmo, sem a qual não se pode pensar na Ética.
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16
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Paulo César Lima de Souza. 10. ed. São Paulo: Companhia das letras, 1998.
___________. Obras incompletas. Seleção de textos de Gerard Lebrun. Tradução e
notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
RECH, Moisés João; LUCAS, João Ignácio Pires. Sapere aude – Belo Horizonte, v. 9,
n. 17, p. 100-118, jan./jun. 2018.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando,
2017. (Feminismos plurais).
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; Ensaio sobre a origem das línguas;
Discurso sobre as ciências e as artes; Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens. Trad. Lourdes Santos Machado. Introduções e notas:
Paul Arbousse-Bastide; Lorival Gomes Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os
pensadores).
17
SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. 2. ed. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2015.
_________; ALMEIDA, Suely Souza. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de
Janeiro: Livraria e Editora Revinter, 1995.
SARTRE, Jean-Paul. Prefácio à edição de 1861. In: FANON, Frantz. Os condenados
da terra. Tradução Enilce Albergaria Rocha, Lucy Magalhães. Minas Gerais: UFJF,
2015.
SOREL, G. Reflexões sobre a violência. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
ŽIŽEK, S. Violência: seis reflexões laterais. Tradução de Miguel Serras Pereira. São
Paulo: Boitempo, 2014.
18
Gênero e violência ética em Judith Bubler
Subprojeto 01
Resumo
Objetivo geral
Objetivos específicos
1. Descrever, a partir das obras de Butler e Foucault, a relação entre a teoria do sujeito
e a constituição de sua subjetividade;
2. Rever, na Genealogia da moral de Nietzsche, a emergência e desenvolvimento da
consciência moral como má-consciência;
3. Esclarecer como o relato de si, qual seja, implica em uma violência ética;
4. Elencar as formas de violência ética na constituição do gênero.
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Revisão de Literatura
A concepção de violência ética em Butler (2013, 2016, 2017, 2018) nos aponta a
necessidade de repensar as categorias sujeito, sexo e gênero. Ainda que Foucault (1988,
2017) não problematize a categoria gênero, sua crítica “indica os erros sustentados por
teorias que consideram ininteligíveis as formas marginais da sexualidade” (BUTLER,
2016, p. 25). Butler, nas obras em que analisa o sujeito que pertence aos gêneros
masculino e feminino e são representados por teorias feministas, desenvolve uma crítica
do campo da ética apontando o sujeito a partir da leitura de Foucault. Nesse contexto,
podemos perceber que tanto o sujeito quanto o gênero são produzidos como efeitos de
classificações consideradas naturais e são disseminados através da violência dos
discursos produzidos e consolidados através das instituições (família, grupos sociais,
escolas, etc.). Tanto Nietzsche quanto Foucault tematiza o sujeito como constituído a
partir do exterior, sem uma natureza predeterminada desde sempre. Na emergência
mesma do sujeito ético, eles encontram um processo longo:
Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro –
isto é o que chamo de interiorização do homem: é assim que no homem
cresce o que depois se denomina sua "alma". Todo o mundo interior,
originalmente delgado, como que entre duas membranas, foi se expandindo e
se estendendo, adquirindo profundidade, largura e altura, na medida em que o
homem foi inibido em sua descarga para fora. (NIETZSCHE, 1998, p.16)
Segundo Butler, “O sujeito é um efeito, e não uma causa dos discursos que o
constituem” (SALIH, 2012, p.91). Ainda que possua capacidade de ação e autonomia na
execução do ato de relatar a si mesmo, sofre as consequências de um relato que o obriga
a se enquadrar na busca da ética, como Butler salienta:
Não existe [...] conduta moral que não implique a constituição de si mesmo
como sujeito moral; nem tampouco constituição do sujeito moral sem
“modos de subjetivação”, sem uma “ascética” ou sem “práticas de si” que as
20
apoiem. A ação moral é indissociável dessas formas de atividades sobre si.
(FOUCAULT, 1988 apud BUTLER, 2017, p. 30)
Assim, podemos compreender que, tanto para Butler quanto para Foucault, o modo pelo
qual o sujeito se constrói a partir de uma teoria (no caso dessa pesquisa, da categoria
gênero), não o isenta das práticas que serão apoiadas nas valorações já presentes de
modo deliberado no meio social em que o sujeito vive.
Metodologia
O trabalho se caracteriza pela leitura atenta e análise de texto filosófico, sem querer
encontrar nada de oculto, sem buscar o que no fundo ele quis dizer ou o não-dito, e sim
com atenção: ao dito (o que se afirma, o que se nega), ao modo como é dito (as
expressões usadas, sua graça, estilo, forma de pensar, de argumentar e refutar, se
paródico ou não, se irônico ou assertivo), ao silenciado (muitas vezes uma reserva), a
21
quando é dito (na iminência de que guerra, sob o impacto de qual política) e a quem é
dito (afinal, a “humanidade” sempre tem um rosto). Assim, cabe destacar as passagens
em que Butler e outros filósofos refletem sobre a violência no relato de si, em relação ao
gênero.
Referências
22
Linguagem e violência a partir de Nietzsche
Rayanderson Castro
Subprojeto 02
Resumo
Objetivo Geral
Objetivos específicos
Revisão de Literatura
23
nenhum traço de violência na constituição da linguagem e, por outro lado, a crítica à
concepção representacionista da linguagem é demasiado insuficiente. Em parte, se pode
dizer que isto se deve porque Cassirer escreve antes propriamente da virada linguística,
e Gilson, ainda sob o impacto que o tsunami que a filosofia do segundo Wittgenstein
representa para toda a reflexão filosófica sobre a linguagem que o antecede. Todavia,
não é a partir de Wittgenstein ou mesmo dos pragmatistas que o tema da linguagem está
associado ao da violência, senão a partir de Nietzsche, cujo impacto se deu inclusive
sobre o próprio Wittgenstein (1991), quando este remete, em suas Aulas e Conversas
sobre estética, psicologia e fé religiosa, à famosa passagem sobre os sentidos do castigo
da Genealogia da moral (II, § 13). No caso, porém, apenas no aspecto anti-
representacionista, deixando de lado, precisamente o campo moral, caro a Nietzsche.
O que causa espanto não é o fato de que os outros não falem a nossa língua, e sim a
incontestável diferença de que não encontramos as mesmas coisas em outras culturas ou
quando revemos nossa própria história. Nietzsche trata os signos como históricos e não
só como arbitrários. Isto significa, nos termos de Saussure (2006), que o significante,
mas também o significado são convenções. O significante é arbitrário, tanto quanto o
significado é expressão da grei. Nesse sentido, Nietzsche concebe a relação entre
linguagem de forma muito mais próxima de Wittgenstein do que de Platão ou
Agostinho, de modo que se o reconhece como precursor da virada linguística da
filosofia no século XX do lado da filosofia continental, ao qual pertencem Foucault
24
(1975), Butler (1997) e Žižek (2014), enquanto Wittgenstein consta entre os filósofos
analíticos, precedido por Frege, ao lado de Bertrand Russell, e seguido por Quine.
Como dirá Barthes (2004, p. 15): “o signo é seguidor, gregário; em cada signo dorme
este monstro: um estereótipo: nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se arrasta
na língua” (grifo do autor). Ou, de modo ainda mais forte, “a língua, como desempenho
de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente:
fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer” (p. 14). Ora, se a
linguagem é gregária, então podemos situá-la legitimamente no campo das relações de
poder, a partir de Nietzsche, e divisar seus caracteres violentos.
Metodologia
O trabalho se caracteriza pela leitura atenta e análise de texto filosófico, sem querer
encontrar nada de oculto, sem buscar o que no fundo ele quis dizer ou o não-dito, e sim
com atenção: ao dito (o que se afirma, o que se nega), ao modo como é dito (as
expressões usadas, sua graça, estilo, forma de pensar, de argumentar e refutar, se
paródico ou não, se irônico ou assertivo), ao silenciado (muitas vezes uma reserva), a
quando é dito (na iminência de que guerra, sob o impacto de qual política) e a quem é
dito (afinal, a “humanidade” sempre tem um rosto). Assim, cabe destacar as passagens
em que Nietzsche e filósofos contemporâneos refletem sobre o caráter violento da
linguagem e compará-las entre si.
Referências Bibliográficas:
26
BARTHES, Roland. Aula: aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária do Colégio
de França, pronunciada dia 7 de janeiro de 1977. Tradução e posfácio de Leyla Perrone-
Moisés. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
BRUM, José Thomaz. Nietzsche: as artes do intelecto. São Paulo: L&PM, 1986. 80p.
(Universidade livre).
CASSIRER, Ernst. A filosofia das formas simbólicas: I- a linguagem. Tradução
Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Tópicos).
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura
humana. Tradução Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 391p.
(Tópicos).
CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. Trad. J. Guinsburg, Miriam Schnaidermann. 4.
ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. (Debates. Filosofia, 50).
FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Freud e Marx; Teatrum Philosoficum. Tradução:
Jorge Lima Barreto. Porto: Rés, 1975. (Cadernos de teoria e conhecimento, 1).
GILSON, Étienne. Lingüística e filosofía: ensayo sobre las constantes filosóficas del
linguagem. Version española de Francisco Béjar Hurtado. Madrid: Editorial Gredos,
1974. (Biblioteca hispánica de filosofia, 83).
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. São Paulo: Paz e terra, 1999, 110p.
(Biblioteca de filosofia e história das ciências, 22).
NIETZSCHE, Friedrich. Curso de Retórica. Tradução e apresentação de Thelma Lessa
da Fonseca. Cadernos de tradução, São Paulo: Departamento de Filosofia da USP, n. 4,
p. 21-68, 1999.
_________. Genealogia da moral: uma polêmica. Tradução, notas e posfácio Paulo
César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (Obras de Nietzsche).
__________. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. In: __________. Obras
incompletas. Seleção de textos de Gerard Lebrun. Tradução e notas de Rubens
Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 115-140.
PLATÃO. Crátilo. Trad. de Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora Universitária UFPA,
2001. 226 p.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Tradução de Antônio Chelini,
José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
WITTGENSTEIN, L. Aulas e conversas sobre estética, psicologia e fé religiosa.
Trad. Miguel Tamen. Lisboa: Cotovia, 1991.
ŽIŽEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. Trad. Miguel Serras Pereira. São
Paulo: Boitempo, 2014.
27
Precarização da vida e sexualidade em Butler
Pedro Edington
Subprojeto 03
Resumo
Objetivo Geral
Objetivos específicos
1. Descrever, a partir das obras de Butler e Foucault, a violência estatal incidida sobre
os corpos de sexualidades não binária;
2. Refletir sobre a relação entre a teoria do sujeito, os mecanismo de normatização e a
constituição de sua subjetividade;
3. Elencar as formas de violência na constituição do sujeito e de sua sexualidade.
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Revisão de Literatura
Para Butler o corpo é criado em esfera pública, na interação social, o corpo se torna um
discurso e uma performance: “O corpo está exposto a forças articuladas social e
politicamente, bem como a exigência de sociabilidade –incluindo a linguagem, o
trabalho e o desejo -, que tornam a subsistência e a propriedade do corpo possível”
(BUTLER, 2015, p. 73). Em vida precária Butler recorre a alguns conceitos de Levinas
para demostrar como um corpo carrega um significado, um rosto, que vai ser
identificado e reconhecido, em certas circunstancia acolhido e em outras combatido. A
partir do contexto social, conforme o conceito de reconhecimento de Lévinas, eu posso
reconhecer um rosto como familiar ou também posso reconhecer como inimigo e na
incerteza do que esse rosto possa fazer comigo, posso matá-lo.
O corpo que nasce na esfera pública, partilha com outros de um caminho traçado
previamente pelos enquadramentos normativos da vida. A organização dos corpos só é
possível porque existem mecanismos de poder que fazem com que eles se organizem.
Para Foucault, esses corpos estão sob um aspecto de submissão; eles são formados a
partir de interesses políticos, disciplinando-os para melhor manipulação. A partir da
disciplina se criam normas de comportamento e de relações: “O poder disciplinar tem
por correlato uma individualidade não só analítica e ‘celular’, mas também natural e
orgânica” (FOUCAULT, 2014, p. 54), a disciplina conduz a um processo de docilizarão
do corpo: “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode
ser transformado e aperfeiçoado” (ibid., p. 55). A ideia de aperfeiçoamento de corpo
está ligada à utilidade. Um corpo que faça suas obrigações, que trabalhe e seja útil a um
sistema que visa um maior acúmulo de capital, é mais útil que um corpo que se
questiona sobre o sistema.
29
Os corpos são moldados em normas. As normas são consideradas como naturais, pelo
menos quando não sofrem transformação recente. A dimensão que as normas atuam
acaba ultrapassando toda esfera humana no que diz respeito ao público, ou seja, as elas
atuam sobre todo aspecto social. A norma estabelece padrões não só de comportamento,
como também de subjetividade. O indivíduo que manifesta uma subjetividade diferente
da comum, normatizada, é taxado como corpo transgressor e sente em si o preconceito
estatal, a violência de diversas formas, inclusive com a restrição de sua ocupação social.
O aparato estatal de poder e as imposições de normas de gênero restringem
violentamente o corpo a marcas biológicas restritas por categorias identitárias e
heteronormativas; condenam a pessoa a uma vida precária. Esse corpo sofre de tantas
vulnerabilidades, falta de assistência e descuido de sua vida diante de uma sociedade
que o despreza e combate.
Metodologia
O trabalho se caracteriza pela leitura atenta e análise de texto filosófico, sem querer
encontrar nada de oculto, sem buscar o que no fundo ele quis dizer ou o não-dito, e sim
com atenção: ao dito (o que se afirma, o que se nega), ao modo como é dito (as
expressões usadas, sua graça, estilo, forma de pensar, de argumentar e refutar, se
paródico ou não, se irônico ou assertivo), ao silenciado (muitas vezes uma reserva), a
quando é dito (na iminência de que guerra, sob o impacto de qual política) e a quem é
dito (afinal, a “humanidade” sempre tem um rosto). Assim, cabe destacar as passagens
em que Butler e Foucault refletem sobre a violência estatal em relação à sexualidade e
ao gênero.
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Referências Bibliográficas
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: Notas sobre uma teoria
performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2018.
________. O parentesco é sempre tido como heterossexual?. Cad. Pagu [online]. n. 21,
p. 219-260, 2003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
83332003000200010&lng=pt> Acesso em: 01/04/2019.
________. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto?. Trad. Sérgio Tadeu
de Niemeyer Lamarão; Arnaldo Marques da Cunha. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2017
________. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Trad. Rogério Bettoni. Rio de
Janeiro: Autêntica, 2015.
________. Vida precária. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São
Carlos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, 2011,
n.1, p. 13-33.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Trad. Maria
Thereza da Costa Albuquerque, J. A. Guilhon Albuquerque. 12. ed. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1988. (Biblioteca de filosofia e história das ciências).
__________. Microfísica do poder. Organização e tradução: Roberto Machado. Rio de
Janeiro: Graal, 1999. p. 15-37. (Biblioteca e filosofia das ciências, 7).
__________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M. Pondé Vassalo.
Petrópolis: Vozes, 1977.
TEIXEIRA, Jaqueline Moraes. Mídia e performances de gênero na Igreja Universal: O
desafio Godllywood. Revista Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 34(2): 232-256,
2014. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rs/v34n2/0100-8587-rs-34-02-
0232.pdf>. Acesso em 01/04/2019.
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6) Participar da Jornada de Iniciação Científica e Tecnológica da UNEB com
apresentação dos resultados do projeto;
7) Apresentar comunicações em eventos acadêmicos
8) Escrever um artigo científico em parceria com o orientador sobre os resultados da
pesquisa.
Meta/ Atividade
Levantamento bibliográfico
Leitura exploratória de artigos e livros
Definição da bibliografia secundária
Leitura e fichamento da Bibliografia básica
Leitura de obras de
Reunião com o Grupo de pesquisa
Análise do material fichado
Análise da leitura de
Leitura de material complementar
Escrita dos resultados da pesquisa
Produção de Relatório
Produção de artigo com o orientador
Apresentação pública dos resultados da pesquisa
Participação na Jornada de Iniciação Científica e Tecnológica da UNEB com
apresentação dos resultados do projeto.
32