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Reflexões sobre a
“teoria do pensar”, de Bion
Reflection about the “theory of thinking”, by Bion
Waleska Pessato Farenzena Fochesatto
Resumo
O artigo surge em decorrência de uma reflexão sobre a teoria do pensar de Bion. A teoria
do pensar não se refere a uma função meramente cognitiva, mas fala da inauguração de um
espaço de autoria. Segundo Bion, a experiência de frustração vivida a partir de um aparelho
psíquico capaz de suportá-la origina um protopensamento, desenvolvendo então um aparelho
psíquico para pensá-lo. Em outras palavras, o pensar surge como uma solução para se lidar
com a frustração. A teoria do pensar possibilita um conhecimento sobre a formação do psi-
quismo, afinando a escuta para a aquisição da capacidade simbólica.
-lo, o resultado será uma sadia formação do Os elementos alfa não são a experiência da
pensamento através do que Bion denominou coisa em si, mas uma abstração e uma repre-
de função alfa, a qual integra as sensações sentação dessa, que enquanto se faz simulta-
provindas dos órgãos dos sentidos com as neamente representada em ambas as formas
respectivas emoções. No entanto, se o ódio consciente e inconsciente, fornece à persona-
for excessivo, protopensamentos denomina- lidade uma “visão binocular” da experiência,
dos por Bion de elementos beta — experiên- de onde deriva o “sentimento de confiança” na
cias sensoriais primitivas e caóticas que não sua realidade (MELTZER, 1998, p. 73).
puderam ser pensadas — encontram saída
através do alívio imediato de descarga, o que Os elementos beta, ao contrário, se proli-
é feito por meio de agitação motora, atuações feram de forma caótica e constituem o que
ou somatizações, mas que sempre utiliza a Bion chamou de pantalha beta, não possibi-
identificação projetiva como mecanismo. litando uma diferenciação entre consciente e
Assim, de acordo com essa teoria, a cons- inconsciente, entre fantasia e realidade, não
ciência de si depende da função alfa. Clara- permitindo a elaboração dos sonhos. Bion
mente influenciado por Melanie Klein, Bion (1994) mostra que nos pacientes psicóticos
coloca que é o êxito da posição depressi- prevalece a formação da pantalha beta, bem
va que permite a formação de símbolos, os como há uma prevalência da posição esqui-
quais substituem e representam todas as per- zoparanoide sobre a posição depressiva. Des-
das inevitáveis do curso do desenvolvimen- sa forma, o pensamento adquire uma con-
to. Consequentemente, a formação de sím- cretude, uma dureza, capaz de causar danos
bolos possibilita a capacidade de abstração e reais e precisam ser expulsos imediatamente.
criatividade, inscrevendo o sujeito no campo Não há possibilidade de simbolização. Re-
do simbólico. ferindo-se aos pensamentos que ainda não
Bion extraiu o termo função do campo da adquiriram um sentido tampouco um nome,
matemática e, segundo Zimerman, a equi- Bion coloca que nos psicóticos predomina o
valência entre ambos é que na matemática pensamento vazio, por isso nas situações de
função alude a um elemento variável que sa- angústia ele vem acompanhado de um estado
tisfaz os termos de uma equação, e do mes- psíquico que ele chamou de terror sem nome.
mo modo a função alfa representaria uma Além das duas formações citadas — alfa
incógnita à espera de uma realização para sa- e beta, Bion coloca uma terceira forma pos-
tisfazer-se. Assim, a função alfa, na teoria de sível de subjetivação que veio a denominar
Bion, é a primeira que predominantemente reversão da função alfa. Trata-se de casos
existe no aparelho psíquico. Ou seja, se o in- em que a função alfa já opera no psiquismo,
divíduo tiver capacidade de tolerar frustra- mas, por alguma dor vivida em excesso, ela
ção, é a função alfa que vai transformar as recua e produz elementos beta, já diferentes
primeiras impressões emocionais (prazer e dos originais. Nesses casos ocorre uma re-
dor) em elementos alfa. Estes últimos, sendo gressão rumo a um pensamento concreto, o
processados pela função alfa, abrirão passa- que, segundo Bion, pode regredir ao ponto
gem para os pensamentos oníricos, produção de chegar ao nível da linguagem das sensa-
de sonhos, memória e funções do intelecto. ções psíquicas corporais, como ocorre nos
Os elementos alfa é que darão origem ao que distúrbios psicossomáticos.
Bion chamou de barreira de contato, tendo a Ao propor sua teoria, Bion entende o
função de separar interno e externo, incons- pensar como um processo que depende de
ciente e consciente, estabelecendo uma espé- dois desenvolvimentos básicos: o primeiro é
cie de contorno e de alguma forma fornecen- o dos pensamentos que requerem um apare-
do ao sujeito uma sensação de integração. lho mental que deles se encarregue, e o se-
gundo é o desenvolvimento do aparelho que tece desde muito cedo. Realizações na teoria
inicialmente chamou de faculdade de pensar. bioniana, segundo Zimerman, consistem em
“O pensar passa a existir para dar conta dos experiências emocionais resultantes de frus-
pensamentos” (BION, 1994, p. 128). trações da onipotência do lactente e, por isso,
Isso significa que para Bion existe um ele precisa se voltar para o mundo real (real-
pensamento que é anterior à capacidade de -ização). Essa realização pode se desenrolar
pensar e que denominou pensamento sem de forma positiva ou negativa. Na realização
pensador. O próprio autor diz que sua teoria positiva há uma confirmação de que o objeto
difere de qualquer teoria do pensamento na necessitado está realmente presente e atende
medida em que considera o pensar um de- às suas necessidades. Na realização negativa
senvolvimento imposto à psique pela pressão o lactante não encontra um seio disponível
dos pensamentos, e não o contrário. para a satisfação, e essa ausência é vivencia-
Através do texto Uma teoria sobre o pen- da com a presença de um seio ausente mau
sar, Bion classifica os pensamentos conforme dentro dele.
sua natureza evolutiva: pré-concepções, con- De acordo com a teoria de Bion, o surgi-
cepções e conceitos. Coloca que a concepção mento da capacidade de pensar depende do
inicia através da conjunção de uma pré-con- quanto de frustração o bebê tem condições
cepção com uma realização. Por exemplo, de suportar, e isso também tem relação com
quando o bebê é colocado em contato com suas inatas demandas pulsionais. Mas, além
o seio real, a pré-concepção, que nada mais disso, Bion afirma que a capacidade de tole-
é do que a expectativa inata por um seio — rância do bebê em relação às frustrações de-
conhecimento a priori de um seio, se une à pende também fundamentalmente da forma
realização, dando origem a uma concepção. pela qual o cuidador recebe suas identifica-
Assim, as concepções estão associadas a uma ções projetivas. É aí que introduz a noção
experiência emocional de satisfação. O ter- de capacidade de reverie. Reverie vem do
mo pensamento é empregado por Bion para francês, significa ‘sonho’ e, segundo Zimer-
se referir ao resultado de uma pré-concepção man (1995), designa uma condição pela qual
com uma frustração. Seguindo essa lógica, o a mãe é capaz de captar o que se passa com
pensamento vazio equivale a uma pré-con- seu filho muito mais através de um estado de
cepção à espera de uma realização. Nas pa- sonho e intuição do que propriamente atra-
lavras de Bion: vés dos órgãos do sentido. A mãe-reverie é
aquela que consegue acolher, conter e fazer
O modelo que proponho é o de um bebê cuja ressonância com o que é projetado dentro
expectativa de um seio se una a uma “realiza- dela, dando sentido aos elementos beta ma-
ção” de um não-seio disponível para satisfação. ciçamente projetados e devolvendo elemen-
Essa união é vivida como um não seio, ou seio tos alfa nomeados e significados. Bion parte
“ausente”, dentro dele. O passo seguinte depen- da noção de que todos nós temos a priori
de da capacidade de o bebê tolerar frustração. recursos para desenvolver o pensar, por isso
Depende de que a decisão seja fugir da frustra- diz que há um pensamento em busca de um
ção ou modificá-la (BION, 1994, p. 129). pensador. Entretanto, essa capacidade pode
ser desenvolvida ou não, dependendo tam-
E modificá-la nesse contexto é abrir ca- bém da capacidade de reverie do cuidador.
minho para o universo simbólico e, conse-
quentemente, para a capacidade de pensar. O Considerações finais
pensar ao qual Bion se refere não fala de uma A produção deste artigo foi uma tentativa de
função meramente cognitiva, mas da inau- responder à pergunta introduzida no início,
guração de um espaço de autoria que acon- e ao término é possível constatar a impor-
R ecebido em : 0 8 / 1 0 / 2 0 1 3
A provado em : 2 9 / 1 0 / 2 0 1 3
S ob r e a au tor a